30 de maio de 2018

How to talk to girls at parties.


   Ambientado nos 70s, psicodélico, na Londres de peace & love, em meio da cena «punk», após a morte do «blues». Trata-se de uma estória quase extra-sensorial, envolvendo um rapaz irreverente, como todos os jovens com alguma consciência política, e uma alienígena que anda no planeta em passagem, pertencendo a uma colónia de seres que bem poderiam ter saído de um vídeo de Lady Gaga, com práticas antropofágicas e adoptando comportamentos que nós seríamos levados a considerar como "disfuncionais", no mínimo.

   Gostei do inusitado, e gostei também da forma como abordaram aquela relação que se estabeleceu entre Zan e o jovem anarco-comunista. A páginas tantas, é como se estivéssemos a viver um intenso sonho provocado pelo abuso de substâncias ilícitas. Tudo escapa à nossa realidade, à nossa lógica, à nossa intuição. A exploração de mundos desconhecidos não é uma novidade no cinema, mas, aqui, é retratada de modo original. Nicole Kidman dá o toque que falta, de elegância, numa interpretação bastante boa da sua parte. Creio que o objectivo de nos deixar destroçados falhou, mas conseguiram terminar o filme com um final, vá, sweet, que nos saca um sorriso de satisfação.

    Saliente-se que o filme é baseado na obra de banda-desenhada de Neil Gaiman.

28 de maio de 2018

Cultural Sunday... on Saturday [take 20].


   Este sábado, fui até Belém. Há por lá um museu que há muito queria visitar. Entretanto, fui protelando e protelando, colocando outros na minha lista de prioridades. Em abono da verdade, esta seria a semana em que me aventuraria para fora dos limites de Lisboa. Acabei por não o fazer por alguns contratempos, contudo, é certo que o farei neste sábado que se aproxima. E por onde andei? Museu do Combatente, que adorei, e Torre de Belém, numa revisita após dez anos.

    O Museu do Combatente, no Forte do Bom Sucesso, não é de entrada gratuita. Está dividido em pequeno blocos. É óptimo para passear em dias soalheiros, como o de ontem, porque dispõe de um magnífico terraço repleto de arsenal bélico desactivado. No primeiro bloco, pelo qual fui aconselhado a começar, encontrarão centenas de aviões em miniatura, feitas pelo Engenheiro José Maria Sardinha, que começou naquela arte com a idade de dez anos. São miniaturas feitas à escala própria, fiéis aos originais. Aviões de guerra, como calculam, desde os primeiros, dos irmãos Wright e de Santos Dumont, aos que participaram na Guerra Colonial, passando pelas duas Grandes Guerras Mundiais. Um encanto! Depois, ao longo das salas, podemos ver vários objectos usados pelos combatentes, inclusive utensílios pessoais, como os cantis e talheres, cartas que escreviam, baralhos de cartas, etc. Tudo devidamente identificado e com fotografias contemporâneas aos conflitos. Gostei realmente muito da última sala deste primeiro pavilhão, digamos assim, que dá amplo destaque à Guerra Colonial, tão presente ainda no imaginário português. A propósito, e a visita é livre, podem e devem ir à capela mortuária em honra dos caídos na Guerra Colonial. Encontra-se ao lado do museu, junto à fonte memorial. Não obstante estar bem visível uma placa para que se faça silêncio, as pessoas passeiam-se indiferentes aos nomes, inscritos em pedra, daqueles homens, bravíssimos, que deram o seu sangue por Portugal. Fiquem com algumas fotos.

O tristemente célebre "Enola Gay", que a 6 de Agosto de 1945 lançou a "Little Boy" sobre Hiroshima




   Como vos disse, o museu está dividido em pequenos blocos ao longo de todo o recinto. Convém que explorem o espaço com cuidado, para que nada vos escape à vista. Num piso inferior, descendo-se umas escadas de pedra, têm as exposições temporárias. Adorei uma delas, aquela na qual se recria uma trincheira com maquetes em tamanho real. Percorre-se um labirinto, bem sinalizado, e vão-nos dando indicações de cenas do quotidiano dos nossos militares.
  Os ditos pequenos blocos estão dedicados aos ramos das Forças Armadas (Exército, Marinha, Força Aérea), mais um à GNR, que é uma polícia militar, e até à PSP que, não sendo militar, nem por isso desempenhou um papel menos importante, nomeadamente no início da guerra em Angola, em 1961.


   Saindo do museu, tinha outros planos. O plano inicial não era o de ficar em Belém. Iria, a priori, a outro museu, um que ainda não conheço, relativamente distante dali. Ficará para outro momento. Com um dia tão convidativo, e apercebendo-me eu de que a fila para a Torre de Belém nem era tão extensa assim, decidi-me pela revisita àquele monumento. Quando estive no Mosteiro dos Jerónimos, em Fevereiro, quis aproveitar para rever a torre também. Dada a afluência desmesurada, acabei por desistir da ideia. Ao domingo, a entrada é gratuita até às 14h, o que aumenta o número de curiosos. Ontem, paguei, e fi-lo sem hesitar. Já mal me recordava do seu interior. A última vez havia sido em 2009, com o pai.


   Mandada edificar como fortificação militar, por Dom Manuel I, recaiu em Francisco de Arruda o dever de concretizar o plano do rei. Ao longo dos séculos, a torre foi perdendo importância. Com Filipe II de Espanha, I de Portugal, serviu de prisão política, o que se manteve no reinado seguinte, já com O Restaurador Dom João IV. Aliás, desta vez, e tenho absoluta certeza de que nunca antes havia por lá estado, desci aos paióis, já submersos, abaixo da linha do rio, transformados em calabouços por Filipe I. Imagino as condições degradantes em que os detentos eram por lá mantidos.


   Subir aos pisos superiores também se revela tarefa complicada. A longa escada, estreita e íngreme, não permite duplo sentido. Há uma sinalização luminosa e sonora que orienta as direcções, alternando entre subir - descer. Com tantos e tantos turistas, e só são permitidas cento e vinte pessoas na torre, à vez, podem imaginar o caricato que é subir-se e descer-se aquele lance de noventa degraus em espiral. Vale bem a pena, pelo monumento que é, pela história que tem e, porque não se dizer, pelas fotos, belíssimas, que poderão tirar, de Belém, do Tejo, do Restelo…
   O custo do bilhete desanima um pouco. Ultrapassa o razoável. Têm de fazer negócio, não é... Senti-me um entre os estrangeiros. Pelos idiomas que ouvi, julgo que era o único nacional na minha leva de cento e vinte visitantes. 


   Porque já se fazia tarde, muito tarde para almoçar, fui de imediato à baixa, confortar o estômago.

   Neste sábado, sairei, finalmente, assim espero, da cidade. Nas semanas seguintes, e em virtude de começar o Mundial de 2018, competição que adoro e que pretendo acompanhar, é provável que faça um interregno. Não é provável; fá-lo-ei. Restam-me, então, dois finais de semana ainda. Neste que vem, sei por onde estarei. No seguinte, tenho uma vaga ideia, que se foi formando durante o dia de hoje. Terá de ser maturada ainda, pensada com calma. Irei, se tudo correr bem, a uma cidade que não conheço, visitar um monumento que nunca vi, só em fotos. Vamos lá ver, com calma, sem obrigação nenhuma. A seu tempo, tudo saberão, as usual.

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.

25 de maio de 2018

Submergence.


   O Submergence, como estória de amor, é um fracasso. Forçada, ou esforçada, se preferirem. As interpretações também não são brilhantes; meramente razoáveis, a roçar o satisfaz menos. Aceitáveis. O filme não é um desespero de cento e vinte minutos (anda lá perto...), mas está longe, tão longe como os dois membros do casalzinho, de convencer e de nos fazer render.

   O lado relevante do filme, quanto a mim, prende-se à realidade somali. A Somália é um dos países mais pobres do mundo. Está dominada por jihadistas, que impõem a lei islâmica sem o menor respeito pelos direitos humanos. É nesse contexto de profundo fanatismo que uma das personagens do filme é feita refém, mantida nas mais degradantes condições durante semanas a fio, tendo deixado uma cientista / biomatemática apaixonada... em alto-mar, uma especialista em profundezas oceânicas, que procura descobrir as origens da vida na Terra e relacioná-las com a potencial existência de vida em Marte, o que seria bombástico e daria, no mínimo, uma capa na revista Nature.

   Esperava-se mais de Wim Wenders. A narrativa alterna entre o Atlântico Norte e a atmosfera árida e perigosa da Somália, com cenas de melancolia e saudade, retrospectivas de um passado recente, onde ambos, Danielle e James, se arrastam. É um melodrama, que se perde ali entre ambições maiores, incoerências e confrontos de fé. Os diálogos são, de igual modo, superficiais. As coisas não resultaram bem. A fotografia tem interesse, e o filme deve ser interpretado, por nós, desde essa perspectiva panorâmica. O resto é que falha, tal como o fim, que vem já na sequência de um tanto de mau: é confuso e estranhíssimo. Até este Submergence merecia algo mais digno.

23 de maio de 2018

You Were Never Really Here.


   Desconcertante. É o melhor adjectivo que me ocorre para descrever este filme. Um mercenário, solitário, que vive com a mãe e que recebe dinheiro para aplicar a vindicta privada, ou seja, fazer justiça em nome de quem lhe paga. Um homem que é uma verdadeira máquina de matar, impiedosamente, embora atormentado, e como não poderia deixar de ser, por memórias fortíssimas e permanentemente presentes ligadas a um passado de violência. O filme é de uma brutalidade extrema, perturbador, profundamente inquietante. Joe, monossilábico, sombrio, aparentemente impenetrável a qualquer emoção, cheio de cicatrizes pelo corpo e suicida frustrado, é interpretado, na minha opinião magistralmente, por Joaquin Phoenix. O filme, diga-se, recebeu ovações entusiastas no Festival de Cannes. Bem dirigido, de excelente fotografia, disse o que havia a ser dito sobre o desempenho de Phoenix

  Este sujeito, que nos atemoriza pelo olhar vago e numa primeira impressão desprovido de qualquer sentimento bom, consegue ser terno com a mãe, já idosa, e com as raparigas que salva dos mais hediondos esquemas de abuso sexual. Em momento algum somos levados a odiar Joe. Lynne Ramsay, mais uma vez, depois de We Need to Talk about Kevin, a trazer-nos um estado de profunda perturbação mental, com todas as consequências inerentes, em meio de uma sufocante atmosfera neo-noir. Joaquin Phoenix terá, aqui, um dos melhores papéis da sua carreira.

21 de maio de 2018

Cultural Sunday... on Saturday [take 19].


   Este sábado, para variar, aproveitando um sol glorioso, visitei um museu e revisitei outro. Museu do Desporto, de manhã, e Museu da Electricidade - com consoante não-articulada, sempre - à tarde.

   O Museu do Desporto está situado na Praça dos Restauradores, no lindíssimo Palácio Foz (e não da Foz). É um espaço singelo, que vale mais conhecer quase pelo monumento. No piso inferior, tem, bem explorado, o circuito da Volta a Portugal em bicicleta, das suas origens à actualidade. No piso superior, há alguns objectos expostos, de atletas portugueses, nas mais diversas modalidades. Não deixem, também, de visitar a exposição sobre a vida de Moniz Pereira (1921 - 2016), homem de longeva existência e imprescindível contributo para o desporto nacional. O museu é relativamente pobre. Para mais, paga-se. Exigia-se algo mais composto. Deixo-vos algumas fotos.




E aqui, o palácio, rosa, numa cor lindíssima.






   Apanhei o autocarro na Rua do Arsenal. Cheio, como imaginam. A parte menos boa destes dias, vá, é a da afluência desmedida de turistas. Belém, por estar junto ao Tejo, não beneficia de sistema de metropolitano. E a julgar pelos anos - cerca de doze - em que as obras da extensão do metro para o Terreiro do Paço e para Santa Apolónia estiveram embargadas por inundações, hei-de morrer sem ver o metro a circular na zona ocidental da cidade.

   O Museu da Electricidade, como referi acima, tratou-se de uma revisita. Já por lá havia estado em 2015. O edifício que o acolhe é o da antiga Central Tejo, que durante décadas a fio, em condições degradantes para os trabalhadores, abasteceu energia eléctrica a Lisboa. Encerrou em 1972, e definitivamente em 1975, passando, o seu conjunto arquitectónico e recheio, a ser um testemunho daqueles tempos. O museu abriria mais tarde. Gosto deste museu porque temos a oportunidade de visitar as antigas caldeiras e as salas das máquinas. Têm toda a informação disponível e bem explicada, inclusive com recurso a vídeos e a painéis interactivos. Vale bem a pena. O bilhete é caro. À entrada, terão ainda acesso a exposições contemporâneas de artistas internacionais.




   E aqui, a central, vista do exterior.




   Foi tudo por sábado. Passeei um pouco junto ao Tejo, em frente ao MAAT, desfrutando da sombra que a arquitectura do museu nos proporciona. A Ponte 25 de Abril, ex-libris da cidade, nunca entedia. Neste sábado que se aproxima, como vos disse, é bem provável que saia de Lisboa. Aliás, venho pensando nisso. Agora que está praticamente tudo visto na cidade, é natural que cobice as belezas que temos, e tantas são!, fora dela. Implica mais gastos, daí as dúvidas que se me vêm colocando. É uma questão de vontade e de fazer cálculos acertados. Há locais que gostaria de conhecer, outros de rever. Veremos o que o futuro nos reserva. Até lá!

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.

17 de maio de 2018

The Guernsey Literary and Potato Peel Pie Society.


   Ontem, como é usual, fui ver mais um filminho. Quase por exclusão de partes, escolhi este, de título comprido, sim, e algo confuso. Sem querer desvendar muito, mas já levantando um pouco a ponta do véu, conta-nos a estória de uma jovem escritora inglesa, londrina, citadina, que passa a corresponder-se com um habitante da ilha de Guernsey. A ilha de Guernsey foi a única parcela de território britânico efectivamente ocupada durante a II Guerra Mundial. Os alemães impuseram fortes restrições aos seus habitantes, inclusive a nível alimentar (daí vem o potato peel pie, que, para quem não domina o idioma de Shakespeare, significa torta de casca de batata). Os nazis levaram os animais da ilha, por forma a alimentar os seus soldados nas fileiras da guerra. Aos cidadãos de Guernsey, legítimos proprietários do gado, restavam poucos produtos hortícolas. Tempos duros, de carências várias. Durante os anos de ocupação, constitui-se um grupo de leitura informal entre alguns deles. Passavam o tempo e estimulavam os hábitos de leitura. O nome do filme vem integralmente daí.

   Juliet Ashton, a jovem escritora, tinha prazos a cumprir e uma vontade inabalável de singrar na literatura. Até então, os livros que publicara pouco ou nada haviam vendido. Pressionada pelo editor e encantada pelo que lhe contara um dos participantes daquela tertúlia, viajou para Guernsey. No continente (o nome que davam à Grã-Bretanha) deixou o noivo, um belo americano, sob a promessa de regressar ao fim de «dois ou três dias». A vida surpreendê-la-ia...

   É um drama, com forte correspondência com a realidade. A ilha de Guernsey foi realmente ocupada pelos alemães. Os actores principais conseguiram, quanto a mim, encarnar bem aquelas personagens. Lily James, enquanto Juliet, dá vida à escritora tímida, sonhadora, batalhadora e determinada. Doce. Michiel Huisman, por sua vez, é Dawsey Adams, um homem rústico, mas mais sensível do que aparenta. Outro ponto alto do filme são as suas deslumbrantes paisagens pela ilha. Um encanto. A fotografia é uma mais-valia. O final, não sendo surpreendente, não deixa de ser terno. É daqueles típicos finais que nos levam a torcer, na bancada, pelo casalinho que ali, em circunstâncias curiosas, se formou. E já me alonguei, não? Não? Então, vejam-no. Gostarão.

16 de maio de 2018

Beirut.


   A Guerra Civil Libanesa arrastou-se por anos. O país, ínfimo, com pouco mais de dez mil quilómetros quadrados, congrega várias minorias religiosas, com predominância por cristãos e muçulmanos. É o país com a maior diversidade religiosa do Médio Oriente. Como se calcula, os confrontos vêm-se sucedendo. O último, de grandes proporções, teve lugar em 2006. A instabilidade político-social persegue o Líbano, à semelhança do que acontece, com maior ou menor visibilidade, nos seus países vizinhos.

   É neste contexto que começa Beirut, em 1972, quando um diplomata norte-americano, durante uma festa de recepção a um congressista, vê a sua casa invadida por um grupo de rebeldes islâmicos. Durante o tiroteio, a sua mulher é atingida por uma bala perdida, perecendo-lhe nos braços. Mason Skiles, o diplomata, sai do Líbano e tenta reconstruir a vida, montando uma firma com alguns sócios, até que é convidado, dez anos depois, em 1982, a regressar ao Líbano, a Beirute, para mediar uma difícil troca de reféns. A princípio desconfiado por ter sido escolhido, vem a entender o porquê de apenas ele poder ser o mediador naquela situação. A sua vida cruza-se com a de um dos sequestradores.

   Um típico filme de acção e suspense, como depreenderão. Eu gostei, sobretudo por ser ambientado na década de 80 e por discorrer sobre factos históricos. No final, o herói americano ganha sempre, e sobressaindo enquanto justiceiro que repõe a ordem e faz justiça. Em todo o caso, os actores têm um desempenho positivo e o filme, em si, é francamente bom. Atordoa um pouco, devo dizer, ver as diferenças entre a Beirute de 1972 e a de 1982, completamente dizimada, no meio do colapso social total. Edifícios e infraestruturas destruídos, com milícias cristãs e muçulmanas tendo o controlo sobre a cidade, cada uma na sua zona de influência. Isto quando o Líbano, antes da guerra civil que se prolongou até 1990, ser uma pequena Suíça na região. Uma vez mais, a agenda americana a semear o caos, a estar por detrás de conflitos intermináveis que acarretam a perda de milhares e milhares de vida humanas civis e a paralisação total da economia de um determinado território.

   A cena final, com a star-spangled banner ondulando, vitoriosa, no que parece ser uma base dos EUA, é a confirmação inequívoca de que aquele filme é, e pretende ser, uma visão americana sobre a guerra civil do Líbano. Prescindia-se bem dela, da cena, bastante desapropriada, numa estória em que não há vencidos e nem vencedores. Aliás, há uma vencedora, sim: a guerra. Décadas depois, é substantivo que o Médio Oriente continua a conhecer tão bem.

15 de maio de 2018

Cultural Sunday... on Saturday [take 18].


   Sábado, dia de Eurovisão. Receei, em determinada medida, que a afluência de pessoas prejudicasse a minha mobilidade na cidade. Arrisquei, assim mesmo, e pus os pés a caminho. Decidi-me pelo Museu Geológico de Lisboa, da parte da manhã, e pelo Museu da Carris, de tarde. A meio, fui à descoberta de uma capela fantástica, quinhentista, em Alcântara, que passa despercebida, mas que convém conhecer. O interior, discreto, nem por isso deveria merecer menos atenção da nossa parte. Falo-vos da Capela de Santo Amaro.

   O Museu Geológico de Lisboa reúne uma importante colecção de exemplares. Fiquei impressionado com as ossadas de dinossauros em alguma profusão. Mas não só. Os minerais e as rochas, uma das quais com 3.800 milhões de anos, compõem o vastíssimo espólio. Também encontrarão vários fósseis de amonites, do Jurássico e do Cretácio, sobretudo. Foi precisamente no final do Cretácio que se deu a extinção em massa - uma delas, a mais conhecida - que levou ao desaparecimento destes animais e de muitos outros. Dos dinossauros, nomeadamente. O museu está dividido por três salas, duas delas extensas, em comprimento, ladeadas por vestígios geológicos e arqueológicos. Uma ocupa-se da presença humana pré-histórica. Fiquem com algumas fotos.


Na segunda foto, uma tíbia de Braquiossauro datada em 150 milhões de anos.
  
   Fazia-se cedo para o Museu da Carris. Entretanto, e porque não sabia como seria com os transportes (suspeitava que lotados...), não perdi tempo a chegar a Alcântara. A pequena capela, edificada em 1549, recebeu a minha curiosa visita. Não esperem o deslumbramento. É uma capela simples. Está lá, sobrevivendo ao tempo e às catástrofes que atingiram Lisboa.



Lindíssima, não acham?



   Museu da Carris, finalmente, às 14h em ponto. Logo à entrada, ficarão a saber que a companhia foi criada no Rio de Janeiro, em 1872, e que só depois foi transferida para Lisboa. Dado curioso, se considerarmos que o Brasil já era independente há cinquenta anos. Na fase inicial de transporte de passageiros, o mesmo era efectuado com recurso à tracção animal, aos chamados "americanos". Só depois, com a electrificação, é que foram introduzidos os eléctricos ("bondes", no Brasil), seguidos pelos autocarros ("ônibus", no Brasil). Embora o museu seja dedicado à Carris, encontrarão informação diversificada sobre o Metropolitano de Lisboa, afinal, veio revolucionar as deslocações na capital. A parte mais engraçada, quanto a mim, está no núcleo III (o museu está dividido por núcleos, em blocos, sendo que o percurso entre cada um deles é efectuado por elétrico; um monitor do museu leva-nos até ao núcleo seguinte, e assim sucessivamente). E o que há no núcleo III? Os veículos em si, eléctricos e autocarros, que nos serviram ao longo de tantas e tantas décadas.



   Um museu interessantíssimo, que adorei conhecer. Bem como o museu anterior, não é gratuito. Poderão, legitimamente, indagar-se: "Que interesse terá um Museu da Carris?" Todo. Se forem saudosistas e quiserem recordar parcelas do vosso passado - e todo o lisboeta tem um passado ligado à Carris e ao Metro - considerarão a visita como extremamente oportuna.


   Mais fotos, já sabem, através das minhas demais redes sociais.
   Para o sábado seguinte, as visitas estão devidamente programadas. No sábado que se seguirá ao próximo, é provável que me aventure para lá dos limites da cidade. Talvez sim, talvez não. Esperem para ver, que sei que há quem o faça e me acompanhe tão atentamente.

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.



13 de maio de 2018

Eurovision Song Contest Lisbon 2018.


   Não sou fã do certame. Vi, salvo erro, umas quatro edições na minha vida: uma em pequeno, outra no ano em que os meus pais se separaram (porque distraía a cabeça...), a do ano passado (em que ganhámos, pela primeira vez desde 1964) e esta. A deste ano porque a organizámos. Foi, de certa forma, ainda no seguimento da vitória do Salvador.

   Falou-se, na altura, na incapacidade de Portugal em sediar um evento de tamanha projecção e grandiosidade. O país é pequeno, relativamente pobre e anda em constante contenção financeira. A verdade é que a RTP aceitou o desafio e arregaçou as mangas. Resultado: uma edição fantástica, com elogios velados e unânimes. A Europa rendeu-se à nossa capacidade de receber, de bem receber. Os turistas sentem-se em casa. Desfrutam do nosso sol e da nossa paz social. A par do espectáculo em si, na Altice Arena, a Eurovision Village, no Terreiro do Paço, com um forte dispositivo de segurança, cumpriu com o que faltava: por alguns dias, Lisboa mergulhou na magia do maior evento musical da Europa e do mundo. A Eurovisão, que, repito, não me seduz, tem um magnetismo próprio, atrai milhares de pessoas às cidades que a organizam e outros tantos milhões prende através da caixinha mágica. É aquele momento do ano, goste-se ou não.

   Passarei à margem das canções. Não é isso que me traz aqui, que me leva a escrever sobre a Eurovisão. Há-as melhores e piores. Uns gostam mais de umas, outros de outras. Provámos, em 2017, que era possível conquistar a Europa com um poema simples, sem aparatos, luzes e fogos. Hoje, ou melhor, ontem, que já passa da meia-noite, não o conseguimos. E o poema e a música eram, quanto a mim, substancialmente melhores, mais tocantes. A Europa é de modas. Ainda assim, geralmente querem-se músicas alegres, divertidas, que não sejam particularmente complexas. O chamado bubblegum pop, não obstante haver casos de metal - a Hungria levou este estilo musical nesta edição. Recordo-me, em 2006, justamente no ano da separação dos meus pais, de os Lordi terem ganhado com uma canção de hard rock, o que demonstra em como a Eurovisão também é uma vitrine de tendências e de riscos que se assumem. Há depois, mas não entrarei por aí, o lado dos compadrios, que, parece-me, se tem vindo a mitigar. Temos mais países ocidentais a conseguirem conquistar os lugares cimeiros. A votação do júri pode equilibrar. E depois, naturalmente, as afinidades e as relações de proximidade influenciam as escolhas do público. Portugal deu os doze pontos a Espanha, referindo este exemplo, quando poderia citar outros.

   Creio que estamos de parabéns, sobretudo a estação pública e as suas apresentadoras. Catarina Furtado, Daniela Ruah, Sílvia Alberto e Filomena Cautela. Estiveram as quatro muitíssimo bem, umas mais do que outras. A vida é mesmo assim. O tempo já acusa certo desgaste em Catarina Furtado. Daniela Ruah surpreendeu enquanto apresentadora, ela, que é actriz, e Filomena Cautela superou-se, afirmando-se definitivamente como uma das nossas melhores apresentadoras de televisão da actualidade.

    Últimos na tabela, para não desabituar, primeiros no esforço e no reconhecimento do mérito.

11 de maio de 2018

A queda de José Sócrates.


   O ex-Primeiro-Ministro caiu, definitivamente, em desgraça. As investigações judiciais de que é alvo vieram demonstrar, se tanto, que sobre ele impendem fortes suspeitas da prática de ilícitos, e são muitos. Cova da Beira, Freeport, BES, licenciatura e currículos fraudulentos, enfim, um sem-número. O caso paralelo, mas que se toca, de Manuel Pinho, ministro de Sócrates, foi o rastilho, o que faltava ao PS para se demarcar do seu ex-dirigente, que prontamente entregou o cartão de militante, num divórcio abrupto após longo casamento. Há manifesto oportunismo do partido. As eleições legislativas terão lugar no próximo ano.

   Manuela Moura Guedes, que em tempos foi das poucas a denunciar os casos ligados a Sócrates, deu uma bofetada de luva branca à sociedade portuguesa e às vozes que contra ela se erguiam, acusando-a de encetar uma perseguição, movida pelo ódio, a José Sócrates. Demonstrou que o Jornal Nacional, populista, sem dúvida, se pautava pela investigação, em simultâneo com as tentativas do então Primeiro-Ministro de calar a Comunicação Social, ou pelo menos de domá-la. Conseguiu-o, efectivamente, com a TVI, pressionando o grupo Prisa para que este emprateleirasse Moura Guedes. Já se falava, na altura, do quão mal Sócrates lidava com o contraditório. Aliás, a irascibilidade de Sócrates era visível nas sessões parlamentares. Aceitava mal o jogo democrático. Nunca, como naqueles anos, a democracia esteve tão em perigo. A justiça estava manietada. A teia de interesses montada. Os procuradores-gerais faziam vista morta aos indícios. E nós, o povo, reelegemo-lo, a Sócrates. Fomos tão fáceis de enganar.

    Eu fui enganado também, e não, não conheci Sócrates. Não tive qualquer tipo de relação pessoal com o anterior Primeiro-Ministro, e tão-pouco defendo, ou acho moralmente correcto, que se ataque alguém já enfraquecido. Em todo o caso, estimava-o. Julguei-o um homem determinado, de personalidade vincada, forte, que granjeara inimigos. Era mais do que isso. Os casos sucediam-se vertiginosamente.

    Não me deixarei levar pelo populismo fácil. Não julgarei Sócrates antes de os tribunais, quem de direito, o fazerem. Mas não mais me verão a tomar o seu partido. Fui, enquanto português, uma vítima da sua personalidade manipuladora. Eu, como tantos, que agora só pedimos que se faça justiça. Exemplarmente.


10 de maio de 2018

Midnight Sun.


   Este Midnight Sun, ou Amar-te à Meia Noite, em português, poderia ser mais um filme de adolescentes, com todos aqueles clichés chatos para os quais perdemos a paciência depois dos quinze anos. No entanto, a narrativa, que é boa, a meu ver, absorve-os. Contam-nos a estória de uma miúda que sofre de uma rara doença, que por acaso até existe (pesquisem por xerodermia pigmentosa), e que não pode apanhar sol, o que a impossibilita de sair de casa. Crescendo entre quatro paredes, vai-se apaixonando, desde pequena, por um miúdo da mesma idade, a quem vê andar de skate através da janela, mas que nem imagina que ela existe. Até ao dia em que ele a conhece numa estação de comboios para onde ela vai tocar, à noite, com a permissão do pai.

   O filme é terno, doce. Bastante triste no final, devo dizer, porque este género teen costuma acabar bem. Neste caso, não. Poderia perfeitamente ser aplicado a personagens mais adultas, que a narrativa valeria por si mesma. O desempenho dos actores também é razoável, considerando a idade e a inexperiência. O actor principal, que protagoniza o atlético Charlie, Patrick Schwarzenegger, consegue ser melhor do que o pai, que não é exactamente conhecido por ser um grande actor. Bastante giro, o rapaz, devo dizer.

  Poderá haver quem lhe chame um melodrama desengonçado e previsível. A mim, entretanto, reportou-me à adolescência. Ao meu jeito, quis viver o mesmo que a Katie, personagem de Bella Thorne. Não tendo uma doença que mo impedisse, houve outras limitações, algumas respeitantes a vários circunstancionalismos pessoais.
   Não, não é só em filme. Adormecer na praia, com a cabeça no peito do rapaz que se ama (preferencialmente que nos atraia - fisicamente, sim - porque ficar com alguém por ficar não vale a pena), tendo uma fogueira para nos aquecer, não é inexequível, só possível em cinema. Acontece, sim, acontece, com mais frequência do que presumivelmente julgamos. Eu quis viver tudo o que Katie viveu, e - este pormenor é engraçado - também tinha um caderninho. Não que escrevesse letras de canções, que não dou para o cançonetismo, mas punha a imaginação a trabalhar, passando para o papel o que não me era permitido experienciar. Tornei-me adulto, não é? Dizem que a idade é um número, e é-o, de facto, se bem que eu não sou daqueles que crê que de tudo podemos fazer independentemente da que consta no documento de identificação. Não. Há o limite da razoabilidade. Não sou mais um miúdo. Deus, o destino, sabe-se lá quem ou o quê (ser demasiado exigente com a outra parte não ajuda...), não o quis. Posso imaginá-lo. O sonho ninguém nos tira. Dizem que é esse o encanto da sétima arte.

9 de maio de 2018

All I See Is You.


   Terça-feira, mais um filme. Decidi-me por um drama, sem spoilers ou trailers. Aprecio dramas, bem mais do que comédias e só talvez menos do que históricos, épicos e biográficos. Os dramas, bem como as comédias, têm um senão: facilmente são arrasados pela crítica especializada. Este não obteve - vim a saber há pouco - boas críticas. Quanto a mim, gostei. Não é um filme excelente, de ficar na memória, mas vê-se com alguma parcimónia e boa vontade. Já vi pior, muito pior. As interpretações ajudam.

   O que mais evidente me resulta do filme é que, às vezes, o amor, ou o que aparenta ser amor, mais não é do que uma relação de mútua dependência, até que fique demonstrado, inequivocamente, que é amor. É rigorosamente isso que encontrarão neste filme. Uma mulher, invisual, que carece da ajuda do marido para desenvolver qualquer actividade, na medida em que a sua cegueira não é congénita. Ao recuperar a visão, recupera autoestima, confiança, feminilidade. A relação ressente-se, porque assentava na dependência de Gina e na necessidade que James tinha de a proteger. Ressente-se inclusive sexualmente. A novidade abalou a ambos. Não desvendarei mais.

  Quando procuram, de certa forma, restaurar a ordem natural daquele casamento, apercebem-se dos erros que cometeram, não sem antes também se aperceberem de que, de facto, sempre se amaram. Digamos que houve uma perturbação aparente, avassaladora, é certo, mas que veio confirmar aquele sentimento. Talvez demasiado tarde.

7 de maio de 2018

Cultural Sunday... on Saturday [take 17].



   Este fim-de-semana começou cedo, com um sol radioso, num dia bastante quente. Estes dias têm um efeito extremamente benéfico no meu astral. No de todos, presumo eu. A mim, ajuda sobejamente, até porque andar por aí, à chuva, não é nada agradável. A Casa-Museu Medeiros e Almeida e o Museu da Fundação Portuguesa das Comunicações foram as opções escolhidas.

   Comecemos pela Casa Museu Medeiros e Almeida, numa transversal à Avenida da Liberdade. A Casa Museu, como o nome indica, é uma casa que, pela morte do seu proprietário, António de Medeiros Almeida, foi adaptada para museu. Já havia sido criada uma fundação, ostentando o seu nome, nos anos 70. Medeiros e Almeida foi um importante mecenas português, riquíssimo, cujo espólio só foi superado pelo de Calouste Gulbenkian. A sua impressionante colecção particular pode ser observada e apreciada na Casa Museu. Por forma a preservar o seu legado, e em virtude de não ter deixado descendência, Medeiros e Almeida foi perspicaz ao permitir que o público dela pudesse desfrutar. Deixo-vos algumas fotos.



Na primeira foto, a sala de jantar da casa, onde, em 1964, o senhor Medeiros e Almeida deu um jantar de recepção aos príncipes do Mónaco, Rainier e Grace Kelly.

   De seguida, e porque ainda se fazia cedo, dirigi-me à Fundação Portuguesa das Comunicações, ali para os lados das Janelas Verdes, um bocadinho antes. Como só abria às 14h, dei uma volta por aquela zona. Descobri a lindíssima Igreja de São Francisco de Paula, nos Prazeres, da qual vos deixo a sua fantástica torre do sino.


   A Fundação Portuguesa das Comunicações alberga o Museu das Comunicações, inaugurado em 1997. Recordo-me de por lá ter estado, através do colégio, e posteriormente. A museu permite que acompanhemos a evolução que se deu, no nosso país, no que concerne às comunicações, desde os tempos em que era o monarca quem incumbia alguém da distribuição da correspondência até ao advento dos correios modernos. É curioso acompanhar esse longo caminho de séculos. No piso 0 há uma exposição muito curiosa sobre os cabos submarinos que ligam todos os continentes da Terra. Soube que Portugal é o único país do mundo ligado directamente por cabos submarinos a todos os continentes, honrando a nossa tradição marítima. Tudo se deve à importante posição estratégica que temos na Europa.


Na foto, uma "mala-posta", que levava a correspondência já no século XIX, antes da entrada em circulação das locomotivas movidas a vapor.

   Nem só dos correios de ocupa o museu. No piso 1 temos a evolução das comunicações também quanto aos inventos tecnológicos que foram surgindo pelo século XIX, ou aperfeiçoados, dos quais a telégrafo, o telefone, a telefonia móvel, etc., são exemplos. Portugal foi pioneiro também no telégrafo. Durante o Fontismo, foi lançado o primeiro cabo submarino entre Lisboa e os Açores, em 1855. Cinco anos depois, já estávamos ligados a cidades como Londres ou Nova Iorque. No século XX, a televisão e a telefonia móvel revolucionaram completamente o modo como nos comunicamos e como temos conhecimento do que acontece no mundo.


Na primeira foto, modelos de telefones antigos; na segunda, um computador portátil de 1986.

   A parte mais interessante da visita, contudo, estaria reservada pata as 16h. A essa hora, no piso 2, houve uma conferência subordinada ao tema "Casa do Futuro na Cloud - viver numa smart city". Por lá, um monitor do museu, da área das tecnologias, demonstrou-nos, numa casa em tamanho real, como tudo podemos controlar com recurso a tecnologia já existente, ou seja, não falamos de uma casa realmente projectada para daqui a dezenas de anos, irreal, e nada vi num filme projectado. Entrei numa casa e vi o monitor a ordenar, pelo telemóvel ou inclusive pela voz, ao robot Alexa, que erguesse os estores, pusesse o fogão a trabalhar, ligasse e desligasse as luzes, abrisse a porta de entrada, etc., podendo desenvolver várias actividades em simultâneo. Só lá estava eu e umas três famílias. Poucos, o que ajudou, de facto, porque pudemos ver tudo com mais calma e atenção. Não imaginava que já houvesse tanta tecnologia à nossa disposição. Efectivamente à nossa disposição, porque é uma empresa neerlandesa, implantada em Portugal, que a desenvolve. Não me recordo do nome. O robot, a Alexa, ainda só responde a comandos em inglês, porque a tecnologia é norte-americana.


   A entrada no Museu das Comunicações têm um preço associado.
   Já sabem que terão acesso a mais fotos nas minhas redes sociais. Foi um dia produtivo.

   Uma boa semana a todos.

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.


6 de maio de 2018

Museu dos Descobrimentos.


   Portugal não possui um museu dedicado inteiramente à sua história. Tem-nos, a alguns, divididos, que exploram um ou outro período, mas persistimos na lacuna quando se trata de aglomerar, num espaço, o nosso período de ouro, a nossa idade de ouro, que não foram apenas a Inglaterra e a Espanha a tê-la. Nós também a tivemos. Só que, enquanto por lá têm orgulho nos seus feitos, por cá dedicamo-nos a escondê-los ou a dar-lhes outra aparência. A esquerda é particularmente prodigiosa nisso.

    Fala-se num novo museu, um espaço que estaria dedicado à nossa expansão marítima, aos nossos descobrimentos - oh, palavra maldita! - com a designação lógica e historicamente coerente de "descobrimentos", porque efectivamente o foram. Estando a reconquista terminada e a independência assegurada, lançámo-nos ao mar e descobrimos, descobrimos caminhos marítimos, terras, povos, fauna e flora que o mundo então civilizado (perdoar-me-ão, porque os sacrifícios humanos e a antropofagia não têm nada de civilizado), a Europa, não conhecia. Inclusive ofertámos animais exóticos ao papa - Dom Manuel I, a Leão X, numa embaixada memorável. Fomos os pioneiros da globalização, unindo todos os continentes e os povos. Estabelecemos rotas que só muito mais tarde haveriam de ser equiparadas e ultrapassadas. São factos, não é doutrina, ideologia. Alguma esquerda lida mal com o rigor e a coerência, mas gosta de neles se suportar quando carece de sustentar os seus delírios. Influencia as nossas crianças e jovens, incute-lhes ódio, não só por quem foram; também pelo seu próprio povo e pelos seus antepassados. Ensinam que fomos terríveis colonizadores, bandidos, que usurpámos terras e riquezas, e nisso não há fronteiras geográficas: tão obtusa é a esquerda americana como a europeia. Talvez a de cá seja mais polida, politicamente correcta.

    Querer substituir a designação original por museu da interculturalidade, ou outra, é faltar com o rigor, é ser-se anacrónico, irrealista, odioso. É ser-se impreciso, porque se eu chego a algum lugar que não conheço, eu descubro-o, integro-o à já minha realidade. E o museu estaria sediado em Lisboa, seria na nossa perspectiva, o nosso olhar, sobre aqueles tempos. Portugal descobriu, não achou nada. Odiar-se palavras - odiar-se a História - é mesquinhice, a mesma que demonstraram, por cá, quando quiseram mudar o nome da Praça do Império, em Belém, como se não houvéssemos tido um império. Tivemo-lo. Todos o sabem. O mundo sabe-o. Muda apenas o respeito e a admiração que lhe temos, o que nessa esquerda extremista, e respeito-o, são nulos, e estão no seu direito. Não queiram, entretanto, porque nem deixaremos, branquear a verdade, passar-lhe uma borracha feita de censura e ódio. Eu tenho orgulho em quem fomos, nas pontes que erguemos, na cultura que levámos, estando inteiramente consciente dos erros. Quem não os comete? Será a esquerda imune à mancha do erro, qual espectro político imaculado? Sabemos que não. A esquerda, através dos inúmeros regimes socialistas / comunistas, tem, ela mesmo, um passado de extermínio, intolerância. Genocídios, inclusive, figuram no seu currículo.

    A influência da doutrina esquerdista é mais forte do que pensava. Não me admirava nada que levassem a melhor, conseguindo que se substituísse o controverso nome por um que fosse mais do seu agrado. A polémica chegou lá fora. Um coro odioso já se juntou aos extremistas deste lado, pressionando, adulterando, como, de resto, é apanágio dos intolerantes, que vêem a poeira no olho do outro.

    Museu dos Descobrimentos, sim, por todas as razões que elenquei. E que alguém tenha a coragem de se opor, de fazer frente a esta gente.

3 de maio de 2018

X Aniversário.


   No mesmo dia, duas publicações. Não sei se será um inédito. Invulgar será, definitivamente. Décimo aniversário, leram bem. O blogue perfaz dez anos, exactamente hoje, a três de maio. Pensei, no início do ano, em fazer algo diferente. Caramba, dez anos, num blogue, é muito tempo, considerando ainda a idade que tinha quando o criei! Depois, mais sereno, pensei que a melhor homenagem que lhe podia prestar seria a de continuar a mantê-lo, e aqui está ele, dez anos volvidos, e eu, dez anos mais velho, mais consciente e infinitamente menos feliz.

   São dez publicações a assinalar os aniversários. Dez vezes em que conto detalhes, em que esmiúço pormenores. Já tanto foi dito. Haverá outro tanto por dizer. Contei, em anos anteriores, como o blogue surgiu, a mudança que nele se foi efectivando, a última das quais já neste ano, quando a política deixou de o dominar, cedendo às minhas crónicas cinematográficas e aos meus passeios culturais. O blogue é, a bem ver, como cada um de nós: maleável, adaptável, à vida e às circunstâncias. Assinalo-lhe, desde 2008, quatro grandes mudanças: o período de 2008 a 2010, o período de 2010 a 2014, o período de 2014 a 2018 e o presente. Cada um deles diferente e sobejamente importante para mim. Analisarei sucintamente um por um.

   No primeiro período, de 2008 a 2010, o blogue vivia a sua fase preambular. Escrevia disparates, pontuados com textos de carácter um pouco mais sério. Muito canastrão, muito imaturo. Ninguém o lia. Apenas eu. Não seguia nenhum blogue e tão-pouco alguém me seguia.

   No segundo período, de 2010 a 2014, fui crescendo. Entrei na faculdade. Abri o blogue a leitores. Passei a comentar outros blogues. Deu-se quase a glória. Textos frequentes, quase diários, mas ainda lhe faltava aquele toque de maturidade. Eu não era exactamente o Mark que queria ser, que almejava ser. Comecei a escrever os primeiros textos políticos, a deixar a literatura de cordel de lado, a escrever progressivamente menos acerca de mim e da minha vida pessoal (tendência que se acentuou em 2014). Foi neste período que deixei de ser um nickname para ser uma pessoa de carne e osso, e arrependo-me amargamente de o ter feito. Conheci das piores pessoas com as quais algumas vez me cruzei.

   No terceiro período, de 2014 a 2018, o blogue tornou-se quase impessoal para alguns. Não o era. Foi o que eu quis que ele fosse. Análises políticas, dissertações históricas, com raras excepções pelo meio. A afluência foi diminuindo, os comentadores também. Deu-se o êxodo em massa para o facebook. Eu, entretanto, senti-me pleno enquanto bloguista. Orgulhoso mesmo.

   A presente fase é um produto das circunstâncias, do estado actual da blogo. O blogue não é bem o que quero, não sendo também algo totalmente alheio à minha vontade. Está no meio termo. Evoluir para sobreviver, conhecem? Pois então, apliquemos Darwin. Só os mais fortes vingam. Quem se limitava a falar de gatos, dos livros que lia, a publicar fotos de quadros - sem qualquer substância, apenas por publicar - cedeu e quebrou. Os despojos mortais continuam online. Alguns há que lutam por manter a cabeça à tona, mas nem eles acreditam naquilo que escrevem. E há sempre os que vivem em delírio, julgando-se os melhores. Cada um adapta-se como pode.


   Viver é uma constante aprendizagem. O blogue tem-me dado muito. Com ele cresci, aprendi a escrever. E tem a particularidade de tudo arquivar, para que voltemos atrás e possamos rir, ou ficar envergonhados. Em jeito de curiosidade, nunca agendei uma publicação. Nunca escrevi e deixei a publicação em banho-maria, aguardando pelo momento oportuno. Nunca tive hiatos de semanas ou meses. Quando me sento para escrever - e de momento faço-o num sítio com imenso ruído - começo e vou até ao fim, consciente de para onde vou e do que quero. Sempre foi assim. São dez anos de estórias, de pensamentos, de infortúnios, de poucas alegrias. Talvez euforias. O blogue conheceu três computadores, dois tablets, três telemóveis. Vários cortes de cabelo, oscilações de peso, infinitas mudas de roupa. Três casas. Duas cidades. Escapou à separação dos meus pais, mas não ao sofrimento que lhe adveio. Pergunto-me, aliás, se não terá surgido da minha necessidade de gritar, de fugir à solidão, de procurar novos amigos. De interagir. De me dar sentido.

    E, por falar em sentido, de uma forma ou de outra ele continua a ter. Provavelmente porque sou, e serei, um ser solitário. Como me sinto melhor a escrever do que a falar, desde sempre, o blogue é-me absolutamente essencial. É um modo que inventei para existir, para ser maior do que sou. O blogue filtra-me os defeitos e domina-me as emoções. Aqui, como referi acima, vou até onde quero. Lá fora, quando ajo, a minha personalidade frequentemente me leva para onde não quero ir, onde me arrependo de ir.

   Deixem-me, para terminar, que vos agradeça por me lerem. Sei que ainda há quem o faça. A vossa presença não é imprescindível para que continue, mas ajuda, ajuda muito. É tudo. Um muito obrigado a todos, e que nos continuemos a ver por aqui, por quanto mais tempo nos for permitido. Somos meros peões num jogo que não faz sentido algum.


   Com carinho,
   Mark

Maria by Callas.


    Fui ao Espaço Nimas, ali na 5 de Outubro. Interessou-me o documentário sobre a diva da ópera, Maria Callas, em cartaz. Adoro a Callas, não só enquanto soprano - tenho as suas principais actuações na biblioteca de música - mas também enquanto mulher, e era nesta última que a minha curiosidade incidia. Sabemos, todos, do percurso pessoal acidentado, sobretudo no que respeita à vida amorosa. Este documentário mostra-nos filmagens da própria, algumas inéditas, entrevistas que deu, inclusive, e ainda passa pelas suas actuações memoráveis nas principais casas de espectáculo da Europa e dos EUA. Callas passou por Portugal, aliás, em 1958, alguns meses depois da actuação falhada em Roma, naquele que seria o começo do fim.

   Desconhecia alguns pormenores da vida de Callas. Não sabia que havia sido a sua mãe a principal impulsionadora da carreira, carreira essa que atingiu o zénite na década de 50. A voz de Callas era inigualável. Contudo, o que prendia a atenção do público não era apenas a voz extraordinária, com uma capacidade de atingir notas agudas surpreendentes; a sua interpretação, que aliada à voz prometia actos de inigualável encanto, rendendo-lhe ovações entusiastas, diferenciava Callas das demais sopranos. Era uma diva, e foi-o em todas as acepções da palavra. Temperamental, era exigente consigo e com quem trabalhava. Perfeccionista também. Esse seu lado irascível não é tão abordado assim no documentário, mas adivinha-se.

   Se, no palco, Callas era a melhor, a Maria, fora dele, só queria ser feliz. Os espectáculos desgastavam-na pelas óperas completas. Cantar e interpretar, manter a afinação e conter os críticos exigia-lhe um esforço sobre-humano. A carreira de Callas manteve-se em alta durante toda a década de 50. Ao conhecer Onassis e ao pôr cobro ao primeiro casamento, Callas dedica-se mais àquela relação com o magnata grego, descurando a carreira e comprometendo a qualidade da sua voz. O declínio tornou-se visível na década de 60. Callas, por vezes, via-se obrigada a cancelar as árias, não regressando ao palco e deixando o público furioso e os críticos fascinados, tendo ali matéria para mais escândalos.


   Onassis proporcionou-lhe esses momentos de descontracção e harmonia, ao contrário do seu primeiro marido, a quem a carreira de Callas se sobrepôs à mulher. Onassis, pelo contrário, respeitava-a e protegia-a, pouco se intrometendo na sua vida profissional. Foi o homem que Callas amou. Se chegou a ser feliz, foi-o com ele, nos maravilhosos cruzeiros que faziam, na companhia dos seus amigos mais chegados e dos animais de estimação. Callas, sempre sofisticada, diva nos palcos, era simplíssima nas relações pessoais. Apercebemo-nos disso ao ouvi-la falar. Ela não o nega: teria deixado a carreira e a ópera para ser uma mãe esmerada, uma mulher dedicada. Só que sê-lo e ser a melhor cantora do mundo eram incompatíveis. Quando Onassis se junta à recém-viúva Jacqueline Kennedy, e com ela se casa, Callas recebe talvez o mais duro dos golpes.

   A década de 70 trouxe-lhe o desencanto da passagem do tempo e a solidão. Callas passou a refugiar-se cada vez mais, muito embora continuasse a ensaiar e até se apresentasse em espectáculos. Londres e Tóquio foram as suas derradeiras apresentações. A voz mudara muito. A desilusão com a vida, com Onassis, estava-lhe estampada no rosto. A morte deste prenunciou a sua. Meros dois anos depois de Onassis falecer, Callas sucumbiu a um ataque cardíaco fulminante na sua casa de Paris.


   O documentário, realizado por Tom Volf, não tem o pendor quase voyeur sobre a vida pessoal de Maria Callas. É natural que se tenha de falar nela. A determinado momento, a vida pessoal começa a prejudicar a vida profissional. Não podemos percorrer a carreira de Callas sem falar em Onassis, nomeadamente. Mas este documentário foca mais a artista, com filmagens, entrevistas e actuações. Como se fosse um filme, tendo a própria como actriz principal. Extenso, com quase duras horas, será de imprescindível utilidade para fãs e para quem a quer descobrir, à Callas, a mais bela das vozes do século XX.

2 de maio de 2018

The Death of Stalin.


   Tenho-vos falado de comédias, péssimas comédias. A que vi hoje, The Death of Stalin, ou A Morte de Estaline, em português, é soberba. Enquadramento histórico perfeito, com aquele humor que não nos estupidifica. As crueldades e a tirania estão lá. Bastante salientes, de resto. O filme acompanha o último dia da vida do líder soviético e os meandros que envolveram a sua sucessão, inclusive no pomposo funeral de estado que teve. Após a sua morte, os homens que lhe eram mais próximos, do Comité Central do PCUS, digladiaram-se pelo poder, tendo um deles, Beria, sido efectivamente acusado de conspiração e executado sumariamente. As intrigas que se seguiram viriam a dar o supremo cargo a Nikita Kruschev.

   A narrativa põe, de igual modo, a descoberto algumas curiosas fragilidades. Quando deram com Stalin prostrado, envolto numa mancha de urina, vítima de um ataque apoplético, não havia um bom médico disponível em Moscovo. Todos haviam sido acusados de crimes e deportados. Stalin munia-se de duplos, de sósias, que provavelmente o substituiriam em ocasiões muito particulares. Descobrimos que aquele homem vivia rodeado de inimigos, de pessoas que o bajulavam por medo. Beria foi um deles. Simultaneamente, numa característica comum a todos os totalitarismos, Stalin comportava-se como ser caprichoso, intolerante, a quem ninguém ousava contrariar ou negar fosse o que fosse. As perseguições políticas e as execuções sucediam-se impiedosamente, sem julgamentos prévios. Listas, com detalhes mórbidos pormenorizados, eram enviadas à polícia política, a NKVD, para que esta pusesse em marcha o processo de eliminação dos inimigos do Estado.

   O filme também explora o lado familiar de Stalin. Não a sua relação com os filhos, que o Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética morre logo no início, mas sim os próprios filhos. Svetlana e Vasily, ambos estranhíssimos, o que não admira, tendo como pai um indivíduo que não seria dos mais extremosos. Vasily, muitíssimo bem apessoado, que lhe vi fotos reais na internet, parecia sofrer mesmo de distúrbios mentais.

   Com interpretações boas, fidedignas e bem dirigido, o filme, em suma, é uma sátira muito bem conseguida ao regime de atrocidades da União Soviética, com as lutas pela liderança de um dos aparelhos estatais mais estratificados, misteriosos e complexos de inícios dos anos 50.