A RTP decidiu-se a apresentar uma série histórica baseada em obra homónima. Madre Paula vem colmatar uma sentida lacuna. Por um lado, estimula o interesse dos portugueses pela sua história, tão subestimada, sobretudo numa era em que as ciências exactas dominam; pelo outro, é mais uma aposta na ficção nacional de qualidade.
Tomei conhecimento da série com enorme entusiasmo, ou não fosse aquele período - inícios e meados do século XVIII - um dos meus favoritos, junto a D. João V, o meu monarca de eleição. A vida íntima do monarca é conhecida; a sua predilecção por monjas, as suas visitas recorrentes ao Mosteiro de Odivelas, onde se entregava ao pecado. D. João V foi o que poderíamos designar de imoral. A devassidão, a corrupção e os excessos de todo o tipo pautaram o seu longevo reinado. As remessas de ouro brasileiro permitiram-lhe levar uma vida de fausto e ostentação, havendo a registar que os cofres do reino estavam depauperados aquando da sua morte, em 1750.
Madre Paula, ou Paula Teresa da Silva e Almeida, foi uma das noviças que caíram nas boas graças do Rei. Soube insinuar-se, soube afastar os rivais do seu caminho e depressa chegou a favorita de D. João V. Na série, interpretada por Joana Ribeiro, é uma rapariga ambiciosa, pouco clemente, que não hesita em interceder junto d'El-Rei para obter benefícios pessoais. A actriz, quanto a mim uma ilustre desconhecida, vem tendo um desempenho acima da média, bastante convincente. Não tinha a Madre Soror Paula por tão franzina, sendo bem verdade que jamais li qualquer descrição física a seu respeito. Paulo Pires, esse sim consagrado, dá corpo ao Magnânimo, e consegue fazê-lo com maestria. No tocante às interpretações, a série é uma mais-valia. Uma palavra também para Sandra Faleiro, esplêndida enquanto a austríaca D. Maria Ana, a Rainha inconformada com as infidelidades conjugais do marido.
D. Francisco de Bragança é outra das personagens de Madre Paula. Acreditando eu que o grande público o desconhecesse, eu conhecia-o de leituras que fiz. Era um homem de péssima índole, e acalentava o sonho de destronar o irmão, tal qual o pai, D. Pedro II, o mui alto e mui poderoso, fez com o irmão, seu tio, o incapaz D. Afonso VI. Este enredo alternativo, se tanto até ao momento, sétimo episódio, aguçou-me a vontade de não perder um único episódio.
A RTP foi audaz em incluir a relação homoafectiva entre um clérigo, o confessor do monarca, e um nobre. A série em si é uma prova de coragem para aquele horário. Contém cenas de forte teor sexual, bem explícitas. Será tudo menos um programa familiar das noites de quarta-feira.
A par da valorização da nossa história e de se tratar de uma produção nacional, a série contribui decisivamente para um melhor conhecimento do século XVIII português, quais os seus rostos e superstições, o que pensavam, o que faziam, a que vícios se entregavam. A caracterização, os cenários e os figurinos ajudam-nos a que nos ambientemos à sociedade portuguesa de há trezentos anos. O que ressalta da série, no imediato, como referi de início, é a degeneração das instituições, quer políticas, quer religiosas, a promiscuidade entre elas, normalíssimo no auge do absolutismo régio. A Corte era, com efeito, um antro de perdição e de crendice, e D. João V até foi, não obstante a sua esmeradíssima devoção, um monarca sensível a avanços científicos, parcos naqueles tempos. A imagem de fanático religioso deve ser contrabalançada com a de monarca prudente. Se pecou, pecou na companhia do povo, instituindo, não raras vezes, dias de folga para que todos pudessem assistir ao aparato das suas cerimónias.
Temos uma história riquíssima. A RTP e outras emissoras podem e devem apostar em ficção semelhante. Poderia elencar um sem-número de factos, dos nossos perto de novecentos anos, que dariam séries de inegável interesse. Deixo-o à sensibilidade de quem de direito. Agradeço, agradecemos, mais Madres Paulas.
Quando vemos a valorização de nossa cultura e de nossas raízes é sempre bom e prazeroso.
ResponderEliminarBeijão
No caso, de um período muito interessante da História de Portugal. É bom constatar que não cai no esquecimento. A relação de D. João V com a religiosa deve provocar-nos, a esta distância, pelo menos um sorriso no rosto. :)
Eliminarum beijo.
O que eu aprendo por aqui e completo com o que vejo na TV. Muito bom mesmo
ResponderEliminarAbraço amigo
Ainda bem, amigo.
Eliminarum abraço!