9 de março de 2018

Lady Bird.


   « Há pessoas que não nascem para ser felizes, sabes? »

  Quando Julie remata, deste modo, o diálogo que estava a ter com Christine, eu só consegui sorrir. A vida é tão assim, efectivamente, que às vezes nem precisamos de justificação alguma para sermos infelizes. Somo-lo. Ponto final.

   Não ia muito expectante - devo dizer que Timothée Chalamet quase que me empurrou para a sala de cinema, e adorei o filme. Constará no meu top 3 dos nomeados para Melhor Filme. É que Lady Bird não é apenas um coming-of-age sobre uma adolescente inquieta que descobre o amor, o sexo e discute com a mãe; é um filme sobre uma miúda que quer vingar e ser feliz, que tem expectativas, que mantém ali uma chama qualquer que a impulsiona para a frente. Há percalços, dificuldades e desilusões pelo meio (quem não os tem?), mas Christine descobre-se e descobre o mundo. A viagem final, quando vai para Nova Iorque frequentar o Ensino Superior, é quase o ponto de partida, começando, por fim, a trilhar o seu caminho, a construir o seu destino, a ter responsabilidades. A cuidar de si, em suma.

   Identifiquei-me extraordinariamente com Christine. Por um lado, ter consciência disso amedrontou-me. Eu preciso de fazer o que ela faz, eu penso e busco o mesmo que ela (até no plano sentimental), com a diferença de que sou uns anos mais velho e de que o processo está atrasado. Não tenho uma mãe igual, que ama, embora desdenhe, ainda que a minha nem sempre acredite em mim e naquilo de que sou capaz. Também eu gostaria de lhe provar o que valho, talvez até, como Christine, em intenção, pagando-lhe tudo o que tem gasto comigo ao longo destes muitos anos, e as semelhanças entre a sua mãe e a minha - entre a sua família e a minha - ficam-se por aí. "Lady Bird", como gostava de ser chamada até deixar a adolescência para trás (terá deixado?), teria, no limite, um ambiente mais familiar do que eu. Os pais estavam juntos e bem, lá com os seus problemas, inclusive de ordem financeira.

   Para não me afastar mais do filme, e dos filmes, não sei o que se passou neste ano, mas temos um sem-número de mães que fazem toda a diferença: em Tonya, em Three Billboards, em Florida Project. O que uma mãe - o que o papel de uma mãe - acarreta na composição de uma narrativa. Mães fortíssimas que Hollywood nos apresentou em 2017/2018, umas boas, outras mais frívolas.

   Ambientada em 2002, nas paisagens cálidas de Sacramento, costa oeste e sul dos EUA, a história é, em si, comum, sem fantasias ou sem um enredo que a torne excepcional. As interpretações são inenarráveis, do início ao fim, convincentes, o que lhe dão uma extrema correspondência com a realidade. Não gostei do papel do Timothée Chalamet. Julgava que o veria num tom mais romântico, e a sua personagem é a de um playboy em miniatura, que não se importa em brincar com os sentimentos e as idealizações de uma rapariga ingénua e sonhadora.

   Escrito e realizado por Greta Gerwig, das poucas mulheres a receber uma nomeação para Melhor Realização, Lady Bird é um filme sobre adolescentes, todavia direccionado a todos. É original dentro do tradicional, não foge a alguns lugares-comuns e consegue ser divertido e dramático na dose certa, para a densidade que tem.

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