Interroguei-me sobre esta dissertação, dado o trabalho que implicaria e o tamanho do resultado final. Este texto ficou excepcionalmente longo, pedindo, desde já, as minhas desculpas. Pensei em dividir em duas partes. Optei por não o fazer. Não há limite de linhas no Blogger, creio, e a ideia não me agradou. Como calculam, falo de alguém que viveu uns incríveis oitenta e três anos, com uma vida riquíssima e muito que explanar. Deparei-me com a factualidade de poder suprimir apenas parcos detalhes. É tudo tão importante...
Escrever sobre Sebastião José de Carvalho e Melo não se afigura uma tarefa fácil. Sendo uma figura apaixonante, mesmo considerando a distância que nos separa, o homem que ficaria conhecido graças ao título nobiliárquico que D. José lhe conferiria, em 1770, continua a suscitar sentimentos diversos, nomeadamente em Portugal, onde é visto como um estadista exemplar, ou no Brasil, que o têm como tirano.
Pombal teve, de facto, as rédeas do país por um período de longos vinte e dois anos, onde fortaleceu o poder do rei, considerado divino, sujeitando tudo e todos à autoridade régia. Não só: a implacável perseguição da família Távora e do padre Malagrida, a supressão da Companhia de Jesus, a reforma do sistema educacional (com consequências devastadoras de que ainda hoje o país se ressente...), as atitudes tomadas em relação à velha aliança luso-inglesa, a problemática dos judeus e da discriminação racial, que prontamente resolveu, tornam-no numa figura incontornável e enigmática.
Nascido em 1699, a vida de Sebastião José decorreria por mais de três quartos do século XVIII. Era oriundo de uma família da pequena nobreza rural, crescendo e vivendo as primeiras décadas em alguma penumbra. Fontes da época atestam o seu porte de um metro e oitenta, sobrevivendo a uma vida sedentária e a diversos ataques de doenças, o que era comum naqueles tempos.
Em 1733, consegue casar-se com uma viúva aristocrática bem mais velha, contudo, este matrimónio não lhe permitiu alcançar um papel de destaque na sociedade joanina. D. João V, aliás, não nutria grande consideração por Sebastião José, recusando terminantemente em atribuir-lhe um importante cargo no governo, sob o pretexto de que Pombal tinha
"cabellos no coração". Em 1738, Sebastião José conseguiu ser nomeado embaixador de Portugal no Reino Unido. Por essa altura, não possuía quaisquer qualificações diplomáticas, nem experiência em outros países. Estudara Direito em Coimbra, uma instituição tida como atrasada quando comparada com o prestígio de Oxford ou Cambridge. Enquanto permaneceu na corte londrina jamais aprendeu a falar inglês, mas as fontes da época dão-nos conta da sua extraordinária fluência em língua francesa. Segundo consta, era um leitor ávido de livros, relatórios e documentos de Estado ingleses em tradução francesa. Os despachos que enviava eram pouco elaborados, demonstrando desconhecimento quanto à sociedade e economia britânicas. Era afável e informal quando falava com as pessoas, se bem que vários diplomatas referissem a sua loquacidade e verbosidade.
Pombal ficou impressionado com o poder marítimo inglês e a prosperidade da economia da Grã-Bretanha. Perturbava-lhe a desigualdade entre a posição dos ingleses em Portugal, nomeadamente em Lisboa e no Porto, e no modo incorrecto com que os portugueses eram recebidos em Londres. Queixava-se frequentemente de que os inofensivos marinheiros portugueses eram apedrejados por ingleses.
Reclamou para si próprio a isenção de impostos, com base no artigo quinze da Aliança Luso-Inglesa de 1703, à semelhança do que sucedia aos diplomatas ingleses em Lisboa. Já constrangido e embaraçado com as contínuas críticas de Pombal, o duque de Newcastle, secretário de Estado para os Assuntos Estrangeiros, explicou-se argumentando que o rei Jorge II era um monarca constitucional, estando sujeito a modificações à Aliança que o parlamento inglês aprovasse, enquanto que D. João V era um rei absoluto, estando preso à letra da mesma. Mostrando determinação e deixando a sua marca, o governo inglês nem sequer presenteou Pombal quando este partiu de Londres para Viena em nova missão diplomática.
Na Áustria, Sebastião José ficaria por quatro anos, sem resultados de relevo. Falecida a sua primeira mulher, desposou a sobrinha do marechal de campo Duan, casamento que lhe abriu as portas à
fina flor da sociedade vienense. A senhora tinha metade da sua idade, não obstante, o enlace duraria por toda a vida de Pombal. Este era um homem de família, sendo afectuoso com a mulher e os filhos e recebendo destes igual carinho. Regressaria a Lisboa no leito de morte de D. João V e, graças à rainha, D. Maria Ana de Áustria, conseguiu o acesso ao então herdeiro da Coroa, o infante D. José. Após a subida ao trono, D. José nomearia Pombal como Secretário de Estado da Guerra e dos Negócios, depositando nele mais confiança do que em qualquer dos seus ministros, mas foi o grande terramoto de Lisboa, de 1755, que aceleraria a ascensão de Sebastião José à categoria de verdadeiro estadista de Portugal até 1777. D. José a ele se socorreu aquando da catástrofe, tendo Pombal agido com mão de ferro e elevada determinação, persuadindo o monarca na reconstrução da capital e não na sua transferência para Coimbra, como muitos sugeriam. Parcas três semanas depois, já o embaixador inglês em Lisboa relatava os planos da reconstrução da cidade, o que, nas suas palavras,
"se conseguirá facilmente com as minas de ouro e diamantes do Brasil".
A comunidade britânica em Lisboa sofreu bastante com os reveses do terramoto. A maior perda foi o não pagamento das dívidas por parte dos lojistas portugueses a quem os ingleses haviam vendido mercadorias. Apesar destas queixas, o volume do comércio anglo-português aumentou consideravelmente nos anos seguintes ao terramoto, não faltando quem dissesse, cinicamente, de que a tragédia seria proveitosa para os súbditos de Sua Majestade britânica, devido ao fornecimento de matérias-primas para a reabilitação de Lisboa. A partir da década de 1760, o comércio entre os dois países diminuiria devido à queda abrupta da extracção de ouro brasileiro e às crises açúcareiras, no negócio dos diamantes e no tráfico esclavagista. Da parte inglesa, culparam Pombal da diminuição de exportações para Portugal. Efectivamente, dada a contracção na colónia brasileira, Sebastião José procurou diminuir a dependência portuguesa de produtos estrangeiros, tentando reabilitar a indústria nacional. Criou companhias que tinham a protecção real e verdadeira precedência sobre as feitorias inglesas em caso de conflito. Assim, fundou duas companhias para monopolizar o comércio da região amazónica (Maranhão-Pará e Pernambuco-Paraíba) e uma terceira para concorrer com os comerciantes de vinho ingleses na região do Douro. Estas companhias não seriam bem recebidas por todos os portugueses. Alguns comissários volantes ou vendedores ambulantes, que trabalhavam com base em comissões no Brasil, foram mais atingidos do que os mercadores ingleses, todavia, Pombal suprimiria qualquer eco de descontentamento de forma implacável. Como exemplo, a Mesa do Bem Comum, que ousou criticar a formação das companhias do Brasil, foi imediatamente extinta. Os seus membros foram presos, exilados ou ainda
reoganizados numa Junta do Comércio, de 1755, sob apertado controlo da Coroa. No outro extremo, alguns trabalhadores da Companhia do Vinho do Douro que se manifestaram contra esta de um modo um tanto ou quanto ébrio, digamos, foram selvaticamente punidos. Dezassete executados.
O Marquês rejeitou as críticas inglesas relativamente aos interesses britânicos em Lisboa e no Porto, no entanto, jamais pôs em causa a velha aliança com o Reino Unido, refutando peremptoriamente em alinhar com a 'união familiar' das coroas Bourbon de França e de Espanha dirigida contra os ingleses.
Pombal detestou a Companhia de Jesus. Não há indícios de que esse ódio existisse antes de 1750. Dez anos mais tarde, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador do estado brasileiro do Maranhão-Pará, fazia chegar ao seu irmão, Pombal, denúncias relativas aos missionários jesuítas na Amazónia que, em palavras suas, zombavam constantemente da autoridade da Coroa. Estas desconfianças, verdadeiras ou falsas, recrudesceram o sentimento antijesuíta de Pombal, se é que não estiveram na sua origem. Pombal convenceu-se de que os jesuítas estavam a manipular os ameríndios no sentido de os revoltar contra os ajustes territoriais firmados com Espanha no Tratado de Madrid, de 1750. Sebastião José não gostava do próprio tratado, mas desconfiar da relutância dos jesuítas em cumpri-lo, enfureceu-o e, desde então, viu a mão oculta da Companhia de Jesus por todo o lado.
A sua lealdade à aliança com os ingleses só tremeu quando o ministro dos Negócios Estrangeiros francês lhe confidenciou, em 1767, de que os ingleses estavam a preparar um plano para conquistar o Brasil com, imagine-se!, a ajuda dos jesuítas! Pombal sabia, como todos, de que os jesuítas eram bastante influentes e ricos. Em boa verdade, possuíam enormes fazendas e plantações de açúcar na Bahia, ranchos em Marajó e no Piauí, enormes propriedades agrícolas em Angola; fala-se ainda de muito ouro e prata que, supostamente, teriam. Por 1759 e 1760, quando Sebastião José mandou confiscar todos os bens da Companhia de Jesus, nenhum desses minérios apareceu. O ministro de D. José conseguiu convencer o monarca de que os jesuítas, na pessoa do velho e louco padre Malagrida, estavam implicados na conspiração que o tentou assassinar em 1758. A par da família Távora, que o Marquês executaria sem piedade, num dos seus actos mais célebres, o padre Malagrida seria também ele condenado ao garrote e à fogueira em 1761. O eco das execuções, tidas como violentas até para os padrões da época, chegaram a Voltaire, que descreveu a condenação do velho padre como
"uma combinação suprema do ridículo e do horrível". Em duas assentadas, Pombal pôs cobro a qualquer acto de rebeldia da velha nobreza, que odiava, e do clero.
A obsessão antijesuíta de Pombal encontra a sua explicação no pendor altamente absolutista dos meados do século XVIII. Pombal quis, e com sucesso, sujeitar todas as esferas da sociedade, desde a Igreja passando pelos aristocratas, à Coroa. Destituía, sem mais, qualquer prelado sem consultar Roma, o que aconteceu com o bispo de Coimbra em 1768. Nos decretos oficiais, chamava ao rei
'Grão-Mestre da Ordem de Cristo e de Avis e Santiago', apesar de, pela lei canónica, o rei ser apenas
'Governador e Administrador Perpétuo'. Num decreto de 1757, atribuiu à Coroa o poder de fundar igrejas e mosteiros sem ser necessária qualquer autorização do Papa. Diminuiu drasticamente o poder do Tribunal do Santo Ofício, mais conhecido por Inquisição, proibindo-o de perseguir os cristãos-novos. Expulsou um cardeal de Roma por mero pretexto de protocolo, em 1760, seguindo-se um corte completo de quaisquer relações diplomáticas com a Santa Sé. Só reatou as relações no início de 1770, após o Papa Clemente XIV transigir nos pontos de discórdia. Houve quem pensasse que Pombal seguiria os passos de Henrique VIII e Thomas Cromwell, abrindo uma cisão entre Portugal e o Papado, mas Pombal considerava-se um bom católico romano. Foi, de facto, o absolutismo régio elevado a grau máximo.
É interessante analisar este paradoxo: Pombal lidou de modo arrogante com os privilégios da Igreja numa sociedade em que a maioria, do rei ao homem do povo, era mais dominada pelos padres do que em qualquer outro país do mundo. Num regime destes, de terror, proliferavam os delatores e espiões e ninguém estava a salvo. Não se podia fazer qualquer observação crítica a Pombal e não havia nenhuma oposição visível ou organizada.
Há uma controvérsia em determinar o balanço do ministério de Pombal. O cónego António Ribeiro dos Santos, contemporâneo de Pombal, vivendo entre 1745 e 1818, foi claro num dos seus escritos:
"O ministro tentou seguir uma política impossível; quis civilizar uma nação e, ao mesmo tempo, escravizá-la (...) quis espalhar a luz das ciências filosóficas e, ao mesmo tempo, elevar o poder real ao despotismo. (...) Não compreendeu que deste modo instruía o povo, levando-o a compreender por esse meio de que o poder do soberano era instituído para o bem da nação e não para o benefício do governante, havendo limites inultrapassáveis".
O Marquês não tolerava oposição, é certo, apesar de, regra geral, estar pronto para ouvir todas as críticas construtivas que o ajudassem a perceber os fenómenos e a melhorar as suas ideias. Os seus opositores, posteriormente, criticaram as reformas que implementou, designando-as de arbitrárias e contraditórias. Com efeito, se algumas das reformas de Pombal falharam ou demonstraram a sua perniciosidade, houve realizações notáveis: aboliu a escravatura em Portugal entre 1761 e 1773, figurando o país num dos lugares pioneiros nesta matéria. Claro que o ministro não se moveu por compaixão ou razões humanitárias, mas sim de forma a impedir que os escravos trabalhassem como domésticos nas casas dos senhores em vez de estarem nas minas do Brasil. Aboliu a discriminação entre cristãos-novos e cristãos-velhos, enfraquecendo o poder da Inquisição ao extinguir o objecto de luta desta, tornando-a um mero tribunal subsidiário da Coroa; pôs cobro à discriminação racial, argumentando que
"Sua Majestade não distingue os vassalos pela cor, mas pelo mérito", chegando a estimular a miscigenação entre colonos brancos e ameríndios; reformou profundamente a Universidade de Coimbra, antiquada, modernizando o ensino do direito, da matemática e da medicina. As companhias monopolistas que fundou no Brasil, acima mencionadas, conheceram um êxito de salutar, pese embora fossem extintas após a sua queda do poder. A exportação de cacau aumentou e estimulou-se a exportação de algodão, peles e arroz. O Maranhão, uma das regiões mais atrasadas do império português, vinte anos depois era uma das mais avançadas graças às políticas de Pombal. Transferiu a capital do Brasil de Salvador da Bahia para o Rio de Janeiro e conseguiu a confirmação das fronteiras ocidentais do Brasil, em 1777, com o Tratado de Santo Ildefonso.
Sebastião José, no seu zelo reformador, não esqueceu as possessões portuguesas em África e na Ásia. Entre 1764 e 1772, Pombal tentou dinamizar a economia de Angola, tornando-a mais do que um mero fornecedor de escravos para o Brasil. Mandou criar fundições de ferro, fábricas de cabedal e de sabão, extracção de sal e vários projectos agrícolas, além de defender o estabelecimento de colonos brancos. Fundou uma academia em Luanda para formar engenheiros militares e uma câmara de comércio para os comerciantes. Na África Oriental, libertou Moçambique da dependência administrativa de Goa e aumentou a influência portuguesa no vale do Zambeze. Na Índia portuguesa, estimulou a reocupação e reconstrução da velha cidade de Goa, que fora abandonada devido à sua insalubridade. Aboliu o ramo goês da Inquisição e terminou com a discriminação contra os cristãos indianos.
É discutível até que ponto o rei D. José foi um mero
fantoche nas suas mãos. Falecido o monarca, em 1777, a rainha D. Maria I aceitou a demissão pedida por Pombal. Abriu-se uma investigação e os opositores do Marquês exigiam a sua condenação e execução. O processo que foi instaurado concluiu que todos os actos do ministro foram sancionados por El-Rei. A rainha D. Maria I, que ficara profundamente traumatizada com o processo da família Távora e do padre Malagrida, prontamente libertou os presos políticos, num número que rondava oitocentas pessoas. Presume-se de que os presos ascenderam a quatro mil durante o reinado de D. José!
Em sinal de respeito para com a memória do seu falecido pai, a rainha contentou-se em exilar o deposto ministro em Pombal, para onde já se tinha retirado, morrendo este de doença prolongada em Maio de 1782.
Hoje em dia, Sebastião José de Carvalho e Melo é uma das figuras mais emblemáticas da História de Portugal, eclipsando o próprio D. José I, a sucessora D. Maria I e vários dos monarcas portugueses das quatro dinastias. Numa das praças mais importantes de Lisboa, ergue-se uma estátua em sua homenagem, imponente, mandada construir por ordem expressa de Oliveira Salazar, enquanto D. José ficou com uma bem mais pequena, e antiga, no Terreiro do Paço.
Jamais o Marquês poderia imaginar tamanho impacto da sua obra, boa ou má, que para todos os efeitos o perpetuou na memória dos portugueses.