29 de março de 2016

O meu primeiro beijo.


    Ao percorrer alguns blogues, soube que se iniciara uma breve sequência de textos referentes ao primeiro beijo. Não que seja partidário destas correntes, que não o sou; no entanto, reportaram-me a uma era de inocência pueril e de magia, que não podia deixar passar em vão.

     O meu primeiro beijo teve o romantismo expectável na adolescência. Ainda assim, tive direito a mão no pescoço, a afago na perna, a sorrisos e a um abraço. Deu-se num vão de escadas, no colégio, no final das aulas, numa tarde quente de Maio. Há muito que o desejo pairava sobre nós. Da minha parte, julgo ter havido o que vulgarmente designamos de amor; da outra, um misto de curiosidade e de notória excitação - quando digo notória, abarca as diversas acepções do termo.

    Beijámo-nos bem, sem choque entre dentes, sem saliva a mais. Anos e anos de beijos técnicos na televisão hão-de ter a sua utilidade. Um beijo sôfrego, prolongado, muito pouco estático, inquietado pelo barulho em redor e pelo receio de sermos observados.

   Haveríamos de o repetir noutras ocasiões. Até que nos afastámos, naturalmente. O momento ficou gravado nas minhas recordações. É raro socorrer-me dessas memórias, mas elas perdurarão indefinidamente.

26 de março de 2016

Páscoa.


     A tradição cristã, mormente a católica, leva-nos, cá por casa, a comemorar a Páscoa. É a festividade religiosa preferida da mãe, que não gosta particularmente do Natal. Devo dizer que a Páscoa nunca assumiu significativo relevo para mim. Não goza do brilho do Natal, com todos aqueles enfeites, luzes e brilhos. Como passo bem sem amêndoas e nem sou fã de chocolate, a Páscoa resumia-se, e não era pouco, aos quinze dias de férias, que a faculdade fez questão de reduzir.

      Entretanto, fui percebendo o que a Páscoa implicava. Não que não o soubesse em pequeno, que o sabia, mas não determinava o seu alcance. É uma época de comunhão, como o é o Natal, revestindo-se de especial importância para os crentes. Jesus morreu para a redenção dos nossos pecados, permitindo-nos obter a vida eterna.

      É-me importante acreditar. Não somos um fruto do acaso, que nem o acaso seria inteligente. Haverá uma fonte primária. Bem sei que nos tempos actuais é moda criticar-se a religiosidade alheia, associando-a ao fanatismo. Como se crer na palavra de Jesus fosse antiquado, extemporâneo. Confundem os conceitos. Religião com Deus, com Jesus, assumindo que são uma mesma realidade - que não são. Eu diria que cada um tem o seu rito pessoal, a sua fé, manifestando-a ao seu jeito.

      A palavra de Jesus propagou-se pelo Império Romano pelo seu carácter inovador. Pela primeira vez, um homem teve a coragem de desafiar a autoridade do Imperador e do seu Cônsul, arguindo que o poder que detinham provinha do Altíssimo. Fez-nos a todos iguais, irmãos de sangue, com o dever de nos amarmos; de amar não só a quem nos ama, que nenhuma recompensa traria, mas amar aos nossos inimigos. Um profeta dos escravos, dos doentes, dos oprimidos, dos criminosos - Jesus prometeu o Paraíso ao bom impostor crucificado a seu lado. Que trouxe a salvação consigo. A esperança justificou a adesão, e em poucos séculos Roma estava rendida a Cristo.
        Não há maior pecado do que aquele que possa ser perdoado, assim confiemos na misericórdia infinita de Deus.

23 de março de 2016

De Havana a Bruxelas.


    São três, de entre vários, os assuntos que marcam a actualidade nacional e internacional, em dias particularmente profícuos em acontecimentos. E se anteontem todos tínhamos motivos para sorrir, com a reaproximação entre Cuba e os EUA, esbatendo-se a barreira de décadas que se interpôs entre os dois países, esta terça-feira trouxe a dor, o pesar. O luto.

      Comecemos pela visita histórica de Barack Obama a Cuba, o primeiro Presidente dos EUA a fazê-lo em perto de noventa anos. Após o reatamento das relações bilaterais, no final de dois mil e catorze, a administração Obama tem vindo a estimular os contactos entre os países desavindos. Estivesse Fidel Castro à frente dos destinos cubanos e, provavelmente, não teríamos a oportunidade de visionar a belíssima foto, que certamente ficará nos arquivos históricos da humanidade, de Obama, em sentido, com a imagem do guerrilheiro Che Guevara à sua retaguarda. Um dos últimos bastiões do socialismo dá sinais da abertura ao Ocidente e, quem sabe, à economia de mercado. Obama foi explícito ao reconhecer que a mudança caberá ao povo cubano, e somente ele terá a responsabilidade dessa empreitada. Washington e Havana não serão os melhores amigos a partir de agora. As divergências persistem, mas um primeiro importante passo está dado. Vislumbra-se o levantamento do embargo comercial, imposto desde os anos sessenta do século passado, para muito breve. Não obstante, foram assinados alguns acordos de cooperação em áreas específicas.

    Cuba terá um longo caminho a percorrer. Conhecemos as fragilidades no respeito pelos direitos humanos na terra de Fidel. Não há qualquer liberdade de participação cívica e política. Os cubanos desconhecem os direitos à livre expressão, à livre opinião, à livre manifestação. Ainda que Raúl Castro o evite, há presos políticos. No dia da chegada de Obama, ironicamente, uma manifestação foi reprimida, desanimando todos aqueles, onde me incluo, que se regozijam com estes tímidos avanços.
       Em todo o caso, Obama finalizará o seu mandato, que está a meses de findar, com uma viragem de página nas relações que se querem fraternas entre os povos.


       Gostaria ainda de reservar umas palavras para a polémica em torno da celebração da missa, um ritual religioso católico, em escolas públicas, com alegadas repercussões negativas aos alunos que se recusem a participar. Não me parece correcto que em estabelecimentos de ensino oficiais se realizem cerimónias de culto, sendo, contudo, sensível ao argumento da tradição católica enraizada nas comunidades. O Estado não pode, por dispositivo constitucional, programar a educação dos alunos segundo directrizes religiosas. E a Constituição consagra, sem equívocos, a laicidade do Estado.
      Incomoda-me, também, saber que as homilias têm lugar durante o horário lectivo, o que se me assemelha inaceitável. Vivemos num Estado que não é confessional, que não pode impor aos alunos a submissão a rituais com carácter religioso. Não veria com maus olhos que fosse facultada aos alunos católicos a possibilidade de participarem na missa fora do horário escolar, e que o mesmo não implicasse qualquer desvantagem para os demais que optassem por não se associar.


       A Europa acordou, na manhã de ontem, com as notícias dos hediondos atentados em Bruxelas, já reivindicados pelo Daesh. Será prematuro avançar com informações, é tudo muito recente, sabendo-se, porém, que estará pelo menos um autor a monte. As mortes ascendem a mais de três dezenas; os feridos são às centenas. Impressionou-me imenso os gritos assustados das crianças enquanto abandonavam as carruagens e se encaminhavam para o recinto, que presumo ser o da estação de metropolitano.
        Estes homens vivem indiferentes ao sofrimento alheio, agindo em nome de um deus que decerto rejeita tais banhos de sangue; que não é o deus dos cristãos, nem dos muçulmanos ou dos judeus. O deus desta gente é o deus do terror, da barbárie. Um deus sanguinário que existe nas suas mentes perversas.

          Nós, europeus, vamos perdendo a longa guerra contra o terrorismo. Não nos acostumámos a viver em assombro, teimando em encarar os dias com naturalidade. O inimigo não está à porta; ele habita entre nós. Tornámo-nos mais securitários, mas como conjugar as liberdades individuais com a necessidade que o Estado tem de a todos controlar? É um exercício que temos de encarar com seriedade: se preferimos prescindir um pouco mais da liberdade em prol da segurança. Estamos na defensiva. Lidamos com homens e mulheres que agem sorrateiramente, que estão dispostos a perder a vida por uma guerra que dizem santa.
          Não quero acreditar que este será o nosso dia a dia daqui para a frente. Não nos reconhecemos nesta Europa. Desde o início do século, com os atentados em Nova Iorque, a maior ameaça à paz global é este fenómeno que vai deixando de ser tão novo assim. Actos isolados, cobardes, perpetrados por verdadeiros facínoras.
          Os palcos da instabilidade deixaram de ser aquela realidade distante dos confins do Médio Oriente. Como François Hollande diz, «estamos em guerra». Eu acrescentaria mais: desorientados, cheios de medo, sem saber o que fazer. Eles conhecem o nosso medo e o que temos a perder. Já ganharam. Estamos, desde há muito a esta parte, permanentemente em sobressalto.

21 de março de 2016

A queda de um anjo.


    A recente crise política no Brasil ultrapassou as suas fronteiras, recebendo Portugal as ondas de impacto; pelos laços históricos que nos unem à Terra de Vera-Cruz e pelas alegadas implicações da Operação Lava Jato com um processo que decorre actualmente na justiça portuguesa, a Operação Marquês.

   Lula da Silva, um dos inúmeros nomes envolvidos nestes mega processos judiciais, vê-se confrontado com a indignação dos seus opositores e com o apoio velado de quem acredita que tudo não passa de uma perseguição política àquele que foi um líder incontestável no Brasil. Lula, com o PT, e durante os anos dos seus mandatos, ajudou a construir uma classe média até então inexistente; com os programas "Bolsa Família" e "Fome Zero", milhões de brasileiros puderam estudar, saciar a fome crónica que teimava em colocar o país nos números cimeiros de todas as listas de desigualdades sociais. Em suma, Lula da Silva foi o obreiro de um país mais justo, mais humano, mais igualitário. Dilma, sua sucessora, seguiu os seus planos, não possuindo, todavia, o carisma do ex-Presidente.

    De modo a escapar à investigação judicial e a uma possível detenção ou até mesmo prisão preventiva, Dilma pôs à disposição de Lula um cargo ministerial, e Lula aceitou-o. Sendo ministro, Lula responderia tão-só perante o Supremo Tribunal Federal. Na prática, ganharia uma quase imunidade, em virtude de escapar à alçada do juiz Sérgio Moro, tido como implacável e que tem em mãos este processo que visa também Lula. Dos onze juízes que compõem o STF, oito foram nomeados por Lula e por Dilma. A promiscuidade avizinhava-se.
     Qualquer cidadão cumpridor, honesto, com a sua consciência tranquila, pelo contrário, colaboraria com a justiça, sem temê-la e sem receios. Já diz o povo: «Quem não deve, não teme». Lula, com a sua atitude, encorajou as vozes críticas, quase que se incriminando. Se tanto, deu azo a que incrementasse a desconfiança que paira sobre si.

   O que se seguiu foi todo um espectáculo degradante que humilha o Brasil. Acções e providências cautelares infindáveis por um lado, pronunciamentos favoráveis dos magistrados por outro, até que o Supremo Tribunal Federal se decidiu, e bem, a meu ver, pela suspensão de Lula da Silva, que poderá, entretanto, recorrer ao plenário do Supremo. Ao que a imprensa veicula, o STF pronunciar-se-á definitivamente no final deste mês. Inocente ou culpado daquilo de que o acusam, não é digno, seja em que democracia for, que um suspeito da prática de um crime exerça qualquer cargo político. Diz-nos o bom senso. O mesmo bom senso que não orientou correctamente Lula. 

     Há quem fale em politização judicial. A independência de alguns magistrados ligados ao processo tem vindo a ser questionada, nomeadamente de Moro e dos juízes envolvidos nas decisões sobre a suspensão ou não do mandato de Lula enquanto ministro do governo de Dilma Rousseff - sobre quem há muito recai um descontentamento generalizado, pedindo-se o impeachment da "Presidenta". Um caso longe de ser pacífico, arrastando o nome do Brasil para as páginas dos jornais de todo o mundo.

     O risco que os intervenientes correm é notório: Lula pode perder todo o prestígio que conquistou com o seu legado. De bestial, passar a besta, manchando o seu nome na história, em particular na história do Brasil; Dilma seguir-lhe-á os passos, com a agravante de poder vir a ser destituída. O que me preocupa mais, devo dizer, é o risco que o Brasil corre, de descrédito, de estar na mira de todos os organismos internacionais, incluindo aqui a imprensa - que já vai estando. O povo brasileiro não o merece, não depois de tantas décadas de exploração e de sacrifício. Um país que ultrapassou a crise, cuja economia crescia, catapultando-o para o lugar mais que devido de potência. O «impávido colosso» que agoniza com o que lhe têm feito, com a corrupção que se propaga pelos seus alicerces e os corrói, impedindo-o de lograr «a grandeza» vitoriosa que evoca o seu belíssimo hino.

       Que tudo não vá além de um sonho ruim para a querida Nação-irmã.

19 de março de 2016

Pai.


      De sempre desconfiei das boas intenções dos dias alusivos ao pai, à mãe, aos avós. A julgar pelo comércio em torno dos sentimentos mais primários do indivíduo, o mesmo que dizer da sua afeição pelos progenitores, eu considero que foi muito bem conjecturado. Ainda que não queiramos, somos induzidos a comprar uma lembrança, àquele telefonema especial, a ponderar na balança da consciência as nossas (más) acções e omissões...

     Recordo-me de estar no colégio e, como todos, de fazer o meu próprio presente a ofertar ao pai. Há um que guardei particularmente na memória: uma escova para os sapatos, pintada e envernizada à mão. Ao meio, a palavra Pai, cunhada pelo meu próprio dedo. Depois de devidamente ornamentada, foi envolta em papel celofane, verde.

      O pai, tal qual a mãe, nunca foi muito atento a estes mimos. Via, claro, gostava, mas logo colocava de parte. E eu em nada ficava desiludido. Queria brincar, e pouco mais. O amor do pai nunca se materializou em gestos espontâneos ou premeditados de zelo e devoção. Presente, amigo, protector, sem dúvida alguma carinhoso, mas simultaneamente distante de algumas necessidades prementes de qualquer criança.

      Nunca o tive como referência. A mãe substituiu-o em todas as vertentes, restando pouco mais do que a sua presença física e espiritual. A separação aproximou-nos, primeiramente, afastou-nos, para nos acercar novamente, de há um ano para cá, até nos quedarmos em períodos de contacto ou distanciamento. Por ora, estamos alheados um do outro. 

      É provável que lhe ligue, não obstante sentir certa hipocrisia no gesto. Sei que nem sempre o terei e, conhecendo-me, amaldiçoar-me-ei por ter sido mesquinho. Eu gosto do pai. Sinto a sua falta. Sei que o amo à minha maneira, como também sei que lhe custa termos perdido aquela relação tão constante no tempo e no espaço, não perfeita, com alguns vícios, entretanto robusta e sólida.

        Confio que o futuro nos será brando, e que, aí, talvez possamos recomeçar no ponto em que ficámos.

17 de março de 2016

Nicolau Breyner (1940 - 2016).


   O Nicolau era aquele homem a quem assentava perfeitamente o epíteto de "gajo porreiro". Um bon vivant, estroina, na melhor acepção do adjectivo. Magnânimo actor, versátil, adaptável a todos os registos, desde a televisão ao cinema, passando pelo teatro, que o aborrecia pela monotonia. Produtor, realizador...

   A sua morte, precoce e imprevista, consternou. Ouvi o que a Ana Bola disse, colega de carreira, e concordo inteiramente. O Nicolau incluía-se naquele restrito grupo de pessoas a que não concebemos sequer a ideia de que possa morrer. Temo-las diariamente nas nossas vidas. São-nos familiares. Pertencem ao imaginário colectivo. Assim era com Nicolau Breyner. O seu sorriso perpassou mais de quatro décadas, invadindo-nos os serões, presente nas incontáveis séries que realizou e em que participou.

    Ganhou o afecto e um lugar cativo no coração das pessoas. Os seus colegas são unânimes em reconhecer-lhe o trato fácil, a amabilidade, a atenção, a generosidade. Dificilmente encontramos alguém tão consensual na sociedade portuguesa. Após a divulgação da notícia que dava conta do seu falecimento, multiplicaram-se as mensagens de pesar, transversais aos mais diversos quadrantes da vida pública. Do Presidente à senhora que o atendia no restaurante, todos lamentaram a partida súbita de um amigo, do homem bom.

   O público perdeu um grande artista. Alguém ainda cheio de projectos, no auge da sua maturidade e criatividade. Nicolau, furtivamente, deixou cair o pano antes dos aplausos finais. Roubou-lhes a cena. Não assistiu às homenagens que agora lhe prestam, mas estou em crer que morreu sabendo o quão era estimado pelos portugueses.
      Sentiremos a sua falta.

14 de março de 2016

Visita ao Palácio de Belém.


  Sábado de manhã. Um dia soalheiro. O Presidente decidiu permitir que portugueses e turistas estrangeiros visitassem a sua residência oficial, o que equivaleria ao acesso aos jardins, ao Museu da Presidência e aos cómodos do palácio, incluindo o gabinete presidencial, que não está acessível ao público.

    Não gosto de enchentes e evito misturar-me. Contando com a afluência desmesurada, resolvi ir bem cedo. O dia estava convidativo, propiciando a que me levantasse e decidisse enfrentar a multidão. Felizmente, dada a hora, deparei-me com uma fila não tão extensa assim. Em meia hora consegui entrar. Os polícias foram céleres na vistoria. Passei pelo detector de metais, claro está, entrando de imediato nos jardins.

    Ainda não havia estado no Palácio de Belém, muito embora tenha um familiar próximo que mora naquela zona da cidade. Os jardins são belos, sim, mas julguei-os mais sumptuosos. Desengane-se quem pensa que o palácio é demasiado faustoso e imponente. Não é. Daí que tenha sido preterido por D. Carlos, por não ter a dignidade suficiente para albergar o Rei de Portugal. Tem algumas fontes, cercado que está por espaços amplos, verdejantes. Nada que me impressionasse sobremodo.











                                                                                                            


    

     Dirigi-me, de seguida, ao interior do palácio. Algumas divisões estavam vedadas. O meu interesse recaiu por inteiro no gabinete do Presidente. Salas palacianas conheço muitas. Assim mesmo, considerei-as desprovidas de adereços, de artesanato. Soube que algumas peças foram deslocalizadas para outros palácios, nomeadamente o Palácio de Mafra.
















    


   

       Guardei a visita ao Museu da Presidência para o fim. É um museu interessante, contemplando uma galeria que contém os retratos oficiais dos Chefes de Estado, alguns objectos e fotos, insígnias e ordens honoríficas. Tem uma parte interactiva, na qual podemos fazer pesquisas. Uma maquete do palácio, explicando a sua história. Está dividido em dois pisos. 
        Devo dizer que o museu compensou um pouco a má impressão que o palácio e o staff presidencial me deixaram. Não houve qualquer visita guiada e nenhum tempo tive para poder apreciar o seu interior e o recheio. Quase que nos encaminhavam compulsivamente para a saída (do palácio; não dos jardins). Compreendo que houvesse uma imensidão à espera, todavia, concluindo que um dia por si só não era o suficiente, estendiam a iniciativa ao dia seguinte, domingo.













       No cômputo geral, aconselho a visita ao palácio e ao museu. Belém tem sempre o seu interesse. E o conhecimento, tal qual o saber, não ocupa lugar.

10 de março de 2016

A tomada de posse e o discurso do Presidente.


     Assisti, como certamente milhares de portugueses, à investidura presidencial do Senhor Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa. Um dia que começou cedo por São Bento. Marcelo chegou pelo seu pé, prescindindo de uma viatura, anunciando aquele que será um estilo pessoal muito próprio. Sorridente, embora algo nervoso, subiu a escadaria do Palácio. Lá dentro, esperava-o a fina-flor do Estado. Confiante, fez o juramento solene com a mão direita sobre a Constituição da República Portuguesa, de 1976, a versão original saída da Constituinte. Seguiu-se-lhe um discurso muito rico, literariamente bem redigido, repleto de mensagens subliminares de relevo, a que me proponho analisar.

     O Presidente, recém-empossado, começou por falar na riqueza cultural que temos - a nossa língua, vínculo que nos une a milhões de seres humanos. Na Pátria, no amor e na saudade que o une à terra em que criou os seus filhos e espera ver crescer os netos. Aludiu ao milagre de Ourique, aos nossos primórdios, na pessoa de Afonso Henriques, iniciando o seu discurso nas origens da nacionalidade. Ao povo português dirigiu o seu primeiro pensamento, leal, afectuoso e de memória. O Presidente quis recuperar um sentimento patriótico que se vem perdendo, sem receio de o fazer. O patriotismo, o apego à Pátria, ficou associado ao Estado Novo, mas Marcelo pretende resgatar um certo orgulho que se desvaneceu.

       Às palavras de apreço institucional à Assembleia da República, aos ex-Presidentes, a Sua Majestade o Rei de Espanha, ao Presidente da República de Moçambique e ao Presidente da Comissão Europeia, Marcelo sublinhou a importância das relações de boa vizinhança, de fraternidade com os povos lusófonos e de estímulo à integração europeia, assente na igualdade e na união.

        Regressando à exaltação dos valores históricos, o Presidente citou um herói português do século XIX. Mencionou Zamora, o tratado que instituiu a nossa independência de Leão, em 1143, e a Bula Manifestis Probatum est, na qual o Papa reconhecia formalmente a validade do Tratado de Zamora e a nossa independência, em 1179. Uma vez mais, Marcelo evocando a história quase milenar do Reino de Portugal. Percorreu, então, a Idade Moderna, com a nossa expansão marítima, passando pela Restauração de 1640, pelas missões de paz e pelo grupo de capitães que obrou a Revolução de 1974. O herói português era um soldado, e Marcelo quis demonstrar como Portugal é um feito de soldados, de homens de guerra. Ao 25 de Abril deixou uma palavra de reconhecimento. Anunciou-se a democracia e a transmutação do Império Colonial na Comunidade de Povos de Língua Portuguesa que nos agrega, selada na paz e no respeito.

         A memória reportou-o, uma vez mais, aos tempos de deputado constituinte, quando votou a actual Lei Fundamental. A mensagem do Presidente é, aqui, bem clara. Ele conhece a Constituição, ensinou-a por quarenta anos; cumpri-la-á e fará com que ela se cumpra. Assumiu-se enquanto um guardião escrupuloso do texto constitucional.

       Na senda do respeito pela Constituição, Marcelo reconheceu a estrutura basilar do nosso Estado de Direito Democrático - o respeito da dignidade da pessoa humana. Foi específico e contundente: falou, sem delongas, das «pessoas de carne e osso», dos milhões de pobres e de excluídos, das diferenças entre regiões, grupos e classes sociais. Manteve-se fiel aos compromissos abraçados pelo Estado, de respeito pela liberdade religiosa, de expressão, de pensamento, de opinião, cujas responsabilidades da sua defesa atribui a todos. A visita à Mesquita de Lisboa, propiciando-se o diálogo ecuménico, foi uma demonstração desse empenho firmado na sessão solene do Parlamento.

         Aos valores da Constituição, Marcelo quis cimentar o valor do mar, a plataforma que nos aproximou dos demais povos, a nós, um vértice constituído pelo Continente, pelos Açores e pela Madeira. O mar, à semelhança da história, é uma das prioridades do novo Presidente. Portugal, na perspectiva de Marcelo, tem um lugar privilegiado nas relações entre os povos, lugar esse que advém da nossa vocação histórica e marítima, sem xenofobias. O Estado deve, assim, apostar na educação, na cultura, na ciência, sem temer o passado. Uma palavra sobre o nosso Estado de Direito Democrático e o respeito pela tradicional separação de poderes, pela autonomia político-legislativa das Regiões Autónomas e pela autonomia político-administrativa do Poder Local. O Senhor Presidente não olvidou os direitos sociais, incumbência do Estado, nos domínios económico, social e cultural.

        A atenção de Marcelo recairia, então, no sector económico, e o Presidente foi peremptório ao afirmar que o poder político não pode e não deve ceder aos interesses económicos. O poder político não deve, num assomo «dirigista», pegando numa palavra do Professor, manietar a sociedade civil - Marcelo é um liberal moderado - no entanto deve impor regras e corrigir injustiças. E o Presidente deve, portanto, promover os consensos necessários.

        Gostaria de salientar o que o Presidente proferiu no parágrafo seguinte. A Constituição, «como toda a obra humana, não é intocável». Desvendo um possível conteúdo ideológico nestas palavras. Poderá extrair-se a ideia de que o Presidente é favorável a que a Assembleia da República reveja a Lei Fundamental.

        Falando no plural, na segunda pessoa, o Presidente defendeu que devemos ser capazes de levar em diante reformas nas instituições, pautadas pelos valores que nos regem, onde inclui, pela primeira vez no discurso, a valorização do ambiente e a equidade entre as gerações. A partir de então sempre na segunda pessoa, devemos ainda honrar os nossos compromissos, nomeadamente os que se revelam de assaz relevância na nossa política externa, como os assumidos na União Europeia, na Comunidade de Países de Língua Portuguesa e na Organização do Tratado do Atlântico Norte. Também aqui o Presidente não renegou a conveniência de se empreender uma reflexão de espírito solidário, dirigindo-se à crise dos refugiados e às desigualdades no seio da CPLP.

         Precisamos recuperar o «amor-próprio», num incentivo à esperança, lutando com a sabedoria e a experiência, para que afastemos as crise cíclicas que nos afectam. Devemos ser capazes de lutar contra a corrupção, o clientelismo e o nepotismo, que empobrecimento, injustiças e conflitos despoletam, reafirmando a qualidade e a capacidade da nossa Justiça, Segurança Social e Administração Pública.

           Marcelo pretende ser um elo pacificador, após crises que acentuaram as divergências e a polarização da sociedade portuguesa, referindo, de novo, os consensos a que está disposto a promover. Para os cinco anos vindouros, carecemos de reforçar o que nos liga à Pátria - o valor transcendental da Pátria, sempre presente pelo discurso presidencial, de efectivar a criação de emprego, reforçar a coesão nacional, o crescimento económico e a viabilidade financeira do Estado. Itens muito programáticos, que não dependem apenas, mas também, do Presidente.

           No término do discurso, Marcelo guardaria umas derradeiras palavras de incentivo e de confiança no futuro, apelando ao que de melhor subjaz no colectivo nacional português. Apelou à coragem, à perseverança, ao bom ânimo. À honestidade. Diz-se um Presidente de todos, «que não é a favor, nem contra ninguém», conquanto, isso sim, seja a favor do jovem que procura emprego, da mulher, do pensionista e do reformado, do agricultor, do industrial, do comerciante, do trabalhador. Um servidor da Pátria, da Pátria que quase que clama por si. Citou Torga.

          Esta é a minha interpretação do prolixo discurso do Senhor Presidente. O primeiro de uma leva de intervenções no quinquénio seguinte. Não duvido de que Marcelo Rebelo de Sousa não hesitará em sair dos muros de Belém, auscultando os anseios do povo. Procederá a Presidências abertas. Deslocar-se-á ao Porto, nesta sexta-feira, não descurando uma cerimónia protocolar na segunda maior cidade do país. No dia de sábado, o Palácio de Belém estará aberto aos visitantes. Marcelo quer ser o homem que aproximará o órgão de soberania Presidência da República dos cidadãos. E, continuando assim, estará no bom caminho.

* Todas as citações do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa constam entre aspas, e em itálico.

8 de março de 2016

O dia da mulher.


    Em Agosto último, tive a oportunidade de escrever um artigo sobre a mulher, numa perspectiva histórica e num enquadramento jurídico. Poderão, querendo, consultá-lo aqui. Remeterei para lá, nesse sentido, todo e qualquer aprofundamento que se pretenda obter nesta matéria, nos respectivos domínios.

     O dia de hoje é assinalado pela Comunicação Social, percorrendo as redes sociais. As pessoas terão consciência do que está em causa? Evocando a mulher, não se pretende apenas prestar uma homenagem à sua singularidade enquanto mãe e ser inegavelmente sensível e ponderado (em comparação com o homem). Este dia pretende, e daí o seu carácter internacional, alertar para as desigualdades e para as discriminações que persistem em países cujos ordenamentos jurídicos não contemplam a igualdade material e formal entre o homem e a mulher. E são muitos.

      Ser mulher, actualmente, em determinados Estados, implica passar-se por processos vexatórios, por mutilações, por atentados à honra e à dignidade. Implica, também, estar-se sujeita à alçada do pai, primeiramente, e do marido, pela vida fora, não tendo qualquer autonomia, como consequência da impossibilidade de estudar e de trabalhar; herdar menos do que os homens; não gozar de quaisquer direitos políticos e de cidadania; ter a sua vida permanentemente ameaçada, valendo, inclusive, esta menos do que a do homem.

       No Ocidente democrático, ao abrigo da legislação, começando pelas leis fundamentais e terminando nas leis extravagantes, a mulher é formalmente igual ao homem. Está protegida de quaisquer ameaças à sua integridade física e moral. Ainda assim, no contexto laboral, sabemos que as mulheres auferem menos do que os homens pelo mesmo trabalho e que a precariedade aumenta quando estamos perante uma mulher. Que são assediadas no seu local de trabalho. Que no quotidiano são censuradas por adoptarem comportamentos tidos como tipicamente masculinos. A igualdade está ainda longe de ser plenamente atingida.

        O Dia Internacional da Mulher continuará a fazer sentido. Por todos estes motivos o assinalamos. Muito há a fazer por forma a que possamos dizer, sem equívocos, que a discriminação em função do género foi liminarmente eliminada.

4 de março de 2016

O fim de um ciclo.


      No dia nove do presente mês, o Presidente da República eleito, Marcelo Rebelo de Sousa, substitui o ainda Chefe de Estado em exercício de funções. Findo o mandato de Cavaco Silva, cumpridas as formalidades da tomada de posse do novo Presidente, quebra-se um ciclo de quarenta anos de vida política, iniciado já no longínquo ano de 1980, quando Cavaco Silva foi convidado para integrar o VI Governo Constitucional.

      De lá para cá, Cavaco Silva alcançou a chefia do Governo, em 1985, e duas maiorias absolutas, em 1987 e em 1991. Portugal era um recém parceiro europeu, integrado há pouco tempo nas Comunidades. As remessas de fundos estruturais começavam a chegar à periferia da Europa. O país conheceu um desenvolvimento notório, o que permitiu a Cavaco Silva consolidar a sua posição enquanto Primeiro-Ministro. Os portugueses reconheciam-lhe firmeza. Com efeito, a sua postura técnica e austera, discreta, inspirava confiança no eleitorado. Cavaco Silva é homem de poucos afectos públicos.

       Mil novecentos e noventa e cinco traria um novo rumo para o país, dez anos transcorridos desde que Cavaco Silva passara a liderar um executivo. O povo foi contundente em dar a vitória ao Partido Socialista. Havia muito que se fazia ouvir a voz da contestação pelas ruas do país. A convivência entre Cavaco Silva e o então Presidente da República, Mário Soares, foi bem pouco pacífica durante os respectivos mandatos de ambos. A popularidade do ex-Primeiro-Ministro social-democrata não ficaria diminuída, posto que, no ano seguinte, em 1996, perdeu as eleições presidenciais, ganhas por Jorge Sampaio, por uma margem não significativa.

   Porém, só na década seguinte, em 2006, Cavaco Silva chegaria a Belém. E se traços do seu conservadorismo já haviam sobressaído nos anos de governo, nomeadamente quando vetou a obra de José Saramago ao prémio europeu por motivos de religiosos, Cavaco Silva seria a força de bloqueio a algumas reformas que o país carecia, por forma a que se esbatessem certas desigualdades entre os cidadãos. Em todo o caso, desempenhou os dois mandatos presidenciais fiel a si mesmo, no comportamento ascético que lhe é conhecido.

        Rigoroso, todavia no cumprimento da Constituição, deu posse ao segundo governo de José Sócrates, em 2009, na sequência do acto eleitoral legislativo, do qual resultou um executivo de maioria relativa. As divergências entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro acentuaram-se. Dois anos depois, em 2011, aquando da crise política desencadeada pelo pedido de resgate financeiro, empossou um executivo da sua confiança, com Pedro Passos Coelho enquanto líder do PSD e Primeiro-Ministro, sendo complacente com uma política de austeridade ideológica, que não se confunde com medidas excepcionais no necessário equilíbrio das contas públicas, que teve repercussões nas camadas mais vulneráveis, o grosso da população portuguesa. Já em 2015, adiou na indigitação e posterior nomeação de António Costa e do executivo que este lhe apresentou, um engulho que a custo ultrapassou.

       Sobretudo no segundo mandato presidencial, Cavaco Silva não deixa boas lembranças aos portugueses. Foi omisso quando se esperava interventivo. O silêncio que demonstrou, em determinadas situações, consternou os cidadãos, até em indiscutíveis seus apoiantes. Foi um Chefe de Estado distante das pessoas e dos naturais anseios da população. Insensível e indiferente à realidade do país. Cúmplice de políticas que devastaram o nosso tecido social. Um correligionário do anterior Governo, no lugar de tradicional moderador e até, eu diria, aliado do povo.

      Com Marcelo Rebelo de Sousa, irrompe um capital de esperanças, em quem votou em si e até junto daqueles aos olhos dos quais não mereceu confiança. Todos são unânimes em reconhecer que Portugal precisa de um novo Chefe de Estado, com outra atitude perante o país e os desafios que atravessamos.