4 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody.


   Bohemian Rhapsody, deliberadamente escolhida para título por figurar entre as melhores criações dos Queen, e de Freddy, sobretudo, que a escreveu, é um filme sobre a vida artística do performer. Começa em 1970 e termina em 1985, quando Freddie já era seropositivo. A caracterização é o ponto alto do filme. Rami Malek faz o melhor Freddie que já vi, e não o digo apenas pela prótese. Tudo foi estudado milimetricamente: os maneirismos, as poses, os olhares. Não admira que, perante um ser tão magnetizante, as outras personagens, entre as quais os membros da banda, quedem eclipsadas. O argumento podia ser melhor, é verdade. É só morno.  Vemos um Freddie quase doméstico, que alterna com o cantor. Falta-lhe um toque qualquer que o tornasse verdadeiramente arrebatador.

  Este Bohemian Rhapsody é um daqueles filmes, e há tantos assim, que se salvam (tanto quanto possível…) por uma interpretação e por uma caracterização de excelência. Não é fácil recriar-se Freddie Mercury. O meu maior medo, suponho que partilhado pelos ultra-fãs dos Queen também (eu não sou ultra-fã; apenas fã), era o de que Malek se espalhasse ao comprido, tornando aqueles 138 minutos numa experiência tortuosa. Longe disso. O realizador só não foi ambicioso. Os momentos musicais ajudam a carregar o filme até ao final. Final que, diga-se, também não gostei. Não compreendi o raciocínio de se ficar no Live Aid. Zénite da banda? Quiçá. Freddie já estava doente. Já tinha tido episódios da fase aguda da infecção. Os ensaios para o grande evento angariador de fundos para a Etiópia haviam sido complicados. A voz ressentia-se da paragem que os Queen fizeram, na qual Freddie se lançou autónoma e fracassadamente no mercado musical. Claro que nada transpareceu para o público. Um bilião e meio de pessoas acompanhou os Queen em Wembley, naquela que é, com o Live at Wembley, do ano seguinte, em 1986, uma das suas melhores actuações.


  Uma vez que adoro tudo o que é retro, deliciei-me com aquelas roupinhas e com as músicas da fase inicial dos Queen, nos anos 70. Nos anos 70, Freddie conheceu Mary Austin, com quem se relacionaria até ao final da sua vida. O que os unia era singular. Freddy, bissexual, tinha aventuras com homens e com mulheres. Dos homens, buscava o sexo louco, regado a muito vodka, champagne e cocaína, mas Mary dava-lhe uma segurança e uma tranquilidade ímpares. Era aquele colo amigo. Deve ter sido, direi eu, a única pessoa que amou verdadeiramente. A ela deixou a maior fatia da sua colossal fortuna. Isto dirá muito acerca do carinho e da confiança que lhe tinha. Sobre a vida sexual de Freddie, li algures que criticam no filme o facto de não ter sido mais explorada. A menos que estivessem à espera de um grande bacanal com o público, ficou claro que Freddie se entregava a excessos de todo o tipo. Vemo-lo naqueles pubs estranhíssimos, cheios de homens envergando cabedal e transpirando sexo, vemo-lo a segui-los em casas de banho, ou seja, esse lado obscuro está lá, em Bohemian Rhapsody, com toda a excentricidade dos milhentos gatos com um quarto para cada.

  Os Queen são umas das maiores bandas rock de sempre, com milhões de seguidores. Desde que foi anunciado, este filme corria logo inúmeros riscos. Já falei da interpretação de Malek, e não só: a música, quais os segmentos escolhidos, a modo como se abordaria a sua sexualidade e a SIDA, enfim. Nem tudo consegue ser uma obra-prima. O Bohemian Rhapsody, sem o ser, é uma das visões possíveis de Freddie Mercury. Só acrescentar um pormenor: quando os filmes terminam, as pessoas levantam-se logo e saem. Com os créditos, foi exibida uma apresentação de Freddie no lado esquerdo da tela. Ninguém saiu da sala, lotada, enquanto não terminou. Trinta anos sobre a sua morte, Freddie Mercury continua a prender-nos, literalmente, ao ecrã.

  De sublinhar que, em 2019, estreará um filme sobre o nosso Freddie, o irreverente António Variações. Desnecessário dizer-se que estou ansioso, não?

8 comentários:

  1. Ainda não vi o filme, terei de o ir fazer. Creio que Freddy amava muito e teve uma relação à distância com um dançarino russo. Dizem que foi com ele que apanhou a doença nos anos 80... Recordo-me de qualquer coisa assim
    Vou ver o filme e depois logo te direi qualquer coisa

    Abraço amigo

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    1. Nureyev. Sim. Morreu de SIDA. Todavia, ele não aparece no filme. Francisco, repara: o Freddie participava de orgias. Quando assim é, torna-se difícil determinar quem infectou quem, em anos em que a maioria estava infectada...

      um abraço, amigo.

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  2. Fez-me regressar ao tempo em que ouvia Queen de forma quase obsessiva. Os álbuns "A night at the Opera" (do qual a composição "Bohemian Rhapsody" fazia parte) e o "Day at the Races", constituem algo que me preencheu muitas horas de prazer dos meus dias, à época. Não sei bem, teria de procurar, mas creio que ainda guardo estes álbuns, cujas capas adorava. No entanto, os vinis devem estar a "grelhar", de tão ouvidos!
    Estas obras junto com os álbuns dos Genesis: "Selling England by the Pound", "Nursery Cryme" ou "The Lamb lies down on Broadway" ("Carpet Crawlers" ou o "Counting out Time", ambas composições deste álbum, ainda me fazem ficar nostálgico), foram descobertas atrás de descobertas, para não falar de Joplin (por vezes dou por mim a trautear "Me & Bobby Mcgee", "Mary Jane" ou "Mercedes Benz"), a guitarra de Hendrix ou Jim Morrison e os The Doors, que, à época, me fizeram sentir que pertencia a uma vasta cultura que extravasava barreiras, ainda que Portugal continuasse meio fora de tudo, dada a influência perniciosa de Salazar, que se estendeu a Caetano, não obstante a tímida abertura tentada com este último, e a incipiente sociedade portuguesa, fruto de um fecho quase total e hostil ao mundo - a música não era excepção.

    Segui depois, e com muito prazer, a carreira de Peter Gabriel a solo, e não consigo esquecer o seu "Sledgehammer" ou as seus duetos com Kate Bush, nos anos 80.
    No entanto, a minha formação musical deu-se sobretudo nos anos 70, onde a música de intervenção americana dos Crosby Stills Nash and Young, a dupla Baez e Dylan (a minha relação mais importante foi construída ao som de "Mr. Tambourine Man" e "Knockin on Heaven'Door"), Lou Reed (tinha um vizinho que me acordava ao som de "Walk on the Wild Side", e nunca me zanguei com ele, pelo contrário ... lol), Creedence Clearwater Revival ou os Guthrie tiveram papel importante, para não falar de muitos outros, que já não vale a pena trazer à memória, pois estão inevitavelmente esquecidos e, muitos deles, já mortos.
    Depois disto, desviei o meu caminho para outros mundos totalmente diferentes, e pura e simplesmente deixei de ouvir aquilo a que me tinha habituado durante anos e anos.
    A vida é assim, um dia acordamos e ... já não somos os mesmos! Isto é, somos, mas diferentes!
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Olá, Manel.

      "A Night at the Opera" é uma obra-prima. A discussão com a editora, aquando do lançamento do álbum, surge no filme. O Freddie queria algo estrondoso. A editora desconfiou de uma faixa de seis minutos como "Bohemian Rhapsody". O descontentamento levou-os a bater com a porta e a procurar uma nova editora. Mais tarde, aquele produtor arrepender-se-ia de ter duvidado da ambição dos Queen.

      Os Genesis, com Phil Collins. Que preciosidade. Gosto muito. Joplin, Hendrix, Morrison, Doors, tudo tão bom! Algumas das suas músicas também eu ouvi há uns anitos, quando era adolescente. Kate Bush! Adoro duas dela, sobretudo: "Wuthering Heights", claro, e a "Running Up that Hill". Bob Dylan e "Mr. Tambourine Man"! Tão bom! "Knockin' On Heaven's Door", adoro. Cresci mais com a versão dos Guns. :p

      Manel, que formação musical tão, tão interessante! Gostei tanto de ler este seu comentário. Claro que irei, logo mais, para a faculdade a ouvir as canções e os intérpretes que mencionou e que não conheço.

      Permita-me que lhe diga: o Manel é um homem tão interessante. Delicio-me a ler cada linha dos seus comentários.

      Felizmente, estou a deixar o pop foleiro para trás. Até me envergonho dalgumas das músicas que ouvia há uns anos. Músicas e intérpretes. Cresci. Refinei os gostos.

      Uma excelente semana.
      Cumprimentos.

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  3. Agradeço-lhe muito as suas palavras gentis.
    Sabe igualmente, porque lho afirmo, talvez em demasia, que gosto igualmente de o ler. É refrescante na minha vida algo enclausurada, com laivos de misantropia!
    Por vezes tenho receio de importunar demasiado com os meus "relambórios", porque afinal este é o seu espaço, e acabo por estar a invadi-lo constantemente.

    Não creio igualmente que seja muito diferente das pessoas da minha geração, e, "ao vivo e a cores", tenho tendência para um mutismo que, por vezes, dá uma ideia desagradável da minha pessoa (há quem diga que é sobranceria), o que não condiz, de todo, com a opinião que tenho de mim mesmo. No entanto, os outros têm uma visão mais completa de nós mesmos, pois, quando estamos muito próximos, não nos enxergamos devidamente. Por conseguinte, acabo por prestar atenção a estas opiniões e fazer uma auto análise mais cuidadosa.

    Sou de opinião que não deve deixar de prestar atenção às suas fases musicais, ou outras, anteriores que, hoje, talvez aprecie menos.
    Tudo são passos necessários na nossa formação como pessoas, e são tão importantes como quaisquer outros.
    Picasso, que é universalmente considerado como um dos grandes génios do século XX, e eu sou igualmente desta opinião, produziu muita coisa por que ele próprio não nutria muito apreço, mas, não deixou de ser necessário para atingir os níveis que atingiu, sendo pioneiro em muitas tendências que, posteriormente, muitos outros artistas lho agradeceram. São etapas na nossa vida.
    O que me parece mais importante é não ficar cristalizado em alguma fase só porque nos é mais fácil, por uma questão de inércia inteletual.
    Já estamos a meio da semana :)
    Bom trabalho
    Manel

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    1. Manel,

      Não me importuna nada. Aborrecer-me-ia, isso sim, se ficasse sem dizer nada. :)

      Padecemos do mesmo "mal". Também sou tido por sobranceiro. Eu preferia exigente com quem escolho relacionar-me.

      Tem razão. Entretanto, ainda bem que evoluí e refinei os gostos.

      Uma continuação de boa semana.
      Cumprimentos.

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