26 de fevereiro de 2015

Política de Conteúdos.


   A comunidade blogosférica da Google foi surpreendida, há dias, com uma notícia que nos dá conta da alteração da política de privacidade da empresa norte-americana no que diz respeito aos conteúdos permitidos e não permitidos na sua plataforma, o Blogger. Desde logo, várias vozes se opuseram, com firmeza, ao que parece ser uma medida invasiva, controladora, da Google sobre a liberdade que os utilizadores têm de usar os seus blogues como bem entendem.

   Em boa verdade, o que a Google pretende é banir da sua plataforma os conteúdos de cariz ou teor sexual, abrangendo vídeos e fotos. A par da minha opinião pessoal, que revelarei mais à frente, parece-me, em todo o caso, que a Google reservou-se o direito de alterar a sua política de conteúdos. Também não podemos falar de verdadeiro atentado à liberdade, uma vez que a nudez artística está contemplada nas excepções, a par da educacional e científica. O que haverá, a partir de finais de Março, é uma inibição à publicação de fotos e vídeos puramente pornográficos. Nada que outras redes sociais, como o facebook, por exemplo, não façam.

   A Google é muito explícita quando refere, e transcrevo, «nudez de forma ostensiva» e «imagens e vídeos que sejam sexualmente explícitos». No meu entendimento, tem havido algum alarmismo evitável. Vejamos. O que é a nudez? A nudez, simplesmente, é a exibição de um corpo sem roupa. A Google não é clara nos e-mails  informativos, não especificando se permitirá a nudez parcial (troncos nus, nomeadamente). Parece-me que a publicação de troncos nus, por assim dizer, de forma reiterada, será proibida. Não num contexto, por exemplo, de praia, acompanhando um texto nesse sentido. Todavia, um blogue que se dedique, a meu ver, ao culto do corpo, promovendo a musculação, enquadrar-se-á na excepção. Terá um teor educativo. Cuidar do corpo e do bem-estar físico é educá-lo para uma vivência sã. Fotos e vídeos eróticos, bom, o erotismo será uma arte. Estará, à partida, englobado no teor artístico. Quero chegar a este ponto: nudez por nudez queda banida a partir de agora. Em relação a fotos e vídeos puramente pornográficos, a Google é clara.

    Poder-se-ia aludir a um facto pertinente: quem se tornou utilizador dos serviços da Google, do Blogger, aquando da sua adesão, outras regras, as actuais, vigoravam. A medida adoptada é claramente retroactiva. Os blogues que surjam pós 23 de Março, como é evidente, estarão sujeitos às novas regras, bem como blogues constituídos anteriormente. Aí, sim, parece-me excessivo. A opção de se escolher o Blogger e não outra plataforma foi condicionada pelas políticas actuais. Muitos não teriam optado pelo Blogger caso soubessem que isto sucederia. Há uma violação clara do princípio da tutela da confiança. A medida é inesperada e a todos pegou de surpresa. Levará a que muitos reformulem os seus conteúdos, na ordem de milhões de publicações, ou que, vencidos pelo desgaste, exportem os seus blogues. Ainda há a opção de os tornarem privados. De outra forma, os conteúdos deixarão de ser públicos. A única diferença reside nos blogues criados a partir de 23 de Março: revelando conteúdos proibidos, poderão ser eliminados sem mais.

    Dado que nunca adoptei esses conteúdos, pela Google não recebi qualquer aviso, mas achei por bem esclarecer os pontos que considerei mais controversos. Creio que a Google foi um pouco longe de mais, muito embora entenda que estas medidas, que são legítimas, têm de se revestir de um carácter drástico. São opções. Se eu fosse o accionista maioritário da Google, provavelmente deixaria tudo como está. Os ilícitos criminais desde sempre estão contemplados na política de conteúdos do Blogger. Tudo o que constitua crime, imediatamente é comunicado às autoridades competentes em razão da matéria. Os avisos que já existem, de "conteúdos para adultos", conferindo ao visitante a oportunidade de aceder ou não a determinado espaço, eram suficientes.

        E a liberdade há, mais uma vez, em continuar ou sair.

Adenda: Depois de ter escrito este artigo, tive acesso a um dos e-mails informativos do Blogger para os utilizadores de blogues que, à luz da Google, contêm conteúdos possivelmente abrangidos pelas novas regras. Ao que tudo indica, textos estão contemplados. «Nas próximas semanas, deixaremos de permitir blogues com conteúdo sexualmente explícito ou imagens ou vídeos com nudez gráfica». Portanto, textos de teor sexual estarão proibidos na plataforma.

22 de fevereiro de 2015

A Fiscalização da Constitucionalidade.


    A fiscalização da constitucionalidade tem origens remotas. Surgiu, pela primeira vez, no século XVII, muito antes do advento do constitucionalismo escrito. Todavia, é com a prática constitucional dos E.U.A que a fiscalização surge em plena luz, fruto da concepção de Montesquieu ("Em cada poder do Estado há um poder positivo e um poder negativo").

     Os tribunais só podem aplicar leis válidas. Todas as leis contrárias são inválidas, conforme se observa no artigo 6.º da Constituição estadunidense. Em 1803, depois desta primeira teorização, dá-se o desenvolvimento dos ideais de controlo da constitucionalidade. Neste ano, o Supremo Tribunal dos E.U.A arrogou o poder de controlar a fiscalização - controlo difuso - com principal relevância das decisões do Supremo Tribunal.
    Em França, pelo contrário, brotou uma concepção mais rígida. Havia um receio de que os tribunais mais conservadores viessem a inviabilizar medidas do poder político-legislativo. Esta concepção passaria por toda a Europa e foi, assim, sendo adoptada pela generalidade dos países.
     No final do século XIX, os tribunais começaram, timidamente, a tentar fiscalizar a constitucionalidade. Em Portugal, o mesmo verificou-se aquando da validade dos decretos-ditatoriais dos últimos tempos da Monarquia Constitucional, em vigor desde a queda de um parlamento e a eleição de um outro. Era uma fiscalização orgânica. Em 1900, uma proposta no sentido da fiscalização foi inviabilizada no projecto de reforma da Carta Constitucional, malograda também ela.

      Com a República, a Constituição de 1911, no seu artigo 63.º, previa a fiscalização de todos os tribunais no caso concreto, inspirando-se claramente na Constituição brasileira de 1891 e na prática norte-americana de fiscalização difusa. Pode-se mesmo referir, sem mais, que Portugal foi o primeiro país a permiti-lo, antes da Constituição austríaca de 1920.
      A Constituição de 1933, do Estado Novo, também ela continha a fiscalização da constitucionalidade no artigo 123.º, contudo, era inconsistente dado o carácter autoritário do regime (como o foi durante a I República, pela instabilidade política).

    Tudo se alterou com a Revolução. É com a inconstitucionalidade material que se visa os direitos fundamentais. O controlo da constitucionalidade foi discutido na Assembleia Constituinte. Devido ao PREC, houve duas plataformas. Muito embora o MFA permitisse a feitura da Constituição à Assembleia Constituinte, uma primeira plataforma foi imposta aos partidos políticos, que tiveram de a aceitar - um pacto entre o MFA e os partidos - seguindo-se ao 11 de Março. Nela estabeleceu-se o controlo da constitucionalidade completa a um Conselho da Revolução. Não era suposto haver novo pacto depois do 25 de Novembro, mas os partidos aceitaram-no: Jorge Miranda, ilustre constitucionalista, defendeu a criação de um Tribunal Constitucional (voz isolada). A maioria, por sua vez, pretendia conferir aos tribunais os poderes de fiscalização, contornando um órgão único. O sistema foi percursor do actual. Criou-se a fiscalização abstracta e a concreta. A primeira, dividindo-se entre abstracta por acção, abstracta por omissão e preventiva; a segunda, pelos tribunais em geral.

      A par do Conselho da Revolução, foi constituída uma Comissão Constitucional (devendo ser ouvida pelo Conselho da Revolução quanto à fiscalização abstracta, e receber recursos dos tribunais). O Conselho da Revolução, salvo em casos pontuais, seguiu os pareceres da Comissão. A fiscalização concreta foi atribuída aos tribunais em geral. Sempre que um tribunal não aplicasse norma constante de lei ou tratado, havia recurso para a Comissão, daí dizer-se que o recurso era mais para defesa do legislador do que para defesa da Constituição.

   Com a primeira revisão constitucional, em 1982, a Comissão foi extinta, bem como o Conselho da Revolução. A fiscalização da constitucionalidade foi debatida novamente. Não se regrediu ao controlo difuso presente nos textos constitucionais de 1911 e de 1933. Houve uma unanimidade em torno da criação de um Tribunal Constitucional, assumindo as competências do Conselho da Revolução em matéria de fiscalização abstracta e surgindo como supremo tribunal de recursos. A sujeição dos tribunais à Constituição ficou desde logo estabelecida no artigo 204.º do texto constitucional. No artigo 280.º estão previstas três vias de recurso, além do controlo de legalidade nas leis de valor reforçado e do controlo de fiscalidade. A saber: 1., A não aplicação de norma configura recurso directo para o Tribunal Constitucional (a parte vencida tem esse direito). O artigo 280.º, nº 3, prevê o recurso obrigatório para o Ministério Público. 2., Se o tribunal aplicar norma cuja constitucionalidade foi suscitada, também há recurso para o Tribunal Constitucional - é necessário, porém, e isto é importante, que a questão seja suscitada no processo, esgotados os recursos ordinários, sempre antes do caso julgado. 3., O Tribunal Constitucional, na fiscalização concreta, decide no caso concreto (não com força obrigatória geral). Se um tribunal aplicar norma declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, há recurso. O nosso sistema é um sistema de prejudicialidade, ou seja, só é relevante a questão se do seu conhecimento depender a decisão da causa.

      O nosso sistema está sujeito a críticas. Há uma visível anormalidade no confronto com os países europeus com tribunal constitucional, e não temos o recurso de amparo - possibilidade de os cidadãos poderem recorrer directamente para o Tribunal Constitucional em matéria de direitos fundamentais.

       O primeiro tribunal constitucional surgiu na Áustria, em 1920, prevendo a fiscalização abstracta. Uma revisão de 1929 introduziu a fiscalização concreta (a questão é suscitada em qualquer tribunal e há recurso para o tribunal constitucional se houver prejudicialidade - modelo de recurso prejudicial, adoptado pela generalidade dos países com tribunal constitucional). Os tribunais constitucionais decidem com força obrigatória geral. No nosso sistema é diferente:  os tribunais apreciam e o Tribunal Constitucional só decide no caso concreto, sem força obrigatória geral. Se o Tribunal Constitucional decidir-se três vezes pela inconstitucionalidade, poderá haver fiscalização abstracta.
      Não estando imune a crítica, o nosso sistema também não o está a elogios. Tudo isto permite: por um lado, o acesso dos cidadãos a qualquer tribunal para a fiscalização; pelo outro, todos os juízes são responsáveis pela guarda da Constituição e pela defesa dos direitos fundamentais.

      A maioria das decisões de fiscalização sucessiva abstracta vêm por pedido do Ministério Público. Há quem defenda que, em vez de faculdade do Ministério Público, devia ser obrigação.

       A maior das fragilidade do sistema português é a falta do referido recurso de amparo, que existe em ordenamentos como o espanhol e o alemão, por exemplo. É uma carência na defesa dos direitos fundamentais. Relativamente a actos da Administração Pública, o recurso é suprido pela apresentação de uma intimação para que a Administração cumpra. O sistema de contencioso administrativo português tem funcionado relativamente bem. Mas nos actos jurisdicionais essa carência é bastante visível. Só há recurso para o Tribunal Constitucional de questões que suscitem a constitucionalidade de normas jurídicas. O Tribunal aprecia apenas e tão-só questões normativas, um risco que não podemos correr quando o Supremo Tribunal de Justiça não decide correctamente.

16 de fevereiro de 2015

Weekend.


   Precisava ocupar os meus pensamentos com novas imagens, paisagens, conversas. Em casa, a atmosfera estava pesada, meio sombria, pejada de silêncios. E os momentos a sós, perdido em mim, sufocavam-me cada vez mais. Daí que aceitasse, sem grande hesitação, o convite do meu amigo para passarmos um fim-de-semana no Estoril (surpreendente em mim, que sou tradicionalmente indeciso).

    Assim foi. Partimos de Lisboa por volta das onze e pouco da manhã. Chegámos ao Estoril, guiámo-nos pelo GPS e demos num instante com o hotel. Simpático, confortável, acolhedor. A cama de casal intimidou-me um pouco. Nada que se não ultrapasse com o espírito aberto.
     Fizemos o check-in, deixámos os nossos pertences, e explorámos um pouco a zona. Há imenso tempo que não ia ao Estoril, embora goste ali da linha. Almoçámos num restaurante escondido numa ruela de Cascais. O atendimento foi mais do que duvidoso (esperei uma hora por um bife do lombo com molho de mostarda). Nem por isso se reflectiu no preço....
     Passeámos pela marina, umas voltas, e até deu para ambos comermos gelados. Não fosse uma chuva insistente pelo passeio marítimo, já de noite, e teria sido perfeito (inclusive a chuva teve o seu encanto). Ir ao Estoril sem ir ao Casino é como ir a Roma e não ver o Papa. Posto isto, também por lá passámos.



       No domingo, tomámos o café da manhã no hotel, cedo, e fomos até Oeiras. Fizemos a Parede, enfim, aquele percurso. Já almoçados, regressámos a Lisboa pela tardinha, não sem caminharmos na areia.

       Estes dois dias foram essenciais para que encontrasse algum equilíbrio. A acrescentar às tormentas que vou tendo, minhas, o abalo familiar teve repercussões muito negativas na minha estabilidade emocional e até mesmo psíquica. Temo um esgotamento a poucos anos. Sinto-me desgastado.

        Não foi um Dia de São Valentim. Foi um fim-de-semana animado e calmo. Sem pretensões a nada, nem cargas simbólicas. E diverti-me, sorri.

11 de fevereiro de 2015

Perdas.


   Somos efémeros. Demasiado. O que é a uma vida humana quando tentamos contar os infindáveis anos da história do planeta?... Só o percebemos quando somos atingidos por perdas pessoais. Assim foi comigo desde a última sexta-feira.

     Estava no sushi quando recebo um telefonema do pai. Não reparei. Provavelmente estaria no buffet ou, confortavelmente, a conversar e a sorrir. Ouço o som das SMS. Rápida e eficazmente, sem delongas, o pai disse-me que o avô morrera. Soubera-o minutos antes. Naquele instante caí em mim: o meu avô falecera sem que me despedisse, sem que lhe dissesse umas últimas palavras, pouco mais de dois anos desde a última vez que nos vimos. E a culpa é inteiramente minha. Morávamos ambos na mesma cidade. Estava tão perto.

     Desde dois mil e um que o avô padecia de uma doença degenerativa - ironia das ironias e no dia da sua morte assisti ao filme da Alice! Paralisia Supranuclear Progressiva, uma enfermidade do catálogo da doença de Parkinson, mais rara. Afecta a capacidade motora, a locomoção, acarreta dificuldades respiratórias, em deglutir, provocando, no limite, e tudo isto em estágios, a falência múltipla dos órgãos. Por tudo isto o avô passou, e pude acompanhar a evolução da sua doença até dois mil e treze, altura em que a vida nos separou. Sofreu bastante. Segundo me contaram, os últimos dois anos foram terríveis. Esteve internado em Tomar e, mais recentemente, por aqui. Nada lhe faltou. Partiu com dignidade.

      Estou perturbado. Sinto remorsos. E dói. O pai disse-me que por várias vezes pediu para me ver. Nunca me avisaram. É evidente que a minha culpa não diminui. Eu sabia que ele estava doente, que inevitavelmente sucumbiria. Era uma questão de tempo.

      No sábado, já tendo conversado com o pai, fui à igreja onde depositaram o corpo para o velório. A mãe, e respeito os seus motivos, não quis estar presente. Entretanto, pedi ao dito amigo que me acompanhasse. Não sou especialmente próximo da família paterna. Encontrei a avó devastada, mas calma, medicada, acompanhada de alguns primos. Aproximei-me da urna. Uma tia cumprimentou-me, deu-me os pêsames. Não a via há ainda mais tempo. Acariciou-me o rosto. Pedi-lhe, por favor, para que descobrisse o rosto do meu avô. Senti uma tontura. Aquele cadáver era tudo o restava do meu avô. Desfigurado, o que associo à medicação e à agonia, que soube intensa. Abracei-me ao amigo. Precisei de sentir um abraço que me afastasse daquela imagem assombrosa. Oh, as memórias que tenho do avô!, um homem enérgico, forte, corajoso, tão diferente da avó, senhora dada à melancolia e à instabilidade. Sentei-me e tive de beber um pouco de água. Desde então que a imagem não sai do meu pensamento. É demasiado nítida.
        O avô foi cremado no dia seguinte.

     Fica a saudade e a culpa que tenho. De nada adianta lastimar-me. Ele não está cá para que possa desculpar-me e abraçá-lo. Tanto que ficou por dizer... Atenuará com o tempo, sei que sim, mas a mágoa, essa, permanecerá por quantos dias ainda viva.

         Adeus, avô.

7 de fevereiro de 2015

O Meu Nome é Alice.


   Fevereiro tem registado bons níveis de precipitação. Verifiquei-o ao constatar que todas as minhas saídas têm sido agraciadas pelo dom da chuva. Sexta-feira não foi excepção.

    Muito embora não seja um seguidor atento do que vai saindo na sétima arte, ontem, persuadido por um amigo, aceitei o convite - em plena Avenida de Roma - para irmos ao cinema. A escolha recaiu sobre O Meu Nome é Alice, no Monumental. Tratando-se de filmes, o meu lado dramático não deixa margem para outras escolhas. Gosto, sobretudo, de enredos familiares e de histórias que toquem o meu lado mais sentimental. Não querendo descortinar nada para quem ainda não viu, o filme estreou muito recentemente, aborda a vida de uma professora universitária norte-americana, ou estadunidense, como preferirem, que se vê a mãos com uma doença neurológica degenerativa. Na senda de A Paixão de Cristo, de 2004, em que o realizador preferiu focar a agonia do Messias, poder-se-ia dizer que O Meu Nome é Alice debruça-se, primeiramente, nos sintomas da dita doença, e depois em todo o processo que culmina na apatia total da doente. A interpretação da actriz principal, Julianne Moore, é inenarrável. Não será um filme dinâmico; na verdade, centrado na doença e nos seus efeitos, na repercussão que tem no seio de uma típica família americana. Por isso mesmo, os momentos estáticos são uma constante.

    Pela hora de jantar, experimentei sushi. Iniciante. Não fui muito convencido, mas sim entusiasmado. Surpreendeu-me. Come-se. Não fiquei fã confesso, não posso dizer que serei frequentador assíduo de restaurantes japoneses. Inovei. O sabor é característico. Pensei que sentiria o peixe cru. Não. Pelo contrário. Com aqueles molhos, sente-se algo frio, um sabor a maresia, sim, conseguindo, falo por mim, esquecer de que se tratava de um alimento não cozinhado. Confeccionado, claro, à sua maneira. Consegui comer um pouco de carne, vaca e frango, a primeira de sabor muito duvidoso. Não me peçam nomes, que não registei nenhum. Também tinham um arroz com ervilhas e não-sei-o-que-mais, o que serviu para consolar o estômago. Saí-me surpreendentemente bem com os pauzinhos. Há anos que não pegava nuns.

     Terminei a noite num dos miradouros que não conhecia - Miradouro da Senhora do Monte. A vista sobre Lisboa é encantadora. Nunca antes tinha visto a cidade de uma ponta à outra. 
       Recomendo, assim como o filme e, já agora, o sushi.

1 de fevereiro de 2015

Lições.


   A vitória do Syriza inundou as redes sociais e fez manchetes por toda a Europa. Coberturas televisivas intensivas, incluindo em Portugal. Por entre anos de marasmo, vão surgindo partidos que granjeiam popularidade entre a classe média desfavorecida pela crise que atingiu os países economicamente fragilizados. E o fôlego renasce, estando explícito o desejo de contrariar as políticas austeras impostas por Bruxelas, em soluções que a médio prazo revelam o seu fracasso.

  A conjuntura grega actual tem influenciado movimentos de inspiração semelhante em países como Espanha e a Irlanda, ao mesmo tempo que provoca o caos nas instituições europeias e mundiais, que temem o incumprimento das obrigações assumidas perante o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Em boa verdade, parece difícil acreditar que haja um entendimento, uma sintonia, entre Tsipras e os credores gregos. Bastante provável é que o Syriza termine por aderir à pressão da Europa, perdendo apoiantes. O segredo do seu sucesso é o inconformismo e o desejo de corte radical com antigas políticas. Na senda do Podemos, no país vizinho, que retirou do mal-estar que grassa na sociedade espanhola o resultado estonteante nas eleições para o Parlamento Europeu do ano passado.

   Em Portugal, a oposição feroz, e menos credível por isso, o Bloco de Esquerda, passa por uma crise interna que tem se reflectido no decréscimo na confiança do eleitorado. O Partido Socialista, cauteloso, aplaude a mudança em Atenas, mas teme quaisquer termos comparativos, sabendo da sua vocação tradicional europeísta e tendo absoluta consciência de que um discurso extremista à esquerda seria incompatível com aspirações governativas tão imediatas. Os portugueses são, tradicionalmente, moderados.

    Acreditando-se que o governo grego consiga renegociar a sua dívida, evitando assim, a UE, o contágio, o nosso país poderá retirar algumas vantagens. Tudo dependerá da orientação seguida pelo Syriza, agora que tomou as rédeas do poder. Sem dúvida alguma o fraco deve bater-se contra o forte. O povo grego foi corajoso e determinado. Um bloco sulista unido em torno de um objectivo faria frente à toda-poderosa Alemanha, não duvidemos. Contudo, não me parece credível que o PS e, eventualmente, o PCP queiram ficar com esse ónus. O falhanço do Syriza implicaria o reconhecimento da inviabilidade do seu programa, comprometendo a governabilidade à esquerda. Costa sabe disso.

     A política, esse eterno jogo de interesses. Sabemos, inevitavelmente, como terminará.