Em rumo contrário ao que a maioria das sondagens anunciava parcas horas antes, Donald Trump conseguiu ser eleito o quadragésimo quinto Presidente dos Estados Unidos da América. A sua principal oponente, Hillary Clinton, colheu os frutos de uma campanha que não convenceu o cidadão médio estadunidense, ou norte-americano. O êxito, é importante que sublinhemos, não é inteiramente de Trump. Há demérito da candidata do Partido Democrata, que representou o sistema e que sofreu o impacto do descontentamento dos seus compatriotas. Em artigos anteriores, eu enunciei o que penso de Trump, pelo que me escusarei a repeti-lo. Estudar o fenómeno Trump fora dos EUA seria importante, uma vez que o candidato republicano granjeou simpatia entre todos os que procuram uma política externa dos EUA menos intervencionista. No seio do seu país, acredito que as medidas proteccionistas - e populistas - de alguém que não possui a experiência política de Hillary, que jogou contra si, levaram os estadunidenses a optar pelo que lhes parece ser o mal menor.
O mapa dos EUA com os votos contabilizados é peremptório: Trump ganhou, e fê-lo também em tradicionais bastiões democratas, como o Wisconsin e New Hampshire. Um enorme mapa vermelho cobre o território dos EUA. Na Nova Inglaterra, tradicionalmente democrata, Hillary manteve o status do seu partido. Mais abaixo, assegurou a Virgínia, onde se temeu o descalabro. Na costa ocidental, por seu turno, Oregon e Washington ficaram a azul. Na Flórida, um dos estados decisivos, Trump saiu vitorioso, impondo-se gradualmente como o futuro líder. Ao princípio da manhã, era evidente a vitória de Trump, ainda que a confirmação final não passasse de mera formalidade. Ohio rendeu-se, o Michigan também, e a partir daqui sabíamos o desfecho. Os estados do sul, rurais, que são historicamente republicanos, completaram a noite de sucessos para Donald Trump. No cômputo final, Hillary conseguiu obter mais votos populares, o que, todavia, não se reflectiu em assentos no colégio eleitoral, em virtude de o sistema estadunidense prever o sufrágio indirecto. Trump obteve 289 assentos - bastando para ser eleito 270 - e Hillary ficou-se pelos 218. Amarga derrota, que nem as populosas Califórnia e Nova Iorque, fiéis ao Partido Democrata, conseguiram contrariar. De modo similar, no Senado e na Câmara dos Representantes - o Congresso - Trump governará com apoio, tendo conquistado a maioria nas duas câmaras.
Donald Trump afigurou-se como o candidato do homem branco, rural, trabalhador assalariado, que cativou, nas urnas, hispano (os republicados perderam no Novo México, entretanto) e afro-americanos e as mulheres, muito embora se tenha dirigido a todos nos termos mais reprováveis e indignos. O discurso odioso que propagou tornou-o, para muitos, um fait-divers, um entertainer de mau gosto, alguém vindo do social com aspirações pouco credíveis e levianas. Eu alertei, e fi-lo nomeadamente no último artigo em que opus Trump a Hillary, para o perigo de subestimar a ameaça Trump, máxime atendendo à deriva à extrema-direita a que vamos assistindo (cuide-se a França, e a Europa, com Marine Le Pen). No momento certo, com o aumento da tensão com a Rússia e com a desconfiança dos estadunidenses quanto ao seu futuro, quanto à política de emprego e quanto à deslocalização das grandes empresas, Trump proferiu as palavras que os cidadãos quiseram ouvir, ainda que tenham preenchido o boletim de voto com uma nuvem de incertezas pairando sobre as suas cabeças. Hillary representaria a continuidade, e tão-pouco foi uma figura imune a escândalos e a mexericos. Enquanto Secretária de Estado, estimulou conflitos em determinados pontos do globo, tornando-se numa mulher susceptível de gerar opiniões contraditórias e inimizades, não só entre os seus compatriotas como por quem não é cidadão estadunidense e não habita nos EUA. Eu diria que, por cá, pela Europa, e pelo Médio Oriente, houve quem suspirasse de alívio com o falhanço de Clinton.
No púlpito, entre aplausos entusiastas, Trump foi mais comedido nas palavras, agradecendo à sua adversária e proclamando-se o presidente de todos os americanos. Será impossível passar um pano sobre a propaganda mal intencionada e xenófoba que fomentou. Em boa verdade, a realpolitik não se compadece de palavras vãs; Trump terá de trabalhar com mexicanos, com mulheres, com africanos, e estas primeiras afirmações vão ao encontro dessa postura mais conciliadora. A polarização, contudo, é inevitável. Uma parcela significativa de estadunidenses não se revê em Trump, e certamente não concordará com a administração emanada desta nova ordem.
Não confio num Trump menos interventivo. A política belicosa dos EUA não dependente inteiramente do Chefe de Estado e de Governo que reside na White House, pois o intervencionismo estadunidense perpassa presidentes democratas e republicanos. Nas décadas recentes, Clinton ingeriu nos assuntos internos de outros Estados, Bush idem. A indústria de armamento envolve milhões e gera muitos interesses. Aliás, julgo ser pertinente o equilíbrio de forças na Europa, quando assistimos à reafirmação de uma expansionista Rússia, o que é diferente da afronta e da provocação gratuita. Para Portugal, a vitória de Trump não acarretará câmbio algum; Portugal foi um dos primeiros países a reconhecer a independência dos EUA logo no século XVIII e é membro fundador da OTAN. A menos que Trump, o que duvido, ponha em causa a estabilidade da aliança atlântica, tudo se manterá como está.
Num exercício hipotético, possuindo a cidadania dos EUA, neste momento estaria preocupado com as medidas que Trump prometeu implementar, particularmente na saúde, com a revogação dos planos da administração cessante. A saúde continuará a ser fonte de negócio por lá, e o acesso universal aos seus cuidados estará comprometido, afectando milhões de pessoas carenciadas.
Como observador e, se me permitem, cronista, estou expectante com os primeiros meses de governo Trump. Cederá o Presidente eleito ao establishment, ou, pelo contrário, revolucionará a nação estadunidense tal qual a conhecemos?
Como já disse outras vezes, é esperar pra ver. Entre o sujo e o mal lavado os americanos escolheram o que julgavam menos pior!
ResponderEliminarO futuro é sempre incerto.
EliminarQuando acordei, eu que adormeci tarde para assistir aos resultados, nem me queria acreditar. Quando me deitei, já Trump levava 70 contra 30, mas pensei que perdesse com o passar da noite os números se invertessem.
ResponderEliminarAlém disso, já li gráficos que mostram que os latino-americanos também votaram em peso no Trump. Aguardemos as consequências de colocar no poder um homem tão volátil...
Eu adormeci muito, mas muito tarde. Fiquei à espera de um resultado seguro. O processo é moroso. São muitos estados, uns com mais peso do que outros. Desisti e deitei-me. Clinton ainda recuperou, quando ganhou a Califórnia e mais alguns estados da costa ocidental, o que não foi suficiente para inverter o processo.
EliminarSim, sim. Eu mesmo referi isso. Ele conseguiu conquistar o voto dos hispânicos, excepto no Novo México.
Ele falou mal de todas as minorias e mesmo assim ganhou?!
ResponderEliminarAhahahahahahahahaahahahhahaha
E, hoje notei que a maioria dos tugas, sabem mais da Economia Americana do que a Portuguesa lolololololol
O Tuga sempre a olhar para o quintal do vizinho...
Adorei o teu texto
Grande abraço amigo
Estranho, não é?
EliminarComo referi, há mais demérito de Clinton do que mérito de Trump. Clinton não soube capitalizar a herança de Obama, que nem é tão ruim assim.
Obrigado. Faz-se o que se pode. :)
um abraço, amigo.
enso mas entendo q tomarão conta dele. Ele não governará e sim será governado. Se insistir será destituído ou até mesmo o pior. Ele tem metade da população contra ele, o partido contra ele, a mídia contra ele, o mundo contra ele e quem votou nele vai perceber também a estupidez que fizeram.
ResponderEliminarBeijão
Realmente, também estou curioso para saber como será a convivência com os republicanos. Alguns republicanos carismáticos afirmaram que não votariam em Trump.
EliminarSim, uma parcela significativa da população nem o pode ver. Não esquecerei as imagens de uma mulher, ontem, quando já se esperava o pior, agarrada ao telemóvel, a choramingar entre murmúrios: " He's a monster, he's a monster"...
um abração.
Acho que vou hibernar... quando é que são as próximas votações mesmo?
ResponderEliminarAs próximas eleições para o Congresso dos EUA são em 2018, mas tens as autárquicas em Portugal no próximo ano. Não te deixes hibernar até lá. :)
EliminarSó te digo uma coisa: depois dos resultados eleitorais das últimas legislativas (em que o PSD/CDS ganhou apesar da contestação do povo ao longo de 4 anos) já de pouco me admiro. É apenas o mesmo que vai acontecendo na velha Europa, em que os políticos estão a ser substituídos por "estrelas". É como o povo diz: "mais vale cair em graça que ser engraçado".
ResponderEliminarMas aqui, felizmente, o sistema é bem distinto do sistema vigente lá nos "states". Temos um PR que actua também como árbitro, e sabe Deus o que custou ao Cavaco ter de dar posse ao governo minoritário do PS (com suporte, todavia).
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ResponderEliminarMuito obrigado, Tiago. :)
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