27 de junho de 2019

The White Crow.


  Rudolf Nureyev é um nome sobejamente conhecido entre todos, sobretudo na Europa. O célebre bailarino russo, que em 1961 protagonizou um momento inusitado, ao pedir asilo político em França, já no aeroporto, de partida para Moscovo. Este The White Crow não deixou escapar a repressão do regime soviético e os constrangimentos na vida dos seus cidadãos, que eram completamente, como é apanágio nos totalitarismos, manietados. Nureyev não foi excepção. Estava proibido, como todos os colegas dançarinos, de sequer falar com ocidentais. Em Paris, quase que se erguia um muro invisível entre os bailarinos russos e os franceses. Nureyev, destemido, abordou-os e encetou conversa com alguns, tornando-se amigo deles. Na sua companhia, descobriu um mundo novo, que não mais iria largar.

   O filme chega-nos em sucessivas parcelas intercaladas. Vemos Nureyev em pequeno, com a mãe e as irmãs. De seguida, vemo-lo em escolas de bailado russas e já em Paris, onde a sua companhia de bailado actuou por cinco semanas. As fases não são sequenciais; pelo contrário, são-nos mostradas ao longo de todo o filme, como pedaços que se cortam e se colam naquele momento em particular, o que confere um resultado interessante.

  Nureyev tinha uma personalidade extremamente difícil. O realizador não o esqueceu. Frequentemente, pela sua irascibilidade, feria pessoas que lhe eram próximas, e outras que até o mereciam. Não sei até que ponto se tratava de uma defesa. As cenas em família não nos dão margem para interpretações seguras, mas antevemos alguma carência afectiva, porque a económica é manifesta, e até dedutível.



   A vida íntima do bailarino não é explorada em excesso. Há pequenas referências, umas mais explícitas do que outras. Nureyev experienciou, ao menos, relações ocasionais ou relacionamentos com homens e mulheres. Presumo que fosse bissexual. A bem dizer, o filme quis incidir o seu foco mais no artista do que no homem. Como o artista é feito pelo homem, há detalhes que não podem escapar à mira do realizador mais competente. Contudo, vê-se que o objectivo nunca foi esse.

  Não queria deixar de falar da fotografia, que tem interesse. Os símbolos soviéticos, a foice e o martelo nos edifícios, e a sigla CCCP (URSS em russo) cravado a letra amarelas no passaporte. A rigidez do regime, em suma, e das pessoas. 

   No geral, é um bom filme. Há um rigor estético, na narrativa, e nos movimentos de Nureyev, e uma preocupação com a beleza, nas personagens, nos seus figurinos, na sua forma de estar e agir.
    O fim de Nureyev já conhecemos, e não é retratado no filme. Sendo, segundo consta, altamente promíscuo, terá contraído o HIV nos anos 80, sucumbindo no dealbar de 90, com 54 anos. Após a deserção, só lhe foi permitido regressar à URSS em 1987, para acompanhar a mãe no leito de morte. Nureyver e o regime soviético caíram com breves dois anos a separá-los.

2 comentários: