31 de outubro de 2016

CPLP - vinte anos depois.


    A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) cumpre vinte anos em 2016. Foi surgindo paulatinamente, após uma concertação de esforços entre os mais altos dignitários de cada país lusófono. A bem intencionada comunidade, aparentada com a La Francophonie e com a Commonwealth of Nations, pretendeu aprofundar os laços históricos, culturais e linguísticos que nos unem, tomando como certo de que seria exequível estimular tanto quanto possível o intercâmbio entre os setes país constitutivos, aos quais se juntou Timor-Leste, após conquistar a sua independência, em 2002, e a Guiné-Equatorial, no seguimento de um meticuloso processo de adesão (mui pouco pacífico).

    Duas décadas volvidas, os objectivos da CPLP não foram, em parte, atingidos. A organização internacional ficou aquém da sua potencialidade. Tão-pouco o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, intimamente ligado à Comunidade, responde às pretensões que o fundamentam, porquanto, contrariamente ao Instituto Cervantes, não conseguiu implantar-se com devido sucesso em países alheios à CPLP, promovendo a difusão da língua de Camões. Saliente-se, entretanto, o mérito da CPLP, pela sua influência, no momento de dirimir conflitos internos de alguns dos Estados-membros da organização, como se verificou aquando da crise política na Guiné-Bissau.

    Portugal ambiciona mais da CPLP, e os projectos de uma hipotética cidadania lusófona são conhecidos. Essa cidadania, que se somaria à cidadania nacional de cada Estado-membro e, no nosso caso, à cidadania europeia, que é uma realidade desde 1992, acarretaria, por inerência, a livre fixação de potenciais cidadãos lusófonos no espaço da CPLP. Pelo carácter fraco da organização e pelos obstáculos que o Brasil e Angola levantam, dificilmente António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa lograrão um consenso que a viabilize. Não há empenho político entre os dirigentes lusófonos, não há vontade. O Presidente do Brasil, Michel Temer, não estará presente, pelo que li, na Cimeira que decorre entre hoje e amanhã em Brasília. O mesmo se diga do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Os Chefes de Estado e de Governo dos dois maiores países de língua oficial portuguesa subestimam claramente o encontro com os seus homólogos lusófonos e inclusive com o futuro secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que participará na Cimeira, tornando a CPLP em uma entidade residual entre as muitas a que os seus países pertencem.

    Louve-se a aprovação, à partida, de novos cinco observadores associados, que se juntarão à Geórgia, à Turquia, às Maurícias, ao Senegal, ao Japão e à Namíbia. São eles, a saber, a Costa do Marfim, o Uruguai, a República Checa, a Eslováquia e a Hungria. Surpreendente, eu diria. Numa postura tradicionalmente portuguesa, que acredito exportada para as suas antigas possessões, subalternizamos uma organização que recolhe interesse em nações com as quais, aparentemente, pouco temos em comum. Se há vínculos com o Uruguai, a Namíbia, as Maurícias, a Costa do Marfim, o Senegal e o Japão, que os há, o que dizer, designadamente, da Geórgia ou da Hungria?

     A Comunidade não pode afastar-se do seu propósito primitivo. Eu fui, como tive a oportunidade de explicar ao tempo da discussão, um defensor da adesão da Guiné-Equatorial. Não repetirei os argumentos invocados, mas não é legítimo apontar as debilidades democráticas e no respeito pelos direitos humanos da Guiné-Equatorial quando sabemos de Estados-membros regidos por oligarquias a que muitos preferem não fazer caso. E o território que hoje compreende a Guiné-Equatorial e as suas ilhas adjacentes pertenceu a Portugal até finais do século XVIII; fala-se, inclusive, um crioulo português numa dessas ilhas. Não obstante, a Guiné-Equatorial deve cumprir com os compromissos firmados, entre os quais o de implantar com sucesso a língua portuguesa no ensino e na administração do Estado, porque está em causa a credibilidade da organização, fortemente abalada com a adesão daquele pequeno país da costa ocidental africana.

     Uma macro-comunidade de nações lusófonas ou uma confederação, sendo mais ambicioso, aproveitaria aos mais de 250 milhões de lusófonos dispersos por cada continente da Terra. Sabendo-se que os Estados carecem de cooperar entre si, a língua é um elemento identitário imprescindível no diálogo entre as nações, e o passado que comungamos, lusófonos, merece ser enaltecido, beneficiando a todos, mormente no domínio económico, que os números são uma realidade e impõem-se.

23 de outubro de 2016

O Estado Pontifício e o Papado.


   Pelos séculos da Idade Média, o Estado Pontifício conseguiu ampliar persistentemente as suas fronteiras, enquanto potência territorial, particularmente com o Papa Inocêncio III (1198 - 1216), por meio das designadas "recuperações", logrando apoderar-se de territórios na Toscana, do ducado de Espoleto e da marca de Ancona. As investidas papais, no seguimento da queda dos Hohenstaufen, visando expandirem o seu poder a toda a península itálica do norte, saíram goradas, uma vez que as cidades daquele espaço geográfico souberam defender arduamente a sua soberania.

    Com o Papa Bonifácio III (1294 - 1303), ascendeu ao pontificado alguém oriundo da velha e prestigiosa família aristocrática dos Gaetani e que, na esteira dos seus predecessores, tratou de impor com determinação, ambição e pragmatismo a autoridade do Papa. A bula Unam Sanctam, promulgada por Bonifácio em 1302, evidenciava expressamente a sua intenção de que o papado exercesse um papel influente. Simultaneamente, numa atitude hostil à França, manifestou a sua oposição às pretensões hegemónicas do imperador, que, como em voga naqueles tempos, deveria estar subordinado ao poder da Igreja. Entretanto, não muito tempo depois, este Sumo Pontífice passaria pela humilhação de ser aprisionado em Anagni pelo chanceler francês. A intolerável pressão francesa forçaria, mais tarde, o seu sucessor, Clemente V (1305 - 1314), a transferir - no célebre episódio histórico - a residência papal para Avinhão, no sul de França. Esta subjugação duraria por perto de setenta anos, durante os quais os papas estiveram submetidos à autoridade do monarca francês. Roma, no seguimento dessa transferência, tornou-se uma cidade provincial, em que os habitantes procuraram incessantemente afastar o vil jugo da nobreza, embora todas as tentativas de instalarem um governo republicano tivessem fracassado. Em 1312, verificou-se a insurreição da cidade opondo-se à coroação de Henrique VII; as diversas famílias rivais da nobreza haviam ocupado os locais estratégicos de Roma, posto que Henrique não conseguiu deslocar-se do Palácio de Latrão até à Basílica de São Pedro. Desse modo, em virtude das contendas que opunham as várias facções, a cerimónia da coroação ocorreu em Latrão. Menos bem sucedido foi Luís da Baviera, sucessor de Henrique VII, conquanto a sua coroação em Roma tivesse decorrido com grandes celebrações, graças ao senador romano Sciarra Colonna, representando o povo romano. O acto, claramente provocatório ao papa, não obstou a que os romanos, ainda que adulados, obrigassem o imperador a fugir poucas semanas transcorridas, retirando-se da cidade. Roma submeter-se-ia ao papa, mas os tumultos não abrandariam.

    Por meados do século XIV, o orgulho romano renasceu, quando Cola di Rienzo, de origens modestas, promoveu, em Maio de 1347, uma sublevação como "tribuno do povo romano". Nesta revolução, determinou a expulsão da cidade, munido de suporte popular, de todos os clãs da aristocracia. Mau grado o seu espírito destemido, Cola di Rienzo estava muito à frente dos seus contemporâneos em visão política, mirando para lá do horizonte egoísta dos regionalismos, pois propugnava por uma Itália unificada - o que só assistiríamos no século XIX, quatrocentos anos depois. Petrarca, poeta, igual defensor de uma identidade nacional italiana, reconheceu em Cola di Rienzo uma inspiração aos seus ideais, endereçando-lhe a expressão do seu reconhecimento.

     Porém, todos os projectos de instituição de um parlamento legislativo para toda a Itália, devendo reunir-se em Roma, não passaram de uma utopia. Os títulos outorgados a Cola di Rienzo de pouco adiantaram. Viu-se obrigado a fugir. Regressaria em 1354, com o apoio do papa, perecendo assassinado numa infeliz conjura popular. Apenas o cardeal espanhol Gil Álvarez Carrillo de Albornoz, legado pontifício, conseguiu, com punho firme, restabelecer a ordem nos Estados da Igreja, o que, ainda assim, não passou de um mero interregno. Em 1377, Gregório VII veio de Avinhão e os papas tornaram a Roma; mas, durante o período do cisma, não foram capazes de se impor nem aos barões e nem às cidades do norte do Estado Pontifício. Tão-só com Martinho V é que Roma, a partir de 1417, recupera a tranquilidade e a ordem necessárias. A cidade assistiu à drástica diminuição da sua população nos decénios de instabilidade, regenerando-se lentamente à medida em que encetava certa ascensão que lhe granjearia prestígio.

17 de outubro de 2016

Saturday Night Fever.


    Como o prometido é devido, fiquei de assinalar um evento que se realizou no passado sábado, um jantar que reuniu alguns bloggers, e não só, num espaço calmo e acolhedor no coração da Lisboa boémia. Éramos nove. Número razoável. Começou-se numa caipirinha, terminando, para mim, num café animado em que não faltou bom humor e saudável convívio. Revi amigos, alguns dos quais com quem não estava há imenso tempo - o convidado surpresa, um bom amigo (não escondo a imensa alegria ao saber da sua presença), e conheci duas pessoas.

    Creio ser justo fazer um pouco de publicidade ao estabelecimento. Fomos bem recebidos, o ambiente era convidativo, e a comida, diga-se, estava excelente. Ao fundo da Rua de São Marçal, encontrarão o Frei Contente, que não conhecia. Merece uma visita, seguramente da minha parte, repetindo.

     Queria felicitar o organizador do jantar pela disponibilidade, eficiência e imaginação. Com boa vontade, tudo se consegue. Foi um dos jantares em que mais me deu prazer participar. E o grupo, pela harmonia.



14 de outubro de 2016

Trump e Hillary.


    Dediquei um artigo, em Maio deste ano, ao sistema constitucional estadunidense, como prefiro denominar por uma questão de correcção histórica, linguística e geográfica, e à candidatura de Donald Trump, que poderão consultar aqui. Supus que seria o primeiro de uma leva de publicações atinentes às eleições presidenciais dos EUA, que desde há muito extravasaram as fronteiras daquele país. Eleger o Chefe de Estado e de Governo da potência hegemónica significa designar um homem ou uma mulher que liderará, sem grandes obstáculos, os destinos do planeta. A ONU demitiu-se do seu papel a partir do momento em que se fez a guerra sem o seu aval.

     Comparar Hillary a Trump será, reconheço, confrontar o programa e o ideário de uma mulher que, embora com todos os defeitos que lhe apontemos, possui a credibilidade necessária inerente às responsabilidades que pretende assumir com um homem surgido do mainstream, uma figura populista, demagoga, que, todavia, está muito bem posicionada para suceder a Obama. E é exactamente aqui que pretendo chegar. Trump é uma piada que, passo a passo, se afirmou, munindo-se da natural apetência dos EUA para comandar, dos discursos galvanizadores que encontraram acolhimento junto dos descontentes com a política do Partido Democrata desde que Obama, em 2008, chegou à Casa Branca. Não é leviano levar Trump a sério, temer as consequências que advirão da sua eleição. O candidato expôs os seus argumentos, alguns deles profundamente desadequados, que ferirão, certamente, a consciência do cidadão médio, em propostas que granjearam os estadunidenses, a ponto de as sondagens o apontarem como presumível futuro Presidente dos Estados Unidos da América. Tecnicamente, há um empate entre ambos. A candidatura de Trump, para os mais distraídos, não paira, qual substância etérea, sobre nós. É uma realidade, uma realidade que poderá materializar-se em votos, no dia do escrutínio popular, e numa vitória.

     Temos dois candidatos e temos medidas que pretendem implementar. Partindo destas premissas, vejamos qual dos dois melhor serve os interesses da nação americana. Não me competirá a mim aferir da pertinência de se eleger um ou outro. Posso, entretanto, colocar-me no lugar de um cidadão americano, homem médio, que quererá a ventura do seu país e pouco intervencionismo externo. Os EUA têm, tendencialmente, um raio de acção no seu espaço geopolítico. Assim se explica a existência das alianças militares, como a OTAN, e do tradicional antagonismo com a Rússia. Independentemente do nome que resultar da eleição, desengane-se quem crê que o papel de ingerência que os EUA desempenham desde o final do século XIX, com o conflito com Espanha, e, mais ostensivamente, desde o final da I Guerra Mundial, conhecerá um refreamento com Trump. O candidato republicano já demonstrou não querer hostilizar a Rússia, sendo certo que os seus comentários agressivos à China não auguram nada de bom. E tenho para mim que, como bom republicano, na senda de Bush pai e filho, estimulará um conflito algures.

     Desconstruir Trump é, aparentemente, simples. Defende o uso da tortura, é favorável à manutenção de Guatánamo, alega que construirá um muro a limitar o acesso dos mexicanos ao território estadunidense, desconsidera imigrantes, mulheres, doentes terminais. O seu discurso, entretanto, não se restringe às medidas mais caseiras, no sentido de incendiárias, e presumo que será aí, no que idealiza quanto à economia e à política de emprego, que seduzirá os seus compatriotas, ao querer taxar as maiores fortunas e ao prometer penalizar todas e quaisquer empresas que decidam abandonar o país. O proteccionismo e o nacionalismo, aliados, constituem o embrião do seu aparente sucesso.

      Hillary, em contrapartida, será mais interventiva na política externa. Internamente, reafirma os direitos das mulheres, que protegerá; na saúde e na economia, apresenta propostas moderadas e realistas, despidas da paixão que Trump imprime a tudo quanto se refere.

       Em suma, Mrs. Clinton é uma candidata razoável, que melhor saberá gerir o mandato. Imagino-a a servir os interesses da indústria de armamento do país, e acredito que Trump fosse mais peremptório na hora de tomar decisões adversas aos lobbies bélicos. O perigo de se eleger Trump reside na imprevisibilidade de alguém que, como referi em Maio, não revela sentido de Estado. A descredibilização do país nos palcos internacionais é, também ela, uma possibilidade com a qual os eleitores terão de contar. Os debates, pelo que pude assistir, não esclareceram os indecisos e nem convenceram os cépticos; perdemo-nos entre tantos ataques ao carisma e à honra, que pouco aproveitam à disputa séria, credível e intelectualmente honesta. Mas falamos de Trump, e com Trump interessa o momento, nem que tal tenha o preço alto de mil impropérios.

11 de outubro de 2016

A Uber e os táxis.


   Assistimos, meio em estado de estupefacção, aos confrontos acesos e emotivos que envolveram taxistas e motoristas das viaturas de transporte de passageiros descaracterizadas. Surpresa pelas proporções que atingiram, porquanto julgo que ninguém acreditava no carácter pacífico da manifestação que estava agendada para ontem, transfigurada num quase bloqueio que, afortunadamente, não terminou com intervenção policial.

    Nesta matéria, adopto a postura que me parece equilibrada. Nunca utilizei os serviços da Uber ou de qualquer empresa similar. Já recorri, como todos, ao sector dos veículos afectos ao transporte de passageiros, os táxis. Sabemos como funcionam todos os sectores que desenvolvem a sua actividade quase em situação de monopólio. Atrasos, desvios propositados no percurso para que o taxímetro assinale um montante mais elevado a pagar no final da viagem, manifesta descortesia e comportamento grosseiro e indelicado por parte de alguns profissionais... Vejo-me, no entanto, obrigado a não generalizar. De igual modo, há taxistas simpáticos, atenciosos e honestos. É bom que não sejamos levados a apoiar a postura crítica, extremista e irracional que tem despontado no discurso dos cidadãos, sobretudo nos que se vêem directamente prejudicados pelas reivindicações dos taxistas.

    A Uber opera à margem da lei. Há legislação aplicável ao sector dos táxis, que regula a sua operacionalidade, os requisitos a preencher e as regras a cumprir (formação, atribuição de licenças, licenciamento dos veículos, etc.). Essas competências cabem, maioritariamente, às autarquias locais. A Uber, que presumo pela sua celeridade e eficácia, impôs-se, concorrendo deslealmente com os taxistas. O sector ressentiu-se, surgindo os transtornos e os distúrbios que se vêm produzindo desde há meses a esta parte. O actual executivo - e bem - pretende regular o serviço com um diploma legal que está em maturação. O processo legislativo é ainda moroso: após aprovação, a devida promulgação do Presidente. A querela arrastar-se-á por uns tempos.

     Favoravelmente aos táxis, faz-se mister aludir aos benefícios de que esta classe goza em virtude de a sua actividade estar devidamente regulada, particularmente no domínio fiscal. Ainda assim, não vejo em como uma praça de táxis e uma faixa BUS, por exemplo, poderão competir com uma aplicação de smartphone, simples, rápida e cómoda, bem como com tarifas que carecem de fixação legal, na medida em que há um vazio legislativo.

     Não vislumbro uma solução pacífica, com os discursos a subirem de tom e com actos hostis e violentos, sendo quase seguro que o conflito veio para ficar. A Uber é uma realidade e, em verdade, a destruição de uma ou de duas viaturas não assustará a multinacional, que decerto manterá a sua posição muito privilegiada, até então, no mercado de transporte de passageiros.

4 de outubro de 2016

A corrida ao secretariado-geral da ONU.


   António Guterres, ex-Primeiro-Ministro de Portugal e ex-Alto-Comissário para os Refugiados, decidiu-se a apresentar uma candidatura ao secretariado-geral das Nações Unidas. A ONU, que conta presentemente com 193 Estados-membros, surgiu da nova ordem internacional emanada com o fim da II Guerra Mundial; o seu Conselho de Segurança, órgão máximo, espelha a hegemonia de cinco Estados sobre os demais 188, totalmente alheada da realidade actual, não faltando vozes que se ergam defendendo uma reforma que inclua uma representação mais abrangente e igualitária.

    A eleição do Secretário-Geral não é democrática. O Conselho de Segurança conta com quinze membros, sendo que cinco são permanentes, sendo eles a Rússia, a China, os Estados Unidos da América, o Reino Unido e a França. Com o veto de um deles, o candidato não consegue obter a unanimidade exigida para ser recomendado ao cargo; um cargo que, refira-se, assenta mais no protagonismo e na influência do seu titular. Tendencialmente, espera-se que um Secretário-Geral seja uma figura idónea, moderada, discreta e que saiba utilizar o protagonismo do cargo em benefício da organização, isto é, do bem comum.

    Guterres granjeou a simpatia internacional e tem-se posicionado como favorito. A bem ver, venceu cinco votações, embora com alguns votos de "desencorajamento". O Conselho de Segurança já se pronunciou numa primeira votação e, ao que tudo indica, Guterres terá alcançado o apoio de doze dos quinze membros, o que aponta para a aprovação de, pelo menos, três dos membros permanentes. Para ver o seu nome aprovado na Assembleia Geral das Nações Unidas, o candidato terá de obter nove votos positivos entre os membros do Conselho de Segurança, sendo que nenhum membro permanente poderá obstar à sua recomendação.

    Gostaria de evitar dar ênfase à polémica em torno da candidata búlgara surgida inesperadamente, e que contará com o apoio implícito de Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, e de Angela Merkel, a chanceler alemã, de quem se diz ter tentado persuadir a Rússia a apoiar Georgieva.
   Sabemos, ou pelo menos suspeitamos, como são os meandros destas negociações que visam assegurar a tranquilidade necessária que aproveite às potências. Georgieva é mulher, tem ciente que se espera um Secretário-Geral do antigo leste europeu, mas também tem presente o carácter tardio e inusitado da sua candidatura que, embora não seja ilegal e nem ilegítima, será injusta. A substituição de Irina Bokova foi oportuna; Kristalina Georgieva, sendo Vice-Presidente da Comissão Europeia, reúne o apoio daquele órgão comunitário e, seguramente, de uma ala do Partido Popular Europeu.

     Ser eleito Secretário-Geral das Nações Unidas não implica qualquer favorecimento ao país do qual o candidato escolhido é nacional. O nomeado, ou a nomeada, assegurará que os seus actos visarão acautelar o bem-estar no seio da comunidade internacional. Exige-se, assim, que seja alguém ponderado, sem polémicas que possam melindrar o seu mandato. Entre os candidatos que, verdadeiramente, estão na disputa, Guterres e Georgieva, creio que não será difícil vislumbrar qual preenche os requisitos impreteríveis para um responsável exercício do cargo. A campanha de Guterres tem sido tão prudente e recatada como o próprio. A tradicional mesquinhez político-partidária faz com que, dentro de fronteiras, haja algum desconforto com a possibilidade de um socialista ser o mais alto dignitário das Nações Unidas - e só o nega quem é leviano ou, na melhor das hipóteses, ingénuo e incrédulo.

     O dia de amanhã, 5 de Outubro, em que assinalamos mais um aniversário sobre a República implantada em 1910, poderá ser determinante para António Guterres. Uma decisão que se lhe fosse favorável acarretaria, por inerência, prestígio ao nosso país. A visibilidade de um Secretário-Geral das Nações Unidas não encontra paralelo para lá dos Chefes de Estado e de Governo dos países mais poderosos. O meu optimismo é moderado. Em expectativa, faço votos para que impere o discernimento.