14 de julho de 2015

Rumo à Índia.


    Desde que Portugal iniciara a sua epopeia marítima, nos inícios do século XV, embora o infante D. Henrique tenha enviado com frequência, desde 1421, embarcações tendo em vista o reconhecimento da costa ocidental africana, pouco longe se havia ido em direcção ao sul. O cabo Bojador, de enfoque no Atlântico, a sudeste das Canárias, era, à época, considerado intransponível, envolto numa aura de mistério e superstição, e desde a Antiguidade que assinalava a fronteira de toda a navegação marítima para sul. Até que, em 1434, Gil Eanes, escudeiro do infante, decide-se a dobrar o cabo.
 
    Não é menos verdade que a maioria dos capitães portugueses realizasse apenas negócios insignificantes de pirataria, contudo, havia homens animados por um verdadeiro espírito de partir à descoberta, buscando novas paragens. Entre eles encontra-se Alvise Cadamosto que, contratado pelo infante, e acompanhando os portugueses nas viagens de exploração, descobriu, em 1456, as ilhas de Cabo Verde, e explorou a costa da  zona das embocaduras do Senegal e da Gâmbia, sobrando para a posterioridade os seus relatos. Foi um navegador e um marinheiro exímio, deixando informes pormenorizados acerca das suas viagens.
 
     Quando D. Henrique morreu, em 1460, tinha-se atingido a Serra Leoa, o objectivo inicial. Todavia, por muito gloriosos que se mostrassem os feitos alcançados, estes êxitos palpáveis, o factor determinante consistiu na circunstância de o Infante ter concebido e permitido a empresa que lhe sobreviveria e que permitiria que Portugal se posicionasse como uma verdadeira potência à escala mundial. Após a sua morte, as navegações prosseguiram, à vela de outros empreendimentos que começara. Nesse sentido, a ilha da Madeira foi povoada e tornou-se gradualmente uma zona açucareira, produto que se passou a vender em toda a orla do Mediterrâneo e no mar do Norte. Prosseguiu-se e consolidou-se o domínio militar português em Marrocos, já no reinado de D. Afonso V. Finalmente, tendo-se prosseguido as viagens ao longo da costa africana,  os navegadores portugueses João de Santarém e Pêro de Escobar chegaram à costa do golfo da Guiné, comunicando e negociando com as populações nativas recolectores de ouro, saindo a rota comercial deste metal das mãos dos mercadores que o transportavam pelo Saara para os portugueses.
 
      Revelou-se decisivo o facto de D. Afonso V ter entendido a importância dos planos de D. Henrique e manifestar vontade de continuar a obra encetada. Houve, também, uma leva de acontecimentos políticos que impulsionaram sobremaneira esta decisão, pois a conquista da Ásia Menor pelos turcos e a queda de Constantinopla, em 1453, que marca o fim da Idade Média, desferiram um duro golpe na anterior prática comercial com o Oriente. A procura de novas possibilidades mercatórias na Índia era imperativo. Assim, encontrou-se um meio adequado ao seguimento do projecto de D. Henrique, quando D. Afonso V arrendou por cinco anos o exclusivo do comércio com a Guiné ao mercador Fernando Gomes, que se comprometia a promover o descobrimento de cem léguas de costa, anualmente, para lá da Serra Leoa. A exploração aqui era uma questão de tempo e, com efeito, em poucos anos reconheceu-se a faixa costeira até aos Camarões. Mas após a expiração do contrato e com a descoberta de minério, ouro, a Coroa reservou para si todos os direitos e benefícios de ulteriores descobrimentos, monopolizando o comércio africano.
   
       Com toda esta sólida base, podia-se ir mais além. Em 1487, Bartolomeu Dias, com três caravelas, abasteceu-se na Mina e seguiu a rota do seu antecessor, Diogo Cão, a caminho do sul. Apanhado por uma tempestade, a armada esteve treze dias sem avistar terra. A costa que avistaram, por fim, corria para leste. Tinham atingido e inclusive dobrado o extremo sul do continente. Na viagem de regresso, Bartolomeu Dias apelidou-o de "Cabo das Tormentas", dada a sua turbulência, que D. João II rebaptizaria mais tarde para "Cabo da Boa Esperança", pelas perspectivas que se adivinhavam de se ter descoberto a passagem marítima para a tão desejada Índia, empreitada que caberia a Vasco da Gama, entre 1497 e 1498, assinalando o início de uma fase da política colonial portuguesa, com epicentro no sul-asiático.
 

18 comentários:

  1. Aprecio muito suas contextualizações históricas ... Parabéns ...

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    1. Obrigado, Paulo. O que me motiva é saber que há quem goste. :)

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  2. É curioso, porque nunca fui muito adepta da história da Idade Média, achava as aulas um verdadeiro martírio, até que conheci o professor João Cosme da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa... As suas aulas, sobretudo dedicadas ao tema dos descobrimentos, inspiraram-me e passei a gostar. Quer dizer, se fossem dadas por ele, que tinha um jeito muito peculiar! :)

    E tu, Mark, relatas muito bem os factos, sem te esqueceres de um único pormenor! :)

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    1. Ainda não aprendi a gostar muito da Idade Média, pelo menos não tanto quanto da Idade Moderna, exactamente a que abordo neste artigo, sobretudo os Descobrimentos, maxime os portugueses - é a minha perdição desde os meus dez, onze anos.

      Daí que considere, pessoalmente, o seu início em 1415, com a conquista de Ceuta, à semelhança de alguns historiadores; todavia, unanimemente o seu início é atribuído à conquista de Constantinopla, entendimento maioritário, que sigo por ser mais consensual.

      Obrigado, Sam. Se preciso for, passo um dia inteiro a falar destes temas. :)

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  3. eita, meu semestre de história iberica na USP foi fantastico! e seu resumo esta excelente!

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    1. Tentei abordar os aspectos essenciais do percurso dos navegadores portugueses rumo ao precioso mercado das especiarias. :) Muito obrigado, amigo.

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  4. Como sabes Mark, estou "de férias prolongadas" na blogosfera.
    Isso não invalida que vá lendo o que se publica. E abro uma excepção no meu silêncio para te dar os parabéns por mais uma excelente lição de História.
    E já agora, comungo contigo a tua pouca simpatia pela Idade Média; desculpa a mediocridade da imagem, mas só me lembra uma frase colhida de um célebre filme italiano - "Feios, porcos e maus"...

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    1. Mas que honra, querido João. :) Obrigado.

      A Idade Média atrai-me pouco. Pese embora não tenha sido aquela era em que nada se inovou, porque deram-se alguns avanços civilizacionais, continuo a considerá-la a Idade das Trevas, até pela mortandade cíclica que a atravessou, com especial incidência no século XIV.

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  5. Adorei este pequeno texto de história do nosso país :D

    Grande abraço amigo

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    1. Faz-se o que se pode. Obrigado, amigo.

      um abraço grande.

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  6. Foi uma época extraordinária. E custa a acreditar que foi há pouco mais de 500 anos. O pulo dali em diante, no ocidente, foi descomunal. A riqueza fez evoluir artes, ciências e culturas, ainda que através da escravatura e monopólios. Certas teorias históricas alternativas afirmam que D.Henrique, como cabeça da Ordem dos Templários, estaria na posse de mapas coptas do Egito que já dariam como certa a possibilidade de dobrar África e atingir o extremo Oriente. O desenvolvimento tecnológico nos instrumentos portugueses de navegação também não terá sido um acaso.

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    1. Se Inglaterra teve a sua idade de ouro, com Elizabeth I, e Espanha com Felipe II de Áustria, Portugal teve-a nos reinados de D. João II e de D. Manuel I, sobretudo. Também com D. João III, vá, que herdou um extensíssimo império. Com a morte de D. Sebastião, depois do seu tio-avô, e a ascensão dos Habsburgo ao trono português, as invasões de potências inimigas de Espanha enfraquecer-nos-iam irremediavelmente.

      Desenvolvemos muitos instrumentos náuticos criados pelos árabes, aperfeiçoando-os.

      Não dou muito crédito a essas teorias, mas nunca se sabe. :)

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  7. Mark há uma coisa curiosa, neste passado fim-de-semana lembrei-me de um desenho que diz na escola, que foi o que ganhou o concurso a nível da ilha e era suposta ser enviado para o continente para o concurso a nível nacional. O desenho que fiz foi o Adamastor, e uma caravela e um mar revolto. Há quem tenha dito que não tinha sido eu a fazê-lo e mas fi-lo sozinho...e não é venho aqui e o teu texto vem no seguimento do que eu me lembrei.

    Sempre gostei de história, estudava sempre a ouvir música e nem sei qual a época que mais gostei de estudar, se a 2ª guerra mundial tem um interesse especial, a altura que mencionas no teu post é muito interessante, eu é que tenho um problema com data :-S

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    1. Que curioso: lembras-te do teu desenho e eu abordo o caminho marítimo para a Índia. O Adamastor era um dos monstros imaginários que povoava a mente dos homens daqueles tempos. :) Explicavam os fenómenos naturais, nomeadamente a turbulência marítima que fazia naufragar as embarcações, com os monstros marinhos temíveis.

      Gosto muito da Idade Contemporânea; do século XX, sobretudo, se bem que tenho vindo a aprender a gostar do século XIX. Como adoro as monarquias absolutas - adoro, atenção, é um período que muito me seduz - criei uma resistência aos movimentos liberais que lhes sucederam. :)

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  8. Muito interessante e seu texto brilhante, como sempre! A viagem marítima para a India foi de fato um episódio primordial para a epopeia portuguesa. Eu admiro muito esses navegadores. Em barquinhos enfrentando aqueles mares perigosos atrás de um tudo ou de um nada...
    Quero pedir uma coisa, gostaria que você relatasse a epopeia de Pedro Álvares Cabral rumo ao Brasil! :)

    Abraços!

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    1. Homens de muita fibra, de muita coragem. Feitos que ultrapassam em bravura aqueles alcançados pelos astronautas do século XX que, mal ou bem, tinham uma ideia de para onde iam.

      Pedido aceite. Só preciso de paciência. :)

      um abraço.

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  9. Este blogue é sempre um doce. É sempre aquele doce que gostamos de deixar para o fim de tudo, porque nos vai saber pela vida. Adorei o texto!

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