29 de setembro de 2016

Portugaliza.


    Desde que iniciei o contacto, sobretudo através das redes sociais, com determinados espanhóis empenhados em construir pontes, mormente políticas, entre Portugal e Espanha, tive conhecimento de projectos que visam, essencialmente, desconstruir as barreiras políticas e físicas que se interpuseram entre o norte de Portugal, o Minho e Trás-os-Montes, e a Galiza, em rumo contrário àquele que sempre foi o sentimento identitário dos povos limítrofes. Em abono da verdade, portugueses e galegos dividem tradições, culturas e inclusive idiomas; o galego e o português configuram, para muitos linguistas, um único idioma, pertencendo ao mesmo sistema linguístico; pela Galiza, no seguimento da hegemonia castelhana peninsular, o galaico-português foi-se afastando entre as variantes a norte e a sul. Actualmente, assistimos a um idioma profundamente acastelhanizado e descaracterizado, pese embora a existência de correntes reintegracionistas que defendem uma aproximação do galego à variante lusófona.

     Do lado de lá, há um consenso generalizado em apoiar uma candidatura da Galiza à CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). O PP, que recentemente ganhou as eleições autonómicas na Galiza, na pessoa de Nuñez Feijóo, já demonstrou querer que se estimulem as relações entre a Galiza e a Comunidade. Do ponto de vista jurídico, o seu estatuto teria de ser discutido. O Estatuto de Autonomia da Galiza, no artigo 35.º, número 3, permite que a comunidade autónoma, através do seu governo, solicite às Cortes Gerais espanholas autorização para que celebre convénios com outros Estados com os quais partilhe vínculos culturais e linguísticos. No que diz respeito à CPLP, através do artigo 7.º, número 3, admite-se, enquanto observadores, que regiões dotadas de autonomia - o caso da Galiza - possam gozar desse estatuto, porém diminuído; não seria um membro, não teria sequer direito de voto. Relembramos que a Galiza não é um Estado soberano e, nesse sentido, tem uma capitis diminutio.

     Do ponto de vista histórico, são muitos os laços que partilhamos com a Galiza. Portugal surgiu, como se sabe, de um condado, o Condado Portucalense, do Reino da Galiza, que Afonso VI de Leão outorgou a Henrique de Borgonha, nobre que o ajudou nas guerras da reconquista, pelo casamento deste com a sua filha ilegítima, D. Teresa de Leão. Do enlace nasceria aquele que viria a ser o primeiro monarca a reinar sobre Portugal, Afonso Henriques. Falava-se, à época, conquanto a língua culta, da administração e da liturgia fosse o latim, o galaico-português ou galego medieval, do qual trovadores, alguns monarcas, deixaram testemunho. A separação em galego e em português, como referi acima, foi provocada por razões políticas e não por haver, efectivamente, diferenças entre os povos. Quase mil anos depois e constatamos o quão semelhantes são os falares do Minho e da Galiza, particularmente. Se a inteligibilidade com o castelhano ronda os 90 %, com o galego será sobejamente maior. Alfonso Castelao, intelectual galego, considerado o pai do nacionalismo galego, foi um dos acérrimos defensores desse reintegracionismo: da recuperação da identidade e da língua galegas, que considerava pai da língua portuguesa, indispensável para a sobrevivência da própria Galiza.

      Nos dias que correm, há sectores da sociedade galega que defendem uma integração política com Portugal. Ainda que se me assemelhe impossível por uma enormidade de factores a que a sensibilidade escusa a enumerar, não me é uma ideia estranha ou repulsiva. Apenas se faria justiça a uma ligação umbilical que se perdeu algures pela história. A Galiza terá muito mais em comum com Portugal do que com Navarra ou a Catalunha, designadamente, que são duas das comunidades autónomas de Espanha, evidenciando que o país vizinho, em si, conglomera nações históricas, que tanto receio provocam entre os dirigentes políticos centralistas. Na região norte de Portugal, sei de movimentos que propugnam esse reatamento. Nas localidades, os cidadãos vivem a cercania de um modo distinto, talvez incompreensível para os moradores dos grandes centros urbanos e, seguramente, para os poderes de Lisboa e de Madrid.

      A adesão da Galiza à CPLP representaria um primeiro e primordial passo na história que agora ambos, portugueses e galegos, estamos dispostos a reescrever.

24 de setembro de 2016

Os comandos.


    As últimas semanas têm sido particularmente profícuas em casos aos quais o Direito, nomeadamente o Penal, é chamado a intervir. Bem como o fiz aquando da agressão a um jovem adolescente, e no seguimento de uma conduta que adopto, procurarei ser discreto nas apreciações e nos comentários a um episódio recente que está em processo de investigação.

    Todos, inevitavelmente, fomos alguma vez confrontados com a velha máxima de que "o homem faz-se na tropa". O serviço militar, que actualmente não tem carácter obrigatório em Portugal, assume uma conotação vincadamente misógina. Prepara os homens para as adversidades, testa-lhes os limites. Tratando-se de tropas especiais - de elite - como os comandos, a exigência redobra. É importante que tenhamos presente o seguinte: aqueles jovens são preparados para a guerra, que não temos, felizmente, mas que poderemos vir a ter. E num campo de batalha há mortos, feridos, incontáveis perigos, situações em que o ser humano vê o fim da vida diante dos seus olhos. Compreende-se a dureza dos exercícios e das provas; todavia, não se concebe que morram na instrução, se, quanto muito, justificar-se-iam as suas mortes lutando em defesa da Pátria.

     Fazendo fé no que ouvimos e lemos, e que nos tem chegado através de fontes internas do Exército, de militares, aqueles homens estão sujeitos a condições extremas: água racionada, privações de sono, de alimentação; física e psicologicamente extenuantes. Não sou médico, estando, no entanto, tentado a dizer que é impossível suportar todo esse rigor, acrescendo a ele uma temperatura ao sol intolerável sob esforço físico. Morreram dois rapazes e outros tantos estiveram hospitalizados.

     Sabemos que há um código de honra entre os militares, não sendo, por isso, de estranhar que haja uma tentativa para, de certa forma, minorar o sucedido. Houve uma leva de baixas naquele dia. Os instruendos foram transportados para uma tenda e apenas horas depois foi accionado o INEM, ou seja, é notório que tudo se fez para evitar que aquelas ocorrências chegassem ao conhecimento de uma unidade de cuidados de saúde civil. Presumindo que aqueles homens estão aptos à frequência dos cursos, terá havido negligência médica, um diagnóstico falhado? Terão os exercícios excedido, muito embora tenhamos presente a natureza do esforço e o contexto em que se produziu, o humanamente tolerável? Questões em aberto que um inquérito, que faço votos para que isento e célere, tentará responder.

     Não afasto a hipótese de estarmos perante dois casos que fundamentem a tutela penal, confirmando-se as suspeitas e atestando-se a veracidade das declarações que alguns militares prestaram em anonimato. Pelo que soube, o Ministério Públicou abriu um inquérito para apurar as circunstâncias da morte destes recrutas, a par do que já decorre por parte do Exército e levado a cabo pela Polícia Judiciária Militar. E ficar-me-ia por aqui.

     Os novos cursos de comandos estão suspensos, como sucedeu no passado, e estas mortes tão-pouco são um inédito. Exige-se firmeza, treinos adequados e vigorosos, contudo no respeito pela dignidade humana. Um militar deve, acompanhando a destreza física, manifestar um espírito de solidariedade e de humanidade irrepreensível na relação com superiores e subordinados. Deverá procurar ser um homem e um militar exemplar, evitando ao máximo qualquer abuso de poder que lhe advenha da sua posição hierárquica privilegiada.


18 de setembro de 2016

Saturday Fever.


    Neste sábado, aceitei o convite para uma sessão de cinema. Foi, digamos, o mote para que reuníssemos algumas pessoas em torno de uma mesa de café. Esteve uma tarde muito agradável, amena. O Verão gasta os seus últimos cartuchos.

    No que concerne ao filme em si, em exibição no Cinema São Jorge, surpreendeu-me. Como presumo que o mencionei no blogue, nunca fui um aficionado em cinema. Pontualmente poderei ver um filme, mas faço-o através de uns canais premium que assinámos, e nem sempre. Dirigir-me a uma sala com o intuito de ver uma obra cinematográfica sucedeu pouquíssimas vezes.

    O filme baseia-se na série Absolutely Fabulous. Acredito que não represente uma novidade para a maioria.
    Não poderia recomendar mais, sobretudo para quem gosta de dar umas quantas gargalhadas. Na verdade, dará gargalhadas do primeiro ao último minuto. O enredo é bom para filmes do género. Fazer rir é o propósito, animar a audiência, e conseguiram-no inteiramente. Não estou a par do que a crítica escreveu a respeito, nem sequer dos lucros da bilheteira por esse mundo, no entanto não preciso que julguem em meu lugar: eu gostei. Aliás, devo dizer que o preço não faz jus ao divertimento que se retira. Saí bem disposto, e sabe que Deus que, embora disfarce, não sou uma pessoa da qual se possa dizer que é bem humorada. Tenho os meus momentos.

     Há anos que não publicava uma sugestão ou uma sinopse. No caso, não o farei. Relatar a história seria injusto para quem não assistiu. O bom deste filme é ser-se completamente apanhado entre sucessivas risadas soltas. Gostaria de elogiar a actuação das actrizes principais. O humor - dito pelos próprios actores  - é dificílimo. Pôr os outros a rir envolve uma responsabilidade ímpar. Daí que tenham merecido, ainda que não pudessem recebê-las em pessoa, palmas agradecidas do público. Passamos pela vida tão sisudos, tão envoltos nos nossos dramas pessoais, que necessitamos de retribuir o gesto: "obrigado por nos fazerem rir". Assim interpreto.

     Convencidos? Ah, apenas um pequeno pormenor: rir é contagioso; experimentem rodeados de amigos e verão como é mais divertido.

7 de setembro de 2016

Rentrée.


   A parcos dias, entraremos no ritmo normal de trabalho, de estudos. Devo admitir que me cansa todo este aparato em torno das férias e das estâncias balneares. Gosto, desfruto, mas a determinado momento vejo-me a clamar por frio, por aulas, por livros e monografias. Este ano, tenho um problema adicional: mantenho-me na procura por uma casa. O prazo começa a apertar. Juntarei as aulas às mudanças, e já me vejo mergulhado num espesso manto de stress. A agravar, a minha asma tem demonstrado que está presente. Abrandei o ritmo, na medida em que me tenho desdobrado em telefonemas e visitas a imóveis. Não surge nada em que me sinta bem, aquele amor à primeira vista. Como tenho tendência para ser infeliz em determinados lugares, não posso correr o risco de me comprometer a morar, conquanto possa mudar posteriormente, num apartamento no qual fique por sentir uma boa vibração.

    Tornarei à faculdade. Julgo que tenho espírito de académico. Ultrapassei os deveres de estudante e posso agora dedicar-me a investigar por conta e risco. Ficar mais do que dois meses sem exercitar o meu intelecto, sem procurar saber mais e sem cultivar o meu espírito curioso é um sacrifício que a pesadas penas consigo suportar. Sou inquieto.

    Simultaneamente, vejo que a blogosfera se ressente. Soçobrou a outras redes sociais mais imediatas, que cumprem quase a mesma função e que exigem menos disponibilidade. Da minha parte, como cada uma desempenha um papel que não pode ser atribuído a outra, o blogue, por ora, está seguro. Não será um apêndice do meu perfil pessoal. Pelo contrário, é a rede social que mantenho há mais anos e é aquela a que ainda dou primazia. Com ou sem reciprocidade. Soube fazer a transição de um blogue de cariz mais pessoal para um blogue genérico, em que eu sou apenas mero artífice. Libertou-me de certa responsabilidade e relegou-me para quinto plano. Tanto melhor que assim seja.

      Ah, Setembro, o temível mês que tanto detestava. Nos dias que correm, sinto-o como uma benesse. Traz o Outono, o fresco, os dias progressivamente menores. Um quadro pejado de encantos.