6 de março de 2017

A prostituição.


   O PS aprovou uma moção que aconselha a regulamentação da prostituição, contra o voto, ao que li, de António Costa e de outros dirigentes de topo do partido. Eu acompanho a posição do secretário-geral do Partido Socialista.

    A eutanásia foi outro dos temas presentes da moção, fracturante, claro está, mas quanto a esse tenho um artigo escrito a respeito, que poderão consultar no blogue (deixo-vos o link aqui).

     A prostituição não é uma profissão, pois não é. É uma actividade tão antiga quanto o homem, sim. O Estado propõe-se a encará-la como um instrumento de sobrevivência que enobrece os homens e as mulheres que a praticam, compactuando com a miséria humana que é ter de prescindir de parcelas da dignidade para poder prover ao sustento pessoal, e familiar, na maioria dos casos. Os prostitutos e as prostitutas não se autodeterminam. Essa é a maior das falácias dos defensores da regulamentação. Não há autodeterminação quando somos movidos, por circunstâncias trágicas da vida, a sujeitar o nosso corpo a sevícias, a favores e a práticas que põem em causa a nossa condição de membros inalienáveis da família humana, merecedores de respeito, independentemente das nossas diferenças e dificuldades. O Estado, em suma, assume-me enquanto proxeneta, mais um na vida de muitas daquelas pessoas, das que os têm, arrecadando impostos e conferindo, em contrapartida, umas regaliazinhas, o preço de se contribuir para o bem-estar social de uma comunidade que convive com muito à-vontade, e leveza até, com o drama do vizinho do lado que se deita com qualquer um para poder alimentar-se. É esta a sociedade indiferente em que vivemos.

     A prostituição, em Portugal, foi descriminalizada em 1983. Tal como a homossexualidade, manteve-se enquanto actividade perseguida após o 25 de Abril de 1974. Como esquecer as célebres declarações do general Galvão de Melo: « O 25 de Abril não se fez para prostitutas e homossexuais »? Actualmente, o ordenamento vigente não a censura, mas também não a reconhece. Mantém-se esse status quo desde há décadas. Continua a criminalizar-se, e bem, o lenocínio e todas as formas de exploração. Para o enquadramento histórico e social da prostituição, recomendo um livro muito interessante, de 2003, escrito em colaboração por Fernanda Fráguas e Isabel do Carmo, que conviveram com dezenas de prostitutas nos anos em que ambas estiveram detidas na Prisão das Mónicas, no seguimento do processo das FP-25 (de Abril). Chama-se, singularmente, Puta de Prisão, a mais infame, a mais desgraçada. Um livro que li na parte final da minha adolescência e que foi determinante na definição da minha orientação nesta matéria tão sensível.

      Se o Estado se investe, em tom paternalista, do papel de guardião dos direitos de cada um, poderia começar por investir em políticas verdadeiramente humanas de criação e manutenção de postos de trabalho, bem como em apoios sociais céleres e eficazes que venham ao encontro das necessidades dos mais desfavorecidos. Se a ideia é a de amparar quem precisa, este será, a meu ver, o caminho. Num país com menos desigualdades sociais, com mais emprego, com melhores salários, com estruturas integradas de suporte, em que a comunidade não segrega, mas agrega, poucos recorreriam - não o farão de ânimo leve - à prostituição. Continuaria a haver, haverá sempre, mas a opção individual é respeitada, já o é e continuará a sê-lo. Fá-lo-iam por opção, e na vida optamos, correndo os riscos inerentes às nossas escolhas.

      Eu conheço o flagelo, não tão de perto. Tenho uma amiga pessoal, transexual, que conheci ainda quando era o P. Pois bem, o P. percebeu que não se sentia bem, mudou-se para a Suíça, país em que reside de momento. Iniciou o tratamento hormonal e a vida levou-a, já E., à prostituição, regulada, « com todos os direitos ». A E. é infeliz. Profundamente. Lamenta a sua condição e partilha, inclusive, do meu raciocínio. E quer ser ajudada, psicologicamente até.
      A prostituição destrói as pessoas, afasta-as do seu amor-próprio, do seu entendimento acerca do respeito que lhes é devido. É-me intrinsecamente impossível virar o rosto, caindo no erro de julgar que a dita regulamentação vai resolver ou amenizar os inúmeros problemas que afligem os prostitutos e as prostitutas.

12 comentários:

  1. Aplausos de pé pela magnífica contextualização ... bem por aí ... os políticos sempre com suas hipocrisias ... legislem sobre o que realmente é relevante ...

    Beijão

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    1. Eu julgo que a dita 'regulamentação' não ataca, passo a expressão, o flagelo. Maquilha-o. Não podemos considerar como adequado, e normal, a institucionalização do corpo como mercadoria.

      um abraço, amigo, e obrigado.

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  2. há 20 anos, ainda estava na faculdade e discutia-se esse tema, ainda mais na minha área de estudos. por muito open-minded que sejamos, não estou a ver uma criança na escola básica a responder à pergunta da professora: qual é a profissão da tua mãe? como referes, a opção individual pode manter-se, mas outros apoios seriam de privilegiar.
    há muito tempo, vi na tv uma reportagem sobre esse livro. tenho de o procurar.
    bjs.

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    1. É um livro muito duro. Elas tratam da vida de cada uma das cinquenta, salvo erro, prostitutas com quem partilhavam actividades. Prostitutas de rua. Não as de bares, ou as 'acompanhantes'.

      É como dizes. Por mais abertos que sejamos, há limites.

      um beijinho.

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  3. O País quase a pedir mais um resgate e o governos a falar de prostituição...

    Não existe Democracia, enquanto alguém tiver de oferecer o corpo em troca de bens alimentares...

    Infelizmente existe mais Prostituição do que aquela que se possa pensar

    Grande abraço amigo

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    1. Essa do resgate não sei de onde vem... :)

      Não é tanto por falarem na prostituição. Que se fale dela com seriedade e encarando-a como deve ser encarada: como um flagelo social que deve ser arduamente combatido. Não sendo conivente. E eu nem sei quais seriam os termos da dita 'regulamentação', mas seguramente que o Estado iria arrecadar. É hediondo.

      um abraço.

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  4. Não sei muito bem o que referir sobre este assunto, aliás, sei, mas como sempre o olhei de forma diferente de alguma camada da sociedade, acabo por colocar em causa estes meus comentários e opiniões. E oxalá não me interprete mal - aliás, se for inoportuno ... :)
    Nunca me pareceu que a prostituição fosse um flagelo, antes considero como algo necessário ao equilíbrio de uma sociedade (não vou entrar em detalhe sobre este meu ponto de vista).
    Considero, isso sim, um flagelo a forma hipócrita como a sociedade toma esta atividade, que raia o ridículo e a má formação.
    Creio, porque o sei de fonte segura, que há profissionais do sexo que, na maior parte das vezes do seu quotidiano, o fazem com gosto (ignoro a percentagem, ou se é significativa, pois nunca li sobre isso - mas isso acontece em qualquer profissão, há dias em que faço o meu trabalho com gosto, outros, prefiro esquecê-lo, e ... não, não me dedico ao sexo, e ainda bem, senão morreria à fome!!!), como adivinho igualmente que há pessoas que, por necessidade, e à revelia, são atiradas para a prática da profissão por falta de opções na sua vida - serão a maioria? Continuo a ignorá-lo pela mesma razão já apontada.
    Que o assunto deva ser tomado a sério, isso sim, e urge que o seja!!!!!!!!!!!!!!!!!! E que o seja de qualquer forma, pela melhor ou pior, mas que o seja, pois pior que fazer mal, é nada fazer, que é o que acontece com a situação atual, onde tudo parece existir num limbo amorfo e sem existência social e legalmente assumida e suportada.
    Eu não sei qual é o caminho, mas esta sociedade é feita por gente que não é tacanha (também os há, sei, mas não são todos) e que, em conjunto, saberá, espero, o que deve fazer, por isso, é bom que se inicie por algum sítio a discussão pública.
    Que esta sociedade hipócrita deva tomar as coisas pelos seus nomes e que entenda a importância da prostituição, pois se ela existe desde que o tempo é tempo, por alguma razão será! E estou seguro que continuará a prosperar enquanto a humanidade existir.
    Esconder a cabeça na areia, ou fazer de conta que não existe, ou condená-lo à priori, sei-o de fonte segura, nunca serão respostas, ou seja, até poderão sê-lo, mas será que, sendo seres pensantes, ficaremos satisfeitos com elas?
    E, devo esclarecer (creio que já aqui o fiz), sou apartidário, não confesso com nenhuma das opções políticas vigentes neste parlamento.

    É muito bom, e agradeço-lho, que traga estes assuntos polémicos, pois é a partir do seu debate que as ideias formadas podem ser postas em causa, não obstante serem ainda considerados tabu para uma camada da população que, no século XXI (!!!), considero assustadoramente significativa.
    Uma boa semana :-)
    Manel

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    1. Olá, Manel. Como tem passado? :)

      Eu não considero a prostituição nada equilibrada, e até me custa ter de lidar com este processo de 'normalização' de uma actividade decadente, que acarreta tantos problemas para quem directamente vive dela e, no limite, a todos nós.

      Claro que há quem o faça por gosto, por indolência. Mas esses que se sujeitem aos riscos e às consequência da sua escolha, tal como quem se dedica à mendicidade porque quer, e não porque precisa.

      Veja-se, eu não tenho nada contra a prostituição, e sei que sempre haverá. A tónica do meu artigo incidiu em quem precisa de se prostituir, de se mercantilizar, para poder sobreviver. Se queremos, enquanto sociedade, ajudar essas pessoas, se reconhecemos que a situação está num limbo pernicioso, não será 'regulamentando-a' que as ajudamos.

      Eu não lhe vejo importância alguma, sendo sincero. Sempre existirá, mas pouca falta faz. Se as pessoas fossem mais monogâmicas, talvez se evitassem as consequências nefastas da prostituição, e são tantas que me escuso a enumerá-las

      Quanto a mim, manteria o quadro legal como está. Existe, a prática é livre. Não defendo a criminalização, a repristinação das leis vigentes no Estado Novo. Longe de mim, e espero que essa ideia não emane das minhas palavras! Perseguir aquelas pobres pessoas? Já basta o seu mal. Não. Ajudá-las. Criar uma sociedade mais justa e solidária, para que ninguém precise de descer à sub-humanidade para sobreviver.

      São perspectivas divergentes. :)

      Obrigado pelo seu comentário, sempre tão pertinente.

      Uma boa semana para o Manel também.

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  5. Mark esse tema é polémico a vários níveis. Uma das questões é até que poder legalizar algo vai "abonar" quem pratica. Eu sou da opinião que cada um deve de fazer o que lhe apetece desde que não transgrida limites, ou causa danos a terceiros entre outras coisas mas na realidade não tenho opinião formada sobre o tema em questão.

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    1. Sim, seguramente que sim, mas isso acarretaria a aceitação implícita de todos nós. A questão prende-se ao seguinte: eu não consigo ver a prostituição como uma conduta inócua para aquelas pessoas. Eu creio realmente que a maioria precisa de ajuda, e que até mesmo os que vivem dela por opção sofrerão consequências a longo prazo, de saúde mental, inclusive. É uma actividade estigmatizada, e ainda bem.

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  6. Tal como da questão da eutanásia, não tenho uma posição definida sobre o assunto e acho que é prematuro regular e legislar seja o que for. E preciso é debater o assunto...

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    1. Estão a introduzir o assunto na sociedade portuguesa.

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