5 de junho de 2013

Moçambique.


    O pai nasceu no Moçambique colonial, terra onde nunca estive, e por lá ficou toda a infância e adolescência. Acasos da vida, tendo o avô partido à descoberta daquela província ultramarina devido a negócios de família, conhecendo a avó, moçambicana de gerações, filha de uma metrópole que não conhecia e que nem tinha curiosidade de visitar. Crescer longe de Portugal influenciou decisivamente a personalidade do pai. Veio cá algures no anos 60, já quando a terrível Guerra Colonial assombrava os destinos da sua terra-natal, para partir rumo ao Brasil até princípios da década de 80. A Europa pouco lhe dizia. Português só de lei.

    Souberam ensinar-me a cultivar a curiosidade e o carinho por Moçambique através de relatos e fotos, muitas e muitas fotos, antigas. Fotos das propriedades (que perderam), dos empreendimentos (que perderam), da vida, abandonada. Algo que transcende regimes políticos, fronteiras e nacionalismos: pessoas que viviam em paz,  no sossego dos seu lares, confraternizando saudavelmente com os nativos. Não havia preconceito racial. As crianças brincavam juntas, indianas, chinesas, negras e brancas, uma multirracialidade que não conhecia os maus ventos da vizinha África do Sul.

    Envoltos em questões que lhes eram indiferentes, muitos viram-se obrigados a deixar tudo para trás. Só o desconhecido e alguma incerteza pairavam no seus pensamentos. Mataram e foram mortos. Fazendas incendiadas, famílias inteiras chacinadas em banhos de sangue evitáveis. Laços de séculos quebrados à força, ganhando elites políticas, as verdadeiras heroínas dos movimentos de emancipação. De terra próspera, Moçambique tornou-se um campo de batalha. À independência seguiu-se a guerra civil, devastadora, que destruiu as infraestruturas coloniais, empobrecendo ainda mais os alicerces de um país recente, débil e carente dos bens essenciais à sua população.
    Quarenta anos depois, Portugal e Moçambique estão, por fim, separados. Une-os uma língua de projecção fraca no último, mais língua oficial e franca do que nacional, falada por parcos milhões. Os moçambicanos, longes da antiga metrópole, acolhem-se no extremo sul do continente, falando inglês e perdendo um pouco da sua cultura portuguesa.

     Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Não poderia concordar mais. Após a II Guerra Mundial, as potências europeias descolonizaram. O Reino Unido criou a Commonwealth, da qual Moçambique faz parte, curiosamente; a França a La Francophonie; nós, mal e tardiamente, a CPLP, virada para aspectos culturais e pouco mais. Terá sido o colonialismo português igual ao inglês e ao francês, ao espanhol, ao alemão e ao belga, países que 'descobriram' África nos finais do século XIX? Como contestar a autoridade de um reino que se impôs no continente africano desde o longínquo século XV, travando contacto com aqueles povos, fundando cidades, construindo feitorias ao longo da costa, criando raízes profundas? A moral ocidental, fria, racional, mercantilista, não o pôde compreender porque lhe faltava o essencial: história. Portugal, debilitado, cansado de tumultos internos e externos, cedeu. E fê-lo perante partidos políticos cá e no ultramar que pouco ou nada se importavam com a vontade popular, sobretudo lá, não questionando aqueles povos acerca do que queriam para o seu destino comum. Não explicaram em que consistia uma solução federal, benéfica para ambos os lados, como algumas vozes defendiam - sensatamente, diga-se. Optou-se pela ruptura total, aniquilando-se séculos de convívio. Não houve vencedores neste processo. Todos saíram vencidos.

     Ganhou a intolerância, os interesses subjacentes, os ressentimentos com a história que todos partilhamos.


24 comentários:

  1. Uma grande franja dos meus clientes são ora moçambicanos ou portugueses retornados e deixa-me que te diga que todos têm uma energia muito especial. Gente boa, sem dúvida.

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    1. O moçambicano é especial. :) A comunidade moçambicana em Portugal é a menor de todos os PALOP. Felizmente, tenho a sorte de ter uma avó moçambicana, ou seja, há algo mais do que uma mera passagem por Moçambique. O avô passou por lá, mas a avó é nativa.

      ^^

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  2. É bastante interessante a tua leitura, que não deixa de transparecer o lugar de onde é proferida, como é, aliás, natural.
    Para mim, europeu, 'confraternizando saudavelmente com os nativos' soa-me, instintivamente, a frase rácica (não iria tão longe ao ponto de afirmá-la racista, mas é, sem dúvida, imperialista).
    Não posso deixar de assumir o lugar de advogado de esquerda, afirmando que os senhores feudais, brancos, colonizadores fizeram grande parte da sua fortuna à custa de salários baixos (quando existiam), falta de educação e condições não raramente precárias (a que o povo 'nativo' já estaria habituado, por certo, mas vedando-lhe privilégios).
    No meio disto tudo, terá havido excelentes relações entre brancos e 'nativos', não contesto, e o desenvolvimento dos negócios dos brancos sempre teria uma repercussão (ainda que mínima) na melhoria do estado civilizacional da nação por inteiro. Mas discordo dessa visão de 'menino branco' filho de 'colonizador branco' de que Moçambique seria um paraíso para todos os habitantes - sê-lo-ia, certamente, para os priveligiados, longe de ser um estado social à semelhança do modelo europeu. Mas sou suspeito na minha avaliação - o meu lugar e a minha educação, ainda que conscientes, são de europeu, e de pendor socialista (de que me orgulho, contudo, por ser igualitário).
    O processo de descolonização portuguesa foi a maior trapalhada da nossa história, mas não aceito como boa alternativa uma federalização. Aqueles países e regiões têm identidades próprias, línguas próprias, não foram subjugados e escravizados por vontade própria, e devem construir-se por si próprios (tomando as suas decisões e estratégias) sem imperialistas.

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    1. Alex, muito obrigado pela tua opinião. :)

      Não entendeste o alcance das minhas palavras e tiraste conclusões precipitadas na tua análise. A minha visão é totalmente equidistante, até porque sempre pensei por mim mesmo. Não me ensinaram a defender o modelo federalista, muito menos o colonial, com o qual todos discordamos. Sinto que a palavra "nativo" te causou algum incómodo; pois bem, referia-me aos naturais de Moçambique, não-colonos, sem qualquer carácter pejorativo. Nem poderia ser de outro modo: a minha avó é moçambicana, logo, não sou um 'menino branco' a falar. Não tenho uma visão imperialista: abordei o convívio saudável entre várias culturas, daí a minha observação em relação às crianças que brincavam entre si, não olhando à cor da pele, onde fiz um paralelismo com o regime sul-africano. Não vejo absolutamente nada de rácico e lamento profundamente que o tenhas entendido assim.

      Claro que houve exploração, mas há exploração em todas as épocas e em todos os lugares. Posso falar apenas da actuação da minha família e por ela respondo. Foi sempre a mais justa e humana, daí defender um modelo federal puro, talvez utópico, quebrando-se com quaisquer laços esclavagistas e feudais como tão bem referiste.
      A Guiana Francesa mantém-se como um território da França, não existindo entre elas uma relação subserviente.

      Moçambique não era um estado social assim como Portugal não o era. O estado social surgiu com Marcello Caetano, já nos últimos anos do decrépito regime; de facto, após a Constituição de 1976.

      Os povos africanos de expressão portuguesa não vivem melhor agora. Continuam subjugados por elites políticas que retiram da riqueza do país vantagens para si próprias, não a distribuindo pela população. Em muitos desses países não há eleições livres, mantendo-se os mesmos rostos perpetuamente nos cargos, décadas e décadas a fio. À independência seguiu-se a destruição total, o caos. Reerguem-se agora, aos poucos. Em tudo isto, Portugal tem culpa e foi nesse sentido que apresentei a minha solução. Nela, seriam respeitados os elementos identitários daqueles povos. Aliás, os maiores impedimentos não seriam por aí. Falta de vontade, quanto muito.

      Por último, se sentiste que o meu texto tem algo da direita política, equivocaste-te. Não sou de direita; considero-me uma pessoa de esquerda, apesar dessas distinções já nem fazerem sentido.

      Moçambique é independente e assim seguirá. Só quero ver aquela terra bem, apesar de nunca ter lá estado. ^^

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  3. Nossa,Mark! Este vídeo me surpreendeu! Não sabia que Moçambique foi deste jeito. Acho a sua solução bem plausível, se levarmos em consideração outros Estados formados por povos diferentes,como o Canadá e sua Québec francesa, A Suíça com os alemães,franceses e italianos, A Bélgica e até mesmo a Espanha,apesar daquela briga toda com os catalães e tal. Mas caberia melhor nesse tempo do vídeo, hoje seria bem complicado,acredito que os moçambicanos não gostariam mais. Enfim, que bonita cidade! Colorida! Me Fez lembrar do Brasil com gentes de diferentes origens.

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    1. Sim, Moçambique ficou praticamente destruído após duas guerras terríveis: a Guerra Colonial e a Guerra Civil.

      Obrigado por compreenderes o meu ponto de vista, mas seria uma solução quase ímpar, só encontrando semelhanças com a Guiana Francesa e a França metropolitana e, talvez, com os Países Baixos e as Antilhas Neerlandesas. Eu quando escrevi este texto ponderei os prós e contras e soube de antemão que seria um pouco polémico. Defendo uma visão federalista, ou melhor, nem defendo nada. Foi uma divagação... já não há nada a fazer.

      Soube que poderiam encontrar semelhanças entre o que escrevi e a "nação transcontinental e multirracial" de Oliveira Salazar ou até com o modelo que Spínola defendia, mas o meu modelo seria justo e equilibrado, por isso, utópico. :)

      Nunca estive em Lourenço Marques, actual Maputo, mas o pai diz-me maravilhas. Claro!, há muito de Moçambique no Brasil. Contingentes de moçambicanos foram levados para as terras de Vera-Cruz; com eles foi muita da musicalidade do português do Brasil. Angola aqui teve um papel mais determinante. :)

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  4. Moçambique é um país interessante e gostava muito de o conhecer, e também para ver a obra colonial que é muito significativa.
    E tenho uma grande admiração por muitos moçambicanos que conheço e conheci.
    Abraço

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    1. É um povo humilde e sofrido por guerras, fome, doenças, intempéries... :| Estive para ir lá com os pais, mas tiveram medo de me levar. Foi nos finais dos anos 90. Não pela guerra, que havia terminado, mas pela minha asma. Como é um clima tropical. E depois aquelas doenças tropicais, enfim, a mãe levou a sua avante. :D

      abraço.

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  5. Aí está um destino que eu adoraria conhecer ;)

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  6. Li, claro, o teu texto com interesse acrescido, e gostei de conhecer a tua ligação a Moçambique. E cumprimento-te mais uma vez pela tua escrita sempre tão cuidada: é sempre um prazer ler-te, para mais quando o tema nos diz tanto.

    A realidade pode ser sempre vista de muitas perspectivas, e nem falo de diversas posições ideológicas ou pontos de vista: a própria realidade é tão 'poliedrica', que o mesmo observador pode olhar para ela a partir de diferentes abordagens.

    Tudo o que referes no texto não deixa, creio eu, de ter correspondência na verdade histórica. Moçambique era de facto uma sociedade multiracial e onde o convívio entre raças era fácil. Mas era igualmente uma sociedade hierarquizada em absoluto, e os diversos patamares dessa hierarquia inegavelmente condiziam com a questão rácica: os negros eram, na sua grande maioria, pobres e excluídos, e só poderiam almejar, na esfera da sociedade branca, aos empregos na base da pirâmide; havia os negros assimilados, que eram aqueles que tinham instrução, conseguiam empregos na administração pública, e faziam uma espécie de trade off: afastavam-se dos seus irmãos de raça, por quem sentiam, no mínimo, desdém, e em troca viviam o 'sonho europeu', imitando o estilo de vida dos brancos; depois havia as diversas comunidades estrangeiras, os indianos, os chineses, etc, que mantinham as suas comunidades muito fechadas, e instalavam-se em sectores muito específicos da actividade económica; depois havia os brancos pobres, operários, comerciantes, muitos deles a viver no mato a explorar as chamadas 'cantinas', a centenas ou milhares de quilómetros das cidades 'brancas'; e depois havia a classe média do paraíso colonial (na qual a minha família se incluía), funcionários públicos, empregados de indústria e do sector terciário; e, finalmente, as elites brancas: as do dinheiro, as da cultura, e as do regime.

    Quanto à descolonização, na minha opinião a história não conhece planos B. Acontece aquilo que tem de acontecer, e da maneira como é possível acontecer. No contexto de 1974, 1975, não eram possíveis outras soluções, a corda estava demasiado esticada, o contexto mundial era o dos blocos e da guerra fria. Costumo dizer que ninguém consegue suster os ventos da história, e quando eles sopram numa determinada direcção, deves aproveitá-los e não contrariá-los! O regime português de Salazar e Caetano tentou suster, durante 30 anos, de facto desde o fim da II grande guerra, o vendaval que desfez os velhos impérios coloniais; e por isso o império colonial português caiu tarde, sem glória e sem honra.

    Apesar de a minha família ter sido aquilo que se designa por 'vítimas do processo de descolonização', nunca me queixei, nem revoltei, nem me senti vítima de nada, nunca achei sequer que isso tinha sido mau. Pelo contrário, tenho vivências e memórias de mundos que acabaram, e de outros que começaram; mudei de vida e de país, e já tive oportunidade de regressar à minha terra e perceber porque é que a amo tanto. Tenho amigos de antes, de durante e de depois. Tudo isso são privilégios que se eu tivesse nascido noutro tempo ou noutro meio não tinha tido a possibilidade de viver.

    Sabes que eu e o João 'Pinguim' coincidimos em Nampula, no norte de Moçambique, durante o mesmo tempo, ele um jovem capitão do exército português, eu um adolescente filho de uma familia branca. É ou não um verdadeiro privilégio que o João e eu nos venhamos a tornar bons amigos, tantos anos depois, partilhando desse passado onde nos 'descruzámos'?

    Só mais uma nota: não só sou natural de Moçambique, como os meus pais e os meus avós maternos também são e eram naturais de Lourenço Marques. A minha mãe e eu não conhecíamos sequer Portugal até virmos em 1976/77 viver para cá. Sinto-me um moçambicano, porque tenho consciência de onde venho. Mas sou um português, porque sei bem onde estou.

    abraço

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    1. Miguel, muito obrigado pelo teu comentário. Fizeste uma análise extraordinariamente rigorosa e clarividente da realidade colonial de Moçambique. Não há nada a acrescentar ou a comentar. :) É um facto.

      Existiam os chamados indígenas, aliás, com um regime especial, o terrível "Estatuto do Indígena", revogado por Adriano Moreira aquando do seu cargo como Ministro do Ultramar. Para conseguirem o estatuto de assimilados, tinham de ser católicos, estar integrados devidamente na cultura portuguesa, etc. Uma série de requisitos que um olhar atento do século XXI abomina e considera injustos. E assim foi.

      Os avós tinham interesses em Moçambique. O avô, digamos, sobretudo devido à família paterna. Estabeleceram-se por lá e o avô foi obrigado a rumar à antiga província. Lá conheceu a avó, moçambicana de várias gerações, como referi, apaixonaram-se, namoraram e casaram. :) A guerra e a perspicácia dos avós levou-os a sair quanto antes de Moçambique, pese embora Lourenço Marques não tivesse guerra. A avó não conhecia a metrópole. O 25 de Abril levou-os para o Brasil devido a várias injustiças que se cometeram nesse período que a História ainda reescreverá. Não foi totalmente benéfico como ainda se dá a entender. Teve, como em tudo, um lado bom e um lado menos bom, eufemisticamente falando.

      Na altura não havia soluções, tens razão. A minha visão romântica falou mais alto. Tanto os E.U.A como a União Soviética tinham interesses vários no fornecimento de armas e na própria expansão das suas ideologias. A solução federal, admitindo-se que encontraria acolhimento nesses povos, o que seria manifestamente impossível tanto pelo MPLA, FRELIMO ou PAIGC, também encontraria resistência por parte dos chamados blocos. O que me move é apenas e somente a História. Não olho aos interesses dos portugueses, apesar de poder dar a entender isso. Custa-me que tudo tenha terminado assim, séculos e séculos de algo que nem sempre foi bom, onde certamente se cometeram inúmeros e flagrantes erros, mas jamais poderemos olhar para a História e compreendê-la com a visão actual que temos dos conceitos de direitos humanos e justiça.

      A tua relação com o João é realmente engraçada. Sabia que o João tinha estado em Moçambique, contudo, desconhecia a tua ligação àquele país, para mais na mesma cidade! :D Temos algo curioso também: tanto tu quanto eu temos ascendentes naturais de Moçambique: no teu caso, os teus pais e avós maternos; no meu, a minha avó paterna. :)

      abraço.

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    2. Miguel, excelente testemunho, análise e escrita.

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    3. obrigado pela cortesia, Alex.

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  7. Eu nasci em Angola, vivi lá até aos 14 anos e revi muito do que aconteceu nas tuas palavras. Foi um país que me moldou e tenho memórias extraordinárias dessa época. Também lá vi de tudo, desde gente boa aos maiores racistas que há, que exploravam e faziam o que bem lhe apetecia a coberto de uma ditadura que lhes dava carta branca para agirem como bem entendessem. Nesse sentido, acho que o teu post e o comentário do Alex se complementam, porque a realidade não era a preto e branco, mas matizada de zonas cinzentas. Para não falar da descolonização, que foi a maior aberração da moderna história portuguesa e que não foi boa para ninguém, nem para nós, nem para eles. O resultado é que hoje Angola vive subjugada por um ditador do pior, instalado no governo há anos e que maltrata, rouba e asfixia o seu povo. Já tive várias oportunidades de lá voltar, mas simplesmente não sou capaz de ver aquele país naquele estado.
    Penso que o que se passou em Moçambique não deve ter andado muito longe desta realidade.

    Abraço Mark.

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    1. Sim, Arrakis! Os avós já me contaram episódios de senhores 'brancos' que maltratavam os seus empregados negros, numa relação de quase escravatura. Era muito difícil controlar e fiscalizar essas actuações, embora Portugal tivesse abolido a escravatura, no Ultramar, no século XIX. Os avós trouxeram dois antigos empregados para Portugal, é verdade. :) Pediram para vir e eles lá conseguiram trazê-los.

      A descolonização, pelo menos nos moldes em que foi feita, foi um desastre, daí defender a solução federal. Ninguém ganhou. Nem aqueles povos, que continuam subjugados e totalmente explorados, nem Portugal, que dependia das suas províncias como de "pão para a boca".
      Vejo nas tuas palavras que compreendes o que sinto. No meu caso, move-me mais a História do que a parte social ou económica: custa-me ver a potência que já foi senhora de um vasto império reduzida a uns quilómetros quadrados na Europa e dois arquipélagos pelo Atlântico. :|

      abraço.

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  8. Eu fiz a maior parte da guerra colonial em Moçambique, na provincia do Niassa, cuja capital era Vila Cabral, hoje Lichinga, e pertencendo à circuncrição de Marrupa. Conheci razoavelmente bem Nampula, Nacala e a maravilhosa Ilha de Moçambique, detestei a Beira, as suas gentes e o seu desorganizado urbanismo e visitei apenas uma vez Lourenço Marques, hoje Maputo.
    Como comandei uma Companhia de formação local, tive o suficiente tempo para conhecer algo do poco moçambicano, quer o negro, colonizado, como o branco, colonizador, pois tive elementos de ambos sob o meu comando.
    Não me apercebi de grandes determinações nos negros, que aliás estavam numa posição ingrata, pois estavam integrados num exército que lutava contra a sua auto-administração, excepção feita a um indivíduo, um cabo enfermeiro, com alguma cultura de esquerda e que me foi muito útil, após o 25 de Abril.
    Já os poucos oficiais e sargentos brancos que ali estavam me deram uma manifesta má impressão, pois a sua ideia era que consideravam inconcebível deixar o conforto de LM, para irem actuar no Norte, já que isso era uma incumbência do exército português, da Metrópolr e muitos deles diziam não ser portugueses, mas sim moçambicanos, mas numa diferenciação elitista e nada patriótica.
    Ora eu, que me senti sempre ali, como a defender não o território nacional, mas sim os interesses económicos dos grandes grupos económicos colonizadores, desprezava esses meninos cheios de manias e que após o 25 de Abril,curiosamente mudaram radicalmente de opinião e se tornaram fervorosamente portugueses, não esquecendo que Portugal deveria cuidar das suas vidas e haveres.
    São estas contradições que me levam a ver a minha passagem por Moçambique como algo de muito marcante: cheguei a ser alvo de cuspidelas por parte da população branca da Beira, um dia que cometi a imprudência de ir fardado ao centro da cidade...
    O Moçambique de hoje, não o conheço e muito gostaria de o conhecer. De um dos países mais pobres do mundo, tem tido uma recuperação económica notável, depois das guerras colonial e civil a que esteve exposto. Pode não ter os recursos de Angola (petróleo e diamantes), mas é um país com potencialidades e não tem a arrogância nem a corrupção que Angola mostra, principalmente em relação a Portugal.
    Eu não estou contra muitos colonos que lá no meio do mato desenvolviam o seu trabalho de uma forma honesta e numa convivência pacífica com os nativos, mas sim contra alguns que usavam da violência e de um racismo insuportável para fazerem valer os seus poderes reais.

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    1. João, a tua visão é a visão de um militar e, por isso mesmo, muito interessante. :) A minha é a de um neto de moçambicana e descendente de uma família 'bem' em Moçambique. A tua é a do militar que andou no mato, lutando talvez pelos interesses da minha família e de outras que tais. Sem ser "perdido nem achado", foste destacado para uma guerra que não era a tua. Oh, muito admiro isso!

      Houve de tudo, digo eu na minha humilde opinião, de um miúdo que não conhece Moçambique e a quem falta a experiência do terreno, seja a tua, a do Miguel ou a do Arrakis, na sua bela Angola. :)

      abraço.

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  10. chegaste a ler 'A Sombra dos Dias', do Guilherme de Melo?
    a minha família materna foi quase toda para Angola, tenho uma tia que até casou por procuração, tendo conhecido o meu tio num anúncio. os meus pais conheceram-se em Angola, a família paterna vivia no Lobito. por isso, tal como o Arrakis diz, também eu encontro semelhanças (e tento nunca perder um episódio da série portuguesa que dá ao domingo à noite, uma das melhores dos últimos anos). Obviamente, nada recordo daqueles anos, era muito pequena quando viemos para cá, mas as saudades daquela terra eram muitas e o assunto era recorrente. Não tenho muitas fotografias de lá, infelizmente, apenas as recordações da minha mãe e o seu imenso desejo de lá voltar. nunca se proporcionou, mas não sei se ela gostaria de ver como Benguela se modificou em 30 anos.
    às vezes, é preferível manter as lembranças daquele tempo inalteráveis.
    bjs.

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    1. Não li, infelizmente. :(

      Exacto. O pai, avós e demais família paterna também sentem enormes saudades de Moçambique, principalmente a avó, que nunca mais regressou ao seu país. É curioso, mas todas as pessoas que passam por África ficam deslumbradas. Deve haver algo realmente único naquele continente. O pai, quando falávamos sobre Moçambique, contava que o cheiro da terra, o sabor da comida, da água, de tudo, era diferente. E, tal como tu, também receia voltar. Costuma-se dizer que não devemos voltar aos lugares onde fomos felizes. :)

      beijinhos.

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  11. Ao contrário de Angola, que apesar das riquezas naturais que dispõe, tem sido subjugada por uma ditadura mascarada de democracia, nutro um carinho muito especial por Moçambique, e é o único dos PALOP que gostaria de visitar. A recuperação económica (ainda que lenta) tem sido notável num país tão destruído por duas guerras arrasadoras.
    Em relação ao teu texto, concordo com o Arrakis, complementa-se com o comentário do Alex e a tua resposta. Não há uma opinião certa, tal como não havia um modelo certo para terminar a nossa relação colonial (apesar de que partilho algum simpatia por um certo modelo federal adoptado pela França com as comunidades caribenhas).

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    1. Eu diria que a maior parte dos portugueses nutre uma simpatia acrescida por Moçambique face às restantes ex-províncias ultramarinas, isto aqueles que não moraram no Ultramar. Moçambique é um país muito simpático. Não se respira os ares ditatoriais de Angola, nem se tem pretensões em alcançar o estatuto angolano de potência regional. Tem sido um país sofrido não só pela guerra colonial e civil (que também afectou Angola - a última em maiores proporções, até), mas também por intempéries e fatalidades várias.

      Haja alguém que simpatiza com um certo modelo federal. :D Não sei determinar com exactidão em que moldes, contudo, a minha solução andaria por aí. :)

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