24 de abril de 2016

Foi Cabral, há mais de quinhentos anos.


   Quase todos os anos, como de costume, dedico algumas palavras ao feito, que considero épico, protagonizado por Cabral ao desembarcar na terra a que designou de Vera Cruz. No imaginário popular, eu diria que dois navegadores portugueses se destacam: Cabral e Vasco da Gama, o último com primazia sobre o primeiro. Ambos rumaram à Índia. A Índia e o Brasil, o paradigma da epopeia marítima portuguesa. Uma representando o oriente, o alvo da nossa atenção, que ao longo do século XVI mereceu que nos fixássemos pela costa oriental africana, pela península arábica, pela própria Índia e pelos arquipélagos do sudeste asiático. Até que a incorporação de Portugal na Monarquia Hispânica, ou Católica, proporcionou a cobiça e o saque dos neerlandeses às nossas possessões, expulsando-nos de uma por uma, sobrando parcos redutos. Portugal voltar-se-ia, por fim, para o Brasil, a sua "jóia da coroa" por mais de duzentos anos, após um primeiro século de relativa obscuridade no seio dos interesses mercantis portugueses. Em breve descobririam a riqueza, ouro que sustentou o fausto dos monarcas e das suas concubinas.

     O dia 22 de Abril passa despercebido entre portugueses e brasileiros. Não gozamos do sentimento nacionalista tão presente nos países de língua castelhana, onde Colombo é tido por herói. Não vejo, como gostaria, um sentimento de pertença, como denoto na relação especial entre os EUA e o Reino Unido, sem prejuízo de pontuais quezílias, ou nos laços que unem Espanha às suas antigas possessões na América, pouco pacíficos, é certo, mas surpreendentemente coesos. Sabem o que os liga, o que têm em comum. Semelhante quadro não encontramos entre Portugal e o Brasil. Do lado português, o Brasil ocupa uma posição privilegiada, e isso constatamos, nomeadamente, com a cobertura mediática dada à sua situação política. Os portugueses conhecem a cultura brasileira nas artes, importando-a pelas décadas, desde a música à representação. Os brasileiros pouco conhecem de Portugal, insistindo, a sua maioria, em rejeitar a herança tão portuguesa. No século passado, o Brasil passou a exaltar as suas raízes africanas e indígenas, esquecendo, todavia, que a portuguesa é um dos vértices desse triângulo, que se converteu em outra figura geométrica, posteriormente à independência, com o contributo daquela massa de imigração que pautou os séculos XIX e XX. Frequentemente sabemos de brasileiros que evocam a sua ascendência italiana com orgulho; a portuguesa, não raras vezes com mal dissimulado constrangimento, ou indiferença.

        Portugal foi o obreiro do Brasil. E devemos dizê-lo sem receios. À data da proclamação por D. Pedro (I por lá; IV por cá), o Brasil já assumia as dimensões continentais que lhe conhecemos, ainda que expandisse um pouco mais o seu território em virtude de certos conflitos com os países limítrofes. A sua imensidão, não obstante a multiculturalidade, foi conseguida pela administração portuguesa, centralizadora, cujo idioma se impôs sobre os demais. Olhando em redor, o Brasil vislumbrará uma miríade de Estados sem potencialidade alguma, fruto da fragmentação que se seguiu aos movimentos secessionistas inspirados na Declaração de Independência dos EUA.
         O Brasil carece de efectivar as pazes com o seu passado e com o seu progenitor.

        Amanhã, celebrar-se-á, uma vez mais, a Revolução de 25 de Abril de 1974, tão presente no colectivo português, não tivesse meros quarenta anos. Um povo também é as suas memórias. E a um povo com uma história rica como a portuguesa, não sobrariam dias no calendário para assinalar as datas. Não dedicarei, este ano, qualquer artigo relativo à revolução. Nada há a acrescentar ao muito que já foi dito e escrito, inclusive por mim. 
         A nossa origem é secular. Somos mais do que os últimos cem anos. Como que se tivéssemos nascido com a República, que a bem ver não passa de um regime. Somos, em síntese, também o descobrimento das terras brasileiras, embora o ignoremos.

18 comentários:

  1. Como sempre, impecável sua reflexão histórica, que sempre me coloco a admirar pela coesão de ideias e pelo tom reflexivo e crítico que sempre impões a elas.
    Este parágrafo, em especial, é portentoso:

    "O dia 22 de Abril passa despercebido entre portugueses e brasileiros. Não gozamos do sentimento nacionalista tão presente nos países de língua castelhana, onde Colombo é tido por herói. Não vejo, como gostaria, um sentimento de pertença, como denoto na relação especial entre os EUA e o Reino Unido, sem prejuízo de pontuais quezílias, ou nos laços que unem Espanha às suas antigas possessões na América, pouco pacíficos, é certo, mas surpreendentemente coesos. Sabem o que os liga, o que têm em comum. Semelhante quadro não encontramos entre Portugal e o Brasil. Do lado português, o Brasil ocupa uma posição privilegiada, e isso constatamos, nomeadamente, com a cobertura mediática dada à sua situação política. Os portugueses conhecem a cultura brasileira nas artes, importando-a pelas décadas, desde a música à representação. Os brasileiros pouco conhecem de Portugal, insistindo, a sua maioria, em rejeitar a herança tão portuguesa. No século passado, o Brasil passou a exaltar as suas raízes africanas e indígenas, esquecendo, todavia, que a portuguesa é um dos vértices desse triângulo, que se converteu em outra figura geométrica, posteriormente à independência, com o contributo daquela massa de imigração que pautou os séculos XIX e XX. Frequentemente sabemos de brasileiros que evocam a sua ascendência italiana com orgulho; a portuguesa, não raras vezes com mal dissimulado constrangimento, ou indiferença.
    Portugal foi o obreiro do Brasil. E devemos dizê-lo sem receios. À data da proclamação por D. Pedro (I por lá; IV por cá), o Brasil já assumia as dimensões continentais que lhe conhecemos, ainda que expandisse um pouco mais o seu território em virtude de certos conflitos com os países limítrofes. A sua imensidão, não obstante a multiculturalidade, foi conseguida pela administração portuguesa, centralizadora, cujo idioma se impôs sobre os demais. Olhando em redor, o Brasil vislumbrará uma miríade de Estados sem potencialidade alguma, fruto da fragmentação que se seguiu aos movimentos secessionistas inspirados na Declaração de Independência dos EUA.
    O Brasil carece de efectivar as pazes com o seu passado e com o seu progenitor."
    Confesso que também eu, descendente histórico dos lusitanos e por sangue de meus ancestrais maternos, bem como dos italianos por parte de meus ancestrais paternos, por muito tempo nutri uma certa desconsideração pela pátria mãe. Felizmente, tive a o oportunidade de conhecer um pouco desta terra em meados de 2002 e encantei-me. Já conhecia outras terras europeias mas, Portugal passou a ter um lugar de destaque absoluto entre todas as outras. Suas belezas naturais, arquitetônicas e culturais, sua gastronomia e, principalmente sua gente encantaram-me. Voltando à Europa, tirando alguns países que ainda não conheço e que gostaria de vir a conhecer um pouco, Portugal é o único que receberá a atenção do Bratz para novas incursões. Na verdade só conheci a grande Lisboa, o suficiente, no entanto para colocar Portugal como a mais adorável das terras europeias.
    Parabéns queridos irmãos Portugueses e obrigado por terem nos ajudado a sermos uma nação também.
    Um ramalhete de "cravos vermelhos" para você querido Mark.

    Beijo Grande.

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    1. Essa desconsideração é comum de se encontrar no Brasil. Mas, sabe, há muitos ressentimentos nas ex-possessões espanholas relativamente à Pátria-Mãe. O que não sucede por cá, e que sucede por lá, é a exaltação dos seus valores, seja o cristianismo, seja a língua.

      Veja, toda essa aparente desconsideração resultou num carinho pelo nosso país, que é também um pouco de cada brasileiro, assim como me sinto no direito de exigir a minha quota parte do Brasil. :)

      um grande abraço, querido amigo, e obrigado pelas gentis palavras.

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    2. Sua quota parte do Brasil já está reservada. Venha e se aposse dela.

      ;-p

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    3. Assim farei, um dia, espero que breve. :)

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  2. Não vejo sentido como Brasileiro na comemoração dessa data como algo glorioso. A data me serve apenas para lembrar o início da conquista e não descobrimento como é cunhada, pois nada foi descoberto. A descoberta só existe sob a perspectiva europeia, que infelizmente foi a única voz deste processo a ser contada por muito tempo pela história. Para portugueses faz sentido a comemoração como parte de um sentimento nacionalista pelos feitos do passado.
    A conquista do território que hoje é o Brasil foi um processo de expansão econômica e territorial do Reino de Portugal. Dizer que América foi descoberta, é dizer que nada existia por aqui. É ignorar por completo a existência de diversas sociedades indígenas. É apagamento histórico desses povos, da sua escravização e genocídio. Fazendo um paralelo, falar em descobrimento do Brasil seria dizer que não existia nada na Lusitânia/península Ibérica quando foi colonizada pelo Império romano.
    O Brasil só passou a existir como país em 1822, mas há elementos posteriores a essa data que contribuem significativamente para o que é hoje. O português é nossa maior herança portuguesa e o responsável direto para que um país continente se mantenha unido, embora alguns portugueses maltratem o português falado aqui. Outras heranças, são as adaptações gastronômicas, as diversas festas populares, como os arraiais, a folia de reis e outras festas religiosas. O mito do Saci é um herança portuguesa que se fundiu com elementos indígenas e africanos, mas para muitos brasileiros contemporâneos é difícil perceber a herança portuguesa para além do idioma, devido ao afastamento do Brasil de Portugal.
    Quando tive contato com pessoas dos países vizinhos ao Brasil e também quando estive em alguns desses países, vi diversas vezes elementos da cultura espanhola. Observei o intercâmbio de elementos culturais entre esses países e entre esses países e a Espanha que me fizeram perguntar várias vezes o porquê de não existir esse intercâmbio entre Brasil e Portugal e os outros países lusófonos (sei que existe forte contato dos demais países com Portugal em via de mão dupla e forte contato com elementos brasileiros por Portugal e os outros países, mas em via de mão única)

    Quando exaltaram os elementos indígenas e africanos nos primeiros anos após à independência e, no século passado durante a ditadura foram tentativas de construir uma identidade nacional mas, ficou restrito ao meio artístico após a independência e propaganda ideológica do governo ditatorial de 64, pois nos anos seguinte à independência até os dias de hoje, negros, pardos e indígenas são alvos de discriminação mesmo compondo a maioria da população do Brasil, vivemos sob forte racismo institucional, infelizmente uma herança maldita portuguesa.
    Não existiu a exaltação de verdade dos elementos indígenas e africanos, não foi dado e não é dado o real valor a esses elementos a formação da identidade brasileira. O que houve foi o “embranquecimento” e a utilização desses elementos pelas elites quando lhes convieram. A rejeição as suas cores e religiões persistem nos dias de hoje. Noto, hoje a exaltação dos elementos africanos pelos movimentos negros como forma de resistência e sobrevivência ao racismo social e ao racismo institucional do Estado brasileiro.

    Portugal deu início ao que o Brasil é hoje, mas o título de obreiro não é somente de Portugal, pois foi o sangue africano que construiu as bases econômicas brasileiras.
    Penso que o ensino de história evocando o contributo de elementos indígenas e africanos de fato, dando voz aos povos conquistados e escravizados, juntamente com o termo conquista e não descobrimento, talvez evitasse a rejeição que muitos brasileiros nutrem em relação a Portugal, além de uma visão “imparcial”, que o Brasil não é o único caso no mundo de um país colonizado e que diversas vezes na história da humanidade processos de conquista e dominação de territórios aconteceram.

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  3. Sobre alguns brasileiros evocarem a descendência italiana e alemã, geralmente são descendentes das colônias de europeus do fim do século XIX no sul do país, que pararam no tempo e utilizam-se dessa descendência como fator para sentirem-se superior aos brasileiros de origem africana, indígena e portuguesa. No sul é muito comum ouvir pessoas dizerem, sou italiano, sou alemão, e apresentarem-se com nome e sobrenome. É ridículo tal comportamento. Como podem ser italianos se nasceram no Brasil, falam apenas português e somente seus e trisavôs e tetravôs eram “italianos” e “alemães” ?! Alemães querem distância dessas pessoas devido aos inúmeros preconceitos que carregam do século XIX.

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    1. Dominus,

      Como calcula, estou perfeitamente consciente, e devo dizer que considero desnecessária, dessa retórica de que o Brasil "não foi descoberto". Sei perfeitamente que algum sentimento nacionalista brasileiro defende que o "descobrimento" é uma visão eurocêntrica. Poderá ser. No entanto, numa perspectiva europeia, foi, efectivamente, um descobrimento, sem desconsideração ao substracto autóctone brasileiro.

      Quanto ao genocídio, posso falar quanto a Portugal. Portugal cometeu os seus erros, é certo, nenhum colonialismo está isento dos seus pecados, mas jamais empreendemos um genocídio nos territórios que ocupámos. Aliás, há leis da Coroa, e esperava que o soubesse, que protegiam os indígenas da escravidão, nomeadamente, daí que a massa escrava brasileira fosse, sobretudo, africana. Em todo o caso, o Brasil tornou-se um país independente em 1822 e a escravatura só foi paulatinamente abolida ao longo do século XIX, processo concluído em 1888. Portanto, é certo dizer-se que a sociedade brasileira permaneceu esclavagista já livre do domínio do malfeitor português!

      Não use o termo "península ibérica", que é anacrónico. A península designava-se por Hispania, sendo que Lusitania era uma divisão da Hispania (no tempo dos romanos). Iberia é um termo grego.

      A herança portuguesa não se sente apenas na língua, como bem diz. Recordo-me de dizer a um amigo brasileiro que a feijoada brasileira tinha origens na feijoada portuguesa, e ele ficou estupefacto. Também as festas juninas e muito do folclore, com certeza. Mas veja, só vem acrescer à minha fundamentação.

      Existiu essa exaltação, perdoe-me insistir. Pelo que leio, pelo que vejo, pelo que me chega através dos inúmeros amigos brasileiros que tenho, muito embora persista o racismo e a discriminação, a verdade é que nos últimos vinte anos, talvez, há uma exaltação dos vértices africano e angolano na consciência identitária do povo brasileiro, esquecendo o português. O "embraquecimento" é outro triste capítulo. Aliás, Getúlio Vargas, nas suas leis limitativas da imigração, não obstou a que os portugueses continuassem a entrar livremente no Brasil. Houve essa característica tão comum em qualquer regime autoritário que é exactamente a da valorização da língua comum e das origens.

      Perdoar-me-á mais uma vez, mas Portugal é o obreiro do Brasil. O sangue africano foi levado por Portugal. Ele não existia no Brasil.

      Infelizmente, vejo nos seus comentários os velhos ressentimentos com o passado e a velha retórica, já tão gasta e usada, de que foi uma "conquista" e não um descobrimento. Lamento que assim seja. Se Portugal não tivesse "conquistado", outro tê-lo-ia feito, com maiores prejuízos para o Brasil, que tão-pouco existiria. Seria, na quase absoluta certeza, uma multiplicação de países sem qualquer relevância.

      Lamento ainda que a sua percepção da história seja essa, mas, uma vez mais, sei bem que grassa pela América - não só pelo Brasil - a ideia do europeu explorador e opressor, e é lamentável que nas vossas escolas ensinem a história tão pejada de preconceitos nacionalistas.

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    2. Quero só acrescentar algo que ficou por dizer na minha resposta: é importante que mencione os portugueses que "maltratam o português" falado aí, no entanto ficar-lhe-ia bem dedicar uma palavra aos brasileiros que despudoradamente menosprezam o português falado aqui. Já que fala em imparcialidade, nada como darmos o exemplo. :)

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    3. Não há como nos ensinar sobre a colonização e escravidão sem dizer que foram sistemas imposto por europeus no passado e que as heranças desses processos persistem nos dias de hoje em nossas sociedades de forma negativa. Tornar-nos cientes deles é o primeiro passo para solucioná-los, mas por tanto tempo de acesso a um história contada apenas pela perspectiva dos conquistadores não nos permitiu tomar ciência deles e solucioná-los levando em conta a heterogeneidade de nossas populações. Países americanos não surgiram do nada, herdaram ideias, conceitos e modelos de administração daqueles que administravam estes territórios. Dizer isso não é entrar no velho conto batido que nós seguimos colocando a culpa de todos os problemas nos países que nos colonizaram. O ensino de história parcial que tive, me ensinou a visão dos conquistadores em nenhum momento me foi ensinado a história sob a perspectiva dos conquistados, só tive acesso a ela estudando história da América latina, em especial da América espanhola. Dizer que o Brasil é grandioso devido a Portugal e seus vizinhos são insignificantes é uma demonstração do nacionalismo português e desconhecimento sobre esses outros países. Contesto sua fala ao dizer que tenho uma visão histórica parcial, enumerei diversos exemplos de contributos portugueses legados ao Brasil. Tenho total ciência que não foi a única vez que tais processos ocorreram na história da humanidade. Vejo os europeus dos séculos passados como conquistadores e desbravadores sim. Não há outra forma de vê-los. Foi isso que fizeram. As leis portuguesas protegeram indígenas, mas protegiam teoricamente. Genocídios não ocorrem apenas com mortes, mas também com destruição de culturas pela imposição de outra em posição de dominação.

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    4. Bom, então a História é feita disso. O curioso é que o legado romano é enaltecido e elogiado, bem como a sua língua e o seu contributo para o direito, e vejo bem poucos a aludir à escravidão praticada pelos romanos e ao processo conhecido por romanização. Vejo que, implicitamente, defenderá que os malditos e opressores romanos, que mais não fizeram do que nos trazer a cultura, foram uns genocidas por onde passaram! O mundo está cheio de "genocidas", porque toda a História é feita de povos que subjugam outros. No "Brasil" pré-colonial (que admira-me que defenda que o Brasil já existia quando, na verdade, o que existia era o território que hoje compõe o Brasil), tenho quase a certeza de que umas tribos se opunham às outras. Isso faz parte da natureza humana. Não é exclusiva do terrível e malvado europeu que conquistou e oprimiu os ameríndios.

      Engraçado, mas um compatriota seu, o Tiago JDS, refere que, e cito, «Ainda temos uma historiografia que trata Portugal como um país explorador e colonizador, um ponto de vista negativista da colonização.», o que vai no sentido oposto àquilo que você diz, de que o seu ensino da história foi na perspectiva do conquistador. Um dos dois mente.

      Eu não disse que os países contíguos ao Brasil são insignificantes. Eu disse, isso sim, que o Brasil, dado o seu peso geográfico e demográfico, é uma potência, algo que o Equador ou o Uruguai não o são. Claro que no âmbito do direito internacional não há Estados que se sobrepõem a outros, mas seria uma falácia insistir nessa ideia. É como afirmar que Portugal e a Alemanha têm o mesmo peso no centro decisório da União Europeia.

      Se eu sou um nacionalista português, você é um nacionalista brasileiro. Creio que estamos quites. Eu também poderia dizer que os espanhóis levaram alguma decência aos astecas, que se dedicavam à antropofagia, bem como nós, portugueses, a encontrámos em algumas tribos brasileiras, mas é melhor ficar por aí ou ainda terei a infelicidade de o ler a defender o canibalismo como "parte integrante e natural dos povos autóctones".

      Oh, sim, a visão terrífica do espanhol enquanto colonizador. A famosa Lenda Negra, que lamento que tenha importado para o Brasil.
      Enfim, respeito a sua opinião, embora discorde integralmente dela.

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  4. Muito bom o seu texto, Mark. De fato Brasil e Portugal deveriam celebrar os seus laços que não são somente históricos, mas também cultural, linguístico e jurídico. Portugal faz parte parte das três matrizes da sociedade brasileira e do estado brasileiro ao lado da indígena e africana. Não dá pra falar de uma sem falar da outra.

    Falta ao Brasil descobrir Portugal e falta Portugal descobri o Brasil além das novelas da Globo e das músicas da moda.

    Ainda temos uma historiografia que trata Portugal como um país explorador e colonizador, um ponto de vista negativista da colonização. Isso, talvez influencia o modo como Portugal é visto aqui ainda. óbvio que se deve mostrar o que foi a colonização, para o bem e para o mal. Mas devemos ter um ponto de vista que vá além da perspectiva 'colonizador vs colonizado'.

    Eu mesmo faço duras críticas à colonização portuguesa, porque ela está na estrutura dos nossos problemas sociais que ainda não foram sanados, mas sei perfeitamente, que não só de episódios ruins se faz a História da civilização humana.

    Por isso que sou partidário de que deveria ensinar nas escolas e ser objeto de estudos acadêmicos a História um do outro, são esses laços que nos une e que vai nos ensinar a entender as nossas sociedades.

    Um Abraço apertado.

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    1. Olá, Tiago.

      Muito obrigado. Um compatriota seu ainda está influenciado por essa visão do terrível português conquistador. É bom ter a posição de um brasileiro que confirma que essa percepção redutora é ensinada, mal, nas escolas. Incutem nas crianças o ódio pelos portugueses, enaltecendo os ameríndios, esquecendo que, também eles, se atendermos a que a humanidade surgiu em África, ocuparam igualmente aquelas terras. É como diz, assim se faz a história da humanidade. A minha esperança é a de que, academicamente, se faça justiça a Portugal nas cátedras de História! No ensino médio, pelo(s) vist(o), a História é ensinada numa perspectiva muito parcial.

      A colonização portuguesa foi tão ruim como outra qualquer, e veja que não a defendo, como muitos que chegam a aludir a um "lusotropicalismo" (conceito, aliás, que ajudou à sustentação de muitas teorias durante o Estado Novo português).

      um abraço, e obrigado pelo seu olhar esclarecido e verdadeiramente imparcial.

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  5. Adorei este post :)

    Grande abraço amigo

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  6. Já deu para ver que este teu post tem muito que se lhe diga, e na verdade, o "descobrimento" de uma nova terra é como uma moeda, tem dois lados...

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    1. Limite, para a historiografia isenta e imune a preconceitos e ideologias nacionalistas, não há dúvida entre "descobrimento" e "conquista". Para argumentos descabidos, argumentos descabidos e meio: não descobrimos o caminho marítimo para a Índia, porque a bem ver o caminho já lá estava.

      Enfim, aquela é a percepção que muitos brasileiros e americanos das ex-possessões espanholas têm da epopeia peninsular: um bando de malfeitores que escravizou e que lhes fez mal. Esquecem-se de recordar os terríveis sacrifícios humanos praticados pelos astecas e por outras tribos, como se aqueles ameríndios não estivessem sujeitos aos vícios de toda a raça humana.

      E é lamentável que alguns, como o Dominus, não reconheçam o papel exclusivo de Portugal na construção do Brasil. Os bandeirantes, que desbravaram aqueles territórios, que foram além do delimitado pelo Tratado de Tordesilhas, ocupando terras de Espanha, eram maioritariamente portugueses, e os que não eram, decerto que por eles eram comandados.

      Enfim, é preciso ter-se bons conhecimentos de história antes de tecer considerações sem o mínimo de fundamento.

      um abraço, amigo.

      (estes apartes não são dirigidos a ti, mas aproveitei a deixa do teu comentário)

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  7. O assunto é sensível, e depois de quase dois séculos, ainda as coisas continuam a não ser pacíficas, não obstante as razões históricas, quando acompanhadas de algum racionalismo e distanciamento.

    Quando um filho possui qualquer problema, a razão é atirada para uma herança recebida de algum dos pais, quando tem sucesso, foi porque trabalhou sozinho para isso.

    Claro que as razões históricas não são infalíveis, como é bem sabido, e vão sofrendo desenvolvimentos sempre que algo aparece à luz, saído das profundezas de um qualquer arquivo, nem o raciocínio possui um só lado, há sempre quem veja o copo meio vazio, ou meio cheio.
    As sociedades jovens e impetuosas, de uma forma geral, têm sempre tendência para ver as coisas de forma unilateral, no entanto, resta a esperança de que o lado racional venha à superfície, pois, em qualquer sociedade, há sempre quem pense de forma mais rigorosa e desapaixonada ...
    Tive prazer em ler o seu texto, que, no seu contexto histórico e social, me pareceu bastante rigoroso, assumindo uma neutralidade saudável, no entanto, lido por algumas pessoas, pode ser interpretado de forma algo diferente, que nem sempre vai de encontro às razões consensuais históricas atuais.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Olá, Manel.

      Sim. A História não é estática. Reescreve-se conforme novos documentos que surgem, novas provas. Nada é imutável, com a excepção das leis de Deus. Procuramos sempre a verdade, que é só uma. Podem coexistir duas visões de uma mesma verdade. Duas ou mais.

      O que aqui está em causa são, precisamente, duas visões opostas: pela América, ensinam-se os descobrimentos tomando o europeu como o vilão, subjugador de povos; por cá, tendemos a glorificar um passado que tanta projecção nos deu. Eu sou sensível ao argumento de que talvez não tenhamos sido os mais respeitosos com aqueles povos (também há que atender ao estado civilizacional da humanidade naqueles tempos), mas recuso-me a participar, enquanto português e europeu, numa diabolização do meu povo, que só serve interesses nacionalistas. Muitos brasileiros insistem em negar as suas origens e quem os "pariu", como referiu - e muito bem - Carlos Fino. Como o filho que, para se diferenciar do seu pai, o renega. Alguns mantêm aquela vergonha, na medida em que ainda têm o português como o saloio provinciano, que não toma banho, que se chama Joaquim e Manuel, que só sabe trabalhar na confecção e no comércio do pão. Esta é a triste verdade.

      Muito obrigado pelas suas palavras. Eu esforço-me por isso. :)

      Uma boa semana para si também.

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