11 de setembro de 2014

A angústia dos dias que virão.


   De mansinho, anunciando a meia-estação. Nuvens de prenúncio, carregadas, no céu tingido de azul-escuro. O sol que espreita, timidamente. Num ápice, as gotas caem suavemente na terra seca, imprimindo pequenos círculos na matéria espessa. As ervas ganham vida. As cores das corolas acentuam-se.

   Pela janela, observo o movimento. Não se vêem andorinhas. O aguaceiro transforma-se em fumo ao embater na estrada. Extravasando os limites máximos de velocidade permitidos por lei, colunas de carros abrandam ao comando do semáforo.

    Cinco e meia. Abrigo-me numa estação de autocarros. Num assomo de anti-niilismo, procurei responder a todas as minhas dúvidas numa semiótica de respostas sem aparente significado lógico, mas reconfortante. Que me fizessem sentir num caminho, ainda que tumultuoso, revestido de mensagens orientadoras, etapas, fases, pretensos degraus rumo ao infinito de não mais do que a vida humana permite. Uma irrupção de pensamentos díspares, confrontado com a própria solidão de um final de tarde vazio. A eterna luta entre o bem e o mal. Concomitantemente, estava perdido em mim. E as respostas tardaram. Inquietações de um tempo difuso.

    Regresso a casa. Os vidros diáfanos deixam passar a luz e retêm o incómodo. Disperso as aquisições pelo sofá da sala.
    As relações são frágeis, como frágil é a amizade que aparenta vigor. As pessoas afastam-se indiferentes aos laços que cultivam de afecto e atenção, tornando-os momentâneos, o que aferimos num exame de retrospectiva.
   Chove. Sinto-o pelo traçado sinuoso das gotículas quando, tocando umas nas outras, desenham linhas disformes, de contornos indefinidos, até se anularem na calha metálica. Senti-lo-ia ainda que não o visse, pois uma antítese de sentimentos que não consigo afastar é condizente com o cinzentismo lá de fora. Sondei o meu coração e descobri a angústia dos dias que virão, diárias dores, crónicas, em fuga de uma realidade qualquer.
     Absorto dos sentidos, lutando por dar sentido.

12 comentários:

  1. Que bonito! :) Triste mas bonito.

    ResponderEliminar
  2. O teu texto mais "sofisticado" de há muito temp a esta parte.
    Sei que não escreves assim, deliberadamente, é natural em ti, mas é uma linguagem demasiado elaborada para se partilhar, não é perceptível para toda a gente.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Acho que só eu a entendo. Como diria a enorme Frida Kahlo: "Eles pensavam que eu era surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Eu pintava minha própria realidade."

      Eu escrevo a minha dor.

      Eliminar
  3. Andas a revelar-te :)

    Gostei muito ;)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu escrevia textos intimistas por dois mil e dez. Um hábito que perdi. Não será inédito. Talvez, sim, nos últimos anos, quando deixei de escrever apenas para mim.

      Eliminar
  4. escreve para ti, permitindo que de vez em quando, os outros leiam. apenas isso.
    bom ano de estudo e de trabalho.
    bjs.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não creio que tenha feito mal em permitir-me publicar este texto. Fala de mim, fala de angústia. Não temo demonstrar fraqueza ou inquietação. Vivemos num mundo em que nos exigem força. As demonstrações de fragilidade são mal vistas. É um reflexo da ditadura da felicidade que nos impõem e a que voluntariamente nos sujeitamos.

      Muito obrigado, Margarida.

      um grande beijinho.

      Eliminar
  5. E as tuas palavras fluem no meu pensamento. Saboreio-as sofregamente, demoradamente. E sabem tão bem.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado. Há sempre quem partilhe connosco a nossa realidade.

      Eliminar
  6. Ai o desassossego do Mark...

    ResponderEliminar