14 de dezembro de 2016

Dear Jesus.



   Lisboa, 14 de Dezembro de 2016,

   A Ti,


   Por tradição, por crença, por angústia - não descarto - cumpro com o costume de Te endereçar uma carta, sem o entusiasmo que, todavia, imprimo na invocação que habitualmente Te dirijo. Nem a fé permanece intacta ao desalento e ao desencanto que comporta viver. Dizem, os entendidos, que a Tua ausência no quotidiano dos homens se deve ao desígnio de testar até que ponto a lealdade resiste a tamanha provação. Não existiríamos em vão; o livre-arbítrio deixa-nos por nossa conta e risco. Até Tu careces de uma manifestação do nosso amor.

   Aqueles há que são pragmáticos. Se não vêem, não crêem. Recusam-se a acreditar num ser que se faz sentir desde o primeiro momento, por imposição, e que condiciona todas as nossas acções, seja por respeito ou por temor. De certo modo, lutam contra a solidão ao seu jeito, e percebem que melhor será interiorizar que estamos sós e que temos de zelar uns pelos outros. São auto-suficientes. Há os que que refutam a evidência do abandono, procurando incessantemente pelo conforto nos braços de um desconhecido, de que ninguém conhece o rosto, de que ninguém escutou a voz. Por fim, uns estão no meio-termo, no limbo entre a constatação do vazio e a imperiosa necessidade, umbilical, porventura, de encontrar um Pai celestial que os encaminhe. Eu estarei entre os últimos.

   As preces e as cartas não deixam de ser falaciosas. Um ser omnisciente conhecerá melhor o que queremos do que nós. E se a bonomia é infinita, o sofrimento dever-se-á às escolhas precipitadas. Há quem não tenha podido usufruir dessa oportunidade de ouro de poder decidir-se. Poderemos imputar-lhes um erro e, consequentemente, aplicar-lhes o castigo, na relação causa-efeito? À compreensão dos homens, soa a injusto. Os entendidos também dizem que a nossa linguagem e o nosso entendimento são inábeis para compreender os Teus motivos. Assemelha-se-me a cobardia, a resignação. Se não posso explicar, desisto e submeto-me sem questionar. É uma contradição, pois o homem é um ser pensante, que busca razões, que questiona o seu propósito na Terra. E culpa alguma terá por duvidar. Duvidar é legítimo, quando os nossos sentidos não captam essa força activa. Se me deparar com o vácuo, não acreditarei que estarei diante de um muro. A dúvida tem sido, pelos tempos, o motor do desenvolvimento em qualquer ciência. Seguramente que o Criador se congratula com o salto qualitativo entre o fogo e a lâmpada eléctrica. Somos impelidos à perfeição, o que se verifica nas leis que criamos para regular as nossas relações. Da barbárie, passámos, não sem dor, a sociedades mais justas e equilibradas. Se o homem é mau, eu diria que busca por ser bom; porém, na medida em que é imperfeito, tropeça no seu carácter.

   O bom pai zela pelos seus filhos, ajuda-os quando estes clamam pelo seu auxílio. E perdoa-lhes os falhos. Entre tamanho brilho, luzes, merchandising, não sei onde estás. Algures por aí, entre as guloseimas e os embrulhos. Haverá quem se lembre. Não gostaria de tamanho aparato pelo meu aniversário, devo dizer-Te. O que me indigna, e perdoar-me-ás a blasfémia, é que continuemos a fazer a festa, a comemorar sem o aniversariante. Já vai sendo tempo de surgires, de te evadires algures de uma caixa de oferta depositada aos pés da árvore, gesticulando e vociferando: «Hey, estou aqui! Não andaram iludidos. Tenho olhado por vocês desde aqui de cima». Até lá, não censures a descrença. É legítima, pois tudo o que temos e sabemos está numa compilação de livros a que nos sujeitam desde tenra idade e em representações, pouco fidedignas, diga-se, de uma religião que se queria tão-só da palavra, e não da imagem. Mas a presença é fundamental.

    Enquanto pensas em se hás-de encarar a minha sugestão com seriedade ou desconsiderar o meu atrevimento, peço-te que olhes por todos, e com um cumprimento reverencial me despeço.


lots of love,
Mark


8 comentários:

  1. Uma carta muito pessoal, que diz tudo. Acredito que Jesus Te Leu e Ouviu :)

    Uma carta deveras magnífica

    Grande abraço amigo

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  2. Olá Mark. Como sempre, um bonito texto. Fez-me pensar, aliás faz-me pensar porque já o li mais do que uma vez... e gosto tanto do que escreves. Creio que te terás esquecido, pelo menos com a ênfase equivalente, dos mais felizes - aqueles que acreditam - porque deles é o Reino dos Céus. Não sei a que grupo pertenço, ou talvez saltite entre os que acreditam, os que racionalizam, os que nem pensam no assunto... sei lá. Sei que era muito giro que um dia, de uma forma que ainda não descobrimos, era bom que Ele dissesse «Hey, estou aqui! Não andaram iludidos. Tenho olhado por vocês desde aqui de cima».
    Obrigado por me fazeres pensar.
    E desejo-te um Santo Natal.
    Com um grande abraço do P.

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    1. Olá, P. Saudades! Espero que estejas bem.

      Admito que não terei dado a devida ênfase, mas eu colocaria esses na segunda categoria, na dos que procuram conforto em Deus, refutando o abandono. Acreditam no Reino dos Céus, em suma.

      Eu é que agradeço as tuas palavras tão gentis. É bom saber que ainda estás aí, acompanhando-me.

      Um Santo Natal para ti também, e um grande abraço terno.

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  3. Gostei muito da sua carta. Tenho uma profunda admiração por pessoas que conseguem acreditar e ter fé, apesar de tudo, pois faz-me acreditar na humanidade.
    Desejo-lhe, e realmente espero que tenha, uma época de festas que lhe seja especialmente carinhosa e intimista, que o faça recordar que o Natal é algo de mágico, no nosso interior.
    Somos nós que o fazemos e, a maior parte das vezes, está na nossa mão partilhá-lo com quem gostamos.
    Goze estes momentos que, afinal, podemos tornar especiais, se assim o quisermos
    Manel

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    1. A fé ajuda, dizem, a suportar os momentos de maior aflição. O homem não consegue imaginar-se só. Eu oscilo entre a razão e a fé, porque a fé não é razoável. Não se explica.

      Está tudo na nossa mente, não é? Pode ser tudo tão simples se quisermos, e mais simples ainda é ter a consciência disso.

      Espero que o Manel tenha umas boas festas também.

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  4. Talvez Ele só se mostre a quem realmente acredita Nele e no que Ele realmente quis dizer-nos outrora. Daí tanto "secretismo" em voltar a mostrar-se perante nós. :)

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    1. Segundo a Bíblia, Deus não permite que mais algum homem possa vê-lo.

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