28 de maio de 2018

Cultural Sunday... on Saturday [take 20].


   Este sábado, fui até Belém. Há por lá um museu que há muito queria visitar. Entretanto, fui protelando e protelando, colocando outros na minha lista de prioridades. Em abono da verdade, esta seria a semana em que me aventuraria para fora dos limites de Lisboa. Acabei por não o fazer por alguns contratempos, contudo, é certo que o farei neste sábado que se aproxima. E por onde andei? Museu do Combatente, que adorei, e Torre de Belém, numa revisita após dez anos.

    O Museu do Combatente, no Forte do Bom Sucesso, não é de entrada gratuita. Está dividido em pequeno blocos. É óptimo para passear em dias soalheiros, como o de ontem, porque dispõe de um magnífico terraço repleto de arsenal bélico desactivado. No primeiro bloco, pelo qual fui aconselhado a começar, encontrarão centenas de aviões em miniatura, feitas pelo Engenheiro José Maria Sardinha, que começou naquela arte com a idade de dez anos. São miniaturas feitas à escala própria, fiéis aos originais. Aviões de guerra, como calculam, desde os primeiros, dos irmãos Wright e de Santos Dumont, aos que participaram na Guerra Colonial, passando pelas duas Grandes Guerras Mundiais. Um encanto! Depois, ao longo das salas, podemos ver vários objectos usados pelos combatentes, inclusive utensílios pessoais, como os cantis e talheres, cartas que escreviam, baralhos de cartas, etc. Tudo devidamente identificado e com fotografias contemporâneas aos conflitos. Gostei realmente muito da última sala deste primeiro pavilhão, digamos assim, que dá amplo destaque à Guerra Colonial, tão presente ainda no imaginário português. A propósito, e a visita é livre, podem e devem ir à capela mortuária em honra dos caídos na Guerra Colonial. Encontra-se ao lado do museu, junto à fonte memorial. Não obstante estar bem visível uma placa para que se faça silêncio, as pessoas passeiam-se indiferentes aos nomes, inscritos em pedra, daqueles homens, bravíssimos, que deram o seu sangue por Portugal. Fiquem com algumas fotos.

O tristemente célebre "Enola Gay", que a 6 de Agosto de 1945 lançou a "Little Boy" sobre Hiroshima




   Como vos disse, o museu está dividido em pequenos blocos ao longo de todo o recinto. Convém que explorem o espaço com cuidado, para que nada vos escape à vista. Num piso inferior, descendo-se umas escadas de pedra, têm as exposições temporárias. Adorei uma delas, aquela na qual se recria uma trincheira com maquetes em tamanho real. Percorre-se um labirinto, bem sinalizado, e vão-nos dando indicações de cenas do quotidiano dos nossos militares.
  Os ditos pequenos blocos estão dedicados aos ramos das Forças Armadas (Exército, Marinha, Força Aérea), mais um à GNR, que é uma polícia militar, e até à PSP que, não sendo militar, nem por isso desempenhou um papel menos importante, nomeadamente no início da guerra em Angola, em 1961.


   Saindo do museu, tinha outros planos. O plano inicial não era o de ficar em Belém. Iria, a priori, a outro museu, um que ainda não conheço, relativamente distante dali. Ficará para outro momento. Com um dia tão convidativo, e apercebendo-me eu de que a fila para a Torre de Belém nem era tão extensa assim, decidi-me pela revisita àquele monumento. Quando estive no Mosteiro dos Jerónimos, em Fevereiro, quis aproveitar para rever a torre também. Dada a afluência desmesurada, acabei por desistir da ideia. Ao domingo, a entrada é gratuita até às 14h, o que aumenta o número de curiosos. Ontem, paguei, e fi-lo sem hesitar. Já mal me recordava do seu interior. A última vez havia sido em 2009, com o pai.


   Mandada edificar como fortificação militar, por Dom Manuel I, recaiu em Francisco de Arruda o dever de concretizar o plano do rei. Ao longo dos séculos, a torre foi perdendo importância. Com Filipe II de Espanha, I de Portugal, serviu de prisão política, o que se manteve no reinado seguinte, já com O Restaurador Dom João IV. Aliás, desta vez, e tenho absoluta certeza de que nunca antes havia por lá estado, desci aos paióis, já submersos, abaixo da linha do rio, transformados em calabouços por Filipe I. Imagino as condições degradantes em que os detentos eram por lá mantidos.


   Subir aos pisos superiores também se revela tarefa complicada. A longa escada, estreita e íngreme, não permite duplo sentido. Há uma sinalização luminosa e sonora que orienta as direcções, alternando entre subir - descer. Com tantos e tantos turistas, e só são permitidas cento e vinte pessoas na torre, à vez, podem imaginar o caricato que é subir-se e descer-se aquele lance de noventa degraus em espiral. Vale bem a pena, pelo monumento que é, pela história que tem e, porque não se dizer, pelas fotos, belíssimas, que poderão tirar, de Belém, do Tejo, do Restelo…
   O custo do bilhete desanima um pouco. Ultrapassa o razoável. Têm de fazer negócio, não é... Senti-me um entre os estrangeiros. Pelos idiomas que ouvi, julgo que era o único nacional na minha leva de cento e vinte visitantes. 


   Porque já se fazia tarde, muito tarde para almoçar, fui de imediato à baixa, confortar o estômago.

   Neste sábado, sairei, finalmente, assim espero, da cidade. Nas semanas seguintes, e em virtude de começar o Mundial de 2018, competição que adoro e que pretendo acompanhar, é provável que faça um interregno. Não é provável; fá-lo-ei. Restam-me, então, dois finais de semana ainda. Neste que vem, sei por onde estarei. No seguinte, tenho uma vaga ideia, que se foi formando durante o dia de hoje. Terá de ser maturada ainda, pensada com calma. Irei, se tudo correr bem, a uma cidade que não conheço, visitar um monumento que nunca vi, só em fotos. Vamos lá ver, com calma, sem obrigação nenhuma. A seu tempo, tudo saberão, as usual.

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.

8 comentários:

  1. Que saudades que eu tenho de ir à Torre de Belém :)

    Abraço amigo

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  2. Tenho especial apreço pelos Arruda, uma família notável dedicada à arquitetura de qualidade que no século XVI se fez em Portugal.
    Alguns mais bem sucedidos no domínio religioso, outros nas estruturas defensivas/militares, mas acabaram por se dedicar à construção de toda a tipologia de edificação pública.
    Trabalharam também na edificação de edifícios civis, públicos e privados, mas é naquelas estruturas em que eles se revelam mestres.
    Criaram uma gramática própria ao domínio português, não se afastando igualmente dos ventos de mudança que vinham do exterior.
    Gosto muito especialmente dos imensos volumes geométricos que são a base das construções, sobre os quais apõem toda a gramática decorativa que se irá denominar de "manuelino", no que se afastam da pureza erudita do renascimento italiano.
    Confesso que não estou seguro de gostar tanto deste delírio ornamental de cariz algo mais popular, que, no entanto, e em contexto, parece adequar-se ao tempo da sua criação, não obstante, reconheço que definiu uma época fundamental da nossa arquitetura.
    Gosto especialmente da igreja da Graça em Évora, do traço de Miguel Arruda, filho de Francisco Arruda, assim como da igreja do Convento do Bom Jesus de Valverde, igualmente atribuído a Miguel Arruda. São construções que aliam várias vertentes das influências da época, apresentando um jogo de volumes e de contrastes claro-escuro que são quase hipnotizantes. Mas, para não variar, afasto-me do tema :(

    É bem digno do Habsburgo transformar este edifício emblemático em prisão. Com tanto sítio para poder transformar em prisão, logo foi nesta jóia de arquitetura que recaiu a escolha!!! Irónico e parece-me ver aqui algo digno da mente tortuosa daquele papa-hóstias.
    Aquele papa-hóstias idiota e hipócrita esteve no seu melhor!!!
    Não contente em nos espoliar das nossas melhores peças de arte das coleções reais - deu ordens expressas ao Duque de Alba para, logo que tomasse conta dos palácios reais, fizesse uma escolha criteriosa das melhores obras de arte, e as enviasse para Madrid, no que o outro cumpriu à risca - também transformou edifícios como a Torre de Belém em prisão. Nem menos se esperaria deste apaniguado!
    Não é por acaso que os palácios reais espanhóis regurgitam, por exemplo, de fantásticas tapeçarias flamengas (e não só) dos séculos XV e XVI, de que Portugal era detentor de uma fantástica coleção, à altura.
    Enfim, é sempre a história triste dos vencedores e dos perdedores.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. A Torre de Belém reflecte bem os rendilhados do manuelino. É um monumento bonito - heróico, sobreviveu ao terramoto. Ainda bem que é cobiçado e ainda bem que temos a sorte de o ter.

      Filipe I era filho de Isabel de Portugal, a mulher "mais bonita do seu tempo" para Ticiano. Falava português, que aprendeu, diz-se, pelas amas de leite, e também terá dito, sobre Portugal, "yo lo heredé, yo lo compré, yo lo conquisté". Parece que gostava de Portugal. Respeitou os foros e prerrogativas que jurou em Tomar, em 1581. Tivemos pior sorte com o filho e o neto. É evidente que nos vimos envolvidos nos conflitos da Monarquia dos Habsburgo, caindo com Espanha nos desaires.

      Obrigado, Manel. Uma boa semana.

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  3. É curioso pensar que Ticiano nunca viu Isabel. Foi um retrato póstumo. Pintou-o a mando de Carlos V, e com base em documentos, descrições de quem a conheceu, sobretudo Carlos V que exigiu que fizesse alterações posteriores, e retratos existentes dela.
    Não obstante ter sido considerada como uma das mulheres com feições mais adequadas aos valores estéticos da época, e acredito que o fosse, fazendo justiça aos relatos, creio que ele poderá ter fantasiado algo dos seus traços, no sentido de agradar a um mecenas (ele pretendia ser nomeado pintor da corte, no que Carlos V sempre teve dificuldade em consentir, só o fazendo a custo e sendo sempre tardio no pagamento - parece que Ticiano, apesar de ser um artista rico por padrões da época, se queixava disso).
    Ainda que o casamento de Carlos V com Isabel não passasse de um contrato de interesses mútuos para ambos os reinos (sobretudo para Carlos V, que vivia sempre em grande dificuldades económicas para conseguir fazer face às constantes guerras que sustentou, e o dote de Isabel era o maior que algum rei da cristandade poderia pagar), consta que o imperador acabou por nutrir pela sua mulher mais do que aquilo que os outros monarcas da época tinham pelas suas esposas.
    E, mais importante do que isso, respeitava-a, reconhecendo-lhe as qualidades de governação, permitindo-lhe que assumisse os seus encargos durante os largos períodos em que se ausentava do reino, situação não muito comum nos outros monarcas, que raramente o consentiam, e, ao fazê-lo, era sob condições particulares e restritivas.
    Por me ser uma personagem curiosa, decidi a certa altura da vida seguir os passos de Carlos V por Espanha, desde a sua entrada em Tazones, nas Astúrias, e as cidades subsequentes por onde passou, para tentar convencer e conseguir subjugar o país - o que a duras penas conseguiu, mas era-lhe fundamental para poder levantar os dinheiros necessários para os seus conflitos e manter a sua posição.
    Ainda que tivesse outros filhos de outras ligações, Carlos V não voltou a casar e guardou o retrato de Isabel junto de si até ao momento da sua morte em Yuste, após o que Filipe o levou para Madrid, para o Mosteiros da Descalças Reais, fundado pela sua irmã e mãe de D. Sebastião, Joana de Áustria. Hoje está no Prado, claro.

    Quanto a Filipe II, concedo que era um belíssimo administrador, trabalhador incansável e minucioso, com um forte sentido de estado, e denotava algum respeito pela governação em Portugal, concedendo amplos privilégios à região (que os sequentes Filipes revogaram e fizeram letra morta), mas conhecendo-lhe a história, continuo a considerá-lo como um papista hipócrita.
    No entanto, reconheço que não fez mais do que aquilo para o qual foi criado e educado.
    É ambígua a sua relação com o nosso Sebastião, seu sobrinho, mas nisso também o compreendo, pois tivemos a pouca sorte de ter um rei completamente infatilizado e diminuído por uma educação errada e levada a cabo por pessoas incompetentes.

    Peço desculpa por este novo comentário, mas como tenho curiosidade pelas histórias destes intervenientes, e como reconheço em si um interessado, foi-me difícil não o fazer.
    Manel

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    1. Sim, sim, eu também não disse que ele a havia visto. Sei que não a viu. Como o Manel disse, o retrato foi pintado com base até, segundo li, num medalhão que Carlos V tinha. Que a amou, amou muito. A morte de Dona Isabel foi-lhe um duro golpe.


      Os casamentos eram acertados. Não se casava por amor. Casava-se por interesse político. E foi importante para O Venturoso casar Dona Isabel com Carlos V. Os Habsburgos eram detentores da mais poderosa monarquia do seu tempo, senhores de vastos domínios. Filipe II seria o monarca em cujo império o sol não se punha, muito embora considere que foi uma injustiça não se dizer o mesmo de Dom Manuel.


      Sim, Dona Isabel serviu de regente nas campanhas de Carlos V. Também era comum naqueles tempos. Por cá, um pouco mais tarde, Dona Catarina de Aústria, irmã de Carlos V, a propósito, viria a assumir a regência durante a menoridade de Dom Sebastião, o neto.

      Eu não sinto qualquer apreço por Filipe II, atenção. A Monarquia dos Habsburgo assentava numa união descentralizada de reinos, cada um deles com os seus foros e prerrogativas. Filipe II respeitou-os. Em relação a Dom Sebastião, creio que terá ficado tão surpreso como a Europa de então, mas não tardou em fazer ver reconhecidos os seus direitos - que os tinha - ao trono.

      Ora essa, comente sempre que queira. Gosto muito que o faça. :)

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