30 de outubro de 2011

All I wanted that night...


Fruto talvez de uma necessidade de proteção, começo a pensar no Natal com carinho. Às vezes tenho medo de perdê-lo.
Aprendi, talvez à minha custa, de que os bens materiais não são tão importantes quanto me pareciam. Também me julgo demasiado, é verdade, mesmo sabendo que o amadurecimento faz parte da vida e que mudamos continuamente.
Este ano, vivo um período pré-natalício à americana, onde o Natal começa logo após o Halloween. Melhor, antecipei-me mesmo aos americanos no que a isso diz respeito.

Lisboa parece-me apática. Na rua, cada um segue o seu caminho numa cidade sem brilho. Faz frio, de noite, mas não o sinto. Senti-me perdido, como se as vidas que seguiam ao meu lado tivessem um rumo definido, exceto a minha, mesmo sabendo que isso não é verdade.

Vamos alegrar um pouco, vendo consumir.

Um final de tarde na baixa pombalina não resolve. As ruas, pouco iluminadas, atenuada a escuridão pelo brilho incandescente das lojas, parecem caminhos tortuosos e sem fim à vista. Perigosos. Passa uma senhora loira, de meia-idade, carregada de sacos, bem vestida e a falar apressadamente ao telemóvel; no passeio paralelo, caminha um sem-abrigo, sujo, doente, esfomeado e a falar sozinho. A luz da loja de roupa encadeou-me os olhos. Pessoas correm apressadamente à volta das roupas que lhes agradam, outras experimentam casacos, encolhendo as barrigas para que consigam apertar os botões. A empregada, inexperiente, baixa o olhar, envergonhada, ante uma reclamação incendiada de uma cliente nervosa.
Saí.
Agora, três rapazes, embriagados, falam em tom alto encostados a uma parede grafitada. Tentei ver o escrito, mas a penumbra não mo permitiu. Mudei de passeio.
Desci a estreita rua inclinada que termina num cruzamento. Virei à direita em direção ao Tejo. Pergunto-me que encanto terá Portugal para que tantos turistas o visitem.
A corrente de ar, marítima, levou-me a vestir de novo o casaco e a sentir um calor, artificial que fosse. As luzes da Ponte refletem-se na água do rio. Sinto-me como se fosse o único na praça e toda a cidade parasse a olhar para mim. Apeteceu-me rodopiar sobre mim próprio, mas depois ficaria com tonturas e não teria onde cair de forma segura, nem uns braços que me pudessem segurar. Será que o rei se incomodará com a minha presença?

Absorto pela minha realidade, deturpei a vontade e fi-la minha. O princípio da noite de sábado seria meu. Sem o estudo, sem os livros e até mesmo sem mim. A melhor experiência é deixar que o momento nos conduza.
Esqueci-me da fome - que porventura não tinha - das horas e do tempo. Queria voltar sem ver ninguém nas ruas. O mundo vazio. Preciso de uma ilha deserta. Mas saberia como a moldar, porque a vontade continua a ser minha e dentro de mim nada há que não queira. Os ditadores nunca conseguiram extinguir os sonhos e até eles caem. As estátuas poderão ser derrubadas e as árvores morrem, mesmo que de pé. Os sonhos ficam, pelo menos até que a sua força motora viva. Depois, bem depois não sei, mas se agora valer a pena, não interessa o que aí vem.


27 de outubro de 2011

Desafio dos Livros

Muito bem, desafiado pelos Coelhos (clicar aqui), decidi aceitar a proposta que me foi feita e expor as minhas leituras. Bom, o conceito de minhas leituras sofreu uma certa alteração a partir do momento em que entrei para a faculdade. Neste momento, e devido ao facto de não ter tempo, as minhas leituras baseiam-se em livros histórico-jurídicos.

1. Existe um livro que relerias várias vezes?

Uma vez que tenho um feitio propenso a regressar ao passado, não o poderia ser de outra forma neste aspecto. Releria, como reli, 1984 de George Orwell. Fenomenal!

2. Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?

Sim, e nem sei se algum dia o lerei até ao fim...  Eurico O Presbítero de Alexandre Herculano. Enfadonho!

3. Se escolhesses um livro para ler no resto da tua vida, qual seria?

Crime e Castigo do enorme Dostoiévski. Uma vez que o li no início da adolescência, marcou-me bastante e gostava, se pudesse esquecer-me subitamente da história, de o ler indefinidamente.

4. Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?

Comprei-o e, infelizmente, nunca o li, embora lamente. O Homem Casado de Edmund White.

5. Que livro leste cuja «cena final» jamais conseguiste esquecer?

O Sino de Iris Murdoch. Inquietante...

6. Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual o tipo de leitura?

Sempre tive o hábito de ler quando era criança, não só pelo facto de os avós terem uma biblioteca na casa do Alentejo, mas também porque não concebia os meus dias sem a leitura. Excetuando os livros "de adultos" que lia às escondidas, lia, efetivamente e com o conhecimento dos pais (risos), a saga da J. K. Rowling, Harry Potter, os vários livros das histórias da Walt Disney (que a mãe preferia aos filmes), a coleção Os Cinco e, claro, a coleção Uma Aventura da Ana Maria Magalhães e da Isabel Alçada.

7. Qual o livro que achaste chato, mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?

Memorial do Convento de José Saramago... Porque é enfadonho e cansativo.

8. Indica alguns dos teus livros preferidos.

Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar;

Ontem Não Te Vi em Babilónia, António Lobo Antunes;

O Código Da Vinci, Dan Brown;

A Linha da Beleza, Allan Hollinghurst;

Livros de História, de biografias históricas;

... e vários dos acima citados.

9. Que livros estás a ler?

Neste momento, as minhas leituras estão muito direcionadas para os livros da faculdade. São, digamos, os meus livros de cabeceira e não deixam de ser uma excelente literatura.

Deveria repassar o desafio, contudo, como vem sendo o meu hábito nestas ocasiões, deixo ao vosso critério. Faça-o quem assim o entender. ^^

24 de outubro de 2011

Let's talk about international issues...


Sou daquelas pessoas que acredita, tal como um muito conceituado professor que tenho este ano, que todos nós devemos ter uma educação cívica para além dos conteúdos programáticos das várias disciplinas. Algo, sobretudo, que nos leve a pensar como pessoas inseridas em sociedade e não apenas como máquinas incessantes em busca da média ideal.
Hoje, numa aula, debatemos assuntos da atualidade que, de certa forma, até estão relacionados com o conteúdo da cadeira. Como sempre procurei estar a par do que se passa pelo mundo, estas pequenas exposições em que ouvimos a opinião de alguém mais experiente, aprendendo, e também podemos intervir, são bastante úteis.

Mau grado não conseguir estar cinquenta minutos atento e aproveitaria mais as aulas. Uma amiga, a V., que odeia política internacional, não consegue estar quieta, em silêncio, durante muito tempo. A tarefa torna-se ainda mais árdua quanto temos um rapaz, gay, de pull-over cor-de-rosa a olhar para nós extasiado e um outro, mais distante, a gesticular num modo efeminado para uma rapariga (o que lhe valeria uma repreensão pelo incómodo na aula seguinte). Sim, há assim tantos e ainda mais. O do pull-over rosa choque (piroso) é discreto, até começar a andar...; o outro é: "Uau!, sou linda, chegay!". Disse tudo. (risos)
Falou-se das circunstâncias trágicas, eu diria, da captura e execução sumária de Kadhafi, o que configurou uma violação total dos direitos humanos e do direito internacional aplicado aos prisioneiros de guerra (conforme o estabelecido nas Convenções de Genebra) e - uma notícia melhor - do fim da atividade armada da ETA.

O conceito de Justiça diz-nos claramente que a análise dos factos, as provas e a aplicação das penas compete apenas e exclusivamente aos tribunais. Ninguém tem o direito de tirar a vida a alguém, menos ainda se não se tratar de uma sentença que transitou em julgado. Se existiam provas em como Kadhafi cometeu crimes sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, entregassem-no a Haia para que tivesse um julgamento justo e equitativo. Que se retirem ilações para o futuro e que estas graves violações dos direitos humanos não tornem a acontecer.
O fim da atividade armada da ETA é um forte motivo de regozijo, pese embora defenda a plena independência e autodeterminação dos povos, como está estipulado na Resolução 1514 das Nações Unidas e na própria Carta da mesma. Se os bascos se consideram um povo distinto dos espanhóis, qual o motivo para que não lhes sejam atribuídos os mesmo direitos do Kosovo, das ex-repúblicas soviéticas em 1991, do Sudão do Sul, dos diversos países que compunham a ex-Jugoslávia, etc? Espero que a luta continue, de forma pacífica e com os meios legais e legítimos (através do recurso à atividade diplomática).

Uma das melhores qualidades de que fomos dotados (para mim, por Deus; para vocês, depende das crenças individuais) é, sem sombra de dúvida, a capacidade de discernir entre o justo e o injusto; o certo e o errado. O sentimento de Justiça é intrínseco a todos nós, exceto nas pessoas-animais sem qualquer tipo de código moral de valores e conduta.
A velha boa máxima cristã do "não faças aos outros o que não querias que te fizessem a ti", despudorada de interpretações levianas - e de algum preconceito antirreligioso* - faz e fará sempre todo o sentido.

*segundo as normas ortográficas vigentes


22 de outubro de 2011

The first day of your life.


Sempre me perguntei qual será a sensação de poder viver grandes momentos, marcos políticos ou transições importantes. Quem nasceu nos finais do século XX, como eu, pouco ou nada viveu de relevo; um relevo transversal às nossas vidas simples, iguais e entediantes.
Questionei-me, na biblioteca da faculdade, entre livros mais legalistas e outros mais históricos, o que sentirão aqueles que presenciam acontecimentos que mudarão para sempre os seus destinos. Passou-me pela cabeça o 25 de Abril de 1974; o fim da II Guerra Mundial e o desembarque dos Aliados na Normandia; a libertação dos países ocupados pelas forças nazis; a queda do Muro de Berlim; o fim dos socialismos na URSS e países do Pacto de Varsóvia; as transições democráticas no sul da Europa e, nos anos 80 e 90, na América Latina e, mais recentemente, as convulsões sociais no Médio Oriente e norte de África. Como será olhar para o céu, nas ruas, e sentir o sabor da mudança, da passagem para novas eras, cheias de sonhos por concretizar.

Nada vivi, ainda.


O sol da manhã batia timidamente na minha pele, trespassando o espesso vidro da biblioteca. Iluminando os livros abertos, o reflexo levou-me a cerrar os olhos.
Vejo rostos abatidos e uma esperança que foge a cada instante. Os rostos do desânimo, de uma conjuntura que se tem como perpétua, de um túnel que terminou num beco escuro. Aqui não se passa nada.

Combinei com o rapaz que conheci há uns dias atrás e ele apareceu. À sua chegada, os pensamentos esvaíram-se rapidamente da minha cabeça.

"Precisas de ajuda a Obrigações, não é?"
(interpretou o sentido da minha sms)

"...convém saberes as posições doutrinárias de cada autor sobre os contratos-promessa e os contratos de compra e venda."

"Oponibilidade erga omnes e inter partes, percebeste?"

"E às restantes cadeiras?"

Percebo mais de negócios jurídicos unilaterais e contratos do que de mim próprio. Não é bom sinal. Obrigado pela ajuda. Apercebi-me do seu esforço e senti-me desonesto devido à minha quase indiferença perante a sua prontidão. Quis dizer-lhe que gostava dos padrões da camisa, mas achei "too gay". Como diz uma boa amiga minha: "... há coisas que "fica" aí dentro (e gesticula); não "sai" cá p'ra fora." (e gesticula de novo).

"Queres ir à festa do Halloween na faculdade?"

"Não sei. Vou pensar nisso..."

A propósito até. Let's celebrate... nothing.