8 de junho de 2017

A união das coroas de Castela e Aragão.


    No dealbar do século XV, mais concretamente em 1412, invocando-se razões dinásticas e de relação de forças nobiliárquicas e militares, havia-se chegado a um acordo, o Compromisso de Caspe. Através dele, determinava-se que o trono vago de Aragão seria ocupado por um nobre castelhano, Fernando de Antequera, à época regente de Castela devido à menoridade de João II, e desde então, também, rei de Aragão. Esta conjuntura vem sido entendida como um primórdio do que viria a ser a união das coroas castelhana e aragonesa.

    O filho de Fernando de Antequera, I de Aragão, Afonso V de Aragão, preferiu dar preferência aos seus interesses na península itálica. Ao tornar-se rei de Nápoles, deixou-se envolver a tal ponto pela cultura renascentista, que despontava, que não mais regressou à sua pátria. Entretanto, o seu sobrinho, Fernando, e futuro monarca daquela coroa, teria um papel determinante no processo histórico dos reinos peninsulares.

     Os laços de parentesco que uniam as diversas entidades peninsulares eram intrincados. Surgiam movidos pelos recorrentes matrimónios. Assim se estabeleciam alianças políticas. O Reino de Castela, num turbulento processo que não abordarei agora, coube a Isabel, no seguimento da morte do pretendente varão melhor posicionado e de ter sido afastada da sucessão outra candidata, a famosa Joana, a Beltraneja, cuja filiação sempre foi posta em causa e que colhia o apoio de D. Afonso V de Portugal, vencido na Batalha de Toro, em 1476, e que viria a reconhecer, três anos mais tarde, pelo Tratado de Alcáçovas (1479), a realeza de Isabel, casada com Fernando de Aragão. Estes dois monarcas ficariam irremediavelmente ligados à história de Espanha, pois o esboço do que seria a moderna Espanha que conhecemos deu-se por acção destas duas personagens.

     Levantara-se, antes, o problema de saber com quem deveria casar a jovem princesa, uma questão que envolvia os três reinos peninsulares, uma vez que a escolha do esposo equivaleria a unir Castela a Aragão ou a Portugal. Coube, aqui, a habilidade de João de Aragão e dos partidários castelhanos. Isabel aceitou Fernando em 1469. A nobreza castelhana, que ora apoiava Joana, casada com D. Afonso V de Portugal, ora Isabel, casada com Fernando II de Aragão, aquietou-se. Com a morte de Henrique IV, pai de Joana, em 1474, a guerra tornou-se uma inevitabilidade.

     O enlace de Isabel com Fernando, os Reis Católicos, não correspondeu à completa realização da tendência unificadora de Castela, mas a situações que poderiam sofrer alterações. Não havia, de jure, uma unidade. Castela e Aragão, e o mesmo se poderia dizer de Navarra, conquistada e incorporada em Castela três anos antes, mantiveram os seus foros e as suas prerrogativas separadamente. Nesse sentido, o matrimónio não configurou, pois, um remate do processo desencadeado, mas o surgimento de uma fase de unificação histórica, cujo destino dependeria da relação de forças e da vontade política orientada para uma entidade una. Castela, na união, assumiu um papel de preponderância. Possuía maiores recursos e depressa se tornou o epicentro da união. Foi Castela que dirigiu a política externa dos Reis Católicos, sem prejuízo de se considerar também as possessões mediterrânicas de Aragão, e não só os domínios atlânticos de Castela.

     Isabel de Castela revelou uma tenacidade que a levou a conseguir o que jamais algum outro rei castelhano havia conseguido. Munida de inquebrantável vigor, eliminou a desordem que se instalara entre a nobreza, e que tanta inquietação havia trazido ao reino. Ordenou pesadas sanções aos nobres que contra ela se haviam rebelado. Conseguiu até mesmo sujeitar as poderosas ordens da cavalaria, cujas riquezas começaram a servir os desígnios da Coroa, no seguimento do cargo de Grão-Mestre outorgado pelo Papa a Fernando, seu marido. As Cortes reuniam-se progressivamente menos, na política centralista que também se verificava em Portugal com D. João II, que subordinou a grande nobreza à Corte, tendo vencido o duque de Bragança e o duque de Viseu, em 1483 e 1484, respectivamente.

      De extrema importância para a política externa castelhana foi também a introdução, em Espanha, da Inquisição, bem assim como o recrudescimento da intolerância com os judeus e os mouros. Para os Reis Católicos, a religião católica, passo a redundância, representava um elemento fundamental na unificação. Era-lhes insuportável a convivência com o derradeiro reduto mouro na península, Granada, que havia conseguido sobreviver aos outros reinos mouros, muito devido à fragilidade da monarquia castelhana até então.
      A guerra teria uma duração de dez longos anos, até Boabdil capitular diante dos monarcas espanhóis, em 1492. Terminava, assim, um capítulo de oitocentos anos desde a ocupação muçulmana da península. No mesmo ano, Colombo descobria a América ao serviço dos Reis Católicos. Começava a desenhar-se um outro na história da nova potência peninsular, desta feita unificada.

6 comentários:

  1. Adoro suas perspectivas históricas ... super didáticas ...

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  2. Mais uma aula onde eu aprendi e muito :)

    adorei

    Grande abraço amigo

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    1. "Aula", heheh.

      Obrigado, amigo.

      um abraço grande.

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  3. Um período fascinante para os reinos peninsulares.
    Isabel a Católica, uma descendente de portugueses (face à política de casamentos e alianças entre os reinos peninsulares, era difícil que ela não tivesse sangue português), preferiu consolidar a sua união com Fernando, no que foi uma jogada muito bem pensada e aconselhada, face ao êxito com que foi brindada.
    Unir-se a João II (este casar-se-ia com a sua prima Leonor, em 1471, depois de Isabel de Castela se ter casado já em 1469 com o seu primo de Aragão) seria impensável, pois significaria desencadear guerras entre as forças da nobreza, que aceitariam mais facilmente um aragonês que um português, e isso ficou bem patente com o casamento perfeitamente desadequado de Afonso V com a "a Excelente Senhora" (prefiro este epíteto ao de "Beltraneja", que ela não mereceu, nem qualquer culpa teve no caso), sua sobrinha, em 1475.
    Foi um período complicado para Portugal, mergulhado numa triste situação, face à desastrosa política levada a cabo pelo Africano, da qual só a atuação férrea, e até algo cruel, de João II conseguiu aliviar (a obra deste príncipe é admirável, e não é em vão que Isabel de Castela o apelidava de "El Hombre", mas ...).
    Esta união dinástica entre Castela e Aragão, e mais tarde a de Espanha e os Habsburgos (teria sido muito curioso ver o que daria a união de D. Manuel I com Isabel de Aragão, caso esta tivesse sobrevivido ou então, que Miguel da Paz não tivesse morrido de tão tenra idade), produzirá um império que marcou a Europa irremediavelmente.
    Nestes jogos de poder, fomos nós que acabámos por perder a independência, mas os destinos não se adivinham, cumprem-se, se bem que não era necessário muita lucidez nem capacidade de adivinhação para perceber no que estas políticas de casamentos consanguíneos iriam resultar ...
    Gosto sempre destas incursões pela história da civilização.
    Uma boa semana recheada destas festas lisboetas, que sabem sempre bem ... eu escolhi ficar pelo Alentejo, bem mais tranquilo e com noites luarentas, cheias de mistério e aromas fortes, e a brisa noturna é suave e fresca.
    Manel

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    1. "A Excelente Senhora" foi uma forma curiosa, e pouco convencional, de conferir a Joana um título que respeitasse a sua nobre condição mas sem afrontar os reis castelhanos.

      A união política dos reinos hispânicos pairou sempre entre todos os monarcas. D. Afonso V quis reinar em Castela, ao invadi-la para lutar pelos direitos de sua mulher. Não havia, naqueles tempos, os conceitos de Estado-Nação ou de Estado-soberano. Eram reis, praticamente feudais. Tão-pouco havia o conceito romântico de Nação, surgido sobretudo no século XIX. A união das coroas de Castela e Portugal não se deu por vários infortúnios do destino - o Manel referiu um, a morte do pequeno Miguel da Paz, que teria unido todas as coroas peninsulares na sua pessoa. Dar-se-ia mais tarde, em 1580, terminando sessenta anos depois numa conjura palaciana, feliz conjura palaciana!

      Os casamentos endogâmicos são muito perigosos, e tivemos vários exemplos por cá mesmo (península): D. Sebastião, Carlos II de Espanha, Carlos de Espanha (filho de Filipe II de Espanha), D. Afonso VI... Distúrbios mentais e físicos, causados pela consanguinidade, produziram pessoas severamente incapazes de governar, que assumiam, todavia, responsabilidades governativas. Nós sofremo-lo na pele.

      Boa estadia pelo Alentejo. Gosto muito.

      Cumprimentos. :)

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