30 de março de 2017

Os sessenta anos do(s) Tratado(s) de Roma.


    No dia 25 de Março de 1957, na capital italiana, seis países europeus assinavam os dois tratados institutivos da Comunidade Económica Europeia (CEE) e da Comunidade Europeia de Energia Atómica (CEEA ou EURÁTOMO). Os Tratados de Roma, como ficariam conhecidos, resultaram dos esforços conjuntos da França, da RFA, da Itália e dos países do BENELUX no sentido de se estabelecer um mercado comum geral, cujas regras seriam aplicáveis nos mais diversificados domínios da actividade económica. No que respeita à segunda, o objectivo vinha desde a criação da CECA, de 1951, tendo-se prosseguido na solidariedade sectorial no domínio específico da energia atómica. Centrar-me-ei na primeira, na CEE.

     Os dois tratados vieram no encalço do labor dos seis países europeus para a construção de um bloco sólido e solidário, procurando-se afastar definitivamente a espessa bruma em que a Europa mergulhou no pós-II Guerra Mundial. Do lado de lá do Atlântico, nos EUA, a administração estadunidense via com bom olhos a instituição de um verdadeiro novo estado, os Estados Unidos da Europa, que teria representatividade nas Nações Unidas. Harry Truman, Presidente dos EUA, fez saber que uma Europa unida e coesa era do agrado do aliado transatlântico. Não nos esqueçamos do contexto social e político que se vivia, no qual a Europa beneficiava de fundos estadunidenses para a sua reconstrução, que ficariam conhecidos pelo nome de Plano Marshall.

     O empenho dos EUA não era desinteressado. A recuperação económica da Europa assemelhava-se como bastante proveitosa ao mercado estadunidense, na perspectiva de se lucrar com as exportações. O fim do tradicional proteccionismo europeu representava uma oportunidade muito vantajosa para as empresas daquele país. Bem assim, os EUA também esperavam que a Europa pudesse, unida e próspera, assegurar a sua própria defesa, permitindo que se diminuísse o contingente militar estadunidense no Velho Continente e que se diminuíssem os gastos operacionais e financeiros com o pesado encargo que assumiram. Por último, e não menos importante, uma Europa forte resolveria o premente problema do enquadramento da Alemanha na nova ordem estabelecida e ajudaria a conter o expansionismo soviético.

      Não se pense que todo o processo que culminou na assinatura dos tratados - ao longo de dois anos, entre a Conferência de Messina, em Junho de 1955, e a assinatura propriamente dita - foi imune a temores. Os seis países receavam que se fracassasse uma vez mais, que todo o projecto saísse gorado. Houve momentos de tensão, designadamente quanto ao estatuto a atribuir aos territórios ultramarinos franceses, que como sabemos são muitos e estão espalhados um pouco por todo o mundo.

      Em 1969, na Cimeira de Haia, fica assente que o alargamento seria o próximo passo, e ele deu-se sucessivamente ao longo das décadas subsequentes. Temos 28 Estados-membros em 2017, e uma UE, emanada do Tratado de Maastricht, herdeira das comunidades.

      No ano em que o projecto europeu celebra o seu sexagésimo aniversário, e poucos dias depois, o Reino Unido, admitido em 1973, no primeiro alargamento, invoca o artigo que lhe permite desvincular-se da UE. Os 28 em breve passarão a 27, e o que todos temem é que não nos fiquemos por aqui. Os Estados-membros já se apressam em garantir as suas posições. França e Alemanha adequam legislações, Portugal, pela voz do governo, assedia as empresas que se deslocalizarão do Reino Unido. O bom domínio do inglês, verdadeiro idioma empresarial em Portugal, os baixos custos em mão-de-obra, a distância, curta, entre ambos os países e o facto muito notório de Portugal ser um destino de eleição para os súbditos de Elizabeth II são factores que decerto pesarão quando chegar o momento de as empresas tomarem uma decisão.

       A UE conhece os seus dias mais sombrios. Um aniversário simbólico com sabor amargo. E o pior poderá estar por vir se o Reino Unido for bem sucedido. A coabitação com a UE dar-se-á de um ou de outro jeito. Não acredito que a mão das instâncias europeias seja leve, porque seguramente terão de demonstrar firmeza na penalização aos britânicos. Nada poderá ficar igual. Se estão fora, estão fora. E haverá ressentimentos. Na Escócia, ressurge a inquietação. Às vezes, desconfio de que nem os britânicos sabem exactamente o que pensar. O país dividiu-se entre os eurocépticos e os euroconvictos. Eu estaria receoso. Ainda que o Reino Unido tenha laços privilegiados com várias nações, o futuro está num grau de incerteza maior do que aquele que por si só comporta. E pensar que há sessenta anos se comemorava.

6 comentários:

  1. Momentos complexos estes que vivemos. Espero que tudo se resolva a contento ...

    Bela análise da conjuntura, como sempre.

    Beijão Mark

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    1. Sim. Pode ser o princípio do fim da UE, ou não.

      um abraço grande, amigo, e obrigado.

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  2. Olá.
    A União Europeia, tal como estudamos, cairá.
    Tenho muito medo do que virá aí... as inclinações à extrema-direita não me agrada nada... tenho muito medo em relação à UE, aos europeus, e a Portugal... E ainda há o Trump nos EUA!... Baaahhhh =(
    Beijinhos e porta-te mal!! ;)

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    1. Isso dependerá do futuro do Reino Unido após 2019. Se tudo lhes correr bem, sim, a UE estará em perigo; se, pelo contrário, tiverem um desaire, a UE sairá fortalecida e os Estados-membros retrair-se-ão.

      um grande abraço. :)

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  3. Creio que poderão haver várias hipóteses, talvez boas, outras até menos boas.

    Com a Saída, Portugal irá perder e muito porque o Reino Unido (Segunda força dentro da UE) irá deixar de apoiar Portugal. Será o fim, o fim de nós mesmo...

    Grande abraço amigo

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    1. Não concordo, amigo. Portugal pode ganhar, nomeadamente pelos motivos que enunciei. E quanto às relações bilaterais, podemos ressuscitar a nossa velha aliança.

      O UK não é a segunda força na UE. É a França. São as potências com mais peso político no seio da União Europeia.

      um abraço grande, amigo.

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