11 de julho de 2014

Israel.


   A escalada de violência entre o Hamas e Israel, na Faixa de Gaza, não poderia ocorrer em melhor altura. Verão pelo hemisfério norte, campeonato do mundo de futebol, páginas de jornais com a pré-época das ligas de clubes que importam mais do que dezenas de mortos civis que perecem todos os dias às mãos de carrascos sem rosto.

  O conflito entre as duas facções, israelitas e palestinianos, é secular. Religioso, de raízes profundas que o tempo não ajudou a amenizar. A região da Palestina não é homogénea. Terra de árabes e judeus que reivindicam para si pedaços do que é santo, transcendental. Após o mandato que o Reino Unido tinha na Palestina, confiado pela Sociedade das Nações, já na nova ordem internacional, em 1947, sob a égide da ONU, estabeleceu-se, em resolução, que a Palestina seria dividida em dois Estados, a saber: um árabe e um judeu, honrando assim os direitos de ambos os povos. Árabes que sempre, desde que a memória se perde, habitaram aqueles territórios e judeus que, emigrando pelos tempos para a Palestina, pretenderam recriar o reino de Israel das Escrituras em Estado moderno, de onde foram perseguidos durante o Império Romano e a subsequente conquista árabe. Toda aquela área, como se sabe, pertenceu por séculos ao extinto Império Otomano.

   A resolução das Nações Unidas para a partilha da Palestina não foi aceite pelos países árabes, expectável, e o sempiterno ódio agudizou-se após a criação do Estado de Israel, em 1948. A declaração de guerra deu-se no mesmo ano e, de lá para cá, perde-se a conta aos conflitos que opuseram árabes e judeus. Entretanto, e por via das guerras, Israel foi expandindo o seu território, de forma ilegal por algumas vezes, como se verificou com a ocupação de Jerusalém, mal vista pela comunidade internacional, embora, como se saiba, seja uma cidade histórica importantíssima para os judeus. Os colonatos na Cisjordânia, reivindicada pelos palestinianos desde a expansão de Israel, é outro dos problemas que obsta sobremaneira à pacificação das relações já de si complicadas. Em todas as guerras entre Israel e a frente de países árabes que se lhe opõe, os judeus têm levado a melhor, ocupando a Cisjordânia, a Faixa de Gaza (controlada pelo Hamas na actualidade) e os Montes Golãs. A Península do Sinai, que Israel conquistara ao Egipto durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, foi entregue ao Egipto, em 1982.

   No direito internacional, a ocupação da Cisjordânia, dos Montes Golãs e de Jerusalém não é reconhecida pela ONU e mantém-se o status ambíguo dessas regiões. São consideradas territórios sob ocupação militar. Os palestinianos reivindicam a Cisjordânia e Jerusalém; a Síria quer fazer valer os seus direitos sobre os Montes Golãs.


   As décadas passam e a solução permanente e definitiva tarda em chegar. As guerras e as intifadas sucedem-se, tornando aquela parte do globo extraordinariamente perigosa. Há culpa tanto por israelitas quanto por palestinianos. A existência de Israel não deixa margem para dúvida e seria um primeiro passo o reconhecimento sem reservas, pelos povos islâmicos, do direito dos israelitas à sua pátria. Por outro lado, o Estado árabe na região é ainda uma realidade meramente formal. É urgente criar-se um país para os palestinianos, cumprindo o disposto no final dos anos quarenta do século passado. Israel terá de desocupar os territórios que controla à margem da comunidade internacional, remetendo-se para o que originalmente lhe foi atribuído.

   Sou sionista, defensor e amigo do Estado de Israel e por várias vezes troco palavras acesas com anti-sionistas, alguns mais antissemitas, eu diria. A intolerância para com o povo judeu conduziu a um genocídio sem precedentes na História. Que Israel é um facto, um país, reconhecido pela generalidade dos Estados, pela ONU, é indiscutível, bem como a sua manutenção como sujeito internacional de pleno direito. É um patamar do qual não prescindo. Com os países árabes, mantemos, portugueses, uma relação especial muito devida aos oito séculos de ocupação muçulmana da Península Ibérica. A herança é mais do que muita, perceptível na língua, na arquitectura, na genética. Como rejeitar o que nos está no sangue? O que rejeito são os costumes árabes e berberes avessos à democracia e ao respeito pelos direitos humanos. Não pactuo com a intolerância quando o que está em causa são perseguições ideológicas, políticas ou sexuais, ou quaisquer outras. E nesse campo Israel ganha por larga vantagem. Não fosse a instabilidade e seria um dos melhores países do mundo.

   Sou favorável à mediação internacional. Apenas. Terão de ser judeus e árabes entender-se. Utópico, dirão muitos. Direi eu, também, no curto, médio prazo. Já seria bom se transpusessem as disputas para o direito internacional e terminassem com as hostilidades bélicas. Que os civis, como sabemos, são as principais vítimas. E ninguém ganha com uma guerra. Todos perdemos. Eles e nós.

31 comentários:

  1. muito bem, Mark. o ponto principal do teu texto, penso eu, é o de que não há análises simplistas deste conflito. a situação é demasiado complexa para soluções simples, que, normalmente, são fruto de um olhar completamente alheio e/ou ideológico. tenho de confessar que as minhas simpatias são partilhadas, pois admiro muito os judeus, mas gosto muito dos árabes.
    não tenho esperança nenhuma de ver o conflito, já nem digo terminado, mas pelo menos, como referes, transporto do plano bélico para o do direito. mas lembro-me de que durante anos não acreditei numa resolução do problema da Irlanda do Norte, e a verdade é que foi possível, lá está, não digo resolvê-lo, mas contê-lo, de uma forma que deixou de ser desastrosa para a vida das pessoas e dos países. foi um dia feliz, para mim. pode ser que um dia de felicidade chegue também para o médio oriente.

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    1. Obrigado, Miguel. :)

      Eu tentei, tanto quanto possível, fazer uma análise baseada em factos e não em opiniões, que também as tenho e até as referi mais no final do meu texto.

      É um conflito muito complicado de gerir. Eu diria o mais complicado actualmente. Resolveu-se o problema da Irlanda do Norte, terrível, terrível, do País Basco também. Há outros. Recordo-me, de momento, de Caxemira, por exemplo. Timor também se resolveu - e muito bem.

      À medida em que os anos passam, compreendo melhor os países árabes e a sua visão do mundo. Fui extremista num tempo não muito longínquo. As detenções e execuções arbitrárias, violadoras dos direitos humanos, e aqui tentando distender ao máximo o conceito de direitos humanos, revoltam-me. Os países árabes são signatários da Declaração Universal dos Direitos do Homem como membros da ONU! Respeito o Islão e os seus costumes na medida em que não atentem contra os direitos elementares de qualquer ser humano.

      Esperemos que este conflito tenha solução.

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    2. e este conflito israelo-árabe é bem mais complicado do que os problemas da Irlanda do Norte ou do País Basco. já a questão de Caxemira é, igualmente, muito complexa e violenta. só não é mais porque nenhum país ocidental está directamente envolvido, ou pelo menos não se sente ameaçado por ele.

      nunca fui extremista, mas já tive tempos em que era assumidamente pró-Israel (embora sempre me tivesse custado 'usar' a expressão 'sionista'), mesmo quando ideologicamente me situava muito mais à esquerda do que estou actualmente (ou pelo menos, com mais alma!)

      e de certo modo o que me fez evoluir foi conhecer países árabes (o Egipto, a Jordânia e sobretudo a Síria, que adorei) e países islâmicos (Marrocos e a Malásia). adorei as pessoas, sobretudo os árabes. conhecer países árabes, talvez até mais do que a minha ligação a África, que tu conheces, ou as Américas, de que tanto gosto, pôs o meu europeísmo e 'ocidentalismo' em crise. aquelas pessoas fascinaram-me, os seus usos, a sua beleza, uma graça muito sedutora, a arte, os aromas (só da comida é que não fiquei grande fã), a paisagem, que é agreste mas cheia de vida.

      sei que por vezes não é fácil, mas é importante realmente separarmos o islamismo, e sobretudo a cultura (eu ia chamar-lhe civilização) árabe ou berbere, do extremismo religioso que é abominável na forma como desrespeita e violenta desde logo as próprias pessoas que o seguem.

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    3. Notoriamente, eu sou pró-Israel. Tenho uma simpatia enorme por aquele povo e país. :)

      Conheço a tua especial ligação a África, que partilho pelo pai. Aliás, trata-se da mesma terra: o belo Moçambique. E também sei que adoras os países árabes e berberes. Nunca me seduziram muito, assumo, mas eu sou um ignorante em matéria de viagens. Que desperdício de vida, ahah.

      Felizmente, separo o Islão das seitas extremistas. Há islâmicos moderados. Não sei é se serão a maioria. :D

      Entretanto, lembrei-me de outro problema, também ele gravíssimo, nos anos noventa, sobretudo: o conflito nos Balcãs...

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  2. Fazes uma excelente descrição das raízes deste conflito que parece infindável.
    Mostras uma aproximação afectiva ao estado de Israel, o qual, aceito, tem todo o direito de se estabelecer na região.
    Mais; concordo que a hostilidade que os povos árabes sempre demonstraram pelos israelitas, muitas vezes levou estes a terem que pegar em armas paea se defenderem.
    Mas os pontos de concordância entre nós findam aqui; não te vejo uma palavra de repúdio para com tantas e tantas iniciativas de guerra e violência iniciadas e conduzidas de uma forma feroz por Israel, sempre com as "costas quentes" dos americanos.
    Apenas quando Israel tem sido governado por socialistas, se estendem pontes de diálogo e quando a direita, sempre muito radical, governa o país, os disparates são imensos.
    Vamos pois mediar as culpas entre os dois povos, pelos actos de violência de iniciativa de ambos e não pôr os ovos todos no mesmo sítio, ou seja vitimizar apenas os judeus.

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    1. João, vês, vês. Em todo o texto reparto a culpa por ambos. Sou claro quando critico a ocupação de determinados territórios, à margem do direito, por parte de Israel, e defendo que cumpram o que a ONU estipulou.
      E critico os massacres a palestinianos, manifestamente a parte mais fraca. Não direi que Israel faça "limpezas étnicas" (tendo sido vítima disso durante séculos), mas que há desproporcionalidade de forças, há.

      Apoios todos têm. Os países árabes e berberes apoiam a Palestina. Já reparaste na fragilidade territorial de Israel perante um Egipto, uma Arábia Saudita, um Iraque? Têm nos E.U.A um importante aliado pois todos sabemos da influência judaica na sociedade estadunidense, na banca, nomeadamente.

      E mediei as culpas claramente: terceiro período do quinto parágrafo (até to transcrevo): " Há culpa tanto por israelitas quanto por palestinianos. "

      Parcialidade é critica que não aceito porque, sendo pró-israelita, tento ser justo em tudo o que faço.

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  3. Vou apenas comentar o teu primeiro paragrafo, porque estou completamente "a leste" da questão principal.
    Faz.-me lembrar a famosa frase latina "Dai.lhes pão e circo". Haja algo para meter na boca, e divertimento, que o resto não interessa. O problema é que a comunicação social é a principal culpada.

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    1. Sim, e esqueci-me de mencionar a "novela BES" que não tem fim (haja paciência!). A recuperação económica estava à vista e temos SOMENTE uma das principais entidades bancárias portuguesas em dificuldades...

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  4. Parabéns pelo texto. Todos estamos na espera de uma solução para esse conflito. As imagens que nos chegam são simplesmente avassaladoras. Nós aqui do Brasil, um país de tantos sofrimentos nos conflitos sociais, queremos enviar um pouco de energia de paz.
    Um abraço
    Paulo

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    1. Olá Paulo Gomes. Obrigado pela sua visita. :)

      Sim, esperemos que a paz, que teima em chegar, um dia, não muito distante, reine na Palestina.

      um abraço. :)

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  5. Já é altura de darem um abraço e fazerem as pazes :)

    Afinal, o Deus é o mesmo :D

    De facto, os civis é que são sempre os mais massacrados :(

    Abraço amigo

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    1. As guerras são tão... mesquinhas. Povos que se combatem... Quem ganha no final? A morte é a única vencedora.

      um abraço, Francisco. :)

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    2. Termos o mesmo Deus não conta quando as opiniões são tão contrárias. Sou católico mas acredito que a possível solução passa pelo entendimento entre os homens.

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  6. Você tocou num assunto e que merece atenção de grandes autoridades, e concordo com seu ponto de vista.
    Violência gera violência, e todos nós estamos aqui de passagem.

    Abraços!

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    1. É... eu defendo que o entendimento terá de ser primeiro entre eles. De outra forma, toda a ingerência internacional, da ONU, será pontual, mais para conter as investidas de ambas as partes do que tendo em vista uma solução definitiva.

      um abraço. :)

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  7. Gostei da ironia logo na primeira frase. Às vezes convenço-me que a solução já chegou há muito àquelas paragens: a guerra constante.

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    1. Não quero aceitar isso. Seria terrível, assumir que a guerra e a irracionalidade se sobrepõem à paz, ao entendimento e ao diálogo entre os Homens.

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    2. Pois é meu caro... mas nós vemos o que se tem passado ao longo dos anos. Tréguas que não duram, ataques que não cessam. É um barril de pólvora com um rastilho comprido.

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    3. Tens razão. Não nos esqueçamos do Acordo de Oslo, no qual o mundo depositou tantas expectativas...

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    4. O mundo? Ou apenas os sonhadores? (desculpa este mau feitio... já me conheces)

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    5. Se calhar os sonhadores.

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  8. Muito triste esse conflito. :( Nos últimos dias a tv passa muitas imagens de crianças chorando nos braços de seus pais, de rosto sujo. Dá um aperto no coração. Já tinha que ter acabado de vez essa guerra horrível.

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  9. Mark, esta questão palestina é muito muito angustiante, eu não sou judeu mas entendo perfeitamente a luta e as preocupções de israel, mas também tenho muita empatia com a questão do exodo palestino, que também foi uma decisão arbitraria da ONU! Acho que o equibrio na paz será muito dificil, o que vamos ter é o equilibrio na guerra mesmo!

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    1. Ontem assisti a uns bombardeamentos israelitas e a crianças palestinianas a chorar, o que me entristeceu muitíssimo. Israel ultrapassou o admissível. A desproporcionalidade de forças é gritante. :/

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  10. Enquanto as guerras forem um jogo de interesses, conflitos como este vão continuar a durar.
    E custa vermos tanta gente a sofrer por causa de algo que muitos às tantas já nem sabem o motivo, simplesmente lutam por lutar...

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  11. O conflito israelo-árabe é uma herança da história, com a cidade-santa como epicentro. Compreendo ambas as posições, apesar de achar que Israel nunca teve um comportamento correcto, pelo contrário, foi quase sempre a opção bélica a dominar o cenário. Por outro lado, surpreende-me a motivação dos judeus, muito para além dos israelitas, em defender o seu povo. Conheci, na Suécia, um rapaz (sueco) da minha idade, que estava a estudar medicina. Quando falámos de objectivos de vida, disse-me que o seu plano era terminar os estudos e ir para Israel combater e defender o seu povo. Não posso deixar de comparar isto com o recente choque de haver ocidentais (e alguns portugueses) a converterem-se ao islamismo e partirem para a Síria em defesa do 'estado islâmico'.

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    1. Os portugueses que se convertem ao islamismo e partem para a Síria em defesa do "Estado Islâmico" provavelmente não têm quaisquer objectivos de vida. Não conheço a história de nenhum e não sou ninguém para julgar essas motivações, mas uma pessoa racional, com um emprego, um plano de vida (que hoje vale de pouco), não abdicaria de tudo para morrer por "nada".

      Coelhito, Israel apenas se tem defendido. Foram os islâmicos que desde sempre atentaram contra a integridade territorial / soberania israelita.

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  12. Bom, já neste texto não tenho a mesma opinião (LOL) - Haveríamos de divergir em algo! Considero que Israel terá direito ao seu Estado, embora a forma que encontrou para o formar seja desonesta (no mínimo), sendo aquilo que apregoa para si é diferente quando são os outros - logo ai, com a falta de coerência fico de pé atrás.

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    1. Bom, Israel foi se expandido à medida em que ia sendo atacado ilegitimamente.

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