30 de outubro de 2011

All I wanted that night...


Fruto talvez de uma necessidade de proteção, começo a pensar no Natal com carinho. Às vezes tenho medo de perdê-lo.
Aprendi, talvez à minha custa, de que os bens materiais não são tão importantes quanto me pareciam. Também me julgo demasiado, é verdade, mesmo sabendo que o amadurecimento faz parte da vida e que mudamos continuamente.
Este ano, vivo um período pré-natalício à americana, onde o Natal começa logo após o Halloween. Melhor, antecipei-me mesmo aos americanos no que a isso diz respeito.

Lisboa parece-me apática. Na rua, cada um segue o seu caminho numa cidade sem brilho. Faz frio, de noite, mas não o sinto. Senti-me perdido, como se as vidas que seguiam ao meu lado tivessem um rumo definido, exceto a minha, mesmo sabendo que isso não é verdade.

Vamos alegrar um pouco, vendo consumir.

Um final de tarde na baixa pombalina não resolve. As ruas, pouco iluminadas, atenuada a escuridão pelo brilho incandescente das lojas, parecem caminhos tortuosos e sem fim à vista. Perigosos. Passa uma senhora loira, de meia-idade, carregada de sacos, bem vestida e a falar apressadamente ao telemóvel; no passeio paralelo, caminha um sem-abrigo, sujo, doente, esfomeado e a falar sozinho. A luz da loja de roupa encadeou-me os olhos. Pessoas correm apressadamente à volta das roupas que lhes agradam, outras experimentam casacos, encolhendo as barrigas para que consigam apertar os botões. A empregada, inexperiente, baixa o olhar, envergonhada, ante uma reclamação incendiada de uma cliente nervosa.
Saí.
Agora, três rapazes, embriagados, falam em tom alto encostados a uma parede grafitada. Tentei ver o escrito, mas a penumbra não mo permitiu. Mudei de passeio.
Desci a estreita rua inclinada que termina num cruzamento. Virei à direita em direção ao Tejo. Pergunto-me que encanto terá Portugal para que tantos turistas o visitem.
A corrente de ar, marítima, levou-me a vestir de novo o casaco e a sentir um calor, artificial que fosse. As luzes da Ponte refletem-se na água do rio. Sinto-me como se fosse o único na praça e toda a cidade parasse a olhar para mim. Apeteceu-me rodopiar sobre mim próprio, mas depois ficaria com tonturas e não teria onde cair de forma segura, nem uns braços que me pudessem segurar. Será que o rei se incomodará com a minha presença?

Absorto pela minha realidade, deturpei a vontade e fi-la minha. O princípio da noite de sábado seria meu. Sem o estudo, sem os livros e até mesmo sem mim. A melhor experiência é deixar que o momento nos conduza.
Esqueci-me da fome - que porventura não tinha - das horas e do tempo. Queria voltar sem ver ninguém nas ruas. O mundo vazio. Preciso de uma ilha deserta. Mas saberia como a moldar, porque a vontade continua a ser minha e dentro de mim nada há que não queira. Os ditadores nunca conseguiram extinguir os sonhos e até eles caem. As estátuas poderão ser derrubadas e as árvores morrem, mesmo que de pé. Os sonhos ficam, pelo menos até que a sua força motora viva. Depois, bem depois não sei, mas se agora valer a pena, não interessa o que aí vem.


27 de outubro de 2011

Desafio dos Livros

Muito bem, desafiado pelos Coelhos (clicar aqui), decidi aceitar a proposta que me foi feita e expor as minhas leituras. Bom, o conceito de minhas leituras sofreu uma certa alteração a partir do momento em que entrei para a faculdade. Neste momento, e devido ao facto de não ter tempo, as minhas leituras baseiam-se em livros histórico-jurídicos.

1. Existe um livro que relerias várias vezes?

Uma vez que tenho um feitio propenso a regressar ao passado, não o poderia ser de outra forma neste aspecto. Releria, como reli, 1984 de George Orwell. Fenomenal!

2. Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?

Sim, e nem sei se algum dia o lerei até ao fim...  Eurico O Presbítero de Alexandre Herculano. Enfadonho!

3. Se escolhesses um livro para ler no resto da tua vida, qual seria?

Crime e Castigo do enorme Dostoiévski. Uma vez que o li no início da adolescência, marcou-me bastante e gostava, se pudesse esquecer-me subitamente da história, de o ler indefinidamente.

4. Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?

Comprei-o e, infelizmente, nunca o li, embora lamente. O Homem Casado de Edmund White.

5. Que livro leste cuja «cena final» jamais conseguiste esquecer?

O Sino de Iris Murdoch. Inquietante...

6. Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual o tipo de leitura?

Sempre tive o hábito de ler quando era criança, não só pelo facto de os avós terem uma biblioteca na casa do Alentejo, mas também porque não concebia os meus dias sem a leitura. Excetuando os livros "de adultos" que lia às escondidas, lia, efetivamente e com o conhecimento dos pais (risos), a saga da J. K. Rowling, Harry Potter, os vários livros das histórias da Walt Disney (que a mãe preferia aos filmes), a coleção Os Cinco e, claro, a coleção Uma Aventura da Ana Maria Magalhães e da Isabel Alçada.

7. Qual o livro que achaste chato, mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?

Memorial do Convento de José Saramago... Porque é enfadonho e cansativo.

8. Indica alguns dos teus livros preferidos.

Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar;

Ontem Não Te Vi em Babilónia, António Lobo Antunes;

O Código Da Vinci, Dan Brown;

A Linha da Beleza, Allan Hollinghurst;

Livros de História, de biografias históricas;

... e vários dos acima citados.

9. Que livros estás a ler?

Neste momento, as minhas leituras estão muito direcionadas para os livros da faculdade. São, digamos, os meus livros de cabeceira e não deixam de ser uma excelente literatura.

Deveria repassar o desafio, contudo, como vem sendo o meu hábito nestas ocasiões, deixo ao vosso critério. Faça-o quem assim o entender. ^^

24 de outubro de 2011

Let's talk about international issues...


Sou daquelas pessoas que acredita, tal como um muito conceituado professor que tenho este ano, que todos nós devemos ter uma educação cívica para além dos conteúdos programáticos das várias disciplinas. Algo, sobretudo, que nos leve a pensar como pessoas inseridas em sociedade e não apenas como máquinas incessantes em busca da média ideal.
Hoje, numa aula, debatemos assuntos da atualidade que, de certa forma, até estão relacionados com o conteúdo da cadeira. Como sempre procurei estar a par do que se passa pelo mundo, estas pequenas exposições em que ouvimos a opinião de alguém mais experiente, aprendendo, e também podemos intervir, são bastante úteis.

Mau grado não conseguir estar cinquenta minutos atento e aproveitaria mais as aulas. Uma amiga, a V., que odeia política internacional, não consegue estar quieta, em silêncio, durante muito tempo. A tarefa torna-se ainda mais árdua quanto temos um rapaz, gay, de pull-over cor-de-rosa a olhar para nós extasiado e um outro, mais distante, a gesticular num modo efeminado para uma rapariga (o que lhe valeria uma repreensão pelo incómodo na aula seguinte). Sim, há assim tantos e ainda mais. O do pull-over rosa choque (piroso) é discreto, até começar a andar...; o outro é: "Uau!, sou linda, chegay!". Disse tudo. (risos)
Falou-se das circunstâncias trágicas, eu diria, da captura e execução sumária de Kadhafi, o que configurou uma violação total dos direitos humanos e do direito internacional aplicado aos prisioneiros de guerra (conforme o estabelecido nas Convenções de Genebra) e - uma notícia melhor - do fim da atividade armada da ETA.

O conceito de Justiça diz-nos claramente que a análise dos factos, as provas e a aplicação das penas compete apenas e exclusivamente aos tribunais. Ninguém tem o direito de tirar a vida a alguém, menos ainda se não se tratar de uma sentença que transitou em julgado. Se existiam provas em como Kadhafi cometeu crimes sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, entregassem-no a Haia para que tivesse um julgamento justo e equitativo. Que se retirem ilações para o futuro e que estas graves violações dos direitos humanos não tornem a acontecer.
O fim da atividade armada da ETA é um forte motivo de regozijo, pese embora defenda a plena independência e autodeterminação dos povos, como está estipulado na Resolução 1514 das Nações Unidas e na própria Carta da mesma. Se os bascos se consideram um povo distinto dos espanhóis, qual o motivo para que não lhes sejam atribuídos os mesmo direitos do Kosovo, das ex-repúblicas soviéticas em 1991, do Sudão do Sul, dos diversos países que compunham a ex-Jugoslávia, etc? Espero que a luta continue, de forma pacífica e com os meios legais e legítimos (através do recurso à atividade diplomática).

Uma das melhores qualidades de que fomos dotados (para mim, por Deus; para vocês, depende das crenças individuais) é, sem sombra de dúvida, a capacidade de discernir entre o justo e o injusto; o certo e o errado. O sentimento de Justiça é intrínseco a todos nós, exceto nas pessoas-animais sem qualquer tipo de código moral de valores e conduta.
A velha boa máxima cristã do "não faças aos outros o que não querias que te fizessem a ti", despudorada de interpretações levianas - e de algum preconceito antirreligioso* - faz e fará sempre todo o sentido.

*segundo as normas ortográficas vigentes


22 de outubro de 2011

The first day of your life.


Sempre me perguntei qual será a sensação de poder viver grandes momentos, marcos políticos ou transições importantes. Quem nasceu nos finais do século XX, como eu, pouco ou nada viveu de relevo; um relevo transversal às nossas vidas simples, iguais e entediantes.
Questionei-me, na biblioteca da faculdade, entre livros mais legalistas e outros mais históricos, o que sentirão aqueles que presenciam acontecimentos que mudarão para sempre os seus destinos. Passou-me pela cabeça o 25 de Abril de 1974; o fim da II Guerra Mundial e o desembarque dos Aliados na Normandia; a libertação dos países ocupados pelas forças nazis; a queda do Muro de Berlim; o fim dos socialismos na URSS e países do Pacto de Varsóvia; as transições democráticas no sul da Europa e, nos anos 80 e 90, na América Latina e, mais recentemente, as convulsões sociais no Médio Oriente e norte de África. Como será olhar para o céu, nas ruas, e sentir o sabor da mudança, da passagem para novas eras, cheias de sonhos por concretizar.

Nada vivi, ainda.


O sol da manhã batia timidamente na minha pele, trespassando o espesso vidro da biblioteca. Iluminando os livros abertos, o reflexo levou-me a cerrar os olhos.
Vejo rostos abatidos e uma esperança que foge a cada instante. Os rostos do desânimo, de uma conjuntura que se tem como perpétua, de um túnel que terminou num beco escuro. Aqui não se passa nada.

Combinei com o rapaz que conheci há uns dias atrás e ele apareceu. À sua chegada, os pensamentos esvaíram-se rapidamente da minha cabeça.

"Precisas de ajuda a Obrigações, não é?"
(interpretou o sentido da minha sms)

"...convém saberes as posições doutrinárias de cada autor sobre os contratos-promessa e os contratos de compra e venda."

"Oponibilidade erga omnes e inter partes, percebeste?"

"E às restantes cadeiras?"

Percebo mais de negócios jurídicos unilaterais e contratos do que de mim próprio. Não é bom sinal. Obrigado pela ajuda. Apercebi-me do seu esforço e senti-me desonesto devido à minha quase indiferença perante a sua prontidão. Quis dizer-lhe que gostava dos padrões da camisa, mas achei "too gay". Como diz uma boa amiga minha: "... há coisas que "fica" aí dentro (e gesticula); não "sai" cá p'ra fora." (e gesticula de novo).

"Queres ir à festa do Halloween na faculdade?"

"Não sei. Vou pensar nisso..."

A propósito até. Let's celebrate... nothing. 


19 de outubro de 2011

Tragedy.


Numa altura em que a maior parte das pessoas reflete sobre o seu futuro, objeções surgem a todo o momento. Quando se fala em crise, a importância que lhe damos confere-lhe um caráter quase humano: a Crise, que personificada seria alguém muito maléfico e despudorado de sentimentos; ou fazendo uma zoomorfização, transformando a Crise num monstro terrível e medonho, semelhante ao gigante Adamastor. O monstro dos tempos recentes.

Hoje, tivemos uma demonstração clarividente, eu diria, das proporções desta Crise animalesca que amedronta os sonhos de milhões por esse mundo fora. Numa aula, aborrecida até, um professor disse-nos claramente que há alunos que vão para as faculdades sem comer e que num dos muitos estabelecimentos de Ensino Superior de Lisboa, o reitor disponibilizou uma sopa quente, ao almoço e ao jantar, para os alunos da noite, de forma a que estes possam continuar a frequentar as aulas.
Fiquei mais do que perplexo, fiquei revoltado. Não consigo imaginar o que será não ter uma refeição quente para ingerir, para mais em Portugal. Uma realidade tão próxima de nós levou-me, quase instantaneamente, a olhar para a colega do lado e pensar: "Será que tu tens um prato de comer quente quando chegares a casa?".


A miséria dos novos tempos não é igual à vivida antigamente. É a chamada nova fome, os novos pobres. Porque se, há cinquenta anos atrás, nas populações, todos sabiam quem passava dificuldades, atualmente não é assim. As fomes modernas são escondidas, envergonhadas, rostos cujo o semblante disfarça a dor contida.
Saí da aula pior do que entrei. Lembrei-me e mandei uma mensagem ao tal rapaz da livraria. Argumentei de que precisava de ajuda numas matérias, quando, na verdade, preciso de me tornar menos sério. Procuro um Eu antigo, não muito, talvez recuperável. Sinto sobretudo a falta da capa de indiferença, que me envergonhava enquanto pessoa, mas que me defendia a todo o momento. Os efeitos já se fazem sentir e eu corro atrás de mim próprio.


14 de outubro de 2011

Dualismo.



Dizer que nem eu próprio me consigo entender parece-me vago demais. Efetivamente, a cada dia que passa, sinto-me progressivamente mais afastado, alheado do que me rodeia. De redoma de cristal (porque vidro era um material que não me assentava bem), construí uma cápsula que a cada instante se introduz num foguetão e me leva para longe. O ano foi prolífero em não-transformações, mas sim em acentuações. Tudo se intensificou, absolutamente tudo, incluindo, claro está, o bom e o mau.
Especificando e concretizando o meu raciocínio, materializando-o de forma a que o mesmo assuma algo palpável aos sentidos, digamos que optei por ficar em casa a observar sem abrir, concretamente dois livros espessos que comprei para as aulas, em vez de ir a uma famosa festa universitária que se realiza hoje. Todos foram, aquele rapaz que conheci na livraria incluído, exceto eu.

O dualismo verifica-se precisamente por saber que deveria ir. Há quem não o faça por quaisquer motivos que se impõem; eu, não. Não fui apesar de algo em mim querer estar lá. No entanto, assim como uma parte desejava estar lá, até porque seria uma boa oportunidade de conhecer este novo amigo ou até mesmo de socializar mais com o R., um outro lado, mais recatado, impôs-me que não o fizesse. Dei desculpas a mim mesmo, desde que não era um bom ambiente para mim (de facto, é algo meio sórdido, com bebedeiras enormes, quedas devido ao chão se encontrar molhado de álcool, algumas brigas, engates e, segundo consta, cenas de sexo escondidas), até que amanhã teria aulas e, por isso mesmo, o bom senso recomendar-me-ia que ficasse em casa. Não gosto, de todo, de ambientes daqueles, mesmo estando presentes os meus amigos da minha faculdade e de outras faculdades. Não se trata de uma gala; é uma festa com muito álcool e confusão. Inóspito, no mínimo.

Não me convenci a mim próprio. O verdadeiro motivo é o progressivo alheamento ao qual me referi no início. Outras situações têm demonstrado isso mesmo. Talvez seja um amadurecimento, mas amadurecer é positivo e a minha situação não o é. Sinto, apenas, que não sou o mesmo. O nome que se aplica melhor ao que eu sinto, vista que está a insuficiência das palavras, é a apatia. Estou apático, indiferente.

Estarão a beber e a dançar. Não os invejo, afinal, também eu poderia estar lá. Detenho-me a escrever e a pensar. Não temos todos o mesmo papel a cumprir. O meu começa a desvendar-se diante dos meus olhos.


11 de outubro de 2011

Imperativo Hipotético.


Analisando a vida e as circunstâncias que a rodeiam, é fácil de perceber que poucos são os imperativos hipotéticos que temos ao nosso dispor. Quando afirmam - alguns perentoriamente - de que a vida é feita de escolhas ponderadas e refletidas, esquecem-se todavia de que as mesmas precedem um imperativo condicionante. Não é decidido ou realizado sem que uma força anterior o provoque. Somos frutos das circunstâncias e os atos que tomamos, prolíferos que se assemelham a espontâneos, não são tão determinados por cada um como se possa julgar.

No imperativo categórico, como Kant o idealizou, podemos ser levados a agir de uma forma estabelecida, porém, há imperativos naturais dos quais não podemos escapar. É a esses a que me refiro e são esses, mais os acasos da vida humana, que projetam e induzem os imperativos hipotéticos.

Tomando-me como cobaia e à experiência, chego à conclusão de que poucos imperativos verdadeiramente hipotéticos existiram na minha vida. O caráter hipotético é-lhes dado pela maior ou menor liberdade de escolha humana, uma vez carecidos de total determinação, não são eles, em si, verdadeiramente hipotéticos, mas um reflexo do imperativo categórico atenuado pelo campo de ação individual.
Como diria Rousseau, «o Homem nasce livre, mas em toda a parte se encontra aprisionado».

A liberdade humana é meramente utópica. As pequenas decisões que tomamos, exceto as verdadeiramente insignificantes, derivam de um antecedente indutor. A Terra é, então, um grande cárcere onde se encontram mais e menos aprisionados. A melhor forma de escaparmos à tendência sedutora é a evolução, nomeadamente intelectual. Escapar à tendência bruta do Homem, afinal, «o Homem é mau por natureza» (Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel). Evoluindo, cultivando a sabedoria, alcançamos progressivamente uma maior liberdade.
Contudo, nenhuma distinção credível me surge entre o prisioneiro atrás das grades e o homem que se julga mais livre.

Escrito ao abrigo das normas ortográficas em vigor.

7 de outubro de 2011

Encontros imeditados... no bar.


Nunca fui de ficar a conversar no bar da faculdade. Aquele ambiente inóspito de pessoas nervosas devido às aulas, testes, exames e afins, não tem um efeito sedutor em mim. Há quem passe horas a conversar no bar da faculdade e depois há quem prefira ir para o Saldanha, Campo Pequeno e El Corte Inglés, etc, com as amigas: eu. Hoje, surpreendentemente, conseguiram convencer-me a ficar no bar depois das aulas. Por sorte, fizemos todos a matrícula ao mesmo tempo de forma a ficarmos juntos na mesma sub-turma e conseguimos. Esta tarde, então, proporcionou-se uma conversa amigável entre mim, uma amiga, um colega nosso e o R. (há imenso tempo que não falava dele diretamente). Conversa puxa conversa e acabámos a falar de homossexuais na faculdade. Ultra constrangedor. A minha relação com o R. está mais do que fria; podem adivinhar o clima estranho que ficou no ar, para além, evidentemente, do caráter polémico do tema. De facto, naquela faculdade há imensos gays visivelmente assumidos, outros semi-assumidos, os discretíssimos que só com gaydar apurado são percetíveis e ainda aqueles que todos sabem que o são, exceto eles mesmos que se negam terminantemente. Resumindo: há imensos gays e lésbicas. O R. depressa arrumou uma desculpa para se subtrair à agradável tertúlia e eu também saí pouco tempo depois.

Não foi uma desculpa esfarrapada da minha parte. Combinei realmente lanchar com a avó e ainda tinha de passar pela livraria da faculdade para comprar mais um livro (comprei onze livros em cinco dias, coisa pouca...). Estava muito bem a procurar o livro quando esbarro l-i-t-e-r-a-l-m-e-n-t-e com um rapaz giríssimo. Alto, muito alto, louro de olhos esverdeados. Por pouco não deixo cair os cadernos. Ele, simpático, pediu-me desculpas todo sorridente e começou a fazer-me perguntas.





"Então, és caloiro?" - Não.

"És de Lisboa?" - Sim.

"Estás em que ano?" - 2º.

"Estás a ter dificuldades?" - Não.

Eu respondi quase em monossílabos de tão constrangido. Eu sei que as coisas neste universo funcionam meio rápido (anda um há meses a convidar-me para cafés e eu nada porque não houve aquele clique - mora perto de mim), mas assim tão rápido? Por mais que tente ser simpático, tenho consciência de que fui quase grosseiro com o rapaz. Eu reparei logo que ele é - no mínimo - bi ou então gay naquela categoria discretíssimo, contudo não me conhece de lado algum e desatou a fazer-me perguntas. Um pouco de discrição nunca fez mal a ninguém. Não gosto de fazer o «papel de difícil», nada disso, apenas acredito que deve haver tempo, empatia, no fundo, algo que inicie o processo de conhecimento entre duas pessoas.
Terminou dizendo-me que era do 3º ano, deu-me o número de telemóvel e disse-me que se precisasse de ajuda para não hesitar em contactá-lo.
Em um momento, de estranho passou a quase amigo com direito a lugar na lista de contactos no telemóvel. Atualmente, terá se ser tudo assim tão fugaz?


4 de outubro de 2011

A cor da cidade que não suplanta o seu medo.


Observo a noite abafada de um verão tardio. A luz dos candeeiros da cidade não aumenta a fé; diminui a esperança. Pequenos insetos esvoaçam em torno das lâmpadas quentes, movendo-se imóveis pela falta da brisa noturna. O carro para num semáforo e empurra o meu corpo ligeiramente para a frente, esbatendo-me, de novo, suavemente contra o banco estofado. A oscilação foi o suficiente para que os meus cadernos coloridos e a legislação caíssem para o chão. Não me detive a apanhá-los. Congruentemente, o cinto de segurança só é retirado após a viagem terminar.

A mãe continua um pouco constipada e stressada. Vejo que não está bem, mas não a quero confrontar com o seu estado de saúde. Fragiliza-me vê-la adoentada. Coloco os headphones e ouço a versão Glee da It's Not Unusual do Tom Jones. Preciso de ânimo. A letra suave e apaixonada, todavia, não consegue afastar-me dos mais temíveis pensamentos.

                                      

Serão mais duas horas em Kampala, no Uganda; mais uma em Lilongwe, no Malawi. A noite, cá, não trará preocupações de maior. Calma e quente, a noite brilha na capital. A esta hora, alguém estará a ser agredido, violentamente torturado e preso, em alguns países africanos, por ser... gay. A reportagem visionada ontem na televisão mostrou líderes religiosos que culpam os europeus pela existência de sodomia em África. Debaixo do mesmo luar, uns sofrem na pele; outros, na consciência coletiva.

Paramos no Saldanha e compro mais um livro para a faculdade. Tantos preceitos e ética nas mãos e tão pouco nos corações dos homens. A música não teve um efeito tranquilizador. A impotência e o conformismo tomam as rédeas de um ativismo de sofá. Soltem-se os espíritos e o pop dos 60's! É chegada a altura de o som da música abafar o clamor desesperado dos inocentes. Até quando?

2 de outubro de 2011

Quando os braços se mantêm abertos.



Sempre acreditei mais na capacidade que um abraço tem de nos transmitir paz e segurança. O beijo será algo mais carnal, talvez sexual, se bem que pode se revestir apenas de ternura. Ontem, de noite, enquanto arrumava umas folhas soltas que teimavam em manter essa dispersão, como um sonho que fica por arrumar ou um pedaço de algo tão nosso que está perdido, dei por mim a recordar-me dos abraços que já demos. Foi um exercício estranho da minha parte. No fundo, quero evitar perder-te totalmente. Pensando em pequenos e breves detalhes, creio que consigo manter algo vivo, presente. É uma luta contra essa tendência tão evidente.

Contei quatro, sendo que dois foram importantes para ti. Para mim não o deixaram de ser, evidentemente, mas tiveram um efeito tranquilizador em momentos que realmente precisavas. Um deles, contabilizando já os restantes, foi impulsivo e fugaz. Imprevisível, enfim, como dizem que as emoções devem ser. De facto, mais vive quem o faz sem pensar demasiado e o mesmo já foi objeto, aqui, de uma profunda reflexão.

Escrevi com caneta, lápis e papel. É bom não perdermos o hábito da escrita manual, contudo não aquela que fazemos diariamente nas escolas ou nas faculdades; a escrita manual que nos sai diretamente do coração. A força quase oblíqua que embate na caneta e a faz escrever. O desfiar do que está preso, ansioso por sair, talvez não tão escondido pelo seu caráter superficial. As emoções são superficiais, não num tom pejorativo; superficiais, sim, porque se revelam a todo o instante. Quando estimulados, todos somos incapazes de manter a sobriedade, a menos, claro, que estejamos perante pedras em forma humana.

Em todos os abraços que trocámos, senti o teu calor. E realmente quando duas pessoas se tocam é impossível não sentir o quente do outro corpo que agora alcança o nosso. Consegui sentir uma verdade, uma verdade não revelada. Somos tão frágeis quando demonstramos os nossos sentimentos. Acho-te frágil, concluindo. De uma fragilidade inconsequente. Afeta o teu âmago bom, mas relutante.

Escrevi duas folhas que de seguida rasguei. Não gostei do que escrevi, nem da forma como o fiz, nem dos sentimentos que tentei colocar no papel. As folhas brancas que ficaram de um bloco continuaram intactas. Foi tudo demasiado simples para que mereça um maior destaque. As palavras merecem mais. Todavia, como os braços se mantêm abertos (aí também?), eu aguardo com elas.