15 de junho de 2015

O início do comércio esclavagista em Portugal.


    Nos inícios do século XV, Portugal iniciou a sua expansão marítima no norte de África. Em 1434, ao passar pelo Cabo Bojador, dezanove anos volvidos sobre a conquista de Ceuta, primeiro reduto conquistado, Gil Eanes ainda não tinha contactado com os habitantes das faixas costeiras recentemente descobertas, nas investidas portuguesas pela faixa costeira ocidental do continente africano. Uma campanha militar contra os mouros, em Tânger, e algumas desavenças internas sobre a orientação a dar à política portuguesa, que redundavam em guerra civil, forçaram D. Henrique, O Infante, obreiro da expansão marítima, a interromper os seus projectos. Só em 1441, numa viagem ao Rio do Ouro, Antão Gonçalves, célebre navegador, conhecido primariamente por ter iniciado o tráfico esclavagista, estabeleceu relações com os nativos, ansiosamente desejadas por D. Henrique.
 
     Este contacto entre o europeu e o africano, contudo, no lugar de fomentar uma convivência pacífica, originou um aproveitamento do branco, munido da sua superioridade bélica, capturando no imediato dez nativos que trouxe para Portugal como escravos.  O ano de 1441 marca, tragicamente, esse apresamento de escravos, comércio que floresceria e incrementaria por mais de quatrocentos anos. Esta "caça" ao escravo tampouco é uma característica distintiva da prática comercial do Ocidente, conquanto persistisse desde há largas centenas de anos no Mediterrâneo e no Próximo Oriente. Estabelecia, e isso é inegável, a partir desta altura, uma relação directa entre os navegadores e as populações autóctones, que passavam, por essa via, a ter ainda mais motivos para as lutas entre si. As populações negras "caçadoras" de escravos encontravam-se com os brancos esclavagistas que lhes compravam a mercadoria, colocando-a num mercado que a valorizasse.
 
     Analisando a complexidade destas práticas, deve dizer-se que, nesta época de viagens de exploração, na caça ao escravo juntavam-se estes vis interesses com um espírito de cruzada e de conversão, messiânico. Uma mistura atroz de Deus, lucros e religião. Os capitães procuravam aumentar a sua comparticipação nos ganhos das viagens às custas dos escravos que comercializavam; todavia, ao mesmo tempo, entendiam este empreendimento como agradável aos olhos de Deus, se conseguissem lograr nos seus intentos de converter os nativos à fé cristã.
 
      Ao que consta, o volume do tráfico de escravos foi bastante apreciável nos primeiros tempos. Um cronista português dá conta de que, até 1448, vieram para Portugal novecentos e vinte e sete indígenas ao todo, não entrando nesta conta, claro está, os que morreram no decurso da travessia, nas condições inumanas sobejamente conhecidas por todos.
 
      Qual a posição da Igreja perante tudo isto? Até então, a Igreja contentara-se em baptizar os escravos trazidos para Portugal. Se aos decénios que se seguiram aplicarmos os números relativos à época posterior a 1470, na qual se calcula ter havido a importação anual de três mil e quinhentos escravos, a Igreja teve à sua mercê muitas almas para ministrar o sacramento... Esta posição inicial da Igreja, moderada, foi imposta, a bem dizer, pelos monarcas, pois todos os esforços iam no sentido de se manter em segredo os resultados das incursões, assegurando-se, dessa forma, o monopólio comercial na costa africana. Esta situação alterou-se por volta de 1482, quando Diogo Cão chegou ao Reino do Congo. Daí em diante, a Igreja intensificou a sua influência em África.
 

21 comentários:

  1. É este o tema da tua dissertação? Reparei na "etiqueta". :)

    ResponderEliminar
  2. A igreja inclusive dizia que os não-baptizados não teriam alma, mais propriamente os escravos africanos, coisas giras que a igreja sempre fez (e faz) ao longo do tempo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Julgavam, naquele tempo, que as pessoas de origem africana não tinham alma e que o baptismo seria a sua única salvação. O curioso é que a Igreja sempre foi mais comoreensiva com os indígenas das Américas do que com os nativos africanos. Atrocidades.

      Eliminar
    2. Do que eu me lembro os nativos da América do Sul preferiam morte à conversão ou escravatura e "não davam bons escravos", razão pela qual começaram a exportar escravos para terras de Vera Cruz.

      Nos moldes da igreja tens que ser baptizado se queres salvação, mas tens alma. Uma criança quando nasce tem alma, o baptismo é uma protecção e renúncia a Satanás e tal e coiso.

      Eliminar
    3. Não sabia que preferiam a morte à escravatura. Que eram considerados débeis, sim, o que justificou o tráfico negreiro para a América do Sul, maxime, o Brasil.

      O baptismo é o primeiro sacramento que, segundo o catolicismo, te perdoa pelo "pecado original", o que te obriga, indirectamente, a procurar não pecar mais. A partir do momento em que és baptizado, és uma criatura de Deus. As crianças que morriam antes do baptismo iam para um limbo, um estado intermédio, de paz, mas estavam vedadas da presença de Deus. Nunca foi um dogma de fé, daí que, hoje, a Igreja considere que a misericórdia de Deus é infinita, logo, essas crianças poderão atingir o paraíso e chegar à presença do Criador.

      Eliminar
    4. Vindo meter a colher na vossa conversa, num artigo que li sobre a escravatura do séc. XVIII, referia-se que os senhores eram obrigados a batizar os seus escravos, por forma a salvarem não só a alma destes, como a sua. Iriam "arder no inferno" se vedassem a uma alma a sua salvação. Daí, os senhores procuravam sempre batizar os seus servos...

      Eliminar
    5. Horatius, mete a colher sempre que queiras. :)

      Interessante! Pois, faz todo o sentido. Não sabia disso.

      Eliminar
  3. Foi aí que começou a saga dos escravos que chegaram aqui no Brasil. Esse tráfico terminaria bem tarde aqui, já depois durante o império. O fato que você bem sublinhou é que muito antes dos portugueses já havia outros povos que comercializavam escravos. Acho que Portugal só tornou esse fato num processo global, envolvendo vários continentes.

    Abraços!!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É verdade, Ty. Não podemos descartar as responsabilidades de Portugal na universalização do tráfico de pessoas. Um período muito negro da história da humanidade, não esquecendo, contudo, que a moral daquele tempo não condenava estas práticas que um olhar actual, esclarecido, abomina. E, sem saber, transformámos o Brasil nessa bela pátria multicultural. :)

      um abraço.

      Eliminar
  4. há História poética? há, sim! :) devias escrever um conto, uma pequenina ficção histórica. um desafio? qual seria a personagem principal? :)
    bjs.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não sei, Margarida. Deve haver. :) Já me ocorreu escrever uma pequena ficção histórica, mas a criatividade escapa-me pelos dedos. Não tenho uma mente lá muito fantasiosa. :D

      A personagem principal? Olha, pensei em escrever algo em torno de D. Afonso VI, um monarca cuja vida foi bastante trágica, do início ao fim.

      um beijinho.

      Eliminar
  5. Adorei o texto e aprendi algo. Estávamos numa época de muitos iluminados. Hoje, nem com a luz de velas lá chegamos ;)

    Grande abraço amigo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E o que eu aprendo contigo, amigo Francisco. A vida é mesmo assim: ensina-se e aprende-se. :)

      É verdade: não se reconhece este Portugal. Parece um reino de fantasia, distante.

      um grande abraço, e obrigado.

      Eliminar
  6. Mark como sabes Portugal foi um grande pais das descobertas, mas até onde conseguiu levar a bom porto as suas conquistas? A história fala por isso, a ganância de muitos fizeram a perda de tantos outros e por mais riqueza que tivemos agora estamos como estamos. A igreja não deixa de ser um peão onde a fé apenas escondeu a realidade,

    Desconhecia a questão dos escravos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. As conquistas levámos a bom porto. A História é que passou-nos para trás quando outras potências se foram afirmando. Depois, era tarde demais para conseguirmos impor fosse o que fosse. Não descarto a culpa de quem esteve à frente dos destinos do país através dos séculos, mas seria impossível dominarmos o mundo apenas com Castela (Espanha, mais tarde).

      Quanto à Igreja: Se Jesus voltasse, diria - tenho quase a certeza - que esta organização não o representa. Encontras mais facilmente Cristo num wc, se lá estiver alguém com fé, do que numa igreja repleta de gente com maus instintos.

      Eliminar
  7. A Igreja de Roma sempre foi hipócrita. Mas a verdade é que não fomos tão maus como os espanhóis (não querendo desculpar ninguém). Mas atenção, que ainda hoje vemos comportamentos destes no mundo, veja-se o Estado Islâmico... que aprisiona as mulheres, despe-as em mercados e vende-as como escravas.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, o colonialismo espanhol foi mais agressivo, o que se verifica até no contacto com as civilizações americanas pré-coloniais, que prontamente foram aniquiladas. Verdade seja dita: alguns costumes, como os sacrifícios humanos dos astecas, eram tidos como bárbaros e absolutamente contrários à fé cristã. Houve esse choque cultural, em primeiro, e depois, evidentemente, vieram os interesses. Mas olha que não fomos nenhuns anjinhos. Muito indígena pereceu às nossas mãos, sobretudo por trabalho forçado.

      A propósito, li uma notícia sobre o Estado Islâmico que me perturbou-me tanto... Uma fotografia de uma execução na água. Colocam os prisioneiros em grades que depois submergem na água até que morram por afogamento. E filmam tudo, inclusive com equipamento subaquático. Medonho.

      Eliminar