2 de dezembro de 2014

Restauração.


      No primeiro de Dezembro, dia em que se assinala uma efeméride, o Dia Mundial de Luta Contra a SIDA, meritório e sem dúvida pertinente, ainda que em sociedades cada vez mais esclarecidas quanto ao VIH (ou HIV, como preferirem; adopto a norma lusófona), há um acontecimento histórico que teve lugar há alguns séculos e que teima em cair no esquecimento dos cidadãos (a política integracionista europeia não permite que se exaltem valores patrióticos, bem como a crise económica que levou à supressão do próprio feriado comemorativo). Refiro-me, claramente, à Restauração da Independência, que venho, desta feita, abordar.

      A conjura do º1 dia de Dezembro de 1640, não pensada ao acaso, milimetricamente teve lugar. Por volta das nove da manhã, um grupo de fidalgos, jovens, dirigiu-se ao Paço da Ribeira, o palácio real, e, conseguindo fintar a resistência montada por soldados castelhanos, irrompeu pelos salões, jogando Miguel de Vasconcelos, português, secretário de Estado, pela janela, e prendendo a duquesa de Mântua, Margarida de Saboia, representante do rei.
   O golpe de Estado visava, sobretudo, obter a plena independência do nosso reino, não obstante as promessas feitas pelo primeiro dos Habsburgos a reinar em Portugal, Filipe II de Espanha (I de Portugal), que, nas Cortes de Tomar em 1581, ao ser coroado, jurou respeitar as prerrogativas e peculiaridades deste pequeno reino da Europa ocidental. D. João IV seria aclamado Rei no mesmo dia pelos revoltosos, sendo proclamado posteriormente, dias depois.

    O descontentamento surgiu manifestamente a partir de 1612, já decorridas mais de três décadas de Monarquia Hispânica. A crise assentava na diminuição da população e na estagnação económica. A contestação política não foi logo tão evidente. Já em 1619, aquando da visita de Filipe II (III de Espanha), sempre adiada por se temer algum atentado contra a vida do monarca, as Cortes manifestavam insatisfação quanto à administração castelhana e à quebra dos compromissos firmados em 1581, nomeadamente a nomeação exclusiva de portugueses para os cargos do reino e ainda os benefícios da Igreja. Rapidamente os protestos desceram às ruas, com o povo queixando-se de carestia de pão e fomes. Em 1621, eclodiu o primeiro motim, em Barcelos. Em 1629, o povo do Porto, apoiado por nobres, ameaça linchar Francisco de Lucena, secretário de Estado vindo de Madrid com a incumbência de lançar mais um imposto... Durante a década de trinta do século XVII, a carga fiscal não parou de aumentar e, com ela, as sublevações, sendo que a mais grave teve lugar em 1637, meros três anos antes da Restauração, por motivos igualmente fiscais.


     Além do povo, a nobreza queixava-se das mobilizações para os palcos de guerra na Europa, vendo-se ainda atingida nos seus privilégios fiscais pelo duque de Olivares, valido espanhol, o preferido de Filipe III de Portugal. Por outro lado, pelo facto de não haver Corte em Lisboa, os nobres refugiavam-se nos seus domínios rurais, mantendo a nostalgia do esplendor cortesão da época em que havia um monarca português de ceptro na mão. Daí que muitos comecem a aderir à ideia de que era melhor sentar um português no trono.
      Da parte dos funcionários e letrados, também estes eram favoráveis ao duque de Bragança, muito devido ao imposto da meia-nata que pendeu sobre eles.

        A crise económica agudizava-se e agravava a situação já instável em Portugal. O império português, alvo de ataques de holandeses, regra geral, que mantinham um ódio de estimação aos castelhanos, caía, nessa zona remota do globo, mediante invasões às nossas praças a oriente, conquistadas uma a uma, o que alterou o eixo principal do nosso império de oriente para ocidente; as especiarias, em queda, deram lugar ao comércio açucareiro; proliferou uma actividade mercantil espalhada por diversos portos no Brasil, essencialmente, originando uma burguesia numerosa. Por sua vez, a Companhia de Jesus converteu-se, também ela, numa sociedade política e economicamente organizada, o que auspiciava novos ventos.

    A par destes factores, há que referir outros, talvez menos importantes, ou mais, dependendo esta valoração da consciência nacional de cada um. Houve alguns aspectos culturais que pesaram na hora da decisão. A língua portuguesa era, aos poucos, substituída pelo castelhano, optando artistas e escritores cada vez mais por se exprimirem nessa língua. A maior parte das obras impressas em Portugal era-o... em castelhano.

    Em progressivo e crescendo, cada vez mais vozes se erguiam contra esta dominação estrangeira, o subalternizar da nossa língua e cultura perante forças opressoras. Surgiu alguma literatura que reclamava a independência, o que levou, consequentemente, ao aumento da censura nos últimos anos da "união ibérica".

       Todo este conjunto de factores ajuda a explicar o golpe do 1 de Dezembro de 1640. Foi, primeiramente, um acto político, com um significado profundo de libertação do domínio castelhano. O reencontro com o passado e o desejo de retomar as velhas glórias. Algo, todavia, não deixa dúvidas: tratou-se de um projecto assumido por todos, do camponês ao mais alto representante de linhagem.

10 comentários:

  1. De todos os dias do ano, e tirando aqueles que têm um significado amplo, e global - Natal, Ano Novo, Páscoa, esta data é aquela que maior importância tem na História de Portugal, pois caso não tivesse acontecido, Portugal não existiria hoje como nação independente.
    Claro que respeito os feriados institucionais de 10 de Junho (apenas por ter sido escolhida essa data simbólica do Dia da Raça, como o dia de Portugal - e seria absurdo mudá-la, sem uma forte razão), do dia 25 de Abril, data marcante pelo que representa da restauração da Liberdade, mas a supressão do 1º de Dezembro como um feriado nacional, é algo que não aceito e nunca poderei compreender. Já quanto ao 5 de Outubro, embora prese muito o seu significado já não terá a mesma relevância.
    Registei com agrado a intenção que espero seja um facto, de António Costa pretender caso venha a ser governo, de alterar esta situação, a qual acolherá a concordância da imensa maioria do povo português.
    Foi das decisões mais injustificadas e cretinas desta maioria que ainda está no poder...

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    1. Olá, João.

      Sim, esta data reveste-se de especial importância, ex-aequo com o dia 14 de Agosto, data da batalha de Aljubarrota. Além disso, todas as batalhas que travámos com Castela ou, mais tarde, com Espanha, são igualmente importantes e decisivas. O 1º de Dezembro foi o dia da dita conjura palaciana. A guerra começaria muito em breve e só terminaria VINTE E OITO ANOS DEPOIS (escrevi em caps propositadamente).

      Eu fui contra a abolição do 1º de Dezembro, sobretudo. Faz-me imensa confusão, na medida em que todos os países do mundo comemoram, com um feriado, o dia da sua independência. Nós não nos tornámos independentes no dia 1 de Dezembro de 1640. Talvez fosse melhor celebrarmos o dia da assinatura do Tratado de Zamora, no qual Afonso VII de Leão e Castela reconheceu Portugal como um reino independente, que calha a um 5 de Outubro (comemorávamos a república - sou republicano assumidíssimo - e a independência), tanto faz. Passar praticamente em branco, melhor dizendo, de todo em branco, só se falou da SIDA e da SIDA, é lamentável.

      Sempre quero ver se Costa o faz. Tenho algumas dúvidas. Depois de o ver no poder é que analisarei as suas atitudes. O carisma e a garra de Sócrates não tem.

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  2. o 1.º de Dezembro é um dia importante e a restauração da independência, do jugo de Espanha, deveria ser comemorada oficialmente. É celebrada nalguns municípios, de facto, mas a nível nacional, não.
    estranho que se mantenham feriados religiosos como o da próxima semana, contudo... estado laico, dizem eles...
    bjs.

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    1. Incoerências do sistema... A reposição do feriado do 1º de Dezembro deve ser o único, ou dos poucos pontos, em que eu e Paulo Portas convergimos. Costa também. Creio que é consensual na vida política portuguesa. Tarde ou cedo ele volta.

      um beijinho.

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  3. Sempre que passo por aqui, saio sempre mais rico

    adoro este canto e a forma como escreves e partilhas a tua sabedoria

    abraço amigo

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    1. Muito obrigado, Francisco. :) Ainda bem que gostas.

      um abraço.

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  4. Muito interessante! Eu sabia que Portugal havia se independentizado da Espanha mas nem conhecia todos esses pormenores. A guerra durou 28 anos? Então vocês tiveram de lutar 28 anos pela independência, que horror. Esses espanhóis hein, rsrsrsrs

    Abraços!

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    1. Sim, vinte e oito longos anos. O tratado que selou a paz foi assinado já no reinado de D. Afonso VI (regência de D. Pedro), reinava Carlos II dos Habsburgos por lá, em Espanha.

      Custou muito. Quando agarram, não desgrudam. Lol

      um abraço. :)

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  5. Margarida de Saboia não me é estranho. Acho que já ouvi falar dela em alguma parte da minha vida. Rs. Sempre é bom saber mais história aqui!

    Abraço!

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    1. Margarida de Saboia foi também, se não me engano, o nome de uma rainha da Itália. :)

      um abraço e obrigado pela atenção.

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