26 de julho de 2018

Desde Allá.


   Vencedor do Leão de Ouro, o filme é de 2016. O Chile propô-lo a Hollywood para Melhor Filme Estrangeiro. Não foi aceite, e mal. É um excelente, excelente filme, dos melhores que vi nos últimos tempos.

   Ambientado na Caracas actual, em meio de todo aquele caos social e pobreza, um homem de meia-idade (de infância obscura, cujos traumas não vêm a ser nítidos em parte alguma do filme), proprietário de uma clínica de próteses dentárias, assedia jovens rapazes na rua e em transportes públicos. Dá-lhes dinheiro a troco de minutos de autoprazer: pede-lhes que se dispam, para que assim se possa estimular enquanto os observa. Sem qualquer contacto íntimo. Certo dia, conhece um jovem problemático, desenvolvendo uma espécie de obsessão por ele, que leva a que ambos se envolvam sentimentalmente.

   Desde logo, vimo-nos confrontados com a rejeição, a nossa rejeição à conduta daquele homem, inapropriada, desviante, assumindo contornos de parafilia. À medida em que o filme avança, enternecemo-nos com o vínculo que se estabelece entre Armando, o homem, e Elder, o jovem delinquente, de necessidade, de mútua dependência. Armando precisa daquele rapaz para se satisfazer, e Elder sabe utilizá-lo em proveito próprio. A páginas tantas, o jogo inverte-se. Elder, até então heterossexual convicto, e homofóbico, mostra sinais de fragilidade, deixando-se seduzir pela personalidade de Armando, pelo cuidado deste, pela preocupação com o seu bem-estar.

   É um filme inquietante. Fala-se de homofobia - os ataques verbais abundam -, mas também de criminalidade juvenil, de precariedade, de perversão, de ética, de ausência de valores morais. Sabemos, de início, que aquele proto-romance está condenado ao fracasso por um manancial de factores, desde logo pela fragilidade e disfuncionalidade. A vivência dos dois atenta contra todas as convenções sociais. No final, estou convencido de que aquele desfecho só teve lugar porque houve toque físico e porque o episódio na noite anterior fez despoletar em Armando algum tipo de memória dolorosa relacionada ao pai que tanto odeia. Rejeitou todas as investidas para que tivessem sexo. Tê-lo, a que somou o crime perpetrado por Elder, ditou o fim de algo que, a bem ver, nem existia. Os olhos marejados, quando o plano da objectiva incide sobre Armando após a decisão que tomou, denotam isso mesmo: desgosto, mágoa, impossibilidade de lidar com a culpa do crime que acabou por provocar, se analisarmos bem.

   Lorenzo Vigas, aqui, a dar-nos provas de que o bom cinema não conhece nacionalidades. Desde Allá é, orgulhosa e despretensiosamente, uma obra venezuelana, por supuesto.

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