31 de dezembro de 2016

O ano em revista.


    A horas de encerrar dois mil e dezasseis - um ano amargo, quer a nível pessoal, quer em termos gerais - pego na ideia do ano passado, de compilar os principais temas abordados, com as respectivas hiperligações, substituindo os tradicionais discursos de fim de ano. Tivemos doze meses não tão atribulados politicamente, mas que, ainda assim, permitiram algumas reflexões.

    Quis iniciar o ano com uma sucinta menção à adesão de Portugal às comunidades europeias, que perfez três décadas logo a dia 1. Há ainda muito por fazer, de modo a que possamos dizer que nos aproximamos dos parâmetros sociais europeus. A poucos dias do meio do mês, os debates presidenciais mereceram a minha atenção. Estávamos a quinze dias do acto eleitoral. As fatídicas perdas começavam. A primeira delas, David Bowie, que nos deixou inesperadamente. Por cá, Almeida Santos, histórico socialista, falecia, e a RTP concedeu tempo de antena a todos os candidatos presidenciais. Dando por encerrada a saga presidencial, fiz um rescaldo à noite em que Marcelo Rebelo de Sousa ganhou. Houve tempo para uma breve explanação acerca da crise dos refugiados.

     Em Fevereiro, julguei oportuno dedicar um artigo histórico à Guerra dos Trinta Anos. Seguiu-se uma análise jurídica à eutanásia, no seguimento de propostas apresentadas com vista à sua legalização. Assinalei, mais em jeito de abordagem intimista, o decénio sobre a separação dos meus pais, período que acarretou dor e do qual não me refiz inteiramente. Os rumores de um referendo à permanência do Reino Unido na União Europeia foram confirmados por Cameron, e não pude deixar de lhe dedicar algumas palavras, dadas as inegáveis consequências que teria no quadro institucional da UE. Em Portugal, os hipotéticos "dois pais" de Jesus semeavam a discórdia entre crentes e não-crentes.

     Por Março, mês da Primavera em flor, nas palavras de Simone, também primavera pelo nosso país, com o fim do segundo mandato presidencial de Cavaco Silva e com a tomada de posse do novo Presidente. Nicolau Breyner despedia-se, após uma vida riquíssima entre o cinema, o teatro e a televisão. Lula da Silva e a Operação Lava Jato permitiam antever o que aguardava ao povo brasileiro. A histórica visita de Obama a Cuba, a polémica em torno das missas em escolas públicas e o hediondo atentado em Bruxelas foram os temas da crónica de dia 23.

     Abril. Aceitei o desafio de um leitor e comentador brasileiro, o Marcelo Pires, e publiquei um artigo respeitante ao seminário luso-brasileiro de Direito Constitucional. A exortação papal Amoris Laetitia esteve presente num texto em que me centrei no Papa Francisco. António Costa e o Governo passaram por momentos delicados, que hoje, à distância de oito meses, verificamos que facilmente ultrapassados. A Câmara dos Deputados brasileira deu o primeiro passo no sentido de se iniciar o processo de destituição de Dilma Rousseff, que, como sabemos, viria a verificar-se. Prince, O Artista, foi a baixa que se seguiu, num ano que principiávamos a intuir que não seria fácil. A viagem de Cabral ao Brasil e o quadragésimo aniversário sobre a Constituição de 1976 encerrariam o mês.

      O Dia do Trabalhador, a abrir Maio, levou a que escrevesse sobre o Direito do Trabalho. Assinalei o oitavo aniversário do blogue e, pela primeira vez, Trump surgiu entre as minhas preocupações, com as eleições presidenciais nos EUA. Não pude ficar indiferente à crise humanitária na Venezuela. Dediquei-me ao desporto e ao Campeonato da Europa, passando pelos contratos entre o Estado e as escolas privadas e terminando com uma dissertação histórica ao golpe de Maio de '26, que perfez 90 anos e que levaria à ascensão de Oliveira Salazar.

       Junho, mês do Verão, e com reflexos no clima que se vivia em vésperas do plebiscito britânico à permanência ou saída do Reino Unido da UE. Ainda a minha desconfiança, infundada, quanto à prestação de Portugal no Euro 2016. Os britânicos decidir-se-iam, efectivamente, pelo "brexit", numa análise que não descurei.

        No mês seguinte, em Julho, reparei que ainda não havia dedicado um único artigo à Revolução norte-americana. Fi-lo, portanto, no dia em que a Declaração de Independência cumpriu 240 anos. No dia 10, após uma campanha difamatória empreendida pelos media franceses e contra todas as expectativas, Portugal sagrou-se campeão europeu de futebol, levando nacionais, e não só, ao delírio. Foi o primeiro título conquistado pela selecção portuguesa. Discutiu-se, também, a eventualidade de Bruxelas aplicar sanções a Portugal e a Espanha, o que não se verificou, tendo, todavia, provocado a apreensão e o receio. Ia o ano a meio e soubemos de outro atentado na Europa, numa sequência de actos terroristas que nos roubam toda a tranquilidade e segurança.

      Após uma semana de férias, o calor trouxe-nos os desafortunadamente corriqueiros incêndios florestais, que tantos prejuízos acarretam. Se no futebol marcámos a nossa posição, nos Jogos Olímpicos ficámos muito aquém da qualidade apregoada. No seguimento da agressão ao jovem português, alegadamente perpetrada pelos filhos do embaixador iraquiano, fiz uma análise jurídica às medidas que Portugal, enquanto estado soberano, poderia adoptar.  O caso arrasta-se nas malhas da justiça... No último dia do mês, Dilma Rousseff conheceu a decisão do Senado, que se decidiu pela sua destituição.

       Setembro, mês do Outono, relativamente calmo por aqui. A sublinhar o artigo quanto às trágicas mortes no curso de comandos. Regressei às minhas raízes, à História, e achei por bem aclarar um pouco a relação histórica, cultural e linguística que une Portugal à Galiza, discutindo-se uma eventual adesão desta comunidade autónoma espanhola à Comunidade de Países de Língua Portuguesa, enquanto observador associado.

      No início de Outubro, os meandros que envolveram a candidatura de António Guterres a Secretário-Geral das Nações Unidas mereceram destaque por aqui. A sempiterna polémica entre a Uber e os taxistas teve um novo episódio infeliz. Nos EUA, Hillary Clinton e Donald Trump queimavam os últimos cartuchos perante o eleitorado estadunidense. Tivemos, pelo meio, o tradicional jantar de blogues, com um grupo simpático e bem-humorado. Na História, o episódio da crise de Avinhão, no seu enquadramento, foi por mim explanado. Por último, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, vulgo CPLP, com os recentes planos de introduzir uma cidadania lusófonanos vinte anos da sua constituição, teve um breve destaque.

       Novembro, com a castanha assada, deixou-nos o juízo em brasa após termos conhecimento da vitória de Donald Trump. A visita de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa ao Reino Unido e a evocação simbólica da velha aliança luso-inglesa proporcionou que a contextualizasse no tempo. Em virtude de ser um tema do meu apreço, abordei a teoria do bem jurídico. Fidel Castro, o histórico líder cubano, afastado do poder há anos, falecia, pacificamente, em Havana.

         No presente mês, destacaria o lanche de Natal, evento inédito, e o desaparecimento de George Michael.


         Como se constata, 2016 não figurará como um dos melhores anos entre os seus pares. Não temos muitos motivos para sorrir. No panorama internacional, não se adivinha qualquer acalmia. Que pelo nosso país mantenhamos as metas impostas no que toca à recuperação económica. Pessoalmente, não tenho qualquer objectivo. O único, talvez, será o de acordar vivo e de saúde, que o demais tem saído defraudado. Quanto mais conjecturo, mais me decepciono.

         Por forma a não mais me alongar, desejo a todos um excelente 2017, em particular aos que me acompanham tão carinhosamente. Sejam felizes! Boas entradas!


A azul claro, as hiperligações para os artigos correspondentes.


26 de dezembro de 2016

George Michael (1963 - 2016).


   Nem bem o Natal havia terminado e soubemos do falecimento de George Michael. O ano que agora finda tem sido terrível no que respeita a perdas na indústria das artes.

   A minha relação com George Michael, como apreciador de música pop, começou por intermédio dos canais estrangeiros de música e pelos álbuns dos eighties que a mãe tem. Na irreverência daquela década, Michael protagonizou um dos coming out mais faseados de sempre, com canções que foram descortinando a sua sexualidade - como esquecer Father Figure, um dos seus singles mais exitosos, que, muito embora abordasse a relação de um homem mais velho com uma virginal moça, subliminarmente aludia aos famosos sugar daddies que preenchem as fantasias de muitos rapazolas, ou o álbum Listen Without Prejudice, nos seus anos de glória, com um título bem sugestivo? Desde então, sucederam-se Fastlove, Outside, entre outras, cujo foco incidiu na faceta mais íntima da sua vida pessoal.

   À semelhança de intérpretes do seu tempo, como Michael Jackson e Whitney Houston, também eles falecidos precocemente, a determinado momento a carreira de George Michael deixou-se eclipsar por escândalos relacionados ao consumo de droga e à prática de actos lascivos em locais públicos. A trajectória é a que bem conhecemos: fama imediata e abuso de substâncias ilícitas, com repercussões na imagem perante o público e na saúde. Homens e mulheres que saem de cena na casa dos cinquenta anos, no auge da maturidade enquanto artistas e pessoas. O coração atraiçoou-os, a todos.

   No dia de Natal, George Michael, que em 1984, enquanto vocalista dos Wham!, compôs e popularizou o clássico natalício Last Christmas, deixou-nos, silenciosamente, na sua propriedade no Reino Unido. Os seus fãs e o grande público não o sabiam doente. Aqui, com David Bowie, falecido no início do ano, sou levado a crer que procurou resguardar-se do assédio da imprensa, ele, que tantas páginas de tablóides encheu. Afastado das luzes da ribalta, diz-se que estaria a preparar um novo álbum de originais. Quem sabe o venhamos a conhecer, com a tecnologia de que actualmente dispomos, ou talvez fiquemos apenas - como se um apenas se lhe pudesse aplicar - com o seu legado de criatividade, de ousadia e de muita, muita despudorada provocação.

24 de dezembro de 2016

Feliz Natal.


   Estou confortavelmente sentado, defronte da árvore de Natal. Observo-a, enquanto procuro pelas palavras apropriadas para vos deixar. Num exercício de retrospectiva por textos publicados em pretéritos anos, constato que já abordei o Natal num enquadramento religioso e social. O lado menos bom - repare-se que contorno o termo "mau", dado que ganhamos sempre - de escrever é o de que, a páginas tantas, sentimos que tudo foi dito. Como não faço questão de me repetir, porque os meus pensamentos do momento, a cada ano, estão facilmente acessíveis à distância de um clique, e porque muito da minha nostalgia e da minha incerteza ficou patente na carta que recentemente publiquei, resta-me sublinhar o notório facto de estar aqui, decorrido um ano, teimosamente firme no leme, encarando o blogue sempre com o sentido de responsabilidade que ele vem adquirindo, quando mais fácil seria tirar um ano sabático. Falei acerca disso recentemente. Não há estímulo.

   Entretanto, é Natal também por aqui, por este espaço, que nem sei bem já o que é. Provavelmente será tão confuso quanto eu. Posto isto, que toquem os sininhos e as músicas natalícias, que venham as iguarias tradicionais, a neblina que enregela os ossos e a paz de dois dias, que nos dias que correm nem de dois dias é...

   A todos vós, um feliz Natal. Que o passem na medida do possível, entre familiares e amigos. Se algum o passar só, procure animar-se. Isto, escrito por mim, assume laivos de humor. Boas festas!





22 de dezembro de 2016

Christmas Gifts.


    O Natal é, por excelência, o período de confraternização familiar. O ano culmina no Natal. Há quem se refira a estes dias que aí virão como os «melhores do ano». Não sou avesso à ideia. Efectivamente, sejamos ou não religiosos, poucos são os que prescindem de uma foto, de um texto, de uma referência, por menor que seja. A troca de presentes, tão censurada, parece-me uma manifestação de carinho e cuidado. Ofertar os que nos são mais próximos não deve necessariamente ser encarado como um acto de devaneio perdulário.

    Andei pela Baixa e pelo El Corte Inglés. Muito embora não se assemelhe a um Harrods, o ECI, com a sua inauguração, em 2001, rapidamente se transformou no melhor centro comercial da cidade. Em rigor, é um armazém com as melhores marcas. Desde há uns anos a esta data, verifico que tem vindo a perder o brilho. Está demasiado massificado. Nem os funcionários mantêm a mesma elegância no atendimento. Consegui, ainda que em plena azáfama consumista, comprar três presentes, um dos quais para mim (que faço questão de pedir para embrulhar, agindo como se desconhecesse o conteúdo).

     Em virtude de não ter encontrado tudo o que queria, a Baixa é uma boa opção, e o comércio tradicional merece-nos um estímulo. Deparei-me com um artigo original, que certamente ela (a avó) jamais suporia, e o encanto de oferecer reside também no factor surpresa.
     Diminuí drasticamente nos gastos, inclusive comigo. Só adquiri o que necessitava, e permiti-me a três pequenas extravagâncias, aqui não no sentido do preço. Vejo que fiz bem, porque a árvore está recheadamente composta.


     Mudando de assunto. Perguntaram-me sobre o lanche de sábado. Correu bastante bem. Juntámos um grupo pequenino numa confeitaria conceituada. Percorremos o centro da cidade, como havia sido planeado, sob toda aquela iluminação costumeira da quadra. A Câmara Municipal esmerou-se neste Natal, todavia.

14 de dezembro de 2016

Dear Jesus.



   Lisboa, 14 de Dezembro de 2016,

   A Ti,


   Por tradição, por crença, por angústia - não descarto - cumpro com o costume de Te endereçar uma carta, sem o entusiasmo que, todavia, imprimo na invocação que habitualmente Te dirijo. Nem a fé permanece intacta ao desalento e ao desencanto que comporta viver. Dizem, os entendidos, que a Tua ausência no quotidiano dos homens se deve ao desígnio de testar até que ponto a lealdade resiste a tamanha provação. Não existiríamos em vão; o livre-arbítrio deixa-nos por nossa conta e risco. Até Tu careces de uma manifestação do nosso amor.

   Aqueles há que são pragmáticos. Se não vêem, não crêem. Recusam-se a acreditar num ser que se faz sentir desde o primeiro momento, por imposição, e que condiciona todas as nossas acções, seja por respeito ou por temor. De certo modo, lutam contra a solidão ao seu jeito, e percebem que melhor será interiorizar que estamos sós e que temos de zelar uns pelos outros. São auto-suficientes. Há os que que refutam a evidência do abandono, procurando incessantemente pelo conforto nos braços de um desconhecido, de que ninguém conhece o rosto, de que ninguém escutou a voz. Por fim, uns estão no meio-termo, no limbo entre a constatação do vazio e a imperiosa necessidade, umbilical, porventura, de encontrar um Pai celestial que os encaminhe. Eu estarei entre os últimos.

   As preces e as cartas não deixam de ser falaciosas. Um ser omnisciente conhecerá melhor o que queremos do que nós. E se a bonomia é infinita, o sofrimento dever-se-á às escolhas precipitadas. Há quem não tenha podido usufruir dessa oportunidade de ouro de poder decidir-se. Poderemos imputar-lhes um erro e, consequentemente, aplicar-lhes o castigo, na relação causa-efeito? À compreensão dos homens, soa a injusto. Os entendidos também dizem que a nossa linguagem e o nosso entendimento são inábeis para compreender os Teus motivos. Assemelha-se-me a cobardia, a resignação. Se não posso explicar, desisto e submeto-me sem questionar. É uma contradição, pois o homem é um ser pensante, que busca razões, que questiona o seu propósito na Terra. E culpa alguma terá por duvidar. Duvidar é legítimo, quando os nossos sentidos não captam essa força activa. Se me deparar com o vácuo, não acreditarei que estarei diante de um muro. A dúvida tem sido, pelos tempos, o motor do desenvolvimento em qualquer ciência. Seguramente que o Criador se congratula com o salto qualitativo entre o fogo e a lâmpada eléctrica. Somos impelidos à perfeição, o que se verifica nas leis que criamos para regular as nossas relações. Da barbárie, passámos, não sem dor, a sociedades mais justas e equilibradas. Se o homem é mau, eu diria que busca por ser bom; porém, na medida em que é imperfeito, tropeça no seu carácter.

   O bom pai zela pelos seus filhos, ajuda-os quando estes clamam pelo seu auxílio. E perdoa-lhes os falhos. Entre tamanho brilho, luzes, merchandising, não sei onde estás. Algures por aí, entre as guloseimas e os embrulhos. Haverá quem se lembre. Não gostaria de tamanho aparato pelo meu aniversário, devo dizer-Te. O que me indigna, e perdoar-me-ás a blasfémia, é que continuemos a fazer a festa, a comemorar sem o aniversariante. Já vai sendo tempo de surgires, de te evadires algures de uma caixa de oferta depositada aos pés da árvore, gesticulando e vociferando: «Hey, estou aqui! Não andaram iludidos. Tenho olhado por vocês desde aqui de cima». Até lá, não censures a descrença. É legítima, pois tudo o que temos e sabemos está numa compilação de livros a que nos sujeitam desde tenra idade e em representações, pouco fidedignas, diga-se, de uma religião que se queria tão-só da palavra, e não da imagem. Mas a presença é fundamental.

    Enquanto pensas em se hás-de encarar a minha sugestão com seriedade ou desconsiderar o meu atrevimento, peço-te que olhes por todos, e com um cumprimento reverencial me despeço.


lots of love,
Mark


10 de dezembro de 2016

Lanche de Natal.


   No último jantar da blogosfera, surgiu-me a ideia de se organizar um lanche de Natal, algo muito simples, sem grande aparato, numa confeitaria previamente escolhida. Com a colaboração do adolescente e com a imprescindível ajuda de uma leitora, a Magg, resolvemos avançar no propósito.

    Pois bem, o lanche realizar-se-á no sábado, dia 17, e todos estão convidados a participar. Poderão inscrever-se através do email disponibilizado no blogue do adolescente, que é quem está, gentilmente, a tomar as rédeas do evento. Em todo o caso, estão à vontade para me contactar, entretanto, pelo email do blogue (disponibilizado logo acima dos Seguidores). Será através do email que facultaremos todas as informações que pretendam obter.

    A pouco mais de oito dias, achei por bem divulgar a iniciativa. Após o lanche, pensei numa caminhada pela avenida da Liberdade, requintadamente ornamentada.


(o banner é da autoria da Magg)



3 de dezembro de 2016

Moments.


   No domingo passado, com um tempo não tão pouco convidativo, aceitei o convite de um amigo para assistir à sessão da tarde no Amoreiras, aproveitando para pôr a conversa em dia, jantando por lá. Devo dizer que aprecio imenso o tempo chuvoso, as noites longas, os dias pequenos, simultaneamente. Para sair de casa, com efeito, não é aconselhável.

   Assim foi. A escolha recaiu num filme que está em cartaz, American Honey, do qual, em verdade, não gostei muito. Aborda a vida tal qual ela é, nua e crua, no excitante desafio da sobrevivência. Todavia, é demasiado extenso para o objecto em questão, repetindo-se a lógica com excessiva recorrência. O filme é pouco inovador. Talvez seja o meu sentido estético e crítico que é pouco apurado. Não recomendo, portanto.

   Optámos por um restaurante ali mesmo, no centro comercial, que, pela noite, as portas do céu abriram-se sobre nós. Felizmente, tenho uma mãe-galinha que me obriga a sair de casa munido de guarda-chuva. Levo sempre um mínimo, o modelo mais pequeno que alguma vez vi à venda. Bom, como calculam, o meu amigo molhou-se todo, enfim. Com os meus problemas respiratórios, não o pude acompanhar na mística que comporta descer a Rua das Amoreiras à chuva.

    Quis levar-me a um bar gay-friendly, ou, como ele diz, ironizando, straight-friendly. Purex. Não conhecia; aliás, saí pouquíssimas vezes à noite. Evito sair à noite. Não gosto de bares, nem de discotecas. Tinha música ambiente, bebi já-não-sei-o-quê, sem álcool, evidentemente, e ficámos a trocar ideias, até que me acompanhou a casa. Cedo, que não sou pessoa de andar na rua até horas tardias.

     Uma semana depois, sugeriu-me a visita a alguns museus, amanhã de manhã, e um almoço, em seguida. Com o tempo assim, estou na dúvida em aceitar.
     Antes que magiquem tontarias nessas mentes fecundas e perversas, somos amigos, tão-só amigos. Convida-me porque gosta da minha companhia, sem idealizações românticas. Acredito que com muitos já andasse aos beijos (Mark, como és ingénuo!; beijos?), porque ele até nem é nada de se deitar fora. Deus Nosso Senhor deu-me olhos, e bons, segundo o oftalmologista, da última vez que me submeti a um exame à visão.

      Já está, escrevi um pouquinho sobre mim. Um texto trivial, que é o que se quer, para não se pensar muito.