A entrada da península ibérica no contexto do mundo romano deve ser entendida como tendo um duplo significado: a conquista militar, por um lado, e a assimilação dos povos autóctones aos modelos romanos, pelo outro, fenómeno designado vulgarmente por "romanização".
A conquista romana, que mediou entre 218 e 19 a. C., tomou a forma de um processo gradual de romanização, partindo da costa do Mediterrâneo em direcção ao noroeste da península. O domínio que se foi impondo implicou um conjunto de tratados e de capitulações que desde Roma se estabeleceu, conforme os casos, às comunidades de povos, consoante o grau de aceitação e / ou de resistência. Havia as foederatae, ou cidades aliadas, como Emporion (Ampúrias) ou Gades (Cádis); as liberae, ou seja, as cidades cujo funcionamento autónomo foi respeitado por Roma, representadas por Ilici (Elche) ou Ostipo (Estepa). É-nos dado conta também das stipendiariae, obrigadas a pagar tributos, sendo a maioria, como Toletum (Toledo). Por último, fundações novas, as colonia e municipia, que podiam corresponder ao direito romano - o caso de Tarraco (Tarragona), Sagunto, Emerita Augusta (Mérida), ou ao direito latino, como Olisipo (Lisboa), Scalabis (Santarém), Pax Julia (Beja) ou Lucetum (Alicante). Algumas povoações da Meseta Norte, envolvidas com as Guerras Cantábricas, obtiveram a mera categoria de dediticii, mantendo a organização tradicional, estando, porém, dependentes da autoridade dos governadores provinciais.
Em 197 a. C., a Hispania [portanto, a península ibérica, que hoje compreende os Estados de Portugal, de Espanha, de Andorra e ainda do Reino Unido (Gibraltar) - de onde decorrerá dizer, e legitimamente, que todos somos hispânicos, muito embora a história nacionalista portuguesa o tenha apagado] foi dividida em duas províncias: a Citerior, com capital em Tarraco, e a Ulterior, de capital em Nova Cartago (Cartagena). Os governadores, com estatuto de praetor, eram nomeados, comummente, para um período de um ano e, se novas circunstâncias o determinassem, com prorrogação do mandato por parte do Senado romano. Com o poder imperial por Augusto, procedeu-se, desta feita, a uma nova divisão: a Citerior, agora Tarraconense, manteve a mesma extensão, sensivelmente, mas a Ulterior ficou dividida em duas, Lusitania e Bética, só esta dependendo do poder senatorial, administrada por um procônsul, ao passo que o Imperador controlava as outras duas directamente através dos seus legados. As províncias, contudo, dispunham de conventi, que administravam a justiça, facilitando assim a sua governação.
Toda esta complexidade jurídica seria, progressivamente, simplificada. Antes de 79 d. C., o imperador Vespasiano concedeu o direito latino a todos os hispanos, com excepção dos dediticii. Com a adopção destas medidas de carácter jurídico, desenhou-se também a criação de uma nova província que, em virtude da amplitude territorial da Tarraconense, se tornava necessária para a administração do território do noroeste peninsular, de capital em Asturica (Astorga). Em torno de 287 da Era Cristã, a necessidade de se proceder a uma administração mais eficaz, adaptada às novas condições políticas e sociais, levou Dioclesiano a uma reorganização profunda: a Hispania passou a constituir uma diocese dependente da prefeitura das Gálias e subdividia-se em sete províncias, a saber, Lusitania, Bética, Tarraconense - que se desagrega em duas novas, Gallaecia e Carthaginensis, e incorpora a Mauritania Tingitana, do norte de África, e depois a Baleárica. À frente do governo da Hispania ficava um vicarius ou comes Hispaniarium, com poderes militares supremos e no âmbito jurídico, última instância de apelação, enquanto que as províncias eram governadas por membros pertencentes à classe senatorial.
Poucos acontecimentos envolveram a Hispania durante o Alto Império. Após a proclamação de Galba como imperador feita pelas legiões estabelecidas no extremo noroeste da península, em 69 d. C., passou a ficar uma só legião, a VII Gemina, que foi fixada num acampamento situado no lugar de Leão actual, conforme estipulado por Vespasiano.
Durante a segunda metade do século III (258 d. C.), surgiram as primeiras invasões bárbaras de francos e alamanos, acelerando-se a retracção e estagnação económica do Baixo Império. No seio deste período tumultuoso, há a registar-se a construção das muralhas de Barcino (Barcelona), levando a um crescente protagonismo desta zona no seio da organização peninsular, que era uma pequena colónia fundada após as Guerras Cantábricas. No Baixo Império, séculos IV e V, as cidades diminuem em número face aos domínios rurais, cujos honestiores, os proprietários, tinham capacidade para dar protecção económica e jurídica aos seus colonos, que, por sua vez, renunciavam assim a parte da sua liberdade, adivinhando-se as relações de servidão que regeriam toda a Idade Média.
Pena a mentalidade de povo que habita esta península :(
ResponderEliminarAdorei o texto
Grande abraço amigo Mark
Pena que tenha perdido a sua unidade durante o processo da Reconquista.
Eliminarum abraço, Francisco, e obrigado. :)
Extremamente interessante este texto até porque há muito pouca informação divulgada sobre a Hispânia romana e consequentemente sobre a Lusitânia que dela fazia parte.
ResponderEliminarEu que sou um interessado na história de Roma, confesso o pouco relevo nos livros que tenho lido, destas províncias romanas ocidentais.
E mesmo na História de Portugal, há referências escassas, apenas se conhecem duas personagens - Sertório e Viriato.
No entanto há vestígios arquitectónicos e também linguísticos, alguns dos quais referes no teu texto, no que diz respeito aos nomes de algumas localidades: Olisipo, Scalabis e Pax Julia, a que posso acrescentar por exemplo Bracara Augusta...
Em língua portuguesa, confirmo, sim, João, há pouquíssima informação disponibilizada. Aqui ao lado, em Espanha, há bastante mais.
EliminarJosé Fernández Ubiña é um dos autores que se debruçou sobre a Antiguidade Clássica e o seu fim. La Crisis del Siglo III y el Fin del Mundo Antiguo. É um excelente livro. E ainda, agora de Leon Homo, El Imperio Romano. Bem mais preciso. São edições espanholas que o avô conseguiu há décadas.
Devo dizer que a Antiguidade Clássica não tem em mim um apaixonado, excepto nos períodos da República e do Principado romanos. E gosto de me inteirar da Hispania, sobretudo.
Também gostei muito do texto, Mark.
ResponderEliminarNutro grande interesse por aquele periódo histórico, e legado civilizacional (já fui contra, e conheço igualmente bem a versão dos povos autóctones conquistados pelos romanos - muito em particular os de origem celta, mas o Direito romano, a rede de 'estradas', construções e organização daquela civilização não são de menosprezar). Existem legados arquitetónicos, culturais, comerciais e humanos hispânicos cuja importância é pouco conhecida cá em Portugal. Por exemplo, o único farol romano sobrevivente e ainda em atividade está na península, perto da Corunha, na Galiza. Dois dos '5 imperadores bons' da história de Roma eram hispânicos (Trajano e Adriano). E acho que toda a culinária mediterrânica, tão rica e saborosa, muito deve à Hispânia.
Obrigado, Alex. :)
EliminarSabes, curiosamente tendemos, numa perspectiva muito americana, a criticar a colonização das Américas pelos europeus, numa visão anti-imperialista e colonialista; esquecemo-nos, entretanto, que também a nossa península foi alvo de uma invasão, gradual, em que a cultura autóctone foi aniquilada praticamente. Pouco subsistiu, inclusive nas nossas línguas actuais, desse substrato.
O direito romano, bem como o latim vulgar que está na base das línguas itálicas, foram duas das maiores heranças que nos deixaram, a par, claro, da arquitectura. Os romanos eram extremamente evoluídos para a época.
Mark quando estudava uma das minhas disciplinas favoritas era história, apesar de que na altura eu não lia livros, como faço nos dias de hoje. Estudava para os testes a ouvir música, e muitas vezes a abanar o "capacete". Isto para te dizer que este teu texto está cheio de informação (que eu desconhecia) e parte dela fez-me questionar o seguinte: o Homem sempre quis conquistar, ordem e fortuna, e acho que há coisas que nunca mudam.
ResponderEliminarE este teu espaço é uma mais valia, pois é notória a "força" que colocas no que partilhas.
A minha disciplina favorita durante o colégio (desde Estudo do Meio, no 1º ciclo, até ao 12º ano). :) Aprendíamos o básico dos básicos, mesmo considerando algum aprofundamento no secundário. Ainda assim muito incipiente e superficial. Claro que dali extraí o gosto e, modéstia de lado, alguma aptidão no domínio destes conteúdos.
EliminarObrigado, No Limite. É, eu gosto de escrever sobre estas "coisas". :)
excelente, Mark, excelente. :)
ResponderEliminarclaro, lembrei-me de imediato de Viriato.
bjs.
Muito obrigado. :)
Eliminarbeijinho, Margarida.
Adorei este texto. Quero mais! :P
ResponderEliminarObrigado, Namorado. :)
EliminarTento intercalar. E são textos que envolvem alguma disponibilidade e vontade.