17 de outubro de 2013

Do liberalismo ao autoritarismo.


   Opondo-se ao absolutismo régio, o liberalismo vai surgindo nos finais do século XVIII como uma válida contraposição. Na mesma época da transição para o constitucionalismo, há ainda outra transposição: o republicanismo. Até ao advento da revolução norte-americana e da formação dos Estados Unidos da América (1776), o significado de república era outro. República vinha do latim res publica, algo que é público, de todos. Com o surgimento dos E.U.A, república adquiriu o sentido actual: não há um rei, mas sim um presidente sujeito a renovação periódica e limitada do cargo pela lei.

    Ora, uma das preocupações do estado liberal, porventura a maior, é a limitação do poder. O modo mais eficiente de limitar o poder é dividindo-o (" o poder limita o poder " ). Na visão política norte-americana, procurou limitar-se o poder também através do federalismo. A regra não foi seguida na Europa, sem prejuízo do caso suiço. 
    O liberalismo assenta em três poderes-base, chamemos-lhe assim: poder executivo, poder legislativo e poder judicial. Os poderes estão todos eles sujeitos ao princípio da legalidade. Nenhum poder pode extravasar os limites impostos pela lei. A formulação de um governo limitado pela lei é já bastante antiga, remontando a Jean Bodin (1530 - 1596). Este princípio levou a que em Portugal, nomeadamente, fossem abolidos os forais que não estavam de acordo com a lei. Mouzinho da Silveira (1780 - 1849) terminou com essa prática secular no nosso país.
     O princípio da igualdade é mais uma expressão do liberalismo: todos são iguais perante a lei, base fulcral de toda a sociedade assente na dignidade humana.

    John Locke (1632 - 1704) foi um dos principais teorizadores do liberalismo. Segundo Locke, existem direitos e o Estado tem de os proteger. A função do Estado é a da protecção dos direitos, contudo, sendo mínimo e pouco interventivo. Locke identificou três direitos anteriores ao próprio Estado: o direito à propriedade, à liberdade e à segurança. O constitucionalismo e a codificação das leis asseguram que estes direitos inalienáveis sejam tutelados. Foi apenas um pequeno passo para que o liberalismo caminhasse de mãos dadas com o positivismo, ou seja, a codificação que se registou ao longo de todo o século XIX.

     Ao lado destas formulações, a evolução histórica do liberalismo trouxe outras consequências: separação entre o Estado e a sociedade. Defendendo uma intervenção estatal mínima, os teóricos liberais rejeitaram contundentemente o designado paternalismo político.
     O capitalismo desenvolver-se-ia com o liberalismo, trazendo graves problemas para os trabalhadores, remetidos a condições indignas da condição humana, não diferindo muito dos escravos do Antigo Regime. Surgem movimentos anarquistas e as várias correntes do socialismo como forte oposição ao liberalismo. Na mesma época, Darwin (1809 - 1882) publica a sua obra A Origem das Espécies, propondo uma nova teoria para o desenvolvimento das diferentes espécies. Para este autor, só os melhor adaptados e os mais fortes sobrevivem. Estes conceitos, à partida interessantes e válidos, revelar-se-iam extremamente perigosos. O nazismo, ou nacional-socialismo, aproveitaria os ensinamentos de Darwin e proporia o Darwinismo político: pois bem, há espécies mais fortes do que outras, fundamentando a supremacia alemã sobre as demais.
      O liberalismo só seria definitivamente ultrapassado no final da I Guerra Mundial e a proliferação dos regimes anti-liberais (fascismos e nazismo). O que levou ao surgimento destes regimes? Com o final da Primeira Grande Guerra (1914 - 1918), a Europa encontrava-se arrasada economicamente. A assinatura do Armistício alemão acarretou graves e pesadas sanções àquele país. Hitler (1889 - 1945) surgiria como o Salvador, ao estilo do que acontecia em Portugal, sensivelmente pelos mesmos anos, com Oliveira Salazar (1889 - 1970) e a crise da I República (1910 - 1926). Hitler inspirar-se-ia, no seu anti-semitismo, numa ideia peregrina de inimigo público, alvos a eliminar. O Estado chamaria a si todas as competências e tudo controlaria. Fala-se do Estado total ou totalitário. Nele, não há margem para o individuo, ser autónomo, distinto, pedaço realizável da humanidade. O ser humano é, no Estado totalitário, um mero instrumento para a prossecução dos fins deste. Os meios de comunicação social, que começavam a despoletar, referindo a rádio e a imprensa escrita, por exemplo, eram meios de difusão da propaganda política. Importa referir que o Estado totalitário vai muito além do Estado absoluto: no modelo totalitário, não há individualidade. Como disse Mussolini (1883 - 1945): "Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado".
       Na Alemanha nazi, outro dos conceitos associado a este recrudescimento do Estado é o de espaço vital: a ideia de nação ultrapassa as próprias fronteiras. No caso alemão, a Alemanha eram todos os lugares onde residiam alemães, daí a anexação da Áustria, da Polónia e da Checoslováquia. Houve, também, resquícios de um imperialismo romano perdido.
     
     Em Portugal, não podemos falar de um totalitarismo, nem de um fascismo. Alguns autores, onde me incluo, têm insistido na definição de regime conservador, autoritário e corporativista. A definição é minha; a formulação é, apesar disso, partilhada, apenas. Elementos faltaram ao salazarismo para podermos considerá-lo como um fascismo. Salazar foi autoritário, não totalitário. A pessoa não desapareceu ante o Estado. Reforçou-se o Estado, porém, o indivíduo manteve-se. Autoritário pela existência de partido único, polícia política, repressão e censura.

     O fim dos regimes totalitários verificar-se-ia no pós II Guerra Mundial (1945). A afirmação das democracias seria um processo lento e gradual até aos finais do século XX.

10 comentários:

  1. Muito bom post

    Os meus Parabéns :)

    Abraço amigo

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    1. Obrigado por gostares, Francisco.

      Dá-me sempre imenso prazer escrever sobre História e ideias políticas.

      um abraço. :)

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  2. Curti muito seu texto Mark! Difícil ler isso tudo, pra mais eu de óculos kkk mas li com prazer e toda atenção :D O Salazar eu sabia que era o ditador de vocês no passado. Aí ele era amigo do Hitler, tipo eles falavam, se relacionavam? Eu li em alguma parte que o ditador da Espanha era íntimo do demônio lá :s

    Abraços!

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    1. Bom, foi ditador de Portugal por várias décadas, desde 1933 até 1968, ano em que foi substituído por outro ditador, digamos assim, Marcello Caetano.

      Não há indícios disso. Salazar era um estratega. Sabia movimentar-se bem nos 'corredores' internacionais. Ao que parece, apoiava indirectamente o Reino Unido através da concessão da base nos Açores (região autónoma de Portugal, arquipélago no Atlântico); por outro lado, diz-se que vendia produtos aos alemães, procurando evitar hostilidades. Nesse sentido, demitiu imediatamente um cônsul português que passou imensos vistos a judeus que queriam fugir da França (os nazis andavam por perto, chegando a ocupar uma parte da França e a entrar em Paris), Aristides de Sousa Mendes.

      Franco, sim, parece que era mais próximo de Hitler, embora se refiram diferenças graves entre ambos (segundo consta, uma invasão de Portugal chegou a ser conjecturada por Hitler em caso de necessidade, bem como a tomada de Gibraltar aos ingleses com o apoio espanhol, mas Franco afastou a hipótese). Em todo o caso, Franco era bem mais extremista que Salazar.

      Espero ter esclarecido alguma coisa. :)

      abraço. :)

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    2. aqui está uma reportagem sobre as minas de volfrâmio, que vi na sic há uns meses.
      http://www.youtube.com/watch?v=o513tQ1lfzo
      única exploração alemã de volfrâmio em Portugal durante a II GM.
      bjs.

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    3. Sim, lá está, os minerais de que os alemães precisavam. Salazar jogava com um 'pau de dois bicos'.

      Obrigado pela partilha, Margarida. :)

      beijinho.

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  3. Também gostei muito do 'artigo'.
    Para a semana irei visitar, sob guia, a nossa mui nobre, não obstante as máculas e descrenças, sede da democracia portuguesa: a Assembleia da República.

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    1. Obrigado, Alex. :)

      Acreditas que nunca fui lá? Pois é... As escolas aqui tomam como garantido de que, se somos de cá, conhecemos a AR. As visitas de estudo são organizadas, sobretudo, para as pessoas de fora da cidade.

      Espero que te divirtas e que o tempo esteja bom. :)

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