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5 de julho de 2025

Diogo Jota & André Silva.


    Diogo Jota era um nome conhecido de todos nós. Internacional português, figura incontornável da Selecção Nacional e do Liverpool, vivia o auge da sua carreira desportiva, um daqueles raros momentos em que o talento, o esforço e a oportunidade se encontram e brilham. Casado há apenas duas semanas, vivia também o melhor período da sua vida pessoal, ao lado da mulher com quem teve três filhos, todos eles pequenos: um menino de quatro anos, outro de dois, e uma bebé de apenas oito meses. Agora, essa mulher fica sozinha, com a responsabilidade de criar os seus filhos e a dor insuportável de uma perda sem nome. Porque perder o amor da nossa vida assim, de repente, é algo para o qual ninguém está preparado. Eram namorados desde adolescentes.

   André Silva, o irmão, jogava no Penafiel. Menos conhecido, mas com igual paixão pelo futebol. Também ele via a vida pela frente, também ele com sonhos, com família, com planos. E agora também ele parte, tragicamente, ao lado do irmão com quem partilhou a infância, o sangue, os afectos e, tristemente, a morte.




   Os pais de Diogo e André ficam sem filhos. Tinham apenas aqueles dois. Imaginar essa dor é impossível. É uma ferida que não cicatriza, uma ausência que grita, um silêncio que vai acompanhar o resto dos seus dias. Nada pode preparar uma mãe ou um pai para sepultar os dois filhos ao mesmo tempo.

  Estamos perante uma perda imensa. Uma família destruída. Um país em choque. Uma estrada que leva duas vidas que ainda tinham tanto por viver. E nós, que cá ficamos, tentamos encontrar sentido numa tragédia que não faz sentido nenhum. Ironia das ironias, os dois irmãos perderam a vida numa localidade que não fica assim tão longe de onde eu moro: Sanabria, aqui ao lado, na província de Zamora. Conheço a auto-estrada onde se deu o fatídico acidente. Passo por lá várias vezes.

   Que Diogo e André descansem em paz. E que os seus nomes fiquem para sempre ligados não apenas ao talento que mostraram em campo, mas à beleza da sua ligação fraterna e à brutalidade da injustiça que os levou.


21 de abril de 2025

Adeus, querido Papa Francisco.


   É realmente um dia muito triste para mim. Cada um falará por si. O Papa Francisco foi o responsável por eu ter abraçado a Igreja. A sua mensagem de inclusão (uma Igreja para todos, repetindo o todos três vezes) não deixou margem para dúvidas: o Papa queria que a Igreja acolhesse homossexuais também. Nós, que durante tantos séculos, e inclusivamente mais recentemente com João Paulo II e Bento XVI, fôramos desprezados e tratados como aberrações, com o Papa Francisco voltámos -pelo menos eu- a sentir-nos integrados e acolhidos no seio da nossa fé. E eu estou seguro de que o Papa teria ido mais além se pudesse, uma vez que a Igreja é uma instituição enorme, onde há lobbies fortíssimos. Fica a imensa saudade.

   Quanto ao seu sucessor, temo o que poderá vir por aí. Espero que o conservadorismo de João Paulo II e de Bento XVI não se repita, e que o caminho que o querido Papa Francisco iniciou não se encerre, pelo contrário, prospere e continue.


17 de fevereiro de 2025

Jorge Nuno Pinto da Costa (1937-2025).


   Os meus pais eram portistas. Ferrenhos. A minha mãe por influência do meu pai. Nenhum nasceu no norte. 
     Eu cresci sob a enorme influência do Futebol Clube do Porto. Foi o único clube do qual fui sócio, em pequeno, e o único equipamento que vesti. Em adulto, fiz-me do Sporting, todavia, o carinho pelo FCP existe e mantém-se, pelas recordações de infância e pelos meus pais. 
    Pinto da Costa foi apresentado aos meus pais através de um dirigente desportivo da nossa família. Eu não tive oportunidade de o conhecer. Admirava-o pela ironia, pelo atrevimento em lutar contra o centralismo lisboeta, e também pela devoção ao Porto, clube e cidade. O clube, tinha sete títulos de campeão nacional quando Pinto da Costa chegou à Presidência, em 1982. Hoje tem 30. Com Pinto da Costa, em 1987, o Porto ganhou todos os títulos internacionais. A essa taça dos campeões europeus somar-se-ia outra, em 2004; duas taças intercontinentais e mais um sem-número de troféus nacionais e internacionais. A par de dirigente desportivo, Pinto da Costa encabeçou também uma resistência nortenha ao centralismo de Lisboa, muito embora não tenha jamais enveredado numa carreira política.
    Presto-lhe aqui a minha homenagem, que seria também a dos meus queridos pais.

25 de outubro de 2024

Marco Paulo (1945-2024).


    Há momentos li um artigo de Herman José sobre o amigo Marco Paulo, por ocasião da morte do cantor. O artigo está disponível no Público (não sei se aberto ou não; eu tenho assinatura paga). Um texto que resume tudo o que eu poderia dizer de Marco Paulo. Em Portugal, somos preconceituosos e mesquinhos, e somo-lo também com a música. Em Espanha, valoriza-se o nacional; tem-se orgulho nos seus cantores e cantautores. Em Portugal, não. Colocamo-los em prateleiras, com o devido rótulo, colado: “boa música”, “música pimba”. O que é a música pimba? Uma música descontraída, sem complexos nem grandes intenções, que todos ouvimos, todos conhecemos e todos trauteamos em algum momento? É isso? E por que motivo envergonhamo-nos dela? O problema não é o estilo; o problema somos nós. Marco Paulo passou por esse estigma, e possuía uma grande voz. Potente. Firme. Além disso, quer a nível profissional quer pessoal, sempre se apresentou como um senhor, discreto. Desconhecem-se-lhe polémicas.

     Foi um ícone da moda nos 80, fazia as mulheres suspirar por ele. O meu pai inspirou-se nele, nos caracóis, que também usou durante anos, a ponto de o confundirem com o artista. Marco Paulo, figura incontornável do panorama artístico nacional, deixa-nos, e com ele morre um pouco da nossa identidade. Mais uma daquelas pessoas que parece existir desde sempre e que -é verdade, sabíamo-lo doente- partiu.

28 de dezembro de 2023

Odete Santos (1941-2023).


   É impressão minha ou é comum que morra muita gente conhecida nos dias seguintes ao Natal? Desculpem, foi um pensamento em voz alta. Desta vez, Odete Santos, a histórica militante e deputada do PCP. Independentemente de ideologias políticas, eu admirava Odete Santos pela sua determinação e coragem. Era uma mulher carismática, quiçá a mais carismática das deputadas portuguesas junto a Natália Correia. Enquanto jovem, lutou contra o Estado Novo; defendeu, como advogada, e de forma gratuita, gente necessitada, e já no plano pessoal, em 1988, foi atingida por uma tragédia horrível: a morte do seu filho, Mário, de 16 anos, vítima de acidente de mota. Nada a dobrou. É daquelas pessoas que não deixam ninguém indiferente.

   Odete Santos estava afastada dos holofotes há muito tempo. Há tempos lembrei-me dela, e recordo-me de ter pensado, quase em jeito de vaticínio, “qualquer dia é o seu dia” (isto é mesmo certo). Chegou ontem, aos 82 anos, depois de uma vida repleta de batalhas políticas e desafios.

20 de novembro de 2023

Sara Tavares (1978-2023).


   Sabia que a Sara tivera um cancro cerebral há uns anos. Julgava-o superado, e foi com enorme surpresa e consternação que tive conhecimento da sua morte, tão precoce, com 45 anos. A Sara era aquela menina de voz doce, das primeiras artistas portuguesas saídas de um talent show que conseguiram vingar. Fez da sua carreira o que quis, interpretando temas muito pessoais, sobretudo sonoridades da terra dos seus ancestrais, Cabo Verde. Perde-se uma grande artista, original, e uma referência da cultura musical nacional. Estou muito triste.



24 de outubro de 2023

Professor Doutor Pedro Romano Martinez (1959-2023).


   À semelhança dos Professores Augusto Silva Dias e Eduardo dos Santos Júnior, ambos falecidos precocemente na casa dos sessenta anos, hoje tive conhecimento da morte do Professor Pedro Romano Martinez, meu docente a Direito das Obrigações no ano lectivo 2011/12, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Na recordação fica a imagem de um senhor, educado, refinado, elegante na forma como se apresentava e inclusive na exposição oral da matéria nas aulas. Paz à sua alma. Com os professores que citei acima, é mais uma perda para a ciência do direito, naquela idade em que as pessoas estão na plenitude das suas capacidades intelectuais e maturidade. 





10 de setembro de 2021

Jorge Sampaio (1939-2021).


   Em Portugal, quem morre perde todos os defeitos. Os erros eliminam-se, apagam-se das biografias pessoais. Jorge Sampaio, falecido hoje, não era uma figura que inspirava antipatia. Não era, efectivamente. Consta, do seu percurso político, o activismo contra a falta de liberdades na fase final do Estado Novo, a luta pela implementação e consolidação da democracia e, décadas depois, o empenho na defesa dos direitos humanos. A César o que é de César. Entretanto, moveu-se por interesses de natureza partidária e afinidades políticas. Fez um juízo, já si discricionário, de instabilidade em 2004, quando havia uma maioria parlamentar favorável. A sua actuação conduziu à vitória do PS, o que é normal em democracia, porém, à ascensão de uma figura sinistra chamada José Sócrates. Esse feito, que leva a assinatura de Sampaio, em grande medida, tem sido assinalado hoje, e é bom que o seja.

    O seu segundo mandato conheceu períodos conturbados, desde logo em finais de 2001, quando Guterres pediu a demissão (na sequência da derrota nas autárquicas) e a dissolução do parlamento levou à vitória do PSD de Durão Barroso e, três anos depois, o já citado episódio com o governo de Santana Lopes. E se é certo que as análises à distância e quando não se ocupam cargos de responsabilidade são mais fáceis, Sampaio abriu um precedente inédito, que tentou justificar, ou explicar mais tarde, e que ele soube, e nós sabemos, que a bem ou a mal escreveu a página das suas memórias, que são as nossas, que melhor recordaremos pelos piores motivos.

16 de maio de 2021

Eva Wilma (1934-2021).


   Este obituário será, porventura, pior que o de há dias. Hoje despertei-me com a notícia da morte de Eva Wilma, uma das actrizes brasileiras por quem mais carinho sentia e talvez a que maior impacto teve na minha infância. Em 1997, Eva Wilma encarnou uma personagem que, pelas suas características, ganhou um lugar de destaque na teledramaturgia brasileira, tal qual a própria Eva. Falo-lhes de Altiva, ou Maria Altiva de Mendonça e Albuquerque, a vilã da novela ambientada na cidade fictícia de Greenville, em A Indomada. Uma antagonista pérfida, porém cómica, num estilo que já nos é conhecido de Aguinaldo Silva, que mistura, na própria ficção, um universo surrealista e fantasioso, assente frequentemente no exagero do religioso e nos estereótipos e folclore do povo brasileiro. No colégio, para procurar atenuar vivências não tão positivas ou até, quiçá, dar azo a uma faceta artística, imitava os trejeitos e bordões de Altiva.

   Dois anos antes, Eva Wilma interpretou a desajeitada, tresloucada, Zuleika, em História de Amor, de Manoel Carlos. Outra das suas personagens que recordo particularmente.


Eva Wilma enquanto Altiva, em A Indomada (1997)


   São das minhas memórias mais vívidas de uma artista que, entre televisão, cinema e teatro, teve uma carreira de quase setenta anos.

   Eva Wilma estava bastante doente sobretudo desde o último ano. Não sendo a sua morte um facto inesperado, nem por isso nos merece menos pesar. Perdemos, portugueses, brasileiros, africanos, uma grande actriz, daquelas cujos papéis, pelo carisma que Eva trazia em si, são inesquecíveis.

13 de maio de 2021

Maria João Abreu (1964-2021).


    Para as pessoas da minha geração, a Maria João representava uma das actrizes mais queridas. O seu semblante era sempre de uma enorme doçura. Contrariando o vedetismo tão comum na classe artística, mostrava-se com um sorriso aberto, convidativo. Se há facetas e qualidades que transparecem, a humildade da Maria João era uma delas.

   Parte uma mulher demasiado nova, com imenso para viver e para dar ao teatro, sobretudo ao de revista, aquele que mais a preenchia como actriz. Entretanto, Maria João Abreu era completa, abrangendo a comédia e o drama. Recordá-la-emos assim, multifacetada. Dos papéis que interpretou, eu destacaria dois que recordo particularmente: Lucinda de Médico de Família, com o seu inesquecível bordão, de sandálias de salto alto e meias, e Anabela, personagem secundária de Jardins Proibidos (2001), a grande produção portuguesa para a televisão que foi uma pedrada no charco na ficção nacional e destronou, pela primeira vez, as novelas brasileiras.

   Reutilizo as palavras que recentemente escrevi a respeito de Cândida Branca-Flor: morrer jovem escandaliza-nos, deixa-nos revoltados. Tratando-se de gente boa, a perplexidade extravasa.

     Até já, Maria João.

2 de janeiro de 2021

Carlos do Carmo (1939-2021).

 

   O ano começa assim, com uma morte de rompante, e não uma morte qualquer: Portugal vê partir um dos seus nomes maiores da cantiga popular, o fado. Foi, no masculino, o que Amália foi no feminino, com todo o reconhecimento nacional e internacional. Estas comparações valem o que valem e há quem não goste nada delas.

  Não sou conhecedor e nem fã de Carlos do Carmo. Conhecerei aquelas duas canções mais emblemáticas da sua carreira. Nem sequer sei o nome dos títulos. Presumo que Os Putos, e a Lisboa, menina e moça. A minha indolência não me permite sequer ir ao Google confirmar se estão correctos. Em todo o caso, sabia-o um grande vulto, estimado pelos portugueses, consensual, um símbolo do fado. Também o associava a um estilo pessoal contido, sóbrio, pragmático. Aquilo a que vulgarmente o povo chama um senhor. Pois bem, foi um senhor que morreu, que certamente deixará saudades entre quem o estimava e que será recordado pelas cantigas que deixou e que pertencem ao nosso legado artístico do século XX.


   Até sempre.



27 de dezembro de 2019

Professor Augusto Silva Dias (1954-2019).


   Uns dias antes do Natal, mais concretamente no dia 19, soube da morte de um ex-professor, o Prof. Augusto Silva Dias, um dos maiores penalistas deste país, insigne professor e jurista. Foi o meu docente da disciplina de Direito Penal III, no ano lectivo de 2014/15.

   Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, encontram-se muitos alunos com más opiniões sobre os professores. A exigência muitas vezes é confundida com a má vontade, e às tantas gera-se a ideia de que os professores daquela casa são implacáveis. Haverá de tudo. Uma vez que são tão bons, que tanto deram de si, querem o retorno. É natural que nem sempre as notas reflictam o estudo feito, mas é aí que distinguimos entre o mau, o razoável e o bom. E o bom há-de sê-lo sempre na sua área. O que se passa é que temos gente que se julga boa, ou que quer ser boa, numa área que, por vocação, não é a sua. Aplica-se-me também.

   O Prof. Silva Dias, sendo regente, não lidava de perto com os alunos. Os professores assistentes têm outra proximidade, mediante que são eles os responsáveis pelas aulas práticas, aquelas que se ministram em salas pequenas. A Direito Penal III, tratando-se de uma disciplina optativa, não éramos muitos. O Senhor Professor conseguia, ao menos visualmente, ter uma ideia do rosto de cada um de nós, ou pelo menos daqueles que se sentavam nas filas da frente. Era o meu caso. Não raras vezes eu e o Professor trocávamos olhares de anuência. Recordo-me ainda de, anos depois, quando nos cruzávamos pelos corredores, me cumprimentar. Não me havia esquecido.

   Esta partida lembrou-me da do Prof. Eduardo dos Santos Júnior, em 2016, meu professor anos antes (entre 2013/2014), de que só vim a tomar conhecimento em 2018 por ter estado uns anos afastado da faculdade. Também aí fiquei abalado. Gostava deste Professor. Da mesma forma que houve contacto visual com o Prof. Silva Dias, houve-o com o Prof. Santos Júnior. Houve mais: uma oral de passagem a Direito das Obrigações II, e o Senhor Professor foi extraordinariamente compreensivo comigo, o que até destoa do procedimento da maioria dos professores da FDUL nas orais. É o que se consta. Eu não tenho essa experiência.

    Num e noutro caso, não os sabia doentes. Ambos faleceram precocemente. O Prof. Silva Dias, com 65 anos; o Prof. Santos Júnior, com 59. Provavelmente ainda com tanto para dar à academia e à ciência do direito.

   Há coincidências curiosas. O Prof. Silva Dias morreu no início de Outubro. Vim a saber da sua morte mais de dois meses depois. Nesse meio-tempo, a FDUL inaugurou uma exposição evocativa da bibliografia do Senhor Professor e do seu contributo intelectual para o Direito Penal, a sua área, exposição essa que esteve patente do dia 20 de Novembro ao dia 20 de Dezembro, ou seja, um dia depois de ter tido conhecimento do seu falecimento. Ignorei a passagem da depressão Elsa e, munido de coragem, pus-me a caminho para visitar a exposição, no piso inferior da biblioteca. Deixo-lhes aqui o link das fotografias do evento (registo fotográfico). 
    
   Ao Senhor Professor, deixo o meu até sempre, lamentando não o poder encontrar mais por lá, quer enquanto aluno seu, quer enquanto aluno da instituição.

11 de dezembro de 2019

Marie Fredriksson (1958-2019).


   Os Roxette eram aquele duo - durante muito tempo julguei tratar-se de uma banda - que gerou em mim a ideia de que qualquer música que lançasse automaticamente se poderia converter em single de estrondoso sucesso. A sonoridade não variava muito, verdade se diga, mas as suas power ballads fizeram-nos suspirar por muito tempo. Evidentemente, também eu tenho duas ou três na minha playlist da Apple Music, daquelas mais emblemáticas. Foram igualmente, diria eu, um dos meninos bonitos da rádio. As canções são orelhudas, apelam ao sentimento. Não havia noite naquele programa da RFM, Oceano Pacífico, sem baladona dos Roxette. A minha adolescência foi vivida com a Milk and Toast and Honey (2001).

  Sabia vagamente que a vocalista lutava contra um tumor cerebral. Devo de o ter lido algures pela net. Dezassete anos a lutar contra um cancro é obra! Com os novos tratamentos, o cancro vai-se tornando naquela doença crónica. Tem-se um cancro. Vive-se com um cancro. Só que se vive mal, de forma incapacitante. Mais uma vez aqui, não consigo deixar de pensar no Miguel, que lutou contra um durante umas duas décadas, ou mais. Para morrer, não deveria ser preciso sofrer-se tanto.

  Pronto, os Roxette terminam assim, deixando-nos um legado interessante no pop rock romântico. Foram os suecos que mais conquistaram o mundo depois dos ABBA. Atingiram várias vezes o topo das tabelas musicais dos EUA, o que não é para todos.



19 de outubro de 2019

Miguel Botelho (1962-2019).


    Este obituário impõe-se por alguns motivos. O principal, e que sobressai logo, é que nada li na blogosfera sobre a morte do Miguel Botelho, cujo blogue podem ver aqui. Bem sei que a blogosfera já era, mas, ainda assim, pensei que alguns dos seus velhos amigos voltassem aos blogues apenas para deixar algumas palavras, ou que a sua editora o fizesse. Não que o Miguel as precisasse, e seguramente que não as precisaria na blogosfera. Manifestações públicas de pesar não têm nada que ver com os sentimentos das pessoas e nada dizem acerca da sua dor.

   Não escrevo sobre a morte do Miguel porque ele tenha sido um grande amigo. Conheci-o através da blogosfera, e estivemos juntos apenas em algumas ocasiões, todas elas públicas. Escrevo sobre a sua morte, e faço-o aqui, porque considero ser o justo quando falamos de alguém que mantinha o mais velho blogue, que eu conheça, ainda em actividade, o Innersmile, ou Um Voo Cego a Nada, desde meados de Julho de 2001. Sendo o Miguel uma grande referência na blogosfera, não poderia encarar a sua partida como se nada fosse. Não. A sua trajectória nestes dezoito anos, e dezoito anos riquíssimos, justificam que deixe aqui, para a posterioridade, o meu sentimento neste momento, que é de consternação. Sabia-o doente, sabia que lutava há muitos anos contra um tumor. Não imaginava este desfecho, aos 57 anos de idade, com tanto ainda para dar.

   O Miguel começou a acompanhar o meu blogue, e eu acompanhava o seu. Depois, afastámo-nos gradualmente. Imagino que a sua doença e o progressivo esvaziamento da blogosfera para isso tenham contribuído, já que a nossa relação, ainda que não fosse de grande amizade e assídua presença, sempre foi mutuamente cordial e respeitosa. Confesso que não fui tão atento quanto deveria. Não o contactei, não procurei inteirar-me mais do seu estado de saúde, não o visitei, por motivos que também se prendem à minha vida pessoal. Redimo-me, mal, desta forma: não só não imaginei que pudesse morrer - tal nunca me passou pela cabeça -, como julguei que, enfim, amizades suas, que deixaram de ser minhas, pudessem ter contribuído para alguns juízos de valor seus a meu respeito. Vou ser menos palavroso. Julguei que já não me tivesse em grande consideração, não por qualquer má atitude da minha parte para consigo, ou vice-versa, porque sempre nos demos bem, mas por lhe terem dito mal de mim. Intrigas que agora não fazem qualquer sentido (alguma vez fizeram?), mas que também ajudam a explicar, direi eu, o porquê do nosso afastamento.

   Das vezes em que falámos, o Miguel sempre me teceu rasgados e generosos elogios. Admirava-o, e presumo que lho tenha dito, não só pelo seu intelecto como pela pessoa que era, pelo carinho e cuidado que manifestava pelos seus, os pais, a sobrinha, o irmão. Era um homem atento, culto, viajado, ponderado, educado. Às tantas, o corpo e a alma já pouco tinham que ver um com o outro. A sua alma era elegante e graciosa, e aquele corpo definhava a olhos vistos. Estivemos juntos, pela última vez, salvo erro em 2014/2015, num restaurante ali pela Praça de Espanha. Depois, fomos beber café ao Jardim Amália Rodrigues. Já estava doente. Já se levantava inúmeras vezes para ir à retrete. Infelizmente, na falta de melhores memórias, é esta que guardo, da mesma forma que guardo o seu convite para ser meu cicerone em Coimbra, numa viagem que nunca se veio a concretizar.

   Miguel, agora a ti: obrigado pelo convívio, o pouco que tivemos. Obrigado pelo Innersmile, que espero que se mantenha no ar, para que te possamos conservar não só através da memória como também dos teus inúmeros textos ao longo de quase duas décadas. E, ironia do destino, a tua última publicação assinalou a maioridade do teu diário online, como lhe chamavas, quando tu já estavas tão perto do fim.


   Destacaria, da sua produção literária, e o Miguel escreveu prosa e poesia, este pequeno poema, que fala de morte e da sua circunstância presente, que uma parte do Miguel tinha ido com a mãe, o pai, o irmão e o desgaste da luta desleal contra um inimigo silencioso. A morte há muito pairava sobre si. Talvez não seja a forma mais alegre e optimista de terminar esta publicação, por não ser capaz de encarar a morte, e particularmente a morte do Miguel, neste momento, com palavras amenas.


notícias



morreste, foste embora
trocou-se uma ausência
por outra



os dias lá foram andando
a vida vivida como
uma doença incurável



lembro-me de ti
vez em quando
uma hora por outra



mas vejo-te ao longe
como se o teu silêncio
fosse indolor



uma leve perturbação
incómoda e aguda:
não tenho notícias
não sei nada de ti

4 de outubro de 2019

Diogo Freitas do Amaral (1941-2019).


   Fui tristemente surpreendido, ontem, com a notícia do falecimento do Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral. Imaginava-o doente, porque me lembrava dos seus problemas ósseos, não me ocorrendo que estivesse já no fim da linha.

   O Prof. Freitas do Amaral, como foi sobejamente referido, é um dos pais da nossa democracia, um dos obreiros do actual regime, ao ter participado, através da Aliança Democrática, com a qual chegou ao Governo, na revisão constitucional de 1982 que diminuiu a carga ideológica da nossa Lei Fundamental. Na qualidade de fundador do CDS, desempenhou um papel importantíssimo no período de 1976-1986, actuando como contrapeso à esquerda e, sobretudo, à extrema-esquerda, ele, que era um homem do centro, e que chegou a dizer na última fase da sua vida política que "esteve mais à direita quando o país estava demasiado à esquerda e mais à esquerda quando o país estava demasiado à direita". Se não foi assim, foi parecido.

   O CDS surgiu como um partido de centro. Aliás, a sigla significa precisamente Centro Democrático Social. Foi Paulo Portas quem lhe imprimiu o cunho populista, eurocéptico, diferente daquele que esteve na sua origem. Veio, muito graças ao empenho do senhor professor, congregar uma direita saudosista do Estado Novo, conservadora, cristã. Freitas do Amaral foi sempre um bom democrata-cristão, que sabia, todavia, pensar por si. Manteve-se coerente às suas convicções e teve a coragem, e devemos reconhecê-lo, de mudar quando achou que devia mudar.

  Em 1986, concorreu às eleições presidenciais mais disputadas da história da III República, conseguindo mais votos, mas não os suficientes para ganhar à primeira volta. À segunda, não fosse o apoio das forças da extrema-esquerda e Mário Soares não teria ganhado. Há até o célebre episódio em que Cunhal exorta aos comunistas para que votem em Soares tapando com a mão a foto do candidato socialista. A derrota foi-lhe pesada e representou o fim de um ciclo político. Eu diria que as eleições de 1986 figuram como o seu zénite na vida política nacional. Passaria, mais tarde, pelas Nações Unidas.

  A par de político, destacou-se como enorme académico. Eu estudei por três dos seus manuais, a História das Ideias Políticas e a Direito Administrativo. É um nome incontornável do direito administrativo português. Dedicou-se não só à sua área de formação, o Direito, como também à História. Deixou-nos obras de referência, entre as quais uma biografia de Dom Afonso Henriques que terei de adquirir. A sua bibliografia é vastíssima.

  Empenho e coragem, como mencionei acima, são características que lhe assentam bem. Foi assim na política, quando passou do CDS ao PS, foi assim na vida académica, quando saiu da Clássica de Direito e fundou a Nova. O apoio ao PS, gradual, começando com uma contundente crítica à invasão do Iraque, custou-lhe o ostracismo do CDS. Recordo-me de terem retirado a sua fotografia da sede do partido. Ontem mesmo, quando se soube do seu falecimento, não senti verdadeiro pesar por parte da actual dirigente, Assunção Cristas. Aquelas suas palavras pareceram-me mais de circunstância do que do coração. Em seu favor, diga-se que ela chegou recentemente ao partido, há uns dez anos. Não terá convivido politicamente com Diogo Freitas do Amaral. Bom, e nem a idade lho teria permitido.

   Morre um dos últimos. Andamos a vê-los partir, as figuras de referência do nosso regime. Freitas do Amaral é mais um dos que se vai, e que se junta a Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Álvaro Cunhal, Mário Soares, Maria de Lurdes Pintassilgo e tantos outros.

    O velório está marcado para hoje, nos Jerónimos, e é provável que tente passar por lá.

20 de abril de 2019

Dina (1956 - 2019).


   Assim como assim, eu não era fã da Dina. Sabia-a doente, porque havia lido sobre isso, algures, e até sabia que era algo pulmonar. Desconhecia os contornos. Dina sofreu de fibrose pulmonar - uma doença que me era completamente desconhecida - durante treze anos, quando a maioria dura três. Já não fazia nada sem a botija de oxigénio. No ano passado, deu a sua última entrevista, não se deixando fotografar para que o público se lembrasse de si saudável e ainda bem. É de mulher, de grande mulher.

   A Dina sofreu daquele mal que aflige muitos artistas em Portugal: a injustiça. Quando se é mulher, lésbica e se participa no Festival da Canção, é meio caminho andado para se cair na maledicência do povo e no boicote das rádios. É que, em Portugal, facilmente se catalogam as pessoas. Não conheço os números porque há muito tempo que não se ouve nada sobre o assunto, mas recordo-me de que praticamente não se passava música portuguesa nas rádios nacionais. Só estrangeira. Às vezes, quando queriam colmatar um espaçozinho minúsculo em língua portuguesa, recorriam à música brasileira ou aos GNR, Xutos, Rádio Macau e por aí. Sempre os mesmos. Os clássicos. Espero que tenha mudado. Depois, temos inúmeros preconceitos com a nossa música. Arranjamos um monte de catálogos, que vão desde a erudita, à menos comercial, à música pimba, ultimamente rebaptizada como ligeira. Eu também não a consumo, mas não veria com maus olhos se separássemos alguma e a colocássemos nas rádios. A Dina, enquanto letrista, tinha canções engraçadas, melódicas, que ficavam bem na sua voz e que me parecem bastante apropriadas para a rádio. E, indiscutivelmente, Dina era mais do que o Amor d'Água Fresca, que a popularizou e eternizou entre os portugueses. A minha preferida, do seu repertório, é uma canção menos conhecida, de seu nome Acordei o Vento.

   Evidentemente, foram as participações no Festival da Canção e na Eurovisão, em 1992, que marcaram uma geração. A minha, inclusive. Eu guardarei na memória a imagem da mulher roliça, de brinco na orelha e viola entre braços, a enfiar uma catrefada de frutos num cesto bastante colorido e melódico, canção de refrão pegajoso, que entra do ouvido e de lá não mais sai. E é esse momento que deixo aqui.