Nem sempre ia para o colégio. Por vezes, os pais preferiam passar o dia comigo, levando-me a passear entre reuniões da empresa e conversas de adultos que aprendi a compreender e a aceitar. Um mundo natural para alguém que cresceu no limiar da inocência com a complexidade dos crescidos, ouvindo palavras à partida incompreensíveis, desabafando com as sociedades da Playmobil que aprendera desde cedo a construir na carpete do quarto dos brinquedos. Lá, as crianças brincavam nos baloiços ante os olhares complacentes e divertidos dos pais, homens e mulheres tão comuns que até sujavam a roupa ao comer um gelado, que bebiam sumos de mil sabores no meio de gargalhadas espontâneas e conversas sobre o futuro. Um mundo onde era tão natural sentar as crianças nos colos e confortá-las quando esfolavam o joelho em quedas precipitadas das bicicletas. A realidade na qual entrava e de onde saía quando me puxavam pela mão e me sentavam nas traseiras do carro.
A mãe seguia nervosa no banco do acompanhante. Enquanto observava as carreiras de árvores que a velocidade deixava para trás, ouvia os seus queixumes ao telefone. Perdera uma conferência importante porque me prometera a tarde. O dia que nunca lhe cobrei, embora os passeios do colégio se tornassem repetitivos. Mudavam os lugares, contudo, a falta de carinho verdadeiro era uma constante. Amor que não tem o preço de uma mensalidade fixa, que não se troca como um cheque por um recibo bem descrito.
Abracei o Gil com força. Um dos peluches mais giros que me comprara. Felpudo, tinha as medidas da protecção de que necessitava. A minha mão quase se perdia na sua, maior, descontrolada. A mão de quem ama e quer, certamente, mas não talhada para compreender as necessidades de uma criança, habituada a assinar papéis e a apertar o cinismo que rodeia quem faz do dinheiro o epicentro da vida.
Quando cheguei a casa, apresentei o Gil ao Simba e contei-lhe, ao último, como correra o dia. Quis dizer-lhe que fui feliz, que a mãe me levara ao parque dos escorregas, que me deixara correr ao menos uma vez na vida, despreocupando-se com a camisa que nunca chegou a suar, nem a conhecer uma nódoa de molho de morango. Que pela primeira vez fora uma criança como as demais, num planeta em que os bonequinhos não são mais felizes do que os humanos. O que deixei no desenho e arrumei na gaveta dos sonhos.
Uma forma muito original e bastante pessoal de comemorares o dia da criança.
ResponderEliminarBem escrito, como é teu timbre.
É um dia do qual tenho recordações várias.
EliminarAí é dia das crianças? Feliz Dia das Crianças! Nunca guarde a caixa de brinquedos!
ResponderEliminarAbraços!
Sim, é. :)
EliminarInfelizmente, já os guardei.
abraço.
Um texto lindo, como é teu hábito :-)
ResponderEliminarÉ bom que tenhamos boas recordações da nossa infância, não apenas desse dia. Eu comemorei o dia de hoje com uma ida à praia :-)
Obrigado, sad. :)
EliminarE, por favor, deixa a tua menina correr, sujar-se, tropeçar e cair. Deixa-a ser criança. Isto é uma mera invocação; evidentemente serás um pai exímio. A vida, tarde ou cedo, vem cobrar-nos o que não vivemos no devido tempo.
Feliz dia da Criança e que a tenhas sempre dentro de ti
ResponderEliminarAtreve-te, desafia-te, aventura-te :)
Passaram anos, mas não é tarde para correres e comeres gelados ;)
Abraço
... mas eu tenho comido gelados e já na altura os comia. Só que não me sujava! :D
Eliminarabraço.
Tiveste, por certo, uma infância priveligiada, no seio de uma família socialmente bem colocada e, contudo, prezas a sujeira e a liberdade de uma brincadeira de rapaz 'pobre'.
ResponderEliminar:) Feliz dia da criança!
Não sei até que ponto terei sido privilegiado.
EliminarFeliz dia da criança, Alex. :)
escreves tão bem, mas achei a tua história triste. se eu pudesse regressar atrás, à minha infância, levava-te comigo. teríamos os dois oito, nove anos, corríamos na aldeia, andávamos em cima dos carris do caminho-de-ferro, ajoelhávamo-nos e colávamos a orelha nos carris para ouvir a automotora a aproximar-se, comíamos amoras, morangos, subíamos às árvores e comíamos ameixas vermelhas mesmo sem lavar e nunca ficávamos doentes (excepto uma ou outra dor de barriga por enfardá-las a torto e a direito :D). à noite, olhávamos uma lua imensa e prateada deitados na eira e esticávamos o braço e quase a tocávamos. também esfolavas os joelhos e caías de chapa na piscina da quinta :P
ResponderEliminarbjs.
... e eu iria adorar tudo isso. :D
Eliminarbeijinho, querida Margarida.
Nunca é tarde para ivermos felizes, para sermos felizes. Esta memória da tua infância é triste. Senti que estavas profundamente infeliz e a sentires-te culpado. Pois está mais do que na hora de te perdoares. E de repetires a experiência. Vai buscar a tua caixa de playmobil's, leva-os para o teu quarto e brinca. Convida o Simba e o Gil a fazerem-te companhia e abraça-os.
ResponderEliminarEu ainda faço isso às vezes! ;)
Acredita que valerá a pena. Esquece tudo o resto!
A vida já é demasiado difícil e séria para a levarmos a sério! ^^
Hughie :*
Acredita, às vezes tenho vontade de tirar as caixas e caixas da Playmobil e voltar a brincar. Todavia, hoje tenho outras responsabilidades e falta-me o tempo para recuar à infância... :)
Eliminarabraço.
Bonito, porém triste como falaram aqui :( Acho que tá sempre a tempo: corra, divirta-se, seja feliz e faça tudo aquilo que não fez a tempo. Sempre é tempo pra ser feliz!! Corra logo e seja feliz. :)
ResponderEliminarAbraços!!
É verdade, não há tempo para se ser feliz. :)
EliminarMuito obrigado pelas tuas palavras. Deram-me um alento bom. :)
abraço.
Muito bonito este teu texto. As memórias de infância têm sempre um lado tão solitário. Vi-te perfeitamente sentado no carro a olhar para as árvores a desfilar...
ResponderEliminarAbraço Mark
:)
Eliminarabraço, Arrakis. :)
bom texto, de certeza que com a tua infância aprendeste coisas que muitos outros não aprenderam mas tal como percebo no teu texto, eu também prefiro dar liberdade ás crianças, só caindo é que se aprende a levantar.
ResponderEliminaruma criança tem que ter o direito de ser uma criança e não um pequeno adulto.
abraço :)
Não terei sido um "pequeno adulto", mas lidei muito com os adultos e cresci entre eles, sim, de facto. :) Teve o seu lado bom. Digamos que desenvolvi o meu intelecto precocemente, ouvindo as suas conversas, lendo os seus livros, aprendendo com a sua experiência...
EliminarEu brinquei, brinquei muito, apenas não fiz também o que deveria ter feito.
abraço. :)
A infância é a melhor parte da nossa vida! Com certeza! Uma época sem preocupações, sem desilusões fortes,só com o compromisso de brincar e ir para a escola.
ResponderEliminarPena que não dá para voltar atrás.
Feliz Dias das Crianças atrasado para todas as crianças portuguesas. Para você também,Mark,pois,não deixamos de ser crianças.No fundo temos muitas coisas dessa época que nos fazem pessoas mais leves e divertidas.
Sem dúvida, o melhor período das nossas vidas. :')
EliminarObrigado, Tiago. ^^
Tiveste uma infância muito especial, com momentos bons e outros menos bons (isto é transversal a todas, claro), mas com algumas figuras de referência que marcaram a construção da tua personalidade. Pensei que falasses na avó, a quem sempre dedicas muita ternura. Mas também ficou um bonito texto assim. :D
ResponderEliminarSim, a avó, Coelhinho. Olha, ficou assim, mas realmente é uma falha minha! Mea culpa. :D
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