30 de julho de 2018

Da esquerda e da incoerência.


    Há muito que me afastei da esquerda política. Não há tanto quanto gostaria e deveria. Hoje, compreendo o processo que se dá em variadíssimas personalidades do nosso panorama político, e que criticava: crescer e perceber o absurdo que é perfilhar-se dos entendimentos da esquerda. De certo modo, esta escandaleira com o vereador do BE em Lisboa, Robles, veio precipitar um desabafo que presumo ainda não ter dito - perdoar-me-ão, mas são mais de mil textos no blogue - e que adiei persistentemente.

   Como nacionalista histórico, vi-me confrontado com a visão totalmente incompatível com a minha, de demonização dos europeus e do legado histórico que deixámos pelo mundo. Se se derem ao trabalho de ler o que a esquerda política pensa a respeito, verão que não minto. Começou por aí. Às tantas, já não me identificava com os preceitos económicos, pela sua inexequibilidade e incoerência, e já nada me prendia à esquerda. Foi um processo gradual, que terá levado dois anos. Sim, se quiserem pô-lo assim: eu, militante de esquerda arrependido, me confesso. Nunca fui militante por nenhum partido, vá lá. Poupei-me a esses vergonhosos papéis.

   Até considero natural ser-se de esquerda na adolescência, pela tendência a olhar-se para a igualdade como bem supremo. No meu caso, acresciam certas bandeiras tradicionais de esquerda, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adopção, que hoje ponho em causa, sobretudo a última. A razão era a da idade. Não dava para mais. O ensino não ajuda, completamente adulterado. Sim, a História é escrita pelos vencedores. Por último, o amadurecimento pessoal, que se consubstancia num mais refinado juízo crítico: a esquerda destruiu Portugal, desbaratou o império, endividou o país, encaminhou-nos para uma sociedade sem quaisquer valores morais ou éticos, onde tudo é consentido e permitido, e onde qualquer crítica legítima e democrática é atacada. Se há verdadeira intolerância, há-a na esquerda e nos seus partidos e militantes. Este processo, gradual, como disse, levou-me a perder amigos e a tornar-me mais próximo de outros, isto é, admitindo que percamos amigos. Se os podemos perder, é porque nunca o foram.

   À direita, ainda ando à procura do meu lugar. Continuo, e deve ser o último resquício que há em mim de esquerda, a defender um Estado mínimo, mas mínimo, em determinados sectores, para que o arbítrio não nos conduza a uma impiedosa desumanidade. O Estado é, por natureza, dado a vícios e a corrupções. Defendo uma sociedade liberal em termos económicos, com as leis do mercado na regulação da actividade económica. As melhores sociedades têm uma economia verdadeiramente livre de amarras estatais. O Estado é péssimo enquanto gestor dos dinheiros públicos. Portugal, no índice de liberdade económica, está sempre mal posicionado. Menos Estado, mais iniciativa privada.

   Nos costumes, estou totalmente conservador, e aí é onde o declive se verifica mais. Sabe-se que sou contra a eutanásia, a interrupção voluntária da gravidez (já escrevi rios de tinta acerca), mas também me oponho, a priori, à adopção por casais compostos por membros do mesmo sexo e, quanto ao casamento, coloco as minhas reservas. Defendo, claro está, que os casais gozem de protecção legal, causando-me alguma estupefacção, devo dizer, que uma comunidade - com a qual não me identifico minimamente - pugne pelo direito à diferença durante décadas e, depois, queira imitar o modelo heteronormativo em todos os seus moldes, incluindo no direito ao casamento, sublinho, ao casamento. Na adopção, quanto a mim, num mundo ideal, uma criança deve crescer com o seu pai e a sua mãe. Há outros modelos de família, sabemos que sim, e é preferível entregar-se uma criança a dois homens ou a duas mulheres do que sujeitá-la durante anos aos trâmites burocráticos do Estado; no limite, será melhor entregá-la a casais homossexuais do que ao Estado, que, além de falhar na tarefa que a Constituição que lhe incumbe, propicia a crimes que todos conhecemos. Não há um direito à adopção; há, pelo contrário, um direito a ser-se adoptado. Um modelo masculino e um modelo feminino são imprescindíveis para o são desenvolvimento da personalidade de uma criança. Sabemos que nem sempre tal é possível.
   A defesa da família tradicional não é imune à minha experiência pessoal: defendo a família porque conheço as consequências da falta dela: a família deve ser um valor absoluto, e não haverá gente equilibrada que não tenha uma família equilibrada.


   Quando temos conhecimento de casos como o de Robles, a podridão da esquerda caviar invade-nos o nariz. O caviar estragou-se, e o povo ficou a conhecer quem é a esquerda que o diz defender. Antes ser de direita e coerente do que desta esquerda e profundamente infeliz nas condutas, que até estarão dentro dos limites legais, mas que revelam toda a hipocrisia e cinismo. Não há defesa possível para o indefensável. Há que assumir o erro e lidar com as contrapartidas pessoais e políticas.

26 de julho de 2018

Desde Allá.


   Vencedor do Leão de Ouro, o filme é de 2016. O Chile propô-lo a Hollywood para Melhor Filme Estrangeiro. Não foi aceite, e mal. É um excelente, excelente filme, dos melhores que vi nos últimos tempos.

   Ambientado na Caracas actual, em meio de todo aquele caos social e pobreza, um homem de meia-idade (de infância obscura, cujos traumas não vêm a ser nítidos em parte alguma do filme), proprietário de uma clínica de próteses dentárias, assedia jovens rapazes na rua e em transportes públicos. Dá-lhes dinheiro a troco de minutos de autoprazer: pede-lhes que se dispam, para que assim se possa estimular enquanto os observa. Sem qualquer contacto íntimo. Certo dia, conhece um jovem problemático, desenvolvendo uma espécie de obsessão por ele, que leva a que ambos se envolvam sentimentalmente.

   Desde logo, vimo-nos confrontados com a rejeição, a nossa rejeição à conduta daquele homem, inapropriada, desviante, assumindo contornos de parafilia. À medida em que o filme avança, enternecemo-nos com o vínculo que se estabelece entre Armando, o homem, e Elder, o jovem delinquente, de necessidade, de mútua dependência. Armando precisa daquele rapaz para se satisfazer, e Elder sabe utilizá-lo em proveito próprio. A páginas tantas, o jogo inverte-se. Elder, até então heterossexual convicto, e homofóbico, mostra sinais de fragilidade, deixando-se seduzir pela personalidade de Armando, pelo cuidado deste, pela preocupação com o seu bem-estar.

   É um filme inquietante. Fala-se de homofobia - os ataques verbais abundam -, mas também de criminalidade juvenil, de precariedade, de perversão, de ética, de ausência de valores morais. Sabemos, de início, que aquele proto-romance está condenado ao fracasso por um manancial de factores, desde logo pela fragilidade e disfuncionalidade. A vivência dos dois atenta contra todas as convenções sociais. No final, estou convencido de que aquele desfecho só teve lugar porque houve toque físico e porque o episódio na noite anterior fez despoletar em Armando algum tipo de memória dolorosa relacionada ao pai que tanto odeia. Rejeitou todas as investidas para que tivessem sexo. Tê-lo, a que somou o crime perpetrado por Elder, ditou o fim de algo que, a bem ver, nem existia. Os olhos marejados, quando o plano da objectiva incide sobre Armando após a decisão que tomou, denotam isso mesmo: desgosto, mágoa, impossibilidade de lidar com a culpa do crime que acabou por provocar, se analisarmos bem.

   Lorenzo Vigas, aqui, a dar-nos provas de que o bom cinema não conhece nacionalidades. Desde Allá é, orgulhosa e despretensiosamente, uma obra venezuelana, por supuesto.

25 de julho de 2018

Mamma Mia! Here We Go Again.


   Não vi o primeiro filme, daí que não tenha termo de comparação. Já houve quem me dissesse que tem interesse. A ver se colmato essa falha, porque gostei bastante deste Mamma Mia, e seria interessante ver como tudo começou.
   Sendo um filme divertido, animado, embalado ao som dos velhos clássicos dos ABBA, não podemos dizer que seja feliz. Como verão, a narrativa centra-se na memória de Donna, falecida. À medida em que a filha vai preparando a festa de inauguração do hotel, que a mãe conjecturou, vamos assistindo ao trajecto de Donna, em retrospectiva, desde que chega à paradisíaca ilha grega, com as suas aventuras e desventuras mais as desvairadas amigas, os três amores e a intuição que lhe ordenava que ficasse naquelas paragens, deixando a mãe e a vida que a esperava para trás. Donna partiu atrás de um sonho, de acumular boas memórias.

  Como todos os musicais, tem uma componente de fantasia prodigiosa. As covers cumprem com o que se pretende (impossível não trautear as canções). As coreografias também são giras. E embora tenha gostado do desempenho global dos actores, num argumento que transborda a romantismo, achei que as aparições finais de Cher e Streep foram pouco arrojadas, sumidas. Ambas excelentes actrizes, o papel de Streep não lhe dava para muito mais, para se evidenciar, mas Cher parecia uma boneca sorridente. Notei uma superficialidade tal que o filme passaria bem sem ela, considerando que a maior parte do elenco do primeiro, segundo soube, transitou para a sequela.

  Creio que, sobretudo, retemos que temos de ser felizes independentemente de todas as adversidades. Somos nós que escolhemos como viver. Fica claro o que se pretende do filme num diálogo entre Sophie, personagem de Amanda Seyfried, e o pai, aqui interpretado por Pierce Brosnan. « Melhores dias virão. »

22 de julho de 2018

A good Saturday.

   Combinámos previamente à saída da estação da Praça de Espanha, em frente ao Palácio de Palhavã. A propósito, têm reparado em como este Verão está a ser atípico? O programa seria o de passear um pouco pelos jardins da Gulbenkian antes de jantar. Os jardins da fundação são um clássico lisboeta. Para namorar, caminhar ou simplesmente desanuviar, quem não passou por lá que atire a primeira pedra. São óptimos para ler, também. Fazia-o amiúde, há uns anos. Têm mais tartarugas nos lagos do que da última vez que por lá havia estado, salvo erro em Dezembro (e não me lembro se terei calcorreado os jardins ou se fui directamente ao museu).


   De seguida, a Hamburgueria do Bairro, que adoro, ali pelos lados do Príncipe Real. Não sei se da carne, se do molho que acompanha as batatas (aposto nisto…) ou se da confecção, são os meus hambúrgueres favoritos, e a um preço extraordinário. Querem uma foto, não querem? Só para vos deixar com água na boca

   
   Um agradecimento especial a quem me acompanhou pela tarde. Estas horas da madrugada levam-me a algumas reflexões. Para começar, e creio já o ter dito - é bem provável, que ando nestas lides há dez anos: eu não sou pessoa, nunca fui, de grandes socializações. Sou maniento, complicado, solitário. Quando gosto das pessoas, gosto; quando não gosto ou passei a não gostar, vem-se a sabê-lo. É inevitável. A ficha cai-me logo, porque não me esforço minimamente para ser simpático ou para agradar. Para terem uma ideia, não o faço nem com aqueles de que preciso.

   Estou acostumado a ficar sozinho, a andar sozinho. Em miúdo, era sempre o que dizia o que pensava, não me importando se arranjava ou não inimizades. Sei que as tenho e, sinceramente, em bom vernáculo, é para o lado que durmo melhor. Tenho milhentos defeitos, imensos, mas há dois de que me orgulho não ter: cinismo e falsidade, daí não conseguir conviver muito tempo com pessoas que, porventura, nem serão piores do que eu, ou melhores. São diferentes. E já tentei ser cínico e falso. Dá imenso jeito, em inúmeras situações. Como diz a minha mãe, " é preciso uma pitadinha de hipocrisia para manter a dignidade das relações humanas ". Não memorizei a lição.

   Sei que gero anticorpos. Oh meus amigos, tem sido assim desde sempre. É mais fácil odiar-me a amar-me, e querem a verdade? É-me indiferente. Há sempre alguém que engraça comigo, que não desiste de mim e que, no limite, até gosta do meu feitio. Como costumo dizer, para se gostar de mim é preciso realmente querê-lo muito. Ainda há quem o queira, e só esses me merecem atenção. Os outros, são pessoas com quem me cruzei algures pelos dias e que vão ficando para trás. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém. A minha personalidade acarreta-me prejuízos? Sei que sim. Ao menos, um dia mais tarde vejo que nunca ficou nada por dizer.

   Vamos sempre deixando pessoas pelo caminho. Ficam as que importam e as que se importam connosco. É uma lei que não caduca, acreditem. Vocês, os mais velhos, até o saberão melhor do que eu.

    Terminámos a apreciar o espectáculo que é Lisboa quando a noite a envolve.


19 de julho de 2018

Lean on Pete.


   Impossível não nos comovermos com o trajecto de vida acidentado de Charley. Charley cresceu sem mãe, tendo por pai um homem disfuncional e negligente, que assumiu, ainda assim, a tarefa de cuidar sozinho do filho. Referências familiares, só as de uma tia com quem não mantém contacto há anos e que vem a saber morar no Wyoming. Um terrível acidente em casa, com o progenitor, leva a que Charley se aventure sozinho no mundo. Nesse percurso errático, a sua vida cruza-se com a de um velho cavalo, que salva do abate, e que se torna seu companheiro na procura por um porto de abrigo.

  A fotografia do filme é excelente. Mostra-nos a solidão que a América pode conter nas planícies áridas e aparentemente infinitas do Oregon.
  Charley só se tem a si e ao novo amigo. A saga que o levará até à tia é dura, traumatizante. Um fardo demasiado pesado para os ombros de um miúdo de quinze anos que, entretanto, é um exemplo de garra, de sobrevivência, de superação e de bondade. Charley é um miúdo bom, talvez um pouco amargurado, todavia as agruras da vida não lhe deformaram o carácter, e vamo-lo percebendo no decurso da narrativa.

   Fala-se de sujeição, de acomodação, de carência. O destino, o que fazemos por ele ou o que fazem dele por nós, pode-nos conduzir a situações-limite. Foi assim com Charley, foi assim com a menina obesa - e digo-o para a distinguir - que Charley conhece numa casa que descobre no meio do nada, quando, apenas acompanhado do equídeo, procura por água.

   Aparentemente cliché - mais um filme de um miúdo com o seu animal - Andrew Haigh, que se afirma aqui como um dos melhores realizadores da sua geração, soube dar o pulo para uma estória comovente, sublime, brilhantemente dirigida e até, a determinado momento, aflitiva. De ternura, também, de dedicação. Descobrimos o valor da amizade no meio de um tanto de errado. As cenas entre Charley e Lean on Pete, de cumplicidade e mútua dependência, contrastam de modo notório com a impiedade da vida nas ruas e no deserto que pode ser a costa oeste dos EUA. Um road movie encantador com um ligeiro toque a western. E Charlie Plummer é um actor mui promissor, confirmando-se o talento.

18 de julho de 2018

Nico, 1988.


   Mea culpa, mea maxima culpa. Não conhecia Christa Päffgen, ou Nico, como era conhecida no mundo da música. Nico foi uma cantora alemã, nascida em 1938, a quem a II Guerra Mundial, particularmente no final, haveria de marcar indelevelmente. Nico assistiu aos bombardeamentos sobre Berlim, que teriam reflexos mais tarde, já compositora, levando-a a, como verão no filme, carregar consigo um gravador portátil, em busca por um som nítido que a reportasse àquele que ouvia em garota, vindo dos aviões e dos escombros. O som da destruição. Creio ser necessário fazer certo enquadramento na vida de Nico antes de explorar o filme, o que pude ver na obra de Susanna Nicchiarelli.

   Nico viveu os loucos anos 60. Entrou na banda Velvet Underground pela mão do seu grande amigo Andy Warhol, acabando por abandoná-la, iniciando uma carreira a solo. Drogada, suja, desiludida, traumatizada. Nico é o espelho da degradação humana mais evidente pelo uso reiterado de drogas e álcool. Quando a vemos, com dificuldade acreditamos que foi uma mulher belíssima, modelo, colaborando com a Vogue, nomeadamente. Os traumas vêm da infância, como referi, e da perda da custódia do filho, dadas as suas condições de vida precárias. Filho esse concebido numa relação casual com Alain Delon, também marcado pela instabilidade e, a julgar pelo argumento de Nicchiarelli, com reiteradas tentativas de suicídio, a última das quais pouco tempo antes de Nico falecer subitamente numas férias em Ibiza, no Verão de 1988.

   O filme gira todo em torno de Nico, nos seus dois últimos anos de vida (1986 - 1988). Ela é o epicentro da narrativa. A actriz que a encarna, Tryne Dyrholm, fá-lo de modo soberbo. A interpretação é de um realismo e de uma verosimilhança ímpares. Intuímos que não será fácil recriar uma mulher, para mais artista, com tamanhos problemas pessoais. A estória, crua como a vida de Nico foi, não cai em melodramatismos baratos. Nico viveu como quis, e viveu intensamente. Compôs e cantou as suas mágoas. Há alguns momentos em palco, e, ao tomarmos conhecimento do teor das canções, percebemos que Christa e Nico se confundem. Uma entoa as dores da outra.

   Avessa ao comercial, temperamental (sobretudo em período de ressaca da heroína, que a perseguia e que ela perseguia quando não tinha), Nico amava profundamente a Ari, o filho. Amava-o como sabia, a meio de toda aquela disfuncionalidade que a vitimaria precocemente, aos 49 anos. Quis reatar o vínculo que se perdeu algures na meninez de Ari, com os estragos de ambos a não o permitirem. Vale muito a pena.

15 de julho de 2018

Campeonato do Mundo de 2018 (V e última parte).


   O Campeonato do Mundo terminou com a vitória de uma das favoritas iniciais, a França, num jogo com seis golos. O factor surpresa, que perpassou a competição, não se repetiu na derradeira final de Moscovo. Pelo que fez ao longo da prova, a Croácia merecia ter erguido o troféu. Jogou melhor, não desistiu - mesmo a sofrer por 4x1 - e procurou igualar o marcador até ao último minuto. Não nos esqueçamos de que esta Croácia vinha de três prolongamentos e de duas decisões nas marcas de grande penalidade. Foi um campeonato do mundo muito desgastante para o país dos Balcãs. 

  A França foi crescendo em favoritismo. Não fez um torneio deslumbrante. Na fase de grupos, não impressionou em nada. Nas fases finais, após afastar a Argentina, nos oitavos, por quatros golos, e o Uruguai, nos quartos, por dois, e com o afastamento do Brasil, é que começou a cimentar aquele que seria o trajecto até ao troféu de 1974, que o anterior acabou por ser roubado, não tendo sido recuperado.
  Duvido, muito sinceramente duvido, que Portugal conseguisse dobrar esta França. A selecção de Didier Deschamps, de 2018, é substancialmente diferente da que Portugal encontrou na final de Saint-Denis. Deschamps que, ele mesmo, se junta à restrita lista de homens campeões do mundo enquanto jogadores e treinadores, igualando o brasileiro Mário Zagallo e Franz Beckenbauer, alemão. Mbappé, eleito o mais jovem jogador do torneio, também é, com Pelé, o campeão com menos idade. Tem 19 anos, e nasceu exactamente em 1998, ano em que a França foi campeã, em casa, pela primeira vez.

   Se, quanto à Inglaterra, julguei que estava a ir mais além do que o esperado, a Bélgica e a Croácia, na minha opinião, tiveram um desempenho global superior ao da França. Modric, excelente, enormíssimo atleta, leva, e merecidamente, a bola de ouro de melhor jogador do Mundial de 2018. O domínio que tem da bola e a sua capacidade de ler o jogo e de desvendar soluções a meio campo tornam-no num dos melhores do mundo, titular indiscutível na equipa merengue. O que Modric teve, que Portugal não tem, é um conjunto de peso. A selecção croata é de uma qualidade inquestionável. Um plantel de luxo.

   E deixo Portugal para o fim. O que é que falhou? Tudo. Houve outras desilusões, porventura maiores, como a Alemanha ou a Espanha. Portugal nunca se afirmou como candidato. É, foi-o, um outsider. Jogámos mal, como sempre, na fase de grupos, e despertámos, diz-se, no jogo com o Uruguai, que provou ser melhor. Quem ganha, ganha quase sempre com mérito. Podemos dizer que a França jogou melhor do que Portugal na final do Euro 2016, mas o golo que entrou foi nosso. E por isso somos campeões da Europa e a França não pôde fazer a dobradinha. Há que ser lúcido. Temos jogadores que não justificam a aposta de Fernando Santos. Jogadores dos quais esperávamos mais em campo. Se chegámos aos oitavos-de-final, devemo-lo a Ronaldo, que nos permitiu sonhar mais um bocadinho. E Ronaldo está a envelhecer. A sua saída para a Juventus, que muitos julgam uma má opção do Real, está mais do que estudada e calculada. Ronaldo marcou menos golos na última época, sendo o melhor marcador de sempre do Real Madrid. O clube é altamente competitivo, e Ronaldo, por um pequenino pormenor que ninguém domina - a idade - teria quebras sucessivas, e naturais, no rendimento. Retirou-se a tempo da liga mais competitiva do mundo. Na selecção, quando Ronaldo sair, antevejo décadas iguais àquelas em que nem sequer chegávamos às fases finais. Certamente que muitos se lembrarão delas. Não temos alternativas. Não temos promessas. Não temos nada. Apenas a incerteza de um futuro cinzento no que respeita a estes grandes torneios da UEFA e da FIFA.

   A mim, o Campeonato do Mundo deixará saudades. Recordo que apenas num jogo houve um empate sem golos: no quinto jogo do grupo C, da fase de grupos, quando a França (curioso dado…) e Dinamarca já estavam ambas apuradas para os oitavos. Foi quase um jogo de gestão de esforço.
   Acompanhei todos os jogos, literalmente todos, com duas semanas a três por dia: às 13h, 16h e 19h. No dia 16 de Junho, houve quatro jogos, com um às 11h. Uma maratona, que fiz por gosto. As ligas de clubes não me atraem. Gosto razoavelmente das ligas espanhola, inglesa e italiana, bem assim como da Liga Europa e da Liga dos Campeões, o campeonato da Europa de clubes. Gosto, gosto, apenas pelos Euros e pelos Mundiais. Junte-se-lhes a Copa América. Acompanhei a Centenário, de 2016, e acompanharei, claro está, se vivo for, a de 2019. Teremos um Euro 2020 inédito, com jogos em doze países, e um Mundial 2022 no Médio Oriente (Qatar), disputado em Novembro e Dezembro para contornar o Verão daquela região do globo.
   Parece-nos muito, e de facto muito se passa em quatro anos, mas o relógio é impiedoso. Já começou a contar.

12 de julho de 2018

Do Vale dos Caídos.


   Há muito a esta parte que se fala na exumação e posterior trasladação dos restos mortais de Francisco Franco do Vale dos Caídos, monumento erigido pelo franquismo, que honra a memória dos nacionalistas que tombaram na Guerra Civil Espanhola. Ganharam os nacionalistas, como sabemos, ganhou Francisco Franco sobre os republicanos comunistas, que ansiavam implantar em Espanha um regime pró-União Soviética. O monumento, hoje, é encarado em duas perspectivas: numa, como um memorial franquista, local de culto a Franco; noutra, como compromisso com a História. Franco, não tendo deixado disposto onde queria ser sepultado, foi-o, logicamente, no Vale dos Caídos, como principal protagonista do conflito no país vizinho. Em Espanha, sabemo-lo, não houve uma ruptura com a antiga ordem, à semelhança do ocorrido em Portugal. A transição à democracia não teve o alvoroço do corte abrupto português, que varreu, por assim dizer, quase todos os vestígios do fascismo, se considerarmos que o Estado Novo foi um regime fascista. Já abordei o assunto anteriormente, não sendo oportuno, para não me perder, fazê-lo de novo agora. Por conseguinte, e embora Franco não goze de nenhuma consensualidade em Espanha, da mesma forma que Salazar não a tem em Portugal, contornaram-se, por lá, todos aqueles excessos pós-revolucionários. Para termos uma ideia, Espanha prepara-se para legislar contra o fascismo, o que Portugal fez no período entre 1974 e 1976. É bem elucidativo.

   Perfilho certo princípio: não devemos brincar com os mortos. Os mortos estão acima do bem e do mal. Francisco Franco será, sempre, objecto de culto e epicentro de revivalismos, esteja ou não sepultado no Vale. O túmulo de Salazar, por cá, discreto e na sua terra, também conhece romarias. Elas são frequentes. Direi mais: é um direito das pessoas. O nosso ordenamento herdou a reacção extremada revolucionária, mas se o comunismo não é proibido, e matou tanto ou mais do que o fascismo, não se entende o porquê de tamanhos trejeitos autoritários - ó paradoxo - em relação ao fascismo. Numa sociedade democrática, a menos que estejam em causa atentados à dignidade humana, cada um deve ter a liberdade de aderir à ideologia que melhor estiver em conformidade com a sua consciência. Demonstram não estar confortáveis com o passado, quarenta anos depois. Demonstram, aliás, um medo irracional de umas quantas ossadas. O caminho, se querem evitar ímpetos extremistas semelhantes aos da Europa central, não é este. Correm o risco de colher o efeito contrário. A deriva é tão ou mais evidente quando pretendem retirar os despojos não apenas de Franco, mas também de Primo de Rivera, ditador espanhol de 1923 a 1930.

   Sem intenção de me imiscuir num assunto que não me diz respeito, porém no exercício da minha liberdade, e bem como referi acima, esperava-se uma atitude mais racional e conciliadora. Se Franco, sobretudo Franco, ainda não era um mito, sê-lo-á em breve. Agradar a uma parcela da sociedade espanhola, gerando-se divisões noutra, acicatará os ânimos e a ira de muitos. Podem reformar o monumento, como querem, erguendo o tal espaço de « reconciliação » e « reconhecimento das vítimas da ditadura », sem alterar o percurso histórico e sem profanar a História e um corpo. É que estas reacções, nomeadamente de Sánchez, recentemente chegado ao poder, surgem num momento muito oportuno, quando uma certa ala da esquerda política olha para a geringonça portuguesa enquanto exemplo a seguir e a aplicar.

8 de julho de 2018

Campeonato do Mundo de 2018 (parte IV).


   Encerrados os oitavos e os quartos-de-final, confirma-se, uma vez mais, a atipicidade deste Campeonato do Mundo de 2018. Portugal cedeu frente ao Uruguai, que por sua vez cairia com a França. Estava encontrado, assim, o primeiro semifinalista, e o teórico melhor posicionado candidato à vitória final de 15 de Julho. Uma das favoritas, a sempiterna Argentina, também soçobrou ante o poderio francês. A Bélgica comprovou, em campo, um favoritismo que vem reclamando desde o início da campanha na Rússia. Bateu o México, um colectivo de peso, e afastou o Brasil - uma das maiores surpresas deste Mundial, outro eterno favorito que cai - e é o segundo semifinalista apurado. Do outro lado, a Rússia, nos pontapés da marca de grande penalidade, negou os quartos à Espanha - outra surpresa - acabando por perder, também ela, e da mesmíssima forma, com a Croácia, que já havia afastado a Dinamarca com algum sufoco - por penáltis e após prolongamento. A Croácia é o terceiro semifinalista. A Suécia, cuja campanha era digna de registo, não conseguiu derrotar a Inglaterra, que passara aos quartos após um jogo sofrido, e com penáltis, frente à Colômbia. Afastando a maldição que a impedia de prosseguir nas copas do mundo, assegurou um lugar entre os quatro resistentes.

   Há alguns dados curiosos a conhecer. Comecemos na Bélgica: o Mundial de 1986, há trinta e dois anos, deu à Bélgica, pela última vez até ontem, o acesso às meias-finais. A Inglaterra, por seu lado, há vinte e oito anos, desde o Mundial de 1990, que não passava a esta fase. Já a Croácia, acalentava o sonho de chegar tão longe há vinte anos, revivendo os dias do Mundial de 1998. Mundial esse, de 1998, que deixou boas memórias aos gauleses. Conquistaram o tão ambicionado troféu em casa. Querem-no de novo, claro está. Falando em casa: ainda que eliminada, a Rússia também fez história. Desde o fim da URSS que se deixava ficar em fases anteriores da competição. 

   Se até agora era arriscado falar-se em favoritos, podemos afirmar, com segurança, que estão todos fora, excepto a França. E seria de uma ingenuidade tal julgar-se que esta França é assim tão favorita quando comparada à Croácia, à Bélgica ou à Inglaterra. Tem jogadores excelentes, dos quais destaco Kanté e Mbappé, mas a Croácia também os tem, desde logo Modric, e o que dizer de Hazard ou de Fellaini, pela Bélgica? Pela Inglaterra, alinham alguns dos melhores (Kane, citando um), naquela que é, com a espanhola, a liga de futebol mais competitiva do mundo.
   Está rigorosamente tudo em aberto.

  Caso Portugal fosse eliminado, torceria, sempre o disse, por uma selecção nórdica. Dinamarca e Suécia foram afastadas. Nesta fase da competição, gostaria que a Bélgica ganhasse. Se a Croácia levar a taça para Zagreb, não ficarei desagradado. A Inglaterra não a ergue desde o célebre Mundial de 1996 - o melhor para Portugal, um terceiro lugar. Se o fizer agora, ser-me-á indiferente. A França é que não quero, realmente, que ganhe. Não simpatizo com o país, pelo historial em selecções, porque não quero que vinguem a derrota no Europeu de 2016 com este Mundial e por ressentimentos históricos que remontam a Napoleão, não obstante a França ter sido o primeiro aliado de Portugal contra Filipe IV.
  Pormenores e preferências à parte, a bola ainda rolará em dois jogos de meias-finais, no jogo do terceiro e quarto lugares e, por fim, na grande final. Que não tenhamos (mais) erros do VAR - ao Brasil ficaram por assinalar dois penáltis - e que as meias-finais, assim como os jogos que se lhes seguem, sejam disputadas de modo justo e limpo, sem máculas de arbitragem.

5 de julho de 2018

Love, Simon.


   Love, Simon foi uma bela surpresa de quarta-feira à noite. A despeito de ser um romance teen, foca temas importantes nos dias que correm, nos quais o bullying, inclusive na sua versão cyber, e a inclusão figuram. É o primeiro romance gay-adolescente a ser tratado por uma grande produtora de Hollywood.

  A normalidade, ou pretensa normalidade, das famílias de classe média americanas aborrece. Aparenta ser tudo perfeito, desde a relação dos pais (entre eles e com os filhos), aos cómodos da casa, passando pelo cão e pelas amizades. Aqueles adolescentes não são bem o espelho da generalidade dos adolescentes, e nem é tudo tão fácil como ali vemos. Há um misto de fantasia, para compor, e temos um final feliz em Love, Simon, o que não é um dado adquirido em filmes LGBT, como sabemos, em que os namoros terminam em desavenças ou um protagonista tem sarcoma de Kaposi.

  A mensagem é iminentemente positiva. Pretende-se que os jovens se consciencializem para a necessidade de serem tolerantes com a diferença. No mais, temos um romance morno. Não creio que tenha havido pouca química entre Simon e Bram. Não nos podemos esquecer de que começaram por se corresponder através de e-mails, sem que um soubesse quem era o outro. Quando a identidade de "Blue" é desvendada, foi como se se estivessem a conhecer pela primeira vez. Tão-pouco eram grandes amigos de escola. Quase que podemos afirmar que se conheceram, verdadeiramente, naquele momento. Até então, viviam um romance virtual, protegidos sob o anonimato da internet, e na escola agiam como dois rapazes comuns.


   Achei o final meio previsível. Ainda que o realizador nos quisesse pôr às voltas com a identidade de "Blue" - o rapazinho afroamericano, o empregado de mesa ou o miúdo do musical lá da escola - tudo termina com fogo de artifício sobre um nada. Bram e Blue não combinam. O Bram que conhecemos da festa da Halloween não parece ser o "Blue" romântico, compreensivo, atento. Só no final, quando encerra a conta de e-mail por medo de que o descubram, se faz um clique, permitindo-nos uma correspondência com Bram, manifestamente dado a uma reacção daquelas. O Blue é mais maduro do que o Bram. Ninguém diria que o Blue e o Bram eram uma mesma pessoa.

  Quanto às interpretações, temos jovens a fazerem de jovens. Nada mais lhes seria exigido. Os adultos, quer os pais quer os educadores, são tolerantes e receptivos. A conversa entre Simon e o pai, no final do filme, é demasiado irreal para a concebermos fora da ficção. De igual modo, temos um gay mais feminino, que caberia no tal cliché, e o Simon, que já foge ao estereótipo que muitos mantêm dos homossexuais. É importante para equilibrar, para que se saiba que a orientação sexual não se vê em maneirismos ou na falta deles.
  
   É um filme giro. Dar-lhe-ia, se o tivesse de avaliar, nota positiva. A propósito, gostei muito do pin que me deram no Corte Inglés. Ah, e o Cristiano Ronaldo é conhecido até na América, país onde o futebol, que lá chamam soccer, não é assim tão popular.