24 de agosto de 2015

O Comboio da Esperança.


    É assim que lhe chamam os milhões que atravessam a Europa em busca de um sonho, um sonho de ventura, da bonança que os esperará quando avistarem, ao longe, o cume da Torre Eiffel, o Coliseu de Roma, o Portão de Brandemburgo. Para isso arriscam as suas vidas. A terra natal está lá atrás, onde ficaram os pais, os avós, as brincadeiras de criança, de barriga vazia e pé descalço, na tranquilidade só perturbada quando ao clima de paz se sucediam levas de conflitos com Estados vizinhos ou guerras civis.

     Percorrem quilómetros a pé, e por quantas vezes atravessam o Mediterrâneo em embarcações de papel, frágeis, lotadas, naufragando os desejos e os seus corpos exangues. Chamam-lhe refugiados. Os mais distraídos preferem a designação imigrantes ilegais. São tudo e são nada. Apenas pessoas sem nome, de história que ninguém quer saber. Filhos da tragédia. Por agora, tudo o que querem é deixar a Grécia, viajando pela República da Macedónia e conseguindo passar a fronteira da Sérvia. Depois, o medo do desconhecido não consegue superar o entusiasmo. E é isso que vemos nos seus rostos: a alegria, as risadas de contentamento quando conseguem obter um lugar disponível no comboio que lhes promete uma nova vida na terra das oportunidades, a velha Europa. Nem o calor que se faz sentir nos vagões cheios os demove. Enfrentam, em condições sub-humanas, a dor, a fome, as ordens de policiais que os acompanham. Aos que não conseguem, o que resta é esperar nos campos de acolhimento, instalados nas imediações das linhas ferroviárias, sujas, de cheiro nauseabundo, repletas de lixo.

    Para os líderes europeus, não passam de números. Números que engrossam as estatísticas. A Convenção de Genebra, de 1951, define o seu estatuto, os seus direitos. A generalidade dos Estados europeus é signatária. Cumprir, todavia, com os preceitos da Convenção torna-se mais complicado. Teme-se que levas de refugiados inundem a Europa sem que os Estados receptores reúnam os requisitos mínimos para os acolher. Com efeito, aumenta-se o controlo fronteiriço, inclusive nas fronteiras marítimas, mas o que fazer quando famílias inteiras com mulheres e crianças pequenas conseguem entrar no território de um Estado? Criar condições para que aí se fixem, possam estudar, trabalhar, seguir as suas vidas calmamente, longes do cenário de instabilidade que os trouxe. Sem embargo, há que olhar para o tecido económico e social do Estado receptor. Não é censurável que definam numerus clausus, negando-se a aceitar todos os refugiados que ultrapassem essa barreira legal imposta.

    A política dos homens e das mulheres poderosos pouco importa a quem nada tem, excepto uma força que germina e que os impele a procurar por uma existência mais digna.

23 comentários:

  1. Uma questão complexa. Não sei bem o q dizer sobre o tema ainda. Por aqui, mesmo com dimensões bem menores, vivemos algo semelhante com os refugiados Haitianos.

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    1. Sim, Paulo. O Haiti é o país mais pobre de toda a América, do norte ou do sul. Um país que tem sofrido bastante às mãos da impiedosa Natureza.

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  2. com a devida diferença, lembro-me de quando saímos de Angola. eu não me recordo, claro, mas entendes. fizeram a chamada ponte aérea e depois de horas no aeroporto, lá conseguimos embarcar, com os pouco haveres em caixotes e muitas das loiças da minha mãe chegaram em cacos. durante muitos anos, um jarro de cristal violeta escuro no armário de vidro da sala simbolizou esses tempos. foi a única peça que sobrou de um conjunto do casamento da minha mãe. mas estes refugiados são tratados quase como criminosos, com a polícia na fronteira. mas foi só mencionarem que apenas queriam passar por ali, para a Macedónia lhes arranjar transporte. já na Grécia, é o que se vê. e a UE? é mais importante a dívida dos países do que os seres humanos. acordou tarde. acordou, mesmo?
    na Alemanha, são recebidos por nazis e xenófobos. é esta a Europa solidária?
    bjs.

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    1. Os retornados, oh, quanto passaram!... Perderam tudo com as independências (mal preparadas...) daqueles territórios. Os governos da altura pouco podiam fazer quando o regime de Oliveira Salazar adiou o inevitável. Os guerrilheiros queriam a independência total, imediata e incondicional. Pela Guiné-Bissau, à época a Guiné Portuguesa, só faltava, efectivamente, o reconhecimento por Portugal, porquanto já tinha declarado unilateralmente a sua independência.

      Por cá, os retornados, aos poucos, foram-se integrando na estrutura da velha metrópole. As feridas, essas, levaram anos a cicatrizar, as que cicatrizaram...

      Sim, as autoridades macedónias, do mal, o menos, têm-se portado minimamente bem. Lá instalaram um campo de refugiados, insalubre, claro, outra coisa não se esperaria. A Europa tende a esquecer-se da sua destruição e do quão útil foi uma ajuda externa. No entanto, por um lado compreendo as reacções mais temerosas: é a maior leva de refugiados desde a Segunda Grande Guerra. Como integrar todas essas pessoas? É complicado.

      um grande beijinho.

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  3. Este é um tema bastante delicado e de opiniões não consensuais, como seria de esperar. Olho para os refugiados com tristeza e, muitas vezes, dou por mim a questionar-me: como agiria se me encontrasse naquele contexto?
    Como eles, talvez. Quereria fugir a todo o custo de uma zona conflituosa, que não proporcionava segurança, sobretudo quando se tem filhos e, como pai/mãe, talvez quisesse o melhor para eles. Todos o querem!
    No entanto, também compreendo que acolhê-los a todos seja uma tarefa praticamente impossível e que envolve esforços/burocracias impensáveis...
    Não sei que rumo irá ter esta vaga, mas certamente com reflexos não muito positivos para a velha Europa.

    Um abraço!

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    1. Exacto. Por um lado, há que olhar para as necessidades daquelas pessoas. É natural que queiram sair; pelo outro, a par do altruísmo, é compreensível que os Estados de acolhimento fiquem apreensivos perante estas levas. São milhares e milhares. E, entre eles, é provável que estejam alguns mal intencionados, que muitas vezes não se integram na estrutura do país receptor. Bom, a Convenção isso prevê. Podem ser expulsos.

      Tocaste num ponto fulcral: muitas daquelas pessoas vêm à deriva com filhos pequenos nos braços. Por esses filhos, nem tanto por eles. Essas pessoas têm de ser ajudadas. É legítimo lutarem por um futuro diferente para os seus filhos. Enquanto pai, faria o mesmo, provavelmente, vendo o meu filho passar fome ou estar sujeito a que um míssil o matasse.

      um abraço, Sam!

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  4. Vamos ver o futuro daqui a uns tempos. Quando a maioria não fala inglês ou francês. Já estive na Jordânia e sei do que falo entre outros países islâmicos. As mulheres não tem direitos e vão continuar sem eles. As Mesquitas irão fazer a sua parte...

    O Tempo dirá se não teria ser preferível terem tido o apoio do Kuwait, Dubai, Arábia. Há lá mais trabalho, porque tem mais dinheiro. Mas, o povo não pensa duas vezes...

    Se há portugueses e europeus no Dubai. Falamos do mesmo?! Ou estarei errado?!

    Grande abraço amigo

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    1. Francisco, nem todos os refugiados são oriundos de países islâmicos, amigo, ainda que uma boa maioria o seja. Há refugiados por perseguições políticas, religiosas, até homossexuais, por exemplo, que procuram refúgio porque nos seus Estados de origem seriam julgados e condenados por práticas homossexuais. Isto para alertar que o universo dos refugiados é bastante amplo.

      um abraço grande, amigo.

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  5. Amigo, desculpa não concordar contigo. Vem todos de África, Médio oriente e do oriente vem do afeganistão, irão e bangaladesh. Tudo mulçumano...

    Quando estão em alto mar, tem de orar um texto do corão. Quem não souber, é atirado ao mar e morrem afogados. Dez cristãos de uma só vez. Os Gays igual. Engraçado, elas saem dos barcos com lenços na cabeça tão lindos, quem diria que andaram dias a pés... A nojice, acontece depois quando chegam a terra. 3 km de mar, é suficiente para mandar muita gente para a outra dimensão....

    Grande abraço amigo

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    1. Nem todos os países africanos são islâmicos. Francisco, há refugiados para além do mundo islâmico. É isso que te quero dizer. A grande maioria, de momento, será de lá. Mas um cidadão angolano que se sinta perseguido pelo governo angolano e que, por esse motivo, peça o estatuto de refugiado a Portugal, não é um refugiado islâmico. Ou um homossexual bielorrusso, sei lá, que se sinta perseguido por o ser.

      O facto de a maioria ser islâmica não significa que todos o sejam. Estes oriundos do Médio Oriente, sim, são.

      um abraço, amigo.

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    2. Também veem cristãos, Francisco. Não serão a maioria nem me parece que esse seja o maior problema... apenas um dos muitos problemas que trazem

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    3. Exactamente. Cristãos perseguidos em países de maioria islâmica. Refugiado não é sinónimo de muçulmano. Muitos judeus foram refugiados desde que Hitler chegou ao poder na Alemanha. Houve refugiados portugueses durante o Estado Novo, and so on.

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  6. Mark, as convenções não são apenas para refugiados? Isto aplica-se a 100% dos emigrantes que entram na Europa?
    Pensei que apenas havia obrigação de asilo para refugiados políticos, etc.

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    1. Sim, Goody. A Convenção de 1951 aplica-se somente a refugiados, ou seja, pessoas perseguidas em função da nacionalidade, religião, convicções políticas, ideológicas, etc.

      Não se aplica aos imigrantes ilegais que entram na Europa. O estatuto de refugiado é restrito e as condições para se ser considerado refugiado constam na Convenção de Genebra. Uma pessoa que entre ilegalmente em determinado Estado para trabalhar, ganhar dinheiro, não é um refugiado. Ser-lhe-ão aplicadas as medidas que esse Estado prever em matéria de imigração ilegal. E sim, só há obrigação de asilo para refugiados. :)

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  7. Estava a referir aos que chegam de barco pelo mediterrâneo. Os outros pedem asilo político e acho muito bem que lhes seja dado. A Europa deveria receber os mulçumanos gays que são enforcados, chicoteados, perseguidos por terem facebook e não um gajo que entra num comboio e diz que encontrou armas de alto calibre e que era para fazer um assalto... Isto é a Europa no seu melhor. Amanhã (daqui a umas décadas) vamos ver quantos comboios são incendiados como os carros nos arredores de Paris (aos dias de hoje) e que a comunicação social não fala...

    As pessoas deveriam ler o livro das "Vendidas". Um pai mulçumano casado com uma inglesa que vende as filhas a troco de dinheiro e de vistos. Envia os filhos para a guerra no seu país de origem. Tudo o que é "arraçado" é para matar. Só os mulçumanos é que são puros...

    Vamos ver como está a Europa daqui a 20 anos. Estarei eu a escrever este blogue nos Estados Unidos, Brasil, Austrália?!

    Abraço amigo e desculpa estar a escrever tantos comentários...

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    1. Amigo Francisco, o meu blogue é um espaço plural. Comenta sempre que queiras e faz-me o favor de partilhares as tuas opiniões. :) O que se quer é opiniões que enriqueçam o debate, sejam quais forem. Liberdade de expressão total.

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  8. O problema é que a continente Europeu es´ta fragilizado quer em termos sociais e financeiros. Essa "enchente" de pessoa, os refugiados que tanto querem uma vida melhor, dificilmente a terão.

    Penso que já tinha dito num outro blogue, este tema é polémico pois não há uma opinião que seja a mais "correta" se bem que o mundo está cheio delas e são poucas as que dão origem em algo prático que minimize as consequências da "enchente".

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    1. Disse precisamente o que escreveste no primeiro parágrafo numa publicação atinente que fiz noutra plataforma. Temos de pensar na sustentabilidade dos países europeus, de outra forma nem conseguiremos proporcionar melhores condições a essas pessoas.

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  9. eu fico muito confuso, do ponto de vista emocional, com estes acontecimentos... não sei acreditar no que seja certo ou errado... milhos precisando de ajuda, milhoes com medo de ajudar...

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    1. Vários valores e interesses estão em causa. É daqueles problemas que não têm resolução... Vão-se resolvendo, conforme vai dando.

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  10. Só espero que quem critica um dia não precise de fugir de Portugal e refugiar-se noutro país. Mas a malta tem a memória curta... como os húngaros e os polacos que fugiram dos seus países de origem para fugir à morte pelos nazis e hoje estão na linha da frente contra os refugiados sírios.

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    1. É verdade. Nunca sabemos como vai ser "o amanhã". Um dia podemos ser nós a precisar de ajuda.

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