23 de maio de 2016

A escola pública e a escola privada.


   Tenho acompanhado com alguma atenção a polémica em torno dos contratos de associação do Estado com os estabelecimentos de ensino privado e de ensino cooperativo. Em boa verdade, a decisão adoptada pelo actual executivo não deveria surpreender assim tanto, na medida em que essa modalidade contratual, idealmente, visava suprir as necessidades de ensino em determinadas localidades que, pela distância ou pelo difícil acesso, não estavam abrangidas pelo ensino estatal. Como vem sucedendo, o tempo tratou de deturpar as boas intenções destes contratos, estendendo-se o seu âmbito primitivo.

    O actual Governo mais não fez do que adoptar um maior rigor nos contratos de associação que o Estado celebra com os privados, não fazendo sentido, por isso, que alunos frequentem o ensino privado quando há uma rede de ensino público que consiga abarcar as necessidades das populações. Quando ouço pais e alunos defendendo que é um direito escolher o estabelecimento de ensino a ser frequentado - que é - tão-pouco é censurável que o Estado opte por favorecer a escola pública em detrimento da privada. O Estado, ao agir numa evidente preferência pelo ensino privado, assume que, por um lado, o seu ensino não é de qualidade; pelo outro, que a educação pública não deve ser uma prioridade sua.

    Há que ter em conta, ainda, que a vigência dos contratos não é infinita. Os contratos têm um começo e um termo. Ninguém, e por maioria de razão também o Estado, que é uma pessoa colectiva, fica vinculado ad aeternum a um contrato, e o que é a excepção não pode passar a ser a regra. Claro está que o Estado não deve agir de má-fé, tendo de acautelar as legítimas expectativas das pessoas. Pelo que tem sido veiculado, o Governo compromete-se a respeitar os contratos assumidos pelo anterior executivo, o que evidencia uma preocupação em honrar os compromissos já firmados. E reserva-se o direito de alterar a sua posição para o futuro.

    Estudei mais de doze anos da minha vida no ensino privado. Desde os três aos dezoito. Sou do tempo em que o ensino público era diabolizado. A mãe estudou no privado e o pai estudou num liceu público. Pelos cuidados que exigia, os pais decidiram que frequentaria um estabelecimento de ensino privado. Aí estive, desde a, na altura, infantil, passando para o pré-escolar e para os primeiros quatro anos do ensino básico. Para o segundo ciclo de estudos, mudei de colégio, uma vez que o primeiro só contemplava o primeiro ciclo. Nesse segundo estabelecimento de ensino, estive dos dez aos dezoito. Chegada a hora de decidir pelo estabelecimento de ensino superior, ponderei entre uma faculdade privada ou uma estatal, optando pela segunda por reunir maior prestígio.

   No ensino privado, e faço questão de sublinhar que se trata de uma observação pessoal, vi muito facilitismo. Espero que algo tenha sido alterado nestes anos recentes, mas tenho falhas a apontar. Tenho conhecimento de casos de alunos que transitaram de ano lectivo porque os pais pagavam boas mensalidades, sei de alguma incúria no ensino dos conteúdos programáticos e até mesmo no rigor a adoptar na correcção das provas de avaliação, crescendo com a ideia, que se mantém, de que o ensino público forma melhor os alunos, embora com todas as críticas que lhe possamos fazer. E certamente que haverá profissionais não tão exigentes no ensino público. Referi apenas a minha experiência enquanto ex-aluno de um colégio consagrado. Compensará na segurança, nas actividades extracurriculares e na tranquilidade dos encarregados de educação, se bem que passávamos demasiadas horas em salas de estudo. Entretanto, jamais esquecerei os bons docentes, que os havia.

     Ao Estado compete assegurar um ensino público de excelência. Aos pais e tutores compete confiar nesse ensino. A lógica dos privados assenta no capital que as famílias podem despender para prover à educação das suas crianças. Não podemos querer que estes se substituam ao ensino público. Sequer é natural ou desejável que tal viesse a suceder.

22 comentários:

  1. Todos sabemos que o Público é melhor do que o Privado. Tudo tem as suas excepções, lá está...

    Tudo o que é Privado, é tudo passado com boas notas por debaixo da carteira. Ou professores a indicaram aos alunos que dão explicações dois dias antes do teste (estes teriam de pagar dez contos por cada aula) decorria o ano de 19 e noventa e qualquer coisa...

    O Professor deu as perguntas do teste, e as respostas. Só bastariam trocar de folhas quando o professor saísse da sala, para dar tempo aos que faziam bonecos .... Tanto que eu poderia falar :)

    Grande abraço amigo

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    1. Eu sei de situações caricatas, sendo, no entanto, perigoso generalizar. Por exemplo, no primeiro colégio que frequentei, a minha professora era beeem exigente. E até algo severa, o que me levou a alertar a mãe. Digamos que a senhora ganhava bem e não tinha paciência com os alunos, alunos na faixa etária dos seis aos dez.

      Portanto, não deves pensar que é "tudo passado" com "notas debaixo da carteira", até porque eu não fiz qualquer menção a casos de corrupção, o que seria gravíssimo. O que eu disse é que muitos alunos transitaram porque os pais pagavam mensalidades chorudas, ou seja, temendo que os alunos abandonassem o colégio, digamos que facilitavam a sua transição. São cenários distintos.

      Em relação às notas, igualmente disse que percebi uma menor exigência por parte de determinados professores, e um menor rigor nos critérios de correcção. Não soube de nada do que relatas.

      um abraço.

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  2. Fui quase sempre aluno de um estabelecimento de ensino privado (exceto no superior, onde frequentei o público).
    Neste momento, sou professor do ensino público, fui igualmente professor, durante 12 anos, de um estabelecimento privado de ensino, de cariz religioso, com um nome bastante conhecido no meio (sem qualquer contrato estatal, pelo que os alunos pagavam devidamente as suas mensalidades, que eram, e continuam a ser, elevadas).

    Como aluno nunca ninguém me deu nada, ou favoreceu no que quer que fosse; como professor, também nunca alguém me exigiu, solicitou ou mesmo sugeriu (ou vi exigir ou sugerir a outros) que fosse leniente ou favorecesse quem quer que seja - é sempre difícil, e ingrato, predizer o que faríamos se tal situação se nos apresentasse, mas creio estar seguro ao referir que teria muito possivelmente abandonado a minha posição de professor desse estabelecimento de ensino!.
    Pelo contrário, sempre me foi solicitado que exercesse o maior controlo e exigência possível sobre qualidade do ensino que ministrava.

    Como aluno, nunca me foram dados quaisquer favores ou facilitadas respostas a questões de testes, anteriores à sua realização (talvez, à época, gostasse que tal me acontecesse), nem eu, como professor, fui levado a dá-las a qualquer aluno (nem isso, sequer, me passaria pela cabeça, devo confessar).

    Se só conheci, enquanto aluno, ou mesmo professor, estabelecimentos de ensino que agiram, e creio continuarem a agir, de forma rigorosa e correta, generalizá-lo seria igualmente perigoso.
    Não o diria seguramente.
    Tal como há gente corrupta e que incita à corrupção, esse facto também se pode alargar e aplicar a outros campos, não me custa nada considerá-lo.
    Afinal as instituições são feitas por pessoas e para pessoas.

    Tal como tudo na sociedade onde vivemos, será, infelizmente, necessário criar mecanismos que inibam esta tendência, e que a regulem, pois, como é do conhecimento generalizado, a corrupção cria situações de favor e de desigualdade.
    Por vezes, face ao que me rodeia, sou tentado a acreditar que o ser humano não é essencialmente bom, no entanto, ainda guardo uma certa esperança, e tento a todo o custo não a perder.

    Quanto à posição tomada pelo governo nesta matéria, creio que a entendo, e até a apoio, o que é raro, pois ver medidas acertadas de um governo no que ao ensino toca, não tem sido fácil nestes últimos anos.

    Uma boa noite e uma boa semana
    Manel

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    1. Fizemos uma trajectória parecida. Passei do privado ao público.

      Exacto. Tal como respondi ao primeiro comentário, do Francisco, não tenho conhecimento de quaisquer casos que envolvam ilícitos penais. Revelarão, quanto muito, alguma condescendência e incúria. E ressalvei que se trata da minha experiência no estabelecimento de ensino que frequentei, que é muito conhecido na área de Lisboa.

      Sempre fui um aluno esmerado, com boas notas às disciplinas que me suscitavam o interesse e com más notas, sim, há que assumi-lo, a Matemática, por exemplo, em que não fui além de um aluno razoável. Já no ensino secundário, entrei nos quadros de honra do colégio.

      Não guardo boas impressões do colégio em que estudei. A directora era excessivamente rigorosa com a conduta dos alunos. Algumas vezes senti que se respirava um ar saturado, bafiento. Enquanto aluno, nunca fui favorecido em nada. Fiz o meu percurso normal, não deixando, por isso, de observar certos casos que desde sempre me mereceram repúdio.

      Eu acredito que com uma boa fiscalização talvez se consiga pôr cobro a determinadas situações como as que descrevi.

      Continuação de boa semana, e obrigado.

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  3. muito bem, Mark. concordo com tudo.
    esta discussão, como infelizmente vai sendo habitual, é falaciosa, está inquinada por muitas agendas escondidas. o que é triste é ver o ex-PM a assumir descaradamente a sua cartilha liberal, e grande parte da imprensa a colaborar na festa.

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    1. A cartilha liberal contemplava até a Segurança Social.
      Pedro Passos Coelho transformou um tradicional partido de centro-direita, da social-democracia, numa organização ultraliberal. Esperemos que a próxima liderança, que urge, saiba reposicionar o PSD no lugar que lhe é devido.

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  4. A grande diferença da tua situação para a dos senhores que aparecem na TV a reclamar é que, pelo que me apercebi (e corrige-me se estiver errado), os teus pais pagaram para tu estares nesses colégios, correto?
    Eu estudei no público, mas já trabalhei numa privada, com contrato de associação. E também tenho uma visão crítica do ensino privado. Sobretudo, do prestígio que o mesmo atinge...

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    1. Sim, pagaram (e não foi pouco). Há muitos liceus públicos em Lisboa.

      Sim, mas o que está em causa não é "a minha situação"; é, se tanto, a minha experiência pelo que assisti no estabelecimento de ensino privado que frequentei. Julgo que casos destes não terão nada que ver com os malfadados contratos. :)

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  5. Sempre estudei no publico e não concordo estar a pagar impostos para colégicos privados receberem dinheiro do Estado mas há excepções. Alguns já chegaram na zona onde moro e por exemplo em Fátima não há escolas públicas, foi o que me disseram (sinceramente não sei se é verdade ou não) e nesse caso há colégios privados porque é a única alternativas e esses recebem dinheiro do Estado.

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    1. Esse foi o intuito destes contratos. A verdade é que alguns colégios acostumaram-se à regalia, que agora não querem perder. Costa, e bem, enfrentou esse lobby.

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    2. Limite, o governa não vai cortar todos os contratos de associação, apenas os que são desnecessários. Se não me engano, vão cessar contratos com 28 dos 79 colégios actualmente abrangidos.
      Para mim, faria mais sentido gastarem dinheiro e transporte e alimentação escolar nas publicas. Na minha terra não havia privados mas havia uma escola publica muito boa (sobrelotada na altura) e muitos dos meus colegas iam na carreira de manhã e voltavam à noite fazendo 25km. Que tenha dado conta, não lhes caiu nada.

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    3. Desde que os contratos, de facto, mantenham o seu propósito, sou absolutamente favorável. A Constituição obriga o Estado a proporcionar a todos os cidadãos o acesso à educação; se o Estado não consegue fazê-lo, subsidie privados. Justíssimo.

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  6. Pois alguns colégios vivem de ajudas estatais além das mensalidades pagas pelos utentes.
    Os meus filhos estudaram num colégio e estou feliz por isso. Não havia furos. Tiveram boa formação humana e académica. O 3º ciclo foi no Estatal por opção dos alunos, meus descendentes.
    Não posso apontar defeitos nem a um nem a outro lado.
    Para que eles pudesses estudar num colégio tivemos de nos privar de muitas coisas.
    Não posso concordar que o estado subsidie colégios encerrando ao mesmo tempo escolas públicas.

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    1. Exacto. Quantas e quantas escolas públicas não foram encerradas por esse país? Bem, é verdade que algumas, se bem me recordo, tinham quê? Meia dúzia de alunos? Algumas, nem isso.

      Luís, admiro-o. Privou-se de muito para que os seus filhos pudessem estudar. Espero que eles o tenham em consideração. :)

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  7. Respostas
    1. O que se passa, Goody? A que se deve essa reacção? (risos) :)

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    2. Nada, mark. Apenas que quando foi tudo dito, não há mais nada a dizer. E é o caso do teu post.

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    3. Muitíssimo obrigado. :)

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  8. eu acho que quem quer estudar no privado, tem o direito de escolha e muito bem. Agora, se querem colocar os filhos no ensino privado, havendo possibilidade de colocá-los em escolas públicas na zona onde residem, então os pais e/ou encarregados de educação devem pagar do seu próprio bolso e não estarem a exigir que o Estado pague por algo que podem obter gratuitamente.

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