24 de maio de 2013

Os limites.


   Já dizia Winston Churchill que a democracia era um mau regime, todavia melhor do que qualquer outro conhecido e já experimentado. O conceito de democracia, em sentido lato e para o senso comum, resume-se ao sufrágio, às liberdades individuais, e pouco resta. Retira-se da democracia a palavra direito - e todos a invocam sem excepção - mas existe uma outra palavra associada a este regime: dever. Parece simples e perceptível.

   O direito à palavra, à opinião, à informação. Direitos consagrados na Lei Fundamental, pilares de qualquer Estado de Direito, de uso frequente e abundante. Justificam-se neles todos os excessos cometidos. Quantas e quantas vezes o respeito que compete ao Direito zelar não é preterido em nome da liberdade de expressão... Perde-se a conta.
    Miguel Sousa Tavares referiu-se ao Presidente da República apelidando-o de "palhaço". O mal está desde logo no termo que usou, dirigindo-se à mais alta figura da hierarquia do Estado. Na minha visão, não terá ofendido Cavaco Silva; desrespeitou, isso sim, o órgão de soberania, eleito democraticamente por sufrágio universal e directo, representante máximo da República Portuguesa. Aí está o problema e o crime, possivelmente. Ninguém pediu a MST que respeitasse Cavaco Silva - que merece, certamente, todo o respeito que qualquer cidadão nos merece; pediu-se, implicitamente, que respeitasse, ele e todos, o Presidente da República. "Palhaço" será mais do que jocoso e desagradável; é, no meu entender, manifestamente excessivo. A jurisprudência portuguesa tem sido muito cautelosa quando se depara com estas questões, valorizando a liberdade de expressão e informação face ao crime de ofensa à honra do Presidente, contemplado no nosso Código Penal.

   Há liberdade de expressão sem ofensa gratuita e pessoal, fugindo ao campo da mera e saudável discordância política. O cidadão médio conseguirá expressar as suas opiniões de forma minimamente cordial. Se não há democracia sem o direito à palavra, também não haverá se perdermos todo o respeito pelos órgãos que elegemos, promovendo e incentivando o insulto, a injúria vil, atacando a própria República, sendo o seu Presidente o símbolo maior da unidade de Portugal. MST excedeu-se e retratou-se, como homem inteligente que é. Por mim, é quanto baste.

28 comentários:

  1. Pois!

    Gostei muito do teu texto :)

    Abraço

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    1. É a minha visão do que aconteceu. :)

      abraço.

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  2. Mark
    percebo a tua visão constitucionalista deste episódio.
    Mas, acima do respeito que institucionalmente a figura do PR merce, está a demissão que o próprio faz do cargo que ocupa.
    Cavaco Silva já deu provas suficientes de que não é um PR isento e cumpridor da Constituição que jurou respeitar e fazer respeitar, quando tomou posse.
    Aliás, foi exactamente no seu discurso de tomada de posse, na AR que ele começou a deixar vago o cargo que estava a iniciar quando ofendeu de uma maneira vil e baixa, outro orgão de soberania, institucionalmente respeitável - o Governo então vigente.
    Daí, e porque eu vivo num país em que se pode dizer (ainda...) o que nos vai na alma acerca de qualquer cidadão, eu tenho apelidado publicamente o cidadão Cavaco Silva, que para mim não é PR coisíssima nenhuma (usando a brilhante expressão do ministro Gaspar) de vários vernáculos da língua portuguesa e não estou areependido.
    Se a minha humilde (eu não sou nenhum Miguel S.T.) qualificação de baixo nível ofende o senhor que me façam o mesmo e venha de lá a PGR a investigar, mas eu estaria muito bem acompanhado pois basta ver o que os cartazes das gigantescas manifestações que já se realizaram, disseram dele, para irmos todos de choldra...

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    1. Compreendo também o teu ponto de vista, João, mas, para o bem e para o mal, ele ainda é o Presidente da República. É um cidadão como eu e tu, é evidente; mais, devido ao cargo que desempenha, pode e deve ser criticado. Contudo, para tudo há limites, não no sentido de até onde se pode criticar, mas naquilo que é correcto se dizer. Não creio que MST tenha saído bem disto tudo por chamar "palhaço" ao Presidente da República. Extrapolo isto até para as situações do quotidiano: andarmos por aí a chamar as pessoas de "palhaços" não faz com que tenhamos razão, muito pelo contrário.

      A minha visão não foi meramente legalista, aliás, foi enquanto cidadão. :)

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  3. Um texto linguisticamente muito bem escrito e exposto, que deu prazer ler, Mark.
    Eu penso que o cargo de Presidente da República não foi alvo de ofensa. M. Sousa Tavares não se refere ao cargo, mas à pessoa em exercício nesse cargo, ainda que sobre a forma como o exerce. Logo o atentado, a existir, ao bom nome, é feito ao Cavaco Silva que, de acordo com a lei, pode mover processo judicial. Não é a Presidência da República que iria mover esse processo.
    Apesar de me distanciar da forma apaixonada com que o João Roque se refere ao dito presidente e à sua presidência, eu concordo com ele relativamente ao direito de opinar, como tesouro de uma sociedade de direito, mas também concordo com o direito de processar alguém por ofensa, quando a pessoa se sentir lesada (porque não se sentir lesado também é um direito), algo que acontece, igualmente, nas ditas sociedades de direito.
    Eu penso que a tua opinião não é, de todo, uma opinião do foro jurídico, mas, simplesmente, de bons modos, de cordialidade, de civismo, de elegância comportamental, de bom senso comunicativo, características em défice no referido comentador. É por isso que não lhe presto atenção, nem lhe dou importância ou crédito de opinião. You should do the same, my friend.

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    1. Permite-me que discorde. :D Quando MST diz que Cavaco Silva, enquanto Presidente da República, é um "palhaço", não ofende tão somente o cidadão Aníbal Cavaco Silva; ofende, sim, o Presidente da República, e isso é crime. De outra forma, a norma penal que proíbe essa conduta ficaria sem fundamento. Nunca se ofenderia o Presidente mas sim o cidadão que ocupa o cargo, logo, seguir-se-ia um normal processo de difamação. Ora, as coisas não são assim. :) É um regime que protege o cargo, à semelhança do que acontece em Espanha, nomeadamente, onde a Constituição explicita que o Rei é "irresponsável perante a lei". Para teres uma ideia, o Presidente da República em Portugal nunca pode ser julgado; o cidadão que ocupou o cargo só o é após a destituição. Julga-se o cidadão, não o Presidente. É uma certa inviolabilidade do Chefe de Estado.

      Obrigado pelos elogios. :) Eu prestei atenção ao MST porque até simpatizo com ele. O avô e o pai conhecem-no pessoalmente. O avô era amigo do falecido Francisco Sousa Tavares, pai do Miguel.

      abraço.

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  4. concordo contigo, Mark. apesar do senhor de Boliqueime já ter dado muitas provas de péssimo exercício do seu cargo, é o Presidente da República, foi eleito para tal, daí sim, MST foi exagerado quando empregou tal expressão.
    agora, no que respeita a nós, o que podemos mais fazer para o tirara de lá, já que está agarrado a Belém com super-cola 3?
    bjs.

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    1. Foi claramente um exagero. Não podemos desatar a chamar o Presidente de "palhaço". Tem de haver o mínimo de respeito pelo Presidente da República. Pode-se dizer tudo, mas com educação.

      Eu se pudesse tirava-o já de lá! Ele nem homenzinho é para sair voluntariamente...

      beijinhos.

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  5. MST ficou tolo.
    não que eu goste do senhor que ocupa o cargo de PR, mas...
    há que ter tento na língua

    abraços :)

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    1. Exacto. Também achei demasiado... :s

      abraço. :)

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  6. Bem diferente o regime português do brasileiro. Aqui o regime é presidencialista, a presidente que exerce as funções executivas.. ela também é a chefona de estado! kkk bom eu não entendo muito da política portuguesa, de qualquer jeito acho que chamar isso ao presidente é um pouco falta de educação..

    Abraços!

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    1. Sim, o modelo brasileiro é de forte inspiração norte-americana. Compreende-se. Um país de proporções continentais como o Brasil precisa de um poder forte e coeso. O parlamentarismo seria difícil; justifica-se em pequenos países como Portugal. :)

      Em relação à atitude de MST, o próprio já reconheceu que se excedeu.

      abraço.

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  7. Honestamente, acho que toda a gente que eu conheço chamou algo ao Prof. Aníbal Cavaco Silva. O teu texto tem uma base legal/constitucional sem dúvida mas acho que o que estão a fazer ao Miguel Sousa Tavares é de uma hipocrisia pura, como disse o João basta ver cartazes de manifestação.
    Não se pode ofender o Presidente da República, mas o que fazer em relação ao homem que enverga o título? Onde está a linha que separa um homem do seu cargo?

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    1. O prof. Marcelo Rebelo de Sousa comentou isso, ontem, no seu espaço semanal. Eu creio que há uma impossibilidade de identificar todos aqueles que ofendem o PR. No caso de Miguel Sousa Tavares, a conduta foi mais gravosa porque ofendeu o Presidente e divulgou num órgão de Comunicação Social. O Código Penal contempla essa modalidade. Tens razão quando referes que não deixa de ser insensato, no mínimo, abrir-se um processo a MST quando milhares dizem o mesmo e pior do que ele. Creio que, como referi, o mesmo se deve à impossibilidade de identificar quem o faz. No caso dele, foi possível.

      Não há nenhuma linha. :) Como disse numa outra resposta, não é o que se diz mas como se diz. Pode-se criticar e dizer tudo, não ofender a honra do Presidente. É mais por aí, creio.

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  8. Tenho dúvidas que não consigam identificar algumas das pessoas com software que existe hoje em dia e deteste estes exemplos de trazer por casa, tipo histórias do papão. "Ai ai, não digas nada que senão acontece como ao Miguel Sousa Tavares.", diz-se que a defesa dele vai alegar que ele ofendeu a pessoa e não o cargo, vamos ver como corre.

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    1. No meio de uma multidão aos gritos deve ser complicado. :D

      Sim, veremos como corre.

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  9. Sim, há de haver respeito aos poderes, e o respeito à figura do presidente, que, afinal, só está lá,porque o povo o colocou. Criticar sim,pois democracia nem sempre é concordância,mas o respeito tem de imperar. Sei que os ânimos aí estão à flor da pele devido à crise. Apesar de Portugal ser um país parlamentarista, o presidente tem funções relevantes, é um órgão de soberania não está subordinado ao parlamento.

    Uma dúvida, o presidente aí pode ser destituído do cargo pelo parlamento, como acontece nos outros países parlamentarista?

    Gratia! :)

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    1. Exacto, Citizen. Isso mesmo. :) O Presidente da República, em Portugal, não está subordinado a nenhum outro órgão de soberania. Já o parlamento pode ser dissolvido pelo PR, mas nunca arbitrariamente.

      Sim, aqui o Presidente pode ser destituído, claro. O mesmo encontra-se previsto na Constituição da República Portuguesa. A iniciativa do processo cabe ao parlamento, sim. Todavia, o Presidente só responde perante o Supremo Tribunal de Justiça que, condenando-o, e apenas por crimes praticados no exercício das funções, envia uma certidão ao Tribunal Constitucional que verifica a destituição. Por crimes praticados fora do exercício das funções, o PR responde quando terminar o seu mandato.

      Espero ter sido claro e simples. Ora essa, de nada. :)

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  10. Já chego atrasado à discussão, mas aqui ficam os meus 'two cents'.
    Apesar do sistema semi-presidencialista, a CRP limita muito os poderes do PR. Por isso se fala muito em magistratura de influência, a propósito das competências do PR: o seu exercício depende mais do que ele é capaz de fazer com a estreita margem de poderes que possui, do que com as competências que lhe são legalmente atribuídas.

    Isto para dizer que o Cavaco tem tido uma magistratura miserável, comete erros, trata o cargo como se fosse um affaire familiar, tenta manipular e faz e fomenta a intriga soez, tropeça a cada passo nos seus interesses pessoais e familiares. É parolo, mesquinho, medíocre (veja-se a recente birra na feira do livro na Colômbia, onde destratou o país, na pessoa de um dos seus maiores escritores, apenas porque tem uma embirração pessoal!)

    Nesta medida, e sendo tão coincidente o conteúdo do cargo com o perfil de quem o exerce, parece-me que há um certo sofisma em tentar destrinçar quem é que o MST ofendeu: se o PR, ou se o Cavaco que é o PR; na minha opinião, insultou o político, o tipo que não tem sabido usar a magistratura presidencial para resgatar o povo da indignidade em que vive actualmente, e transformou a presidência num pasto de interesses e sinecuras.

    Que o MST se tenha retratado, só prova que, ao contrário do que ele tanto gosta de se arrogar, só é livre às vezes; e mesmo assim arrepende-se...

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    1. Olá Miguel.

      Em primeiro lugar, não vens nada atrasado. As boas contribuições chegam sempre a tempo e vêm melhorar o espírito democrático que tanto promovo por aqui. :)

      Fazes uma descrição maravilhosa de Cavaco Silva. Não poderia concordar mais contigo. São adjectivos que poderiam ser ditos ou escritos por mim. De facto, o maior dos "poderes" presidenciais é essa magistratura de influência à qual te referes, uma vez que o Presidente não tem poderes executivos, os seus actos estão sujeitos a referenda ministerial e tampouco o Governo depende da sua confiança política, o que ocorreu até 1982 com a primeira revisão constitucional. É, como dizes, um homem limitado no seu campo de acção.

      MST insultou o político que agora é Presidente e é isso mesmo que configura um crime na nossa moldura penal. Os insultos são proibidos a qualquer cidadão; ao Presidente estão especialmente proibidos. A discussão agora passa por saber o que se entende por "insulto". Eu creio que "palhaço" é ofensivo. Não será lesivo.
      Compete aos tribunais, usando de alguma discricionaridade, apreciar a conduta de MST.
      Talvez o retratamento público esconda alguns receios... Se assim for, Francisco Sousa Tavares deve estar a dar "voltas no túmulo". Foi um homem irascível naquilo que defendia. :)

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  11. Concordo contigo. A liberdade de expressão tem limites. Podemos não concordar e exprimi-lo com toda a veemência, mas insultar, ofender e achincalhar torna-se uma arma de dois gumes pois rapidamente perdemos a razão pela forma como o fazemos. Não só não é construtivo como acaba por ser uma arma de arremesso sem grande utilidade. Até posso estar de acordo com MST, não não posso concordar com a forma como o fez.

    Abraço Mark.

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    1. Sim, pode-se dizer tudo dentro dos limites impostos pela educação. Às vezes nem é preciso irmos à lei, apenas atender ao nosso bom senso. :)

      abraço, Arrakis.

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  12. Gostei do teu blog =) teu blog és perfeito...
    Desculpa os erros na palavra sou brasileiro....

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    1. Olá Anónimo. :)

      Oh, muito obrigado pelas palavras. Volta sempre. :)

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  13. Acho que já foi tudo dito.

    Só queria acrescentar um ponto que parece-me [e corrige-me se estiver errado] ninguém ressalvou ainda: ser palhaço! Os palhaços pertencem a uma profissão muito digna, honrada e deveras difícil: fazer rir as outras pessoas. Mais do que o insulto ao nosso Excelentíssimo Presidente da República, creio que o maior insulto foi para esta classe tão maravilhosa!

    Toda a classe política tem culpas no cartório pela situação a que o país chegou. Concordo também que o nosso PR não está a fazer nada para melhorar as coisas, dando carta branca ao nosso caríssimo Primeiro Ministro. Mas a verdade é que por mais voltas que dê à cabeça, também não encontro soluções viáveis para salvar o nosso país, sem que sejam aplicados os verdadeiros cortes - nos interesses económicos, nas PPP, nas modormias do governo e dos deputados, nas reformas "douradas", "prateadas" e "bronzeadas", nos "tachos" e "panelas" e por aí adiante.

    Enquanto isso não acontecer, viveremos neste clima de instabilidade e sucessivos retrocessos.

    Abraço :)

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    1. É um ponto curioso e, por acaso, já me havia apercebido dele. Foi um insulto para os palhaços, uma profissão muito digna! Como já ouvi dizer, fazer rir é das artes mais difíceis para qualquer actor. O humor é extraordinariamente complicado e trabalhoso.

      Cavaco Silva "demitiu-se" das suas funções. Como se diz por aí, «morreu e ainda não se deu conta disso».


      abraço.

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  14. Já tinha lido este post na altura em que foi publicado, mas relê-lo agora e ver os comentários/respostas que se lhe seguiram, com a distância temporal que vai desde o evento até à atualidade, leva-me a elogiar mais a tua própria visão do assunto do que o assunto em si mesmo. O teu espírito crítico é qualquer coisa...

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