26 de agosto de 2017

Avó Palmira.


   No dia 22 deste mês, perfizeram-se vinte anos desde a morte da minha bisavó Palmira, mãe da minha avó paterna, avó do meu pai. Conheci-a bem, lúcida e autónoma, já na casa dos oitenta. Foi uma queda, fatal naquelas idades, que a derrubou. Fracturou o fémur e, desde então, não recuperou.

   A avó Palmira, como era carinhosamente tratada, até pelos seus bisnetos, foi a verdadeira matriarca. Os filhos e os netos guardavam-lhe imenso respeito, mas jamais se impôs qualquer distância nesse relacionamento. É comum elogiarmos as nossas avós como se fossem as melhores entre as melhores; no caso da minha avó Palmira, foi, efectivamente, a minha avó. A relação com a sua filha, minha avó, sempre alternou entre momentos de proximidade e de tensão. De momento, de maior proximidade, pelos seus noventa anos, que nunca senti verdadeiro carinho da sua parte, bem como ela também não poderá dizer que o teve da minha.

   Tive bons momentos com a avó Palmira. Sei que dormi muitas vezes com ela até aos três anos; recordo-me de a saber preocupada com o meu jantar, quando chegava do colégio. De a ver sentada no jardim da avó Maria, a beber o seu chá, sempre com muito açúcar. Era extraordinariamente gulosa. Jamais padeceu de diabetes. Pelo contrário, teve uma saúde de ferro. Era uma mulher de fibra, que enviuvou cedo. A cor preta foi predominante nos últimos cinquenta anos da sua vida. Outros tempos, outros valores. As pessoas casavam uma vez, perante Deus, e os laços do matrimónio perduravam para lá da existência terrena.

   O meu pai adorava-a. Nunca escondeu que aquela havia sido a sua mãe. Ter-me-á passado essa rejeição. Na família paterna, creio ter sido a última figura transversalmente consensual. Todos sentiam por ela a mais desinteressada afeição. As mulheres dos netos tratavam-na carinhosamente por avó. De igual modo, também foi o último elo de ligação entre tantas sensibilidades. A família é pouco unida. Já não há núcleo duro.

    A avó era uma mulher de princípios. O comportamento do genro incomodava-a. Por respeito à filha, tolerou-o, mas era conhecido o seu desafecto. Procurou, desde sempre, mediar conflitos. Ainda em vida, fez as partilhas, que alguma celeuma causaram.

    Perdi mais do que a bisavó. Perdi uma amiga. Foi, a par da mãe e do pai, a pessoa que mais me amou. À data do seu falecimento, era uma criança. Lembro-me com notável precisão de como e onde recebi a notícia, do dia do funeral - em que não estive, da dor do pai. Não tive maturidade para a sofrer. Hoje, entretanto, vejo a falta que me faz.

4 comentários:

  1. Não fui agraciado pela vida com avós, muito menos com Bisas. Só conheci uma, a mãe de meu pai e pouco tempo desfrutei da companhia dela por aqui. Feliz você por ter memórias tão ternas de sua Bisa Palmira.

    Beijão

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    1. Obrigado, meu amigo.

      Achei que faria sentido esta singela homenagem no ano que assinalamos, família, duas décadas sem a sua presença.

      um beijo.

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  2. Deixo-te um grande abraço amigo sem saber muito bem o que te dizer :)

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