12 de julho de 2018

Do Vale dos Caídos.


   Há muito a esta parte que se fala na exumação e posterior trasladação dos restos mortais de Francisco Franco do Vale dos Caídos, monumento erigido pelo franquismo, que honra a memória dos nacionalistas que tombaram na Guerra Civil Espanhola. Ganharam os nacionalistas, como sabemos, ganhou Francisco Franco sobre os republicanos comunistas, que ansiavam implantar em Espanha um regime pró-União Soviética. O monumento, hoje, é encarado em duas perspectivas: numa, como um memorial franquista, local de culto a Franco; noutra, como compromisso com a História. Franco, não tendo deixado disposto onde queria ser sepultado, foi-o, logicamente, no Vale dos Caídos, como principal protagonista do conflito no país vizinho. Em Espanha, sabemo-lo, não houve uma ruptura com a antiga ordem, à semelhança do ocorrido em Portugal. A transição à democracia não teve o alvoroço do corte abrupto português, que varreu, por assim dizer, quase todos os vestígios do fascismo, se considerarmos que o Estado Novo foi um regime fascista. Já abordei o assunto anteriormente, não sendo oportuno, para não me perder, fazê-lo de novo agora. Por conseguinte, e embora Franco não goze de nenhuma consensualidade em Espanha, da mesma forma que Salazar não a tem em Portugal, contornaram-se, por lá, todos aqueles excessos pós-revolucionários. Para termos uma ideia, Espanha prepara-se para legislar contra o fascismo, o que Portugal fez no período entre 1974 e 1976. É bem elucidativo.

   Perfilho certo princípio: não devemos brincar com os mortos. Os mortos estão acima do bem e do mal. Francisco Franco será, sempre, objecto de culto e epicentro de revivalismos, esteja ou não sepultado no Vale. O túmulo de Salazar, por cá, discreto e na sua terra, também conhece romarias. Elas são frequentes. Direi mais: é um direito das pessoas. O nosso ordenamento herdou a reacção extremada revolucionária, mas se o comunismo não é proibido, e matou tanto ou mais do que o fascismo, não se entende o porquê de tamanhos trejeitos autoritários - ó paradoxo - em relação ao fascismo. Numa sociedade democrática, a menos que estejam em causa atentados à dignidade humana, cada um deve ter a liberdade de aderir à ideologia que melhor estiver em conformidade com a sua consciência. Demonstram não estar confortáveis com o passado, quarenta anos depois. Demonstram, aliás, um medo irracional de umas quantas ossadas. O caminho, se querem evitar ímpetos extremistas semelhantes aos da Europa central, não é este. Correm o risco de colher o efeito contrário. A deriva é tão ou mais evidente quando pretendem retirar os despojos não apenas de Franco, mas também de Primo de Rivera, ditador espanhol de 1923 a 1930.

   Sem intenção de me imiscuir num assunto que não me diz respeito, porém no exercício da minha liberdade, e bem como referi acima, esperava-se uma atitude mais racional e conciliadora. Se Franco, sobretudo Franco, ainda não era um mito, sê-lo-á em breve. Agradar a uma parcela da sociedade espanhola, gerando-se divisões noutra, acicatará os ânimos e a ira de muitos. Podem reformar o monumento, como querem, erguendo o tal espaço de « reconciliação » e « reconhecimento das vítimas da ditadura », sem alterar o percurso histórico e sem profanar a História e um corpo. É que estas reacções, nomeadamente de Sánchez, recentemente chegado ao poder, surgem num momento muito oportuno, quando uma certa ala da esquerda política olha para a geringonça portuguesa enquanto exemplo a seguir e a aplicar.

6 comentários:

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    1. Até Deus nos dar o golpe de misericórdia, que tarda em chegar.

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  2. A Esquerda e os Comunistas deveriam ser todos enviados para a Sibéria para saberem o que é bom lololololololol Curioso nenhum país do Bloco de Leste querer a continuar no mesmo lololololol

    Abraço amigo

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  3. Estive uma vez no Vale dos Caídos e aquilo é algo digno de qualquer regime totalitário, dada as suas proporções faraónicas.
    Tanto poderia ter sido produzido por regimes próximos dos países para lá da ex-Cortina de Ferro, como por países dominados por regimes ditos totalitários/fascistas (não gosto deste último termo, onde afinal cabe muita coisa).
    Todos estes regimes têm algo que partilham, que faz com que tenham manifestações comuns que, regra geral, não têm nada de intimista, equilibrado, racional ou mesmo humano.
    Fazem recear pela nossa vida e pela dos vindouros, são sorvedouros de ideias, não permitindo que algo de agradável, original ou simpático se desenvolva.
    São matadouros onde perece o mundos das ideias, onde tudo deve ser conforme com moldes pré-estabelecidos pela classe dominante!

    No período pós-1974, achei natural que Salazar fosse enterrado num local onde a sua existência passasse para o esquecimento generalizado. Achei que seria o caminho correto, dado o receio, que existia na altura, que se passasse a um revivalismo.
    Entretanto o tempo passou, as ideias revolucionárias passaram à história, o medo de revivalismos abrandou - não sei bem porquê - e eu próprio posicionei-me fora de qualquer força partidária, e comecei a pensar por mim mesmo, dada as incongruências que existem dentro da vida partidária.
    Hoje, passados tantos anos, vejo Salazar por um prisma diferente, que, quero acreditar, é mais simpático para a personagem que ele encarnou.
    Penso que a história, seja ela qual for, não deve ser enjeitada, adulterada ou mesmo alterada, antes deve ser vista tal como ela é (apesar das diferentes vertentes como possa ser interpretada), e como um processo em contínuo desenvolvimento que, até hoje, definiu um conjunto populacional que partilha uma área geográfica.
    É isso que carateriza uma população que durante muito, ou pouco, tempo habita um país - evito referir o termo "raça", tal como o fez a malfadada "múmia paralítica" que, infelizmente, serviu de PR durante dois mandatos.
    Passado estes anos todos sinto que me tornei mais flexível, dado o facto de me recusar pensar pela cabeça dos outros.
    Um bom final de semana
    Manel

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    1. Olá, Manel. Já tinha saudades de o ler!... Os temas do blogue, ultimamente, não devem suscitar o seu interesse. Hehe

      Nunca estive no Vale dos Caídos. Aliás, em Espanha pouco conheço. Até lhe cito as localidades, por ordem de latitude e longitude: Salamanca, Ciudad Rodrigo, Cáceres, Badajoz, Huelva, Sevilha, Jerez de la Frontera e Fuengirola. Tenho muito mais a conhecer. Madrid e as suas "imediações", por assim dizer, constam na lista, claro está.

      Salazar era bem diferente de Franco. Mais discreto, mais modesto. Foi um ditadorzinho à portuguesa. Somos minimalistas em tudo. Franco reconhecia-lhe muitas virtudes, e o defeito da modéstia, o que lhe parecia estranho num homem tão inteligente. Efectivamente, quando os comparamos, só Franco sai a perder.

      Salazar ficou onde quis. Li algures, que se pensou nos Jerónimos, e não tenho dúvida alguma de que por lá teria sido sepultado houvesse sido essa a sua vontade ou tendo havido um vazio nesse sentido. Por um lado, ainda bem que Salazar quis ser sepultado discretamente. Poupou-nos a espectáculos degradantes de trasladações forçadas e forçosas.

      Salazar foi, acima de tudo, e admito que o Manel, porque o viveu, não concorde comigo, um patriota, a par de nacionalista. Amava Portugal, nem tanto os portugueses. Sabia que não sobreviveríamos sem as nossas possessões, e estava certo, e tudo fez para que não as perdêssemos. Era de uma rectidão de carácter e de uma honestidade inquestionáveis. Hoje em dia, temos uma malha de políticos corruptos que nos envergonha. Não há seriedade na política. A política é um meio e não um fim.

      É natural que o Manel esteja mais flexível. O que ganhámos em liberdade individual, perdemos em liberdade colectiva. Somos mais pequenos, mais fracos, a nossa palavra diminuiu. Curioso paradoxo.

      Bom fim de semana e calorosos cumprimentos.

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