10 de setembro de 2017

Os portugueses, a xenofobia e o racismo.


   O Estado Novo de Oliveira Salazar, decrépito, caiu há quarenta e três anos. As teorias que o ajudaram a sustentar, em todo o caso, persistem. Temo-nos como mais permissivos, mais receptivos à diferença, mais empenhados na arte de bem receber. Em abono da verdade, em Portugal não verificamos a existência de conflitos étnicos ou raciais. As comunidades estrangeiras integram-se bem na sociedade portuguesa. Podemos, então, inferir que somos menos xenófobos e racistas?

    A discriminação racial é um fenómeno complexo, comporta nuances. Ofender um cidadão de origem africana, pela sua cor de pele, é racismo, tal como o é a recusa em arrendar-lhe uma casa por semelhante motivo. E será neste patamar em que estamos. Vários estudos recentes, que não serão mais do que convicções individuais, procuram elucidar-nos sobre a problemática do racismo no nosso país. Surgimos, então, como os mais racistas entre os europeus, ou pelo menos aqueles cujo preconceito está mais interiorizado, mascarado, menos ostensivo. Passámos, em décadas, dos menos aos mais. Aí reside o problema. Da mesma forma em que nos tínhamos como mais tolerantes, e para tal contribuiu a teoria do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, que a determinado momento veio justificar a nossa permanência no ultramar, alguns viram-se na necessidade de combater essa formulação quase intrínseca em cada português, procurando substitui-la por uma que nos atribui índices terríveis de discriminação racial. Como há dias li, por um autor que não fixei, os portugueses estariam entre os que mais acreditavam em superioridade rácica.

    Não irei abordar, porque julgo irrelevante na tónica que pretendo imprimir, a discriminação racial sobre pessoas de origem europeia em África, inclusive nos países de língua portuguesa, que a há. Existe e deve ser combatida. Propagam, no ensino, que os portugueses mais não fizeram do que explorar e subjugar. É uma visão politizada e perigosa. E há, inclusive, por Portugal, focos de racismo que visam pessoas mulatas, por parte de indivíduos de pele negra.

    Considero imperioso, sim, que tenhamos em atenção que o racismo e a xenofobia subsistem no nosso país, muito embora dissimulados, aparentando ser uma ligeira desconfiança. Negá-los foi o nosso erro.

11 comentários:

  1. Por aí em Portugal ainda se poderia tentar explicar, mas por aqui ... como entender?

    "Considero imperioso, sim, que tenhamos em atenção que o racismo e a xenofobia subsistem no nosso país, muito embora dissimulados, aparentando ser uma ligeira desconfiança. Negá-los foi o nosso erro."

    Beijão. Oportuno e inteligente como sempre ...

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    1. Obrigado, meu amigo. :)

      um beijo.

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    2. Racismo em países como Brasil e EUA é coisa que não entendo mesmo!!!!

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  2. E, quando os negros são mais racistas que nós?! Que dizemos ou fazemos?!

    Sou branco, saio à rua com uma t-shirt "White Power" e sou racista e levo nos cornos se for preciso...

    Se um negro sair com uma t-shirt "Black Power" é "normal"
    Tantos negros que usam estas t-shirts em Lisboa/Amadora...

    Afinal quem é Racista mesmo?!

    Grande abraço amigo

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    1. É evidente. Também somos vítimas de racismo.

      um abraço, amigo.

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  3. De vez em quando sou confrontado com textos que nos tentam convencer que o racismo é algo do passado, que não é importante nem dominante na sociedade atual, que está ultrapassado, que o bom é darmos todos as mãos, que o mundo atual é de todas as raças, facto que, aliás, é contemplado nas constituições ... um blá-blá que não convence, e que, creio, nem sequer já adormece crianças.
    Creio que esses textos se devem referir a um mundo que não existe ou então, tão bem escondido que ninguém conhece. Uma espécie de Shangri-la mítico.
    Claro que o racismo existe e, encapotado ou não, e segundo as formas atuais de convivência de sociedades, bem presente e pujante, "com pernas para andar" ... e por todo o lado oiço uma frase lapidar: "Cada macaco no seu galho!" escondê-lo ou pretender que não existe é fazer como a avestruz.
    E, o que é pior, não vejo solução para o problema, o qual vem sendo agravado por todo o mundo dadas as migrações maciças de populações de países em guerra, ou que foram sujeitos a limpezas étnicas ou ainda provenientes de economias muito pobres.
    Uns porque são preteridos na situação do emprego ou porque as regras sociais se chocam com as dos países recetores, há sempre qualquer coisa, nem que sejam as simples diferenças rácicas, que se traduzem em xenofobia/racismo por todo o mundo, e Portugal, claro, não é exceção.
    Por enquanto ainda parece que, mau grado os focos que vão despoletando aqui e ali, vai havendo uma negociação que permite que hajam condições no sentido de "cada macaco ocupar o seu galho", mas num futuro próximo ... prevejo que tal não seja tão fácil.

    Uma boa semana
    Manel

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    1. Manel, antes de mais perdoe a demora.

      Sabe, foi exactamente um lugar-comum, um perigoso lugar-comum, que deu o mote a este artigo: "Porque é que não vais para a tua terra?". Ouvi-o e, de certo modo, insurgi-me.

      A crise dos refugiados e o recrudescimento da intolerância religiosa fizeram com que a xenofobia também aumentasse. E, como sempre, paga o justo pelo pagador.

      Uma boa semana.

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    2. Raro faço dois comentários, mas creio que tocou algo que me desespera, que é a intolerância religiosa, a qual nem sequer pretendi tocar no meu primeiro comentário, pois trás consigo problemáticas muito para lá do racismo/xenofobia; mas aqui as sociedades ditas ocidentais e de ideologia católica e romana, têm tantas, mas tantas "culpas no cartório", que ainda hoje me arrepio dos desmandos que foram praticados ao longo da história. E não me refiro só aos extremismos dentro da religião católica, por exemplo, pois as perseguições ao Islão e aos judeus não era considerado extremismo, mas práticas comuns e aceites pela sociedade da época. Há culpas de ambas as partes, claro, mas não posso esquecer as desta sociedade em que vivo. Também não esqueço a que se pratica do outro lado, claro, por bárbara, inumana e estúpida, como são todas as perseguições sem sentido nem justificação!
      E dentro da intolerância religiosa coexistem, encapotados, interesses económicos e outros ainda mais vastos que em nada estão ligados à religião, mas que dela se servem e que foram por demais explorados para continuar a mencioná-los, os quais se estenderam até ao século XX - a 2ª Guerra não está tão longe como isso.
      Eu próprio venho de uma família judia pelo ramo materno, que foi obrigada a refugiar-se no interior durante o século XVIII e, no início do século XX, uns meus trisavós, ao viajarem para Lisboa, foram atacados no caminho por bandidos que, quando os souberam judeus, não contentes com roubá-los, não hesitaram igualmente em matá-los. Deixaram orfãs 6 filhas, uma delas a minha bisavó.
      Em meados dos anos 60 fui alvo de racismo quando passei pela cidade do Cabo, e, sendo criança, e estando com pessoas de raça indiana sob cuja guarda viajava, descobri, para grande espanto, e até mesmo vergonha, que a entrada num hotel nos foi negada logo à entrada - "net blankes" - só brancos, (fiquei indignadíssimo e deitei a língua de fora ao porteiro e creio que lhe chamei uns nomes em português vernáculo!!! era inútil, claro, pois não tinha culpa e ... ele próprio era de cor)- a família em causa com que me deslocava poderia facilmente, e sem qualquer esforço, comprar o hotel todo, se lhes desse na real gana. Acabámos por ir dormir aos nossos camarotes no paquete que nos transportava. Eu fiquei em Lisboa e eles dirigiram-se depois para o seu palacete em Belgrave Square!!!
      Peço desculpa por este 2º comentário, pois não é minha intenção ocupar-lhe este seu espaço, mas perseguições de índole religiosa põem-me fora de mim por perfeitamente inúteis
      Manel

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    3. Paga o justo pelo pecador! Enfim, estes dias têm sido tão complicados que não sei de onde saiu esse "pagador".

      Manel, sinto muito. O seu relato comoveu-me. Fiquei alguns minutos sem saber o que poderia, ou deveria, escrever. Um percurso acidentado, mas que terá ajudado a moldar a sua personalidade.

      Comente sempre que queira, desabafe o quanto quiser. É um prazer lê-lo, como já lhe disse. Gosto muito de ter comentários seus, pela inteligência, pelo investimento que se sente que dá em cada linha.

      A propósito, gosto imenso de Israel. Tem aqui um sionista militante. :)

      Hoje deixo-lhe um abraço, se o quiser aceitar. :)

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    4. Claro que o aceito e retribuo. Agradeço-lhe o cuidado e a delicadeza.
      Escapou-me o "trás" inicial, que deveria ser "traz", mas como escrevo rápido não revejo e ... sai erro

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