27 de fevereiro de 2019

Oscars.


   Claro que um cinéfilo como eu não podia perder a edição dos Oscars. Domingo fiquei acordado madrugada fora para saber quais as escolhas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Não houve grandes surpresas, devo dizer. Como sempre, há aquelas categorias intermédias, que servem mais para, e perdoar-me-ão a expressão, encher chouriços. O que queremos saber é quais foram os melhores actores e actrizes, secundários e principais, e qual foi o melhor filme e o melhor realizador, entre outras que, não obstante terem menos interesse, poderão até dar-nos certas luzes (darão?) sobre as escolhas da Academia nas tão almejadas categorias.

   Em Melhores Efeitos Visuais, First Man arrecadou a estatueta. Não fiquei admirado. É um filme excelente, que versa sobre a chegada do homem à lua. Pelos seus efeitos, mereceu. Em Melhor Edição de Som e Melhor Mistura de SomBohemian Rhapsody, e bem também, no meu entender. O som do filme, o que não é difícil com os Queen como pano de fundo, bem o justificava. Bohemian Rhapsody também ganhou em Melhor Edição e, como sabemos, a grande alavanca do filme, Rami Malek, recebeu a estatueta de Melhor Actor. Sempre disse que estávamos perante o melhor Freddie Mercury da sétima arte, e a Academia seguiu o meu entendimento.

    Em Melhor Filme EstrangeiroRoma ganhou. Era o grande favorito, também para Melhor Filme, o que não se confirmou: Green Book recolheu o troféu mais aguardado. Eram os meus dois favoritos. Qualquer um dos dois, quanto a mim, merecia o Oscar de Melhor Filme, em larga vantagem sobre os demais que concorriam. Relembro que vi todos os nomeados para Melhor Filme, excepto o Black Panther, porque não aprecio ficção.

   Em Melhor Realizador, Alfonso Cuarón, de Roma, levou o prémio para casa. Também se justificava. Roma é um grande filme, muitíssimo bem dirigido. Fez-se justiça. Depois, em Melhor Actriz, aí sim tivemos uma surpresa: Olivia Colman, por The Favourite. É o seguinte: eu não lho daria. Não deixou de ter um desempenho superior, mas havia outras actrizes que o mereciam mais, desde logo Gleen Close, que anda há anos à espera de um, por The Wife. Não considero que os desempenhos de Yalitza Aparício, por Roma, ou de Lady Gaga, por A Star is Born, lhe tivessem sido superiores. Gaga que não conseguiu fazer a dobradinha, levando, assim mesmo, o Oscar de Melhor Canção Original, por "Shallow".

    Em Melhor Actor Secundário, Mahershala Ali, por Green Book. Gostei imenso do desempenho do actor no filme. Mereceu-o. Em Melhor Actriz Secundária, Regina King por If Beale Street Could Talk, filme que vi hoje e sobre o qual ainda não escrevi. Aqui, discordo da Academia. Qualquer uma das demais nomeadas, a meu ver, merecia-o mais. Eu tê-lo-ia entregado a Marina de Tavira, por Roma.

   Nos argumentos, Green Book levou a estatueta de Melhor Argumento Original, nada a apontar, e BlacKkKlansman em Melhor Argumento Adaptado. Também não tenho nenhuma ressalva a fazer.

   O Vice foi um dos grandes derrotados, porventura o maior. Só conseguiu ganhar o Oscar de Melhor Maquilhagem e Penteados, uma das menores categorias. Não critico. Efectivamente, não é um dos grandes filmes dos que estavam nomeados. Seria o mais fraquinho de todos. Talvez Christian Bale pudesse ter esperança em ser o melhor actor, porque o seu Dick Chenney vai fazer história, lá isso vai. O Roma também conseguiu levar o de Melhor Fotografia. Merecidamente. A fotografia é um dos pontos altos do filme de Cuarón.

    Há mais categorias, mas pouco me interesse suscitaram, ou porque não são das principais, ou porque foram arrecadadas por filmes que não vi. Caso do, como disse anteriormente, Black Panther. Li, e já agora faço uma menção, que dois portugueses participaram na longa-metragem / documentário que ganhou o Oscar na respectiva categoria. É uma pequena vitória nacional. Chama-se Free Solo, e vai ser transmitido um destes dias, num dos canais do cabo.


   A Academia procurou dividir o mal pelas aldeias. Gostei do facto de a cerimónia ter sido rápida, de certo modo. Não ter tido nenhum apresentador residente terá ajudado. Houve dois momentos musicais bastante bons. Logo o primeiro, dos Queen + Adam Lambert, que interpretaram os clássicos We Will Rock You e o hino We Are the Champions, e Lady Gaga com Bradley Cooper, em Shallow, num momento de grande cumplicidade entre os dois artistas. Um dos pontos altos do certame. 

    Haverá mais para o ano!

24 de fevereiro de 2019

Venezuela (II).


   Em Agosto de 2017, abordei a situação da Venezuela aqui no blogue, que já na altura era dramática. Nestes últimos dois anos, nada acalmou. Pelo contrário. Maduro insiste em levar o país para o limite de uma intervenção externa, porque na bancarrota já está. Milhares de venezuelanos arriscam as suas vidas para alcançar a fronteira com o Brasil, escapando à fome crónica, à escassez de medicamentos, de serviços básicos de saúde. A Venezuela, hoje, é o espelho do fracasso do socialismo. É a prova viva de que os regimes de esquerda não trazem quaisquer benefícios para o povo. Visam, tão-só, enriquecer uma classe política corrupta e sedenta por poder, que se perpetua e que coloca os seus nos sectores-chaves da economia, da indústria, como um polvo cujos tentáculos se fazem sentir em todo o lugar.

   Há um princípio básico, no direito internacional, de não-ingerência nos assuntos internos de outro país. No caso do país da América do Sul, já ultrapassámos esse limite, a partir do momento em que não há um poder reconhecido internacionalmente. A comunidade internacional divide-se entre Guaidó e Maduro, o último que só consegue vislumbrar reconhecimento entre regimes iguais, ditatoriais e desrespeitadores da dignidade humana. O mundo civilizado reconhece Guaidó por ora, sabendo de antemão que a solução para a Venezuela, no imediato, passa pela convocação de eleições livres e democráticas, para que o povo venezuelano, legítimo detentor da soberania, se possa expressar nas urnas e decidir o seu futuro. O futuro dos venezuelanos não pode ser sequestrado por Maduro, o último dos tiranos na América Latina. Maduro não encontra problemas éticos, morais, em mandar abater cidadãos inocentes. Os confrontos dos últimos dias na fronteira com o Brasil atestam a sua falta de escrúpulos, a sua desumanidade.

   Há casos de militares que conseguiram cruzar a fronteira e desertar. Entendem, e com motivos, que a solução para a Venezuela não é militar, e sim política. Maduro continua a procurar instrumentalizar as forças armadas para que o apoiem, sabendo que deixou de ter reconhecimento. A sua situação é profundamente ambígua. O que temo é que haja, efectivamente, uma intervenção externa em território venezuelano, conduzindo a milhares de mortes civis. Ele não desistirá tão facilmente. Acredito que prefira ser quase um mártir a renunciar livremente e permitir que a Venezuela possa enterrar este passado recente de miséria e sofrimento.

   No caso de Portugal, e tendo em consideração a comunidade enormíssima de emigrantes na Venezuela, temos de adoptar uma postura contida. Guaidó tem-se desdobrado em agradecimentos ao governo português. Guaidó não é um impostor, não é um usurpador. Como presidente da Assembleia Nacional Venezuelana, encabeça um dos órgãos de soberania daquele país. Não reconhecendo, como nenhum organismo internacional fidedigno reconhece, a legitimidade de Maduro, que se fez eleger num processo eleitoral pouco claro e com vícios, Guaidó, para que o poder não caísse nas ruas, encontrou, na sua autoproclamação, uma decisão temporária, até que se realizem eleições livres e representativas. É isto que se espera. Guiadó é presidente interino. É uma solução que até em Portugal encontra consagração constitucional. O Presidente da Assembleia da República pode, interinamente, ocupar o cargo presidencial, até à realização de novas eleições.

   O mais lamentável é que não se deixe a ajuda humanitária chegar àquelas população. Não quero imaginar o que será não poder dispor do mais básico para se acudir a uma emergência médica, ou pior: não ter que comer. Temo que qualquer provocação, do lado brasileiro, possa ser entendida como uma declaração de guerra. Morrendo um civil brasileiro às mãos de um militar venezuelano, Bolsonaro não hesitará. Esperam-se dias mui conturbados naquela região do globo.

22 de fevereiro de 2019

Cultural Sunday (take 29).


   Este domingo, o último antes de recomeçarem as aulas, levou-me à Casa-Museu Amália Rodrigues, na Rua de São Bento, próxima ao Rato. Por curiosidade, nunca antes a casa da Amália me havia merecido atenção, talvez por não me recordar dela.

   Fiquei com sentimentos mistos em relação à visita, e digo-lhes o porquê. O bilhete é caro, a meu ver, para o que se vê. Tenho ido a outras casas-museus, e até com mais interesse, e não pago tanto. Lembro-me, por ora, do Palácio Azurara e da Casa-Museu Medeiros e Almeida. Depois, parece-me que são demasiado intransigentes com as regras. Nada de fotografias e nem sequer se pode atender uma chamada. O lado bom é que todas as visitas são guiadas. No meu caso, era o único. Uma senhora, a Dona Estrela Carvas, guiou-me então pela casa que albergou Amália de 1955 até à data da sua morte, em 1999. Temos, à entrada, de colocar uns plásticos nos sapatos, o que se compreende porque andamos literalmente a pisar os tapetes da Diva do Fado.

   A casa, segundo me disse, está intacta, tal qual Amália a deixou. Pode-se visitar quase todos os cómodos, incluindo a copa e a cozinha. Cozinha modestíssima, diga-se, para alguém como a Amália, o que vem atestar, de certo modo, a simplicidade da artista. Para terem uma ideia, alguns azulejos da cozinha têm daqueles autocolantes. Uma cozinha velha, nada remodelada.

   No andar de cima, encontramos a sala de poesia da artista, o quarto da dama de companhia, a sala de costura e a suite onde Amália passou os seus últimos momentos de vida. Segundo consta, ela ter-se-á sentido mal ainda na cama. Caminhou até à casa de banho privativa, e por lá ficou, caída no chão, até darem com ela.

  Encontramos arte-sacra por todas as divisões. Amália era mui religiosa. Autodidacta também, segundo me contou a Dona Estrela, porque, por todos os países aonde ia, tinha de trazer um livro. Amália dizia que representava Portugal, e que uma pessoa que representa Portugal não pode ser ignorante. Falava cinco idiomas perfeitamente, não tendo frequentado qualquer curso. Era uma mulher culta. Aliás, Amália escrevia poesia. E cantou muito do que escreveu.


  De novo cá em baixo, há uma salinha adjacente repleta de fotografias da diva com inúmeras personalidades internacionais. Amália conviveu com a fina-flor do showbiz. Anthony Quinn foi seu amigo pessoal, por exemplo. Convidou-a para adaptarem, para o cinema, as Bodas de Sangue de Lorca, que Amália declinou, pois sempre se sentiu mui tímida. A sua personalidade introvertida não lhe permitiu construir uma carreira lá fora. Em todo o caso, encheu palcos pelo mundo, esgotando salas. Vendeu trinta milhões de discos.

   Foi uma visita agradável, mas esperava um pouco mais, sou sincero. A menos que a consideremos como uma passagem pela intimidade da artista, pela casa que estará perto da que deixou, em Outubro de 1999, gerando forte comoção nacional.

A foto, única permitida, foi captada por mim antes de proceder à visita.

17 de fevereiro de 2019

Vice & Cold Pursuit.


   Na sexta, voltei ao cinema comercial, para acompanhar o último filme que me faltava ver - com excepção do Black Panther, de que não gosto - de todos os que estão nomeados ao Oscar de Melhor Filme. No sábado, e não obstante ter lido uma crítica não muito abonatória na blogosfera sobre o filme, vi o Cold Pursuit.

   O Vice mostra-nos os bastidores do centro do poder da "nação mais poderosa da Terra", pegando nas palavras de Dick Cheney, um homem sedento de poder, mas habituado a viver na sombra, excelentíssimo pai de família. Há ali um momento em que Cheney não cede nos seus princípios, quando o confrontam, sendo republicano, com a homossexualidade da filha; no final, e já não sendo ele o visado, parece compactuar com a dita cedência de uma das filhas, que dá o dito por não dito em horário nobre da TV. Parece que Cheney, maquiavélico como só ele, não se importa em ultrapassar todos os deveres éticos e morais quando se trata de atingir determinado objectivo político.

  Alçando-se na teoria do poder executivo unitário, Cheney, braço forte de Bush filho, no filme retratado como um cowboy bêbado e inconsequente, totalmente estupidificado, justificou que o poder executivo, à margem do congresso, tudo pode, principalmente em tempos críticos, de guerra. Foi o que aconteceu no pós-2001, com a invasão do Afeganistão, do Iraque, com o uso da tortura e a manutenção de prisioneiros de guerra em prisões onde a Convenção de Genebra relativamente aos prisioneiros de guerra não era respeitada. Lembremo-nos de Guantánamo, por exemplo.

   Maquiavel. Nunca é citado, nem implicitamente, mas estou em crer que deve ser autor de mesa para Dick Cheney. Vale mais ser temido do que amado e, se tens de fazer mal, fá-lo de uma assentada. Cumpriu todos os conselhos do autor florentino de modo escrupuloso. Evidentemente que há mérito de um homem vindo do nada, apertado contra a parede pela mulher para que mude de vida e cresça. Ouviu o conselho com atenção e chegou à Casa Branca. Ser presidente não lhe interessava. Podia controlar tudo, e controlou, manobrando Bush filho e estando à sua retaguarda.



   Como referi acima, Cheney não se importou com a ética, e também nem sempre lhe importou o bem da nação. Sabemos, ali pelo meio, que havia uns esquemas, uns negócios, com petrolíferas e grandes empresas. Enfim, o Médio Oriente é rico em energias caras aos americanos. O resto, como sabemos, é história: não havia armas nenhumas de destruição em massa, no Iraque, e o 11 de Setembro deu até jeito àqueles senhores de guerra que crêem que os EUA devem desempenhar o papel de polícias do mundo.

    É um filme interessante, bem conjecturado, em forma de sátira, a um período da história recente do qual tão más recordações tempos. Quer o actor principal, que faz de Cheney (Christian Bale), quer a actriz que faz de Lynne Cheney (Amy Adams) e inclusive Sam Rockwell, no papel de Bush, estão, a meu ver, bem nomeados para os Oscars de Melhor Actor Principal, Melhor Actriz Secundária e Melhor Actor Secundário, respectivamente. Têm desempenhos que o justificam. A montagem, ou edição, também é um ponto positivo de Vice, como verão. É um filme dinâmico. Eu destacaria a cena em que Cheney está para entrar no seu gabinete da Casa Branca e, como que em retrospectiva, a sua vida, desde os tempos conturbados do início do casamento, se desenrola ante os seus olhos. A cena é impactante, porque vemos um vulto, estático, à entrada da porta. Um homem impenetrável, pragmático e poderoso. É essa a imagem com que ficamos de Dick Cheney. No final, quando se tenta justificar e nos encara, percebemos que nem ele se sentirá bem com o que fez, afinal, o mundo mudou muito por responsabilidade sua.


    O Cold Pursuit, e ainda bem que não me deixei levar pela crítica pouco abonatória, não sendo um filme maravilhoso, longe disso, vê-se bastante bem. Nunca vi tanta morte retratada de um modo tão leve, e mortes violentas, diga-se. O filme, e é um pormenor curioso, conjuga cenas de uma violência acentuada com um travo a subtileza que até nos arranca sorrisos, quando o que está em causa não é para brincadeiras: um pai, sedento por vingar o filho, traficantes de droga sem escrúpulos nem sentimentos, polícias, etc. O facto de ser ambientado numa cidade de gelo, extremamente fria, provoca-nos essa sensação de certo desconforto.



  As interpretações também não são brilhantes. Quando sabem da morte do filho, as expressões parecem as de alguém que está a, e perdoem-me a expressão, segurar o cocó. Faltou entrega. O filme até pedia mais, se formos a analisar racionalmente. O argumento, em si, pede mais entrega, mais garra.
   Cai facilmente no esquecimento.