29 de novembro de 2015

Almost December.


   O ano aproxima-se da recta final. O último mês, para muitos o mais aguardado. Tenho um sentimento misto com Dezembro. Por um lado, mantenho a ingenuidade própria das crianças. Anseio por montar a árvore, por decorar a casa. Gosto do lado festivo do Natal. Da iluminação, incluindo nas ruas, do reboliço, das músicas, dos gorros e dos cachecóis coloridos. O reverso encontra alguma melancolia nas recordações que traz, dos anos em que tive verdadeiramente uma família. Não a melhor, a mais equilibrada: a minha, e dessa sinto profunda saudade.

    Por vezes, é como se lutasse contra uma maré. Têm-me dito de que se trata apenas de mais uma época, que seria suposto relativizar a importância que dou a dois dias desvirtuados por completo do seu sentido primitivo. Refuto a crítica. As semanas natalícias são, no fundo, o pouco que ainda não foi tomado pelo realismo da vida adulta. Em verdade, o que consegue colocar-me um brilho nos olhos, um sorriso, um dinamismo qualquer que afaste a apatia.

    Lisboa, salvo determinadas ruas, mergulhou num negro muito pouco enquadrado com um final de Novembro, em que seria suposto vislumbrar a árvore gigante, dignamente decorada, e a Avenida da Liberdade com alguns encantos. A Rua Augusta, graças à vertente marcadamente comercial, tem luz, brilho e decorações privadas que nos dão um cheirinho a Natal. Espero que revertam esta situação o quanto antes, até porque os gastos do orçamento municipal em iluminação são compensados pelo estímulo a que as famílias saiam ao centro da cidade, consumam, se divirtam e fujam dos centros comerciais.

      Por cá, nada fiz. Ninguém tem paciência, ninguém me acompanha. Preciso ganhar coragem para tirar a árvore e para me empenhar na decoração. Comprei, há umas semanas, dois mimos no El Corte Inglés: uma rena vermelha, que posteriormente troquei por uma castanha, por defeito, e uma bola de pano também em tons rubros. Creio que o vermelho, o dourado e o prateado, este último menos, são as cores ideais para uma árvore. Não excessivamente ornamentada; a beleza encontra-se no equilíbrio. Queria comprar enfeites novos. Decidi substitui-los gradualmente, dado que já conjecturo a minha lista de presentes (disse-o há uns anos: não troco presentes, comprando o que gosto; mando fazer os embrulhos e ofereço-me... tem piada para mim). Além do presépio, o que completa o aparato em torno da árvore são, precisamente, os embrulhos no chão.

      A mãe diz-me que ainda falta muito até ao Natal. Nós sabemos que não é assim. E a excitação não me permite que fique confortavelmente à espera que a quadra se concretize. Nada, nem os sonhos, se confirma se não perseguirmos.

25 de novembro de 2015

O dia seguinte e os desafios.


     Para minha surpresa, Cavaco Silva decidiu-se pela indigitação de António Costa. Muito embora esta fosse uma das possibilidades, é notório que o Presidente da República não o fez de bom grado. Adiou o mais possível, reuniu-se com personalidades de vários quadrantes, incluindo da banca, deixou claro que a tradição constitucional portuguesa leva a indigitar o líder do partido ou da coligação mais votados. Foi, efectivamente, uma decisão de ultima ratio, depois da rejeição do Parlamento ao programa do Governo ainda em gestão. Relembro que António Costa e os membros da sua equipa ministerial ainda não foram nomeados.

     O Presidente da República fez exigências a António Costa. Algumas foram noticiadas pela imprensa. Com toda a movimentação em Belém, parecia certa a indigitação do secretário-geral do Partido Socialista.
     Um Presidente da República deve garantir soluções de estabilidade para o país. Não me merece qualquer crítica a actuação de Cavaco Silva. Conhecendo os desafios pelos quais o país atravessa, sabendo de antemão que a esquerda em Portugal é avessa a entendimentos, Cavaco Silva procurou, dentro dos poderes que tem, assegurar que o próximo executivo a empossar é estável, duradouro. O compromisso que procurou ver firmado quanto ao Orçamento de Estado isso o evidencia. O país não pode correr o risco de assistir a sucessivas quedas de Governos. A durabilidade e a confiança são palavras de ordem nos dias que correm. Já a exigência de estabilidade nos mercados financeiros parece-me pouco plausível, acompanhando eu aqui o entendimento do meu estimado Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Nas circunstâncias actuais, e num mundo globalizado, em que todos os países são susceptíveis a crises que não despoletaram, ao impacto da própria instabilidade internacional, ninguém poderá garantir segurança alguma nessa matéria. Pode e deve, isso sim, certificar-se de que Portugal manterá a sua tradicional postura europeia, atlântica, cumpridora. Conquanto seja um crítico da subserviência à União Europeia, considero que este momento não é o mais indicado para que possamos fazer valer qualquer vontade ou pretensão. E sabemos como o PCP e o BE são anti-europeístas. O apoio destes partidos é fulcral para a sobrevivência de um Governo minoritário do PS.

      Costa tem sérios desafios pela frente. O primeiro será o de pacificar a sociedade portuguesa. Há quem não tenha visto com bons olhos esta manobra partidária que derrubou o Governo da PàF, ainda que seja totalmente legítima atendendo ao nosso quadro constitucional. O Governo de Costa estará irremediavelmente sob suspeita da direita e dos seus apoiantes. O segundo desafio despontará com o próximo Presidente. Seja ele qual for, sabe em que moldes esta solução governativa surgiu. Poderá ceder à tentação de devolver a voz ao povo, ao mínimo indício de crise no seio da, como direi?, convenção de esquerda. O terceiro, pegando onde terminei, será o de manter este suporte parlamentar. Há quem ponha em causa o futuro dos acordos entre PS, BE, PCP e Os Verdes. Aguentar-se-ão unidos se algo correr menos bem? Veremos. O quarto desafio será o de manter o equilíbrio das contas públicas. Já ninguém de bom senso defende que o rigor se não deve manter. O tempo das obras faraónicas já lá vai nos idos anos noventa. Portugal é pobre, pouco produz, não se basta (nem energeticamente...), é dependente. Geramos pouca riqueza, temos de viver com o que temos. Contudo, esse equilíbrio não deve ser cego e obstinado, perdendo-se a razão, a humanidade. Não há progresso assente na injustiça, em cortes abruptos e desproporcionais nos salários e nas pensões, recuando nos direitos sociais, atentando contra a protecção da confiança das pessoas no Estado social. Costa deve comprovar manifestamente a sua diferença face à direita a que tanto se opôs; deve demonstrar, sem margem para erro, que o PS diferencia-se do PSD. Que há uma alternativa. Que não «são todos iguais».

      Se superar os quatro desafios supracitados, auguro-lhe alguma tranquilidade. Caso contrário, arriscará a uma pena severa: o julgamento do povo e a desforra de Passos Coelho, de Paulo Portas e de todos quantos assistirão de perto, muito de perto, ao seu desempenho governativo.

22 de novembro de 2015

Primeiras medidas.


    A maioria parlamentar, expressando a vontade dos eleitores, iniciou funções discutindo matérias fracturantes, que não reúnem o consenso na sociedade portuguesa. Uma delas assenta na revogação das recentes medidas aprovadas pelo Governo anterior no que respeita à obrigatoriedade de a gestante recorrer a uma consulta médica antes de se decidir pela interrupção da gravidez, bem como a abolição das taxas moderadoras introduzidas. Ainda se decidiu revogar a possibilidade de médicos objectores de consciência poderem participar nas consultas. PS, BE, PCP e Os Verdes apresentaram projectos de lei propondo a revogação destas alterações introduzidas já no final da anterior legislatura. A maioria votou favoravelmente. Essas alterações, depois de concluídos os trâmites, serão expurgadas do ordenamento jurídico.

      A minha posição quanto à IVG é clara: sou contra quando está em causa a mera opção da mulher. Respeito, contudo, a decisão do povo referendada em dois mil e sete, encerrando (pelos vistos não definitivamente) uma questão que se arrasta há mais de trinta anos. Nesse sentido, era favorável à obrigatoriedade da consulta, podendo discordar pontualmente dos seus moldes, assim como defendia a manutenção das taxas moderadoras. O Estado está obrigado constitucionalmente a proteger a vida. Não deve, por isso, participar nos atentados à vida humana, incluindo intra-uterina. É uma questão de coerência. Quem quer interromper a gravidez, pois bem, pague-o do seu bolso. Parece-me claro.

       Estava também em cima da mesa a adopção por casais compostos por membros do mesmo sexo. Como sabemos, até então qualquer cidadão, preenchendo os requisitos exigidos por lei, podia adoptar singularmente. Contudo, o regime estava vedado a casais compostos por pessoas do mesmo sexo, casados ou unidos de facto. O que a maioria parlamentar pretendeu, e fez aprovar na generalidade (que não tem nada que ver com "no geral"; trata-se de um trâmite que mais à frente explicarei), foi eliminar as barreiras legais que impediam que esses casais pudessem ter acesso ao regime. Sublinhe-se que dezanove deputados do PSD votaram favoravelmente, no seguimento do entendimento da JSD, que não se opôs à adopção por casais compostos por membros do mesmo sexo. Para muitos, fez-se história no Parlamento português com estes projectos de lei do PS, BE, Os Verdes e do PAN. O PCP, que segue uma linha um pouco mais conservadora nesta matéria, historicamente defendendo o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, mas tendo reservas quanto à adopção, não deixou de votar a favor.
     Acompanhando a adopção, discutiu-se também o apadrinhamento civil de menores por casais compostos por pessoas do mesmo sexo, que teve igual desfecho favorável. As leis n.º 7/2001, de 11 de Maio e 9/2010, de 31 de Maio vão sofrer alterações que lhes permita contemplar as novas realidades aprovadas.

           No tocante a estes objectos, a minha posição é totalmente favorável. Uma criança institucionalizada carece de amor, de condições que lhe possibilitem um crescimento saudável, afectuoso, digno. Se um casal, independentemente do género dos seus membros, está disposto a receber uma criança em sua casa, assegurando o seu conforto, a sua segurança e a sua educação, é tudo quanto baste. Deve-se, todavia, esclarecer para um ponto: a adopção é um direito da criança, não dos adultos. Quando ouço falar: "Os homossexuais têm o direito de adoptar", faço um reparo que comporta uma substancial diferença: as crianças é que têm direito a por eles ser adoptadas. Todos têm direito a propor-se a adoptantes.

           Na semana que hoje se inicia, serão ainda confrontados os projectos de lei referentes ao alargamento das técnicas de reprodução medicamente assistida. O regime legal actual apenas permite o acesso à procriação medicamente assistida por casais heterossexuais, casados ou unidos de facto, com problemas de infertilidade. O que se pretende é universalizar o acesso, independentemente do estado civil, da orientação sexual e de quaisquer dificuldades férteis. Preciso madurar a minha posição. Quer-me parecer que quem não tem dificuldades em engravidar deve poder fazê-lo naturalmente, ou seja, recorrendo à relação sexual. Mas, como disse, preciso reflectir melhor, até porque um casal de senhoras tem direito a constituir família.
        O BE apresentou, finalmente, um projecto sobre a maternidade de substituição, vulgo barrigas de aluguer, onde ainda se me levantam maiores dúvidas.


           No que respeita à IVG e à adopção, a aprovação deu-se na generalidade. Foram debatidos, discutidos e votados. Os projectos de lei passarão à especialidade, sendo alvo da análise das comissões. Na especialidade, serão sujeitos a nova votação (artigo 168.º, n.º 4 e 5 da Constituição). Só no final deste processo voltarão a Plenário para a votação final global (168.º, n.º 3, última parte da Constituição), com o posterior envio para o Presidente da República. Há um longo caminho a percorrer até que tudo se conclua. 
            As manifestações de euforia, compreensíveis, devem ter lugar no final, quando, de facto, os projectos de lei se tornarem leis, imperativas junto de todos. É um primeiro passo, primeiro e relevante passo.

18 de novembro de 2015

O homem e o cão.


    Um homem senta-se num banco de madeira, de cor verde carcomida pelo desgaste. Acompanha-o um cão, rafeiro, pequenino, de olhar sadio, brilhante. Deixou-o preso a um saco desportivo, preto, enquanto se dirigiu à superfície comercial. Saiu, minutos mais tarde, carregando um sumo de marca branca e uma caixa, que presumo contendo alimentos já confeccionados. O cachorrinho empoleira-se com as patas dianteiras nas pernas do dono, abanando freneticamente a cauda envolta na pelagem seca e suja.

      Acaricia a cabeça do animal, que cerra os olhos, sentindo o afecto, o carinho de um indivíduo a quem a vida já fez das suas. Alto, de meia-idade, cabelo louro, comprido, amarrado atrás da cabeça por um elástico. Traços caucasianos, sem dúvida, mas não do sul da Europa, eu diria. Enverga um casaco roçado, que pouco desce a cintura, realçando umas calças de padrões quadriculares, castanhos e brancos, excessivamente curtas em baixo.

      Vi-os mais do que uma vez. Têm-se por companhia. Passam indiferentes à vida que os circunda. Aquela que, pelos reveses que lhes foi impondo, os terá impelido à marginalização. Não contribuem, não votam, não existem. Não têm cabimento nos enunciados políticos de boas vontades. São um imenso nada numa sociedade injusta e desigualitária.

       Tornou a sentar-se para se levantar de seguida. Pegou no cão pela trela. Dissiparam-se na névoa da noite.

15 de novembro de 2015

Paris.


    Paris, 13 de Novembro de 2015. Um grupo de homens armados dispara indiscriminadamente sobre inocentes que seguem calmamente as suas vidas. Fazem reféns, gritam palavras de ordem, aludem à Síria e ao Iraque. Matam centenas; comovem milhões. A escolha da capital francesa não terá sido ao acaso. França é um dos pilares da civilização ocidental. Lá, embora fortemente influenciada pela Glorious Revolution, cem anos antes, terminou o Antigo Regime; lá, eliminaram-se as barreiras legais, sociais, culturais que se erguiam entre os homens; lá, defenderam-se princípios que se propagaram pelo mundo, que instituímos por intermédio das revoluções liberais que pautaram todo o século XIX. Pátria-Mãe da Liberdade, da Igualdade, da Fraternidade.

     Se os ataques ao complexo do World Trade Center, em Nova Iorque, feriram o coração dos E.U.A, os atentados do fatídico dia de ontem atingiram um vértice do ocidente. Abalaram um sistema de valores assente na dignidade da pessoa humana e em regimes democráticos, pluralistas. A instabilidade, o caos e os massacres deixaram de ser um distante eles, passando a ser um confinante nós. A França, ali tão perto...

     Não podemos aceitar que o medo vença. Não podemos cair no risco de criar uma sociedade big brother em que o Estado a todos vê e segue. Outros o tentaram, não há muito tempo, e não conseguiram. Se somos tolerantes, flexíveis, complacentes, assim devemos continuar. São esses os valores que propugnamos. Agir em conformidade não significa ceder ao terror, assimilando-o. Tão-pouco retroceder nas conquistas que obtivemos, regressando à barbárie, à espada na mão e ao crucifixo ao peito. Reconhecer e defender a matriz cristã, que faz parte da Europa, da América, prescinde de guerras santas.

      Vê-los como uma facção que não representa o comum islâmico. Porventura, teremos subestimado a sua capacidade em provocar a desordem. Aumentar a segurança sem nos tornarmos demasiadamente securitários. Unir esforços. Perceber que um país não se basta, que as fronteiras políticas, no que a nós diz respeito, não estão por Vilar Formoso ou por Elvas, mas para os confins da Europa de Leste. Evitar sucumbir ao ódio irracional, às reformas legais a quente, ao preconceito. Não esquecer o que se passou a poucos dias. Aprender lições.
        São estes os desafios que espero ver superados.

11 de novembro de 2015

A queda de um executivo.


     No dia de ontem, viveu-se um momento já considerado por muitos como histórico. Em boa verdade, dificilmente preveríamos a consonância entre a(s) esquerda(s). Após semanas de duras e exigentes negociações, PS, BE, PCP e Os Verdes deram os acordos por encerrados, guardando as respectivas assinaturas para o final da manhã de terça.
      O debate e a votação do programa do Governo são exigências constitucionais. A sua não aprovação, do programa do Governo, entenda-se, acarreta a demissão do executivo (195.º, número 1, alínea d) da Constituição). Não se poderá dizer que PSD e CDS esperariam outro desfecho, porquanto a esquerda dissera que apresentaria moções de rejeição ao programa, daí que pouco se tenha discutido o programa propriamente dito, sobretudo no último dia do debate. Assisti a acesos confrontos políticos, numa direita que se sente injustiçada por ter ganho, em seu entendimento, o acto eleitoral legislativo último, e por uma esquerda que, junta, perfaz o número de mandatos mais do que suficiente para derrubar um Governo que careça da sua confiança.
   Formalmente, os governos emanam da composição da Assembleia da República, como tive a oportunidade de esclarecer em sucessivos artigos. Não houve qualquer vício que obstasse à inviabilização de um Governo da PàF. O Parlamento é a assembleia representativa de todos os portugueses, assumindo-se que os deputados, eleitos por sufrágio directo e universal, representando o povo, têm toda a legitimidade para formar alianças (aqui em sentido amplo) com demais forças que tenham obtido assento parlamentar. No caso em apreço destes acordos à esquerda, não estamos perante qualquer coligação, podendo-se falar numa mera convenção parlamentar. À partida, PS formará Governo com o apoio pontual do BE, PCP e Os Verdes em matérias nas quais lograram atingir um consenso. Convergiram nas suas metas comuns, não abdicando, a isso sou levado a crer, das orientações ideológicas irrenunciáveis de cada partido.
     A decisão, uma vez mais, está nas mãos do Presidente da República. O Chefe de Estado agirá em conformidade, tendo-lhe sido comunicada a rejeição do programa do Governo através da votação da moção apresentada pelo PS, com os votos favoráveis de toda a esquerda parlamentar, incluindo do recém-eleito deputado pelo PAN.
       É quase certo que Cavaco Silva tornará a reunir com os partidos políticos com assento na Assembleia. A indigitação (e posterior nomeação de um Governo por ele liderado) de António Costa é um dos cenários possíveis. Outro incide num Governo de iniciativa presidencial, que, todavia, careceria sempre da anuição da Assembleia da República. Desde 1982, com a primeira revisão constitucional, os governos não dependem mais da confiança política do Presidente da República, mas também não podem subsistir sem a concordância do Parlamento. A revisão, assim, diminuiu consideravelmente os poderes do Chefe de Estado. "Caindo" um presumível Governo de iniciativa presidencial, o que aconteceria atendendo à maioria de esquerda coesa, teríamos um Governo de gestão até às próximas eleições legislativas. Um Governo de iniciativa presidencial não seria um cenário inédito em Portugal; houve-os durante os mandatos do primeiro Presidente da República eleito por sufrágio universal após a Revolução de Abril, o general Ramalho Eanes. Há ainda uma terceira possibilidade: manter o actual executivo demissionário em gestão até ao acto legislativo, o que prejudicaria, sobremaneira, Portugal perante os seus parceiros europeus, enfraquecendo-o ainda junto dos mercados (queira-se ou não, necessitamos deles).
        Algo é certo: fechou-se um capítulo. A trama não ficou por aqui.

9 de novembro de 2015

Desafio.


   O Goody, do blogue Good blog Bad blog, seleccionou o meu blogue a participar em mais um dos desafios que pairam na blogosfera. Estes questionários acompanhados de pequenas ilustrações foram muito comuns há uns cinco anos. Regra geral, acabo por aceder de boa vontade. Não faria a desfeita, e sou um pouco como a saudosa Amália: fico sempre emocionado quando se lembram de mim. Há um pouco de hipérbole nesta última afirmação, atente-se. E também não me "caem os parentes na lama" por associar-me a estas iniciativas, que tão-só promovem a interacção e a partilha. É bom para descontrair. Vamos lá...

1. Como escolheu o nome do seu blogue?

   Já contei esta história mais do que uma vez. Ainda que se pense que escolhi As Aventuras como um prenúncio de relatos super emocionantes da minha vida e outros que tais, não tem nada que ver. Em dois mil e oito, havia terminado há poucos meses a tour da Mariah Carey - The Adventures of Mimi - no seguimento do seu álbum multipremiado e o mais vendido do ano (dois mil e cinco) nos E.U.A, The Emancipation of Mimi. Achei piada e inspirei-me. Pronto. As Aventuras... de Mark, eu, claro está. E dá-me certo gozo saber que há quem venha preparado para ler grandes textos pessoais e depois leva com a ocupação neerlandesa do Ceilão.

2. Quantos anos tem o seu blogue?

    Exactamente sete anos e seis meses.

3. Quais eram as suas expectativas quando criou o seu blogue?

   Nenhumas. Daí que durante dois anos não tenha seguido ninguém e tão-pouco alguém me seguia. Escrevia para mim. E ainda hoje não guardo qualquer expectativa. Escrevo porque gosto, porque me faz bem. Não só para mim, evidentemente, de outro modo escreveria num caderno ou algo do género. Mas, em primeiro lugar, tenho o blogue por mim e só porque me dá prazer.

4. Qual o maior desafio em manter o seu blogue?

    Ter assunto. Eu não consigo escrever por escrever. Não tendo uma matéria, que poderá incidir inclusive sobre a minha vida, pontualmente, não me sai uma linha dos dedos. É-me inútil sequer sentar-me em frente ao portátil ou ao híbrido e tentar escrever. A menos que escreva um conto, uma história, whatever, e mesmo aí tenho de estar inspirado.

5. Qual foi a sua maior surpresa na blogosfera?

    Ver relações virtuais extrapolarem para a vida real, digamos assim. Nunca imaginei conhecer pessoas através de um blogue que criei despretensiosamente numa noite de inícios de Maio.

6. O que ainda o motiva a manter o seu blogue?

    Como referi acima, ter prazer na escrita, na partilha. Gostar de dissecar assuntos, escrever sobre temas que me apaixonam.

7. Já teve problemas com comentários de anónimos no seu blogue?

    Já. Há muitos anos. Não passei bilhete. Quem não gosta, tem bom remédio. O que não falta por aí são alternativas. Não ligo a mínima. Se for um comentário ofensivo, nem termino de ler. Apago instantaneamente.

8. O que aconselharia aos novos blogueiros? Quais são as suas dicas?

    Quem sou eu para aconselhar... Talvez para não levarem isto muito a sério. É um blogue, vive-se lá fora. Não ficar preso demais ao virtual. Dicas... Humm, vai um lugar-comum: sejam eles mesmos (risos).

9. Indicar este selo a cinco blogueiros e avisá-los para responderem.

     Como vai sendo de praxe, faça quem quiser. :)




5 de novembro de 2015

In memoriam.


    No último domingo, fui ao cemitério. Talvez por ser Dia de Todos-os-Santos, talvez porque necessitava de um contacto qualquer com familiares que já cá não estão. A maioria deles repousa no mesmo, facilitando em certa medida essas visitas pouco frequentes, pela disponibilidade, pelas recordações que pretendo evitar, pelo carácter algo sombrio de se percorrer aquelas ruas circundadas por lápides antigas, jazigos ao abandono, sepulturas anónimas. O silêncio é apaziguador, quase infinito, perturbado por algumas pessoas que passam; trabalhadores camarários, sobretudo.
     Não pedi a chave do jazigo à avó. Bastar-me-ia depositar umas flores, rezar (não necessariamente as orações católicas, ainda que seja inevitável benzer-me). Há quem sinta a presença dos que o amaram, uma paz. Nada sinto. Em verdade, ali jazem os seus despojos mortais, revelando cruamente (e cruelmente...) o que somos: uma massa disforme que só sobrevive na memória e em suportes criados pela tecnologia. Na falta desses meios, não fosse o registo de nascimento, a certidão de óbito e os contratos que celebrámos atestando a nossa existência, seríamos um algarismo na imensidão das estimativas.
     Como acontece com todas as solenidades pelas quais se pretende honrar ou homenagear alguém, o Dia de Todos-os-Santos e o Dia de Finados, sendo que este é especialmente dirigido às visitas às necrópoles, não deixam de encerrar em si certa hipocrisia, considerando, não obstante, que há sempre mérito na vontade em lembrar um ente que faleceu. Acredito que o mais importante seja o carinho que se tem, as lembranças que se guardam.
      Andei durante algum tempo por lá. É enorme. Não senti que tenha cumprido um dever, pelo contrário, que a minha circunspecção não permite que os esqueça.
      Reservei os momentos finais para conhecer a capela, bonita, intimista, a meia-luz, com um Cristo ao fundo, sofrendo, na cruz. Detive-me à Sua frente e falhei-Lhe directamente, sem rodeios e sem palavras previamente construídas. E senti que me escutou. Revelei-me, a ponto de perceber que conhecia o que ainda não houvera dito, murmurando. Sem intermediários. Eu e Ele.

      Nunca fui um homem devoto. Crente, sim, passando por crises que me levaram a desconfiar de Deus, por sentir que habitamos um lugar terrível e injusto, sem mais. Na necessidade, pela fraqueza, não nego, de me justificar e de me confortar, motivar, procuro-O.
       Estou a aprender a não me sentir mal ou iludido por o fazer.