17 de abril de 2017

Quem Tem Medo de Virginia Woolf?


   Uma tarde de Páscoa pouco convencional, diria eu à partida. Pelo contrário, a evidência contornou-me as suspeitas: sala cheia, um preço agradável por ser Dia Mundial da Voz (e domingo de Páscoa) e uma peça fantástica, adaptação do filme de 1966 com a magnífica Elizabeth Taylor.

    A peça - deixo o filme para que o vejam; eu vi-o há muitos anos num dos serões da RTP2 - trata de uma noite entre dois casais, o anfitrião e o convidado. Alexandra Lencastre e Diogo Infante são, respectivamente, Martha e George, um casal na meia-idade, de classe média-alta, que vive em permanente conflito. Martha é filha do reitor da universidade local; George, professor no departamento de História. Convencem-se de que melhor será destruir os vinte e três (ou dois) anos de casamento pejados de mentiras, de humilhações - de infidelidades - muito embora tenha havido amor entre eles (se é que deixou de haver por algum momento).

    A meio da madrugada, entre copos a mais, passa-se de tudo, sendo que Martha é o vértice do perigoso desafio que aceitam implicitamente. Martha domina George. O seu pai, omnipresente, surge sempre que é necessário diminuir o marido, mostrá-lo como um tipo omisso, inerte, que vive na sombra do sogro, influente e rico na região. A desavença entre ambos, naquela noite, depressa envolve o jovem casal convidado, Nick, professor do departamento de Biologia, e a fútil e imatura Honey. Fica evidente um conluio de interesses que os une, a George e a Martha, e a Nick e a Martha e a Honey. Eles aproximaram-se delas em busca de uma concretização pessoal qualquer, e no caso de Nick, julgando Honey grávida de um filho seu (verificar-se-ia que era verdade). George propõe um jogo, pondo a nu os pecados da mulher, do colega e da mulher do colega. Revela-se o passado, descobrem-se as fragilidades de cada um dos quatro. Às tantas, a verdade e a mentira ombreiam-se mutuamente.

    Um casamento de farsa necessita de um estímulo, e Martha e George encontram-no na fantasia. Ao alvorecer, a "morte" do filho enfraquece-os, era essa a ligação que tinham. Nick e Honey, interpretados por Lia Carvalho e por José Pimentão, saem com os primeiros raios de sol, apercebendo-se da fragilidade daquele vínculo sem afecto, cercado de inseguranças e de  segundas intenções.  Martha e George, entretanto, terminam num abraço de desalento, exaustos do confronto, órfãos da ilusão que haviam criado e meio que descrentes no dia seguinte.

    A peça e o filme são um retrato dos defeitos e dos vícios que nos acompanham. Da desilusão. Da raiva, da necessidade de afirmação no ataque reiterado. Da desordem sentimental, do desequilíbrio emocional, do histrionismo. Do oportunismo. Da carência afectiva. Da frustração, na incapacidade em superar o fracasso pessoal e profissional.

    Gostei particularmente do desempenho de Alexandra Lencastre. Esteve fenomenal. Afinal, parece-me que consegue fazer melhor do que aquelas novelas de cacaracá. Diogo Infante sente-se seguro em palco. A idade amadureceu-lhe o talento. Os jovens actores como que ainda se procuram no meio artístico, mas vi-os com interesse.

     A peça estará no Teatro da Trindade, no Chiado, até ao dia 11 de Junho, e bem vale a pena.

4 comentários:

  1. Adorei a Alexandra, e nota-se os anos que passaram pelo Dioguito :)

    Adorei mais a companhia fabulosa e as bolachitas

    Grande abraço amigo

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    1. Sem dúvida. A companhia foi o melhor. :)

      um abraço grande!!

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  2. Ando a ver se vou ver essa peça também :P Convenceste-me :P

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