14 de outubro de 2015

As Presidenciais.


   Após as legislativas, e ainda em período de indefinição quanto à composição da nova equipa governamental, as atenções pairam em torno das eleições presidenciais, não deixando por isso de se dar o devido destaque às negociações entre os partidos representados no Parlamento tendo em vista a formação de um futuro governo.

     Teremos as eleições presidenciais em Janeiro, em princípio. Partindo da esquerda, Edgar Silva é o candidato do PCP. Um nome desconhecido para a maioria dos cidadãos. Temos ainda outro candidato certo: Sampaio da Nóvoa, que reúne o apoio do LIVRE (e de uma ala do PS). Pelo PS, já é seguro avançar que Maria de Belém, ao que tudo indica a horas de acontecer, anunciará a sua candidatura, com ou sem o apoio categórico do partido. Pelo PSD/CDS, embora não seja ainda o candidato dos partidos, é provável que Marcelo Rebelo de Sousa congregue em si o apoio da coligação, considerando que não será, à partida, o candidato mais tranquilizador para Pedro Passos Coelho. Admito que me falte algum nome e não rejeito a possibilidade de Rui Rio ou Santana Lopes poderem trazer algo de novo nestes dias que se seguem.

         No sistema português, semipresidencialista, o Presidente da República é mais do que a figura de topo da hierarquia do Estado, representando-o. O Presidente goza de prerrogativas constitucionais que o munem de importantes e decisivos poderes. A Constituição enuncia as suas competências. Eleito por sufrágio universal, a sua legitimidade é directa, não emana de nenhum outro órgão de soberania, mas do povo. Nem sempre foi assim. Nos anos da I República (1910-1926), o Presidente era eleito pelo Congresso, que o podia destituir. Em 1959, na sequência dos acontecimentos que abalaram o regime, com epicentro nas eleições presidenciais do ano anterior, em que Humberto Delgado não foi eleito por fraude ardilosamente arquitectada pelo Estado Novo, a eleição do Presidente da República deixou de ser directa, passando para a responsabilidade de um colégio eleitoral, que evidentemente viria da Assembleia Nacional, controlada pela União Nacional, melhor dizendo, pelo regime.

          A imprensa o diz e a popularidade do candidato não a desmente: o Professor Marcelo Rebelo de Sousa é o candidato presidencial melhor posicionado para suceder a Cavaco Silva. Uma vez mais, a Comunicação Social interfere decisivamente num acto eleitoral, manipulando o eleitorado, levando em braços um candidato até Belém. Eu arriscaria a dizer que de forma nunca antes vista no nosso país, recordando-me, de momento, do candidato Collor de Mello, no Brasil, que foi apoiado expressamente pela Globo, chegando, assim, ao Planalto. Emídio Rangel, já falecido, comentava com certa ironia: «Dêem-me uma estação de televisão que eu dou-vos um Presidente.», sabendo, de antemão, do poder dos órgãos de Comunicação Social junto das pessoas.

          Ninguém duvida da simpatia do Professor, do seu espírito leve, descontraído, e talvez por isso agregue em si tanta empatia, carinho, esperança. Intenções de voto... Eu seria a pessoa menos insuspeita para falar do Professor. Não fui seu aluno, embora o conheça, o respeite e o admire. É um homem encantador. Humilde. Não há aluno que lhe aponte um defeito, uma injustiça cometida, um impropério dito ou um tique arrogante e sobranceiro. Politicamente, todavia, não poderíamos estar em pólos mais opostos. Não sou religioso, não sou da sua área política tendencial e não acredito, como não poderia deixar de ser, em «Presidentes de todos os portugueses». Essa fórmula, inventada por Mário Soares para apaziguar a sociedade portuguesa depois das duras (e renhidas) eleições presidenciais de 1986, não fará mais sentido algum, sabendo nós que os Presidentes são homens com naturais inclinações políticas, cedendo à tentação de favorecer os governos e os partidos das suas famílias políticas. Tem sido assim desde 1976, conquanto venham a  suspender a  filiação partidária. Não passa de um malabarismo, mera manobra de distracção, quase um imperativo ético.

       A esquerda, por seu turno, encontra-se dividida, apresentando vários candidatos. Poderão até, havendo uma segunda volta, apoiar determinado candidato contra a direita, não obstante a dificuldade quase doentia em conseguir um entendimento alargado. Maria de Belém não é consensual. A sua maior vantagem está, e com noção do ridículo o digo, no facto de ser uma senhora. Há quem queira ver, onde me incluo, um pouco da sensibilidade feminina em Belém, que os géneros são iguais em direitos e em deveres, mas são manifestamente distintos em tantas vertentes. É biológico. Não é opinião. Os candidatos mais à esquerda do PS e todos quantos se apresentem por partidos politicamente insignificantes, tomando como bitola a representatividade, ou não, na Assembleia da República, nomeadamente, são mero efeito desestabilizador, atraindo o voto dos descontentes. Com toda a legitimidade na corrida, a vitória de um candidato do LIVRE não é sequer ponderável.

            Assume-se a eleição legislativa como o paradigma dos actos eleitorais. Por certo, eleger os deputados que nos representarão na AR é da maior importância. Dela resultará um Governo, que por uma legislatura, quatro anos, liderará os destinos do país. Mas eleger um Presidente comporta responsabilidades que não podem ser subestimadas. Termino como comecei: o Presidente não governa, preside, com amplos e significativos poderes. Um Presidente, querendo, poderá ser um aliado do povo, em sentido amplo, moderando os devaneios próprios de governos. E isso teremos de ter em conta na hora de delinear a cruz no boletim de voto.

20 comentários:

  1. Pelo menos vcs estão vivendo um momento de esperança em algo melhor. Por aqui tudo anda negro e sem perspectvas.

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    1. Da minha parte, querido amigo, esperança alguma. Acredito que os portugueses encarem os próximos anos com esperança. A vitória da coligação PàF nas legislativas últimas isso o evidencia.

      Quanto às presidenciais, são igualmente decisivas. Espero que a abstenção diminua.

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  2. visto daqui, e a esta distância, apetece-me ir votar no ex padre do PC. se a Belém for à segunda volta, voto nela, e elegeremos a primeira mulher PR

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    1. Eu assumo a minha preferência por Maria de Belém. Gostaria que uma senhora fosse Presidente da República.

      Não sei se iremos a uma segunda volta.

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  3. Gostaria que aqui fosse assim, um Presidente presidindo e um Governo governando. Equilibraria mais os poderes. Parece mais limpo.
    Seus últimos posts têm me esclarecido muito sobre a política portuguesa, seu regime e sistema. Eu sabia bem pouco. Conhecia as caras mais importantes, sabia da distinção Presidente/Governo mas pouco mais.

    Abraços!!

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    1. O sistema brasileiro, presidencial, tem as suas vantagens, atendendo à realidade brasileira, tão diferente da nossa.

      Obrigado. Tenho de seguir mais plataformas do país irmão. Sinto essa necessidade, se bem que já acompanho algumas.

      abraço.

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  4. Adorei o teu texto, escreves muito bem, apesar de eu dar o meu voto a MRS. Talvez porque simpatize com ele enquanto grande comentador. Mª de Belém não irá ter o meu voto, devido à crise das flores nos anos de dois mil, onde foi dito que a senhora gastou dinheiro em flores com os donativos a favor do cancro. Onde há fumo, há fogo...

    Confesso que também estava tentado a votar numa mulher, caso houvesse. Teria de fazer uma grande campanha de honestidade com provas dadas. Votaria mais depressa na Senhora Eanes. Pena não ter apoio de ninguém

    Grande abraço amigo

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    1. «Cada cabeça, sua sentença», neste caso, seu voto. :) Marcelo Rebelo de Sousa é um homem encantador, é a verdade, e a verdade deve ser dita. Eu gosto imenso dele. Claro que isso não leva a que acompanhe o seu pensamento político. Atenção, é indiscutivelmente um homem inteligente, mas cuidado com o argumento do "simpatizo com ele porque é um grande comentador". Isso não implica que seja um bom Presidente. :)

      Nem sempre há fumo onde há fogo. Há boatos. Lembro-me mal da actuação política de Maria de Belém. É como referi: é uma senhora, e pronto. Gostaria de ver uma Senhora Presidente. Na falta de melhor opção... É que não há nenhum candidato que me "preencha as medidas".

      Manuela Eanes, uma senhora!

      abração.

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  5. Ainda não sei bem em quem irei votar, digamos que neste momento a "coisa" está preta como este governo está. Mas até lá terei tempo para me decidir.

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    1. Tens tempo. :) Também creio que terei de reflectir melhor...

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  6. tenho tempo, também.
    e o candidato Vieira? ;)
    terei de ler os seus programas quando se aproximar a data.
    neste cargo, embora tenha um partido por trás, vota-se nas pessoas. gostaria de ver uma mulher, mas se até agora o PS esteve calado quanto a quem apoia, até lá chegar, alguém irá desistir. porque continuar por continuar é casmurrice e desperdício de dinheiro.
    veremos.
    bjs.

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    1. Não faço ideia de quem seja. :)

      Sim, vota-se na pessoa, não no partido (ou nem tanto no partido...).

      O PS anda preocupado com o futuro governo. Há umas movimentações à esquerda; fala-se de um governo "de esquerda" (com o PCP e o BE, presumo). Creio que tanta leviandade quanto às presidenciais poderá prejudicá-los (mais).
      Veremos.

      um beijinho.

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  7. Boa tarde. Dei com o seu blog através de uma pesquisa pela internet. Muito boa análise. Gostei do enquadramento constitucional e histórico. Sou jurista, presumo que também seja. Fui aluno do Senhor Professor, terá o meu voto pelo que referiu. É uma pessoa maravilhosa, que muitas saudades deixou. E acredito que venha a ser um bom Presidente.

    Cumprimentos.

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    1. É essa a impressão que o Professor deixa nos seus alunos, e não só. :)

      Competente, certamente seria (ou será...). Sabe bem quais as competências de um Chefe de Estado. Temo, sobretudo, alguma parcialidade e ingerência.

      Obrigado pela sua visita.

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  8. Nossa, aqui no Brasil vivemos um período extremamente "esquisito" em relação a política, a sensação que paira é que ninguém sabe ao certo o que acontece... Interesses, a enorme quantidade de informação disponível e acho que até "os novos tempos", tem causado grande furor na sociedade...

    Mas confio que isso é positivo, sinal que há espaço para todos possam se manifestar, infelizmente nem todos o fazem de maneira correta ou sincera!

    Que vocês tenha muita boa sorte também, sei que vem de período bastante conturbado e duro!!!

    Abração.

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    1. O povo brasileiro tem demonstrado grande participação cívica, manifestando-se, reivindicando os seus direitos. Bastante mais interventivo. Não se sujeita passivamente.

      As manifestações são próprias de uma sociedade plural. O que acontece é que em alguns Estados a polícia não respeita o que ditam as suas leis, reprimindo, quantas vezes utilizando para o efeito uma violência desmedida.

      Vem aí um período de grande incerteza...

      abração, amigo.

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  9. "a Comunicação Social interfere decisivamente num acto eleitoral, manipulando o eleitorado, levando em braços um candidato até Belém." - Acho que esta tua frase resume muito do que, infelizmente, acontece nos nossos atos eleitorais.

    Quanto aos candidatos, concordo contigo no que te referes a MRS - um bom professor, mas será um PR parcial. Conheço algumas pessoas que foram alunas dele e o adoraram.

    Maria de Belém... Bem, não gosto dela nem um bocadinho. Tenho uma vaga e difusa imagem do seu desempenho enquanto ministra, mas sempre fiquei com a sensação que foi uma péssima ministra da saúde, e que depois criaram o "tacho" do Ministério da Igualdade à medida dela.

    Sampaio da Nóvoa, conheço mal. Contudo, o facto de ser um ex-reitor e um académico, em muito abona a seu favor, na minha opinião.

    Edgar Silva, para mim um ilustre desconhecido até há umas duas semanas (parece que na Madeira é bastante conhecido). Todas as pessoas que o conhecem e com quem tenho falado, têm-me dito coisas fantásticas dele (a história dos miúdos das caixinhas, por ex.), e noto mais que um apoio partidário, um grande respeito.

    Contudo, não apareceu a minha candidata ideal: A camarada Odete!

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    1. Então, até acertei no facto de Edgar Silva ser um desconhecido entre os militantes do PCP. :) Tinha essa ideia. Eu não o conhecia, alargando o espectro.

      Aproveito e acrescento um candidato (soube ontem): Henrique Neto. Fica aqui o apontamento. Saliento a quantidade de candidatos de centro-esquerda. O PS podia vender candidatos na praça, numa banca!

      Oh, a querida Odete. Como creio que te disse, admiro-a e seria bem capaz de votar em si. :) Mas a Odete é uma mulher com M maiúsculo. Não se move pelo poder; move-se pelas injustiças que detecta.

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  10. Não sei mesmo em quem irei votar.. é um assunto que me deixa um bocadinho ignorante.

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    1. Em breve começarão com os debates, presumo. Depois do Natal. Esclarecerás as tuas dúvidas.

      Confesso que olho para alguns candidatos com reserva. Estou indeciso.

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