5 de julho de 2025

Diogo Jota & André Silva.


    Diogo Jota era um nome conhecido de todos nós. Internacional português, figura incontornável da Selecção Nacional e do Liverpool, vivia o auge da sua carreira desportiva, um daqueles raros momentos em que o talento, o esforço e a oportunidade se encontram e brilham. Casado há apenas duas semanas, vivia também o melhor período da sua vida pessoal, ao lado da mulher com quem teve três filhos, todos eles pequenos: um menino de quatro anos, outro de dois, e uma bebé de apenas oito meses. Agora, essa mulher fica sozinha, com a responsabilidade de criar os seus filhos e a dor insuportável de uma perda sem nome. Porque perder o amor da nossa vida assim, de repente, é algo para o qual ninguém está preparado. Eram namorados desde adolescentes.

   André Silva, o irmão, jogava no Penafiel. Menos conhecido, mas com igual paixão pelo futebol. Também ele via a vida pela frente, também ele com sonhos, com família, com planos. E agora também ele parte, tragicamente, ao lado do irmão com quem partilhou a infância, o sangue, os afectos e, tristemente, a morte.




   Os pais de Diogo e André ficam sem filhos. Tinham apenas aqueles dois. Imaginar essa dor é impossível. É uma ferida que não cicatriza, uma ausência que grita, um silêncio que vai acompanhar o resto dos seus dias. Nada pode preparar uma mãe ou um pai para sepultar os dois filhos ao mesmo tempo.

  Estamos perante uma perda imensa. Uma família destruída. Um país em choque. Uma estrada que leva duas vidas que ainda tinham tanto por viver. E nós, que cá ficamos, tentamos encontrar sentido numa tragédia que não faz sentido nenhum. Ironia das ironias, os dois irmãos perderam a vida numa localidade que não fica assim tão longe de onde eu moro: Sanabria, aqui ao lado, na província de Zamora. Conheço a auto-estrada onde se deu o fatídico acidente. Passo por lá várias vezes.

   Que Diogo e André descansem em paz. E que os seus nomes fiquem para sempre ligados não apenas ao talento que mostraram em campo, mas à beleza da sua ligação fraterna e à brutalidade da injustiça que os levou.


26 de junho de 2025

50 anos de independência, e eu penso no meu pai.


    O meu pai nasceu em Moçambique. Filho de portugueses, sim, mas moçambicano no coração, no carácter, na alma. Sempre me falou daquela terra com uma luz nos olhos que nunca vi em mais lado nenhum. Dizia, muitas vezes, que amava Moçambique mais do que amava Portugal. E eu acredito que era verdade.

    Foi lá que ele cresceu, aprendeu a correr pelas matas, sentiu o calor do mundo pela primeira vez; que descobriu os cheiros, os sons, as cores que moldaram o seu espírito. Foi lá que ele aprendeu o valor da amizade, da partilha, da luta, da dignidade. Moçambique não era só o lugar onde ele nasceu: era o lugar onde ele se tornou quem era.


O meu pai, ao centro, em Moçambique

    Lembro-me de como se emocionava sempre que ouvia música moçambicana, de como falava da Ilha de Moçambique, de Lourenço Marques, da Beira, de Inhambane, da praia, das pessoas, da mistura, da liberdade que sentia nos tempos da juventude. Dizia-me que Moçambique lhe tinha dado tudo. Que não havia no mundo terra mais bela. E que, apesar de o sangue ser português, o coração era moçambicano.

  Hoje, se fosse vivo, estaria feliz. Orgulhoso. Talvez até emocionado. Porque ver Moçambique celebrar 50 anos de independência seria para ele uma vitória, uma confirmação daquilo que sempre sentiu: que aquela terra tem direito à sua voz, ao seu destino, ao seu lugar no mundo.

    Neste 25 de Junho de 2025, celebro também por ele.


18 de junho de 2025

The Emancipation of Mimi, vinte anos depois.


 Faz agora vinte anos que Mariah Carey lançou The Emancipation of Mimi, um dos álbuns mais marcantes da sua carreira -e, sem que ela o soubesse, também da minha vida.

  Era 2005. No calendário, um Verão escaldante; no coração, uma inquietação difícil de nomear. Tinha 19 anos e começava a perceber que a vida não era tão protegida como julgava. Foi o ano em que os meus pais, até aí aparentemente estáveis, começaram a dar-se mal. O ambiente em casa tornava-se tenso, pesado, um silêncio que gritava por dentro. No ano seguinte, a separação seria inevitável.

   No meio desse desconforto íntimo, The Emancipation of Mimi apareceu como um raio de luz. Eu passava tardes inteiras colado à rádio, com os dedos cruzados, à espera de ouvir It’s Like That e We Belong Together -os dois grandes êxitos daquele Verão. Era quase um ritual: o rádio ligado, o volume no máximo, e eu a tentar esquecer o infortúnio da minha existência e o vazio. Cada vez que a voz da Mariah ecoava, sentia uma espécie de abraço. Um conforto.




    O álbum marcou não só o meu Verão, mas também o regresso triunfante de Mariah Carey. Depois do fracasso duplo de Glitter (2001), tanto o filme como o disco, e de Charmbracelet (2002), que também não teve o impacto esperado, muitos pensaram que o tempo dela tinha passado. Mas em 2005, ela renasceu. Com The Emancipation of Mimi, mostrou ao mundo que ainda tinha muito para dar, com uma voz renovada, uma presença mais madura e uma vulnerabilidade que tocava fundo.

  Esse renascimento artístico coincidiu, de forma quase simbólica, com a minha necessidade de encontrar esperança no meio do caos. O título do álbum, A Emancipação de Mimi, parecia falar também da minha tentativa de libertação, de encontrar força dentro de mim quando tudo à volta desabava.

   Hoje, vinte anos depois, olho para esse álbum não apenas como um marco da pop, mas como uma tábua de salvação. Há músicas que são mais do que canções: são memórias, abrigo, capítulos da nossa história. We Belong Together ainda me emociona. Ainda me lembro do silêncio do meu quarto, da solidão, e daquela melodia que dizia tudo o que eu não conseguia dizer. É um esboço da minha emancipação, a possível naquele momento, que estava prestes a começar, com o início de um novo ciclo.


30 de maio de 2025

Cada um com o seu ritmo.


    Há dias em que dou por mim a pensar nisto: quase todos os meus colegas da faculdade já estão casados. Muitos com filhos. E eu? Também estou casado, é certo, e feliz, muito feliz. Os filhos, decidimos que não. Não sentimos esse apelo, esse chamamento. E está tudo bem.

  Sempre fui ligeiramente fora de tempo. Desde miúdo que o noto. O meu ritmo nunca foi o dos outros, e durante muito tempo achei que havia qualquer coisa de errado comigo por causa disso. Agora vejo que não. Simplesmente, a vida tem mesmo muitos caminhos, e nem todos passam pelo mesmo sítio.

  Não temos de nos espelhar nos outros. Não temos de seguir os passos que nos dizem que são os certos. A verdade é que cada um de nós tem o seu tempo, os seus desejos, a sua forma de chegar às coisas. Eu tenho vindo a conquistar o que acredito merecer, ao meu ritmo e à minha maneira. A minha casa. O meu marido. Os meus animais. Comecei a conduzir talvez tarde, porém, quando me senti preparado e maduro para o fazer. Pouco a pouco, tudo vai acontecendo.

   A felicidade não obedece a um único modelo. O que existe é o que nos faz sentido. E isso basta. Não preciso de viver como os outros para saber que a minha vida é minha.

   E se às vezes me sinto fora do compasso, não faz mal. Talvez esteja apenas a dançar outra música. Uma mais minha. E nessa música, com o tempo certo dos dias bons e das noites tranquilas, e dos dias menos bons e das noites agitadas, eu vou sendo -devagarinho- aquilo que sempre sonhei ser: eu, em paz com o que conquistei, seja pouco ou muito. Que me seja suficiente.