30 de junho de 2014

A saga.


    Começaram, hoje, as orais de melhoria. Saí de uma há poucas horas. Como acontece nestes casos, escolhemos um tema que apresentamos ao júri. Esta modalidade de orais é substancialmente diferente das mais comuns, designadas por de passagem. Nessas, os professores correm a matéria, aferindo, assim, os conhecimentos dos alunos. Entende-se. Estas baseiam-se no dito tema que é escolhido livremente desde que esteja inserido no contexto da disciplina. O objectivo é tão somente o de reforçar a nota.

    Não será fácil. Quero fazer melhorias a tudo, mais a umas quantas do primeiro semestre e a duas do ano passado que, por incúria, não fechei. Talvez pelo cansaço, não escolhi todos os temas a apresentar. Sentia-me bastante preparado para a de hoje e consegui subir dois valores. Fiquei com a nota que queria, mas não deixaram de avançar pelo programa da cadeira. Quase que fui testado uma segunda vez, onde, no teste e na avaliação contínua, demonstrei o que sei. Por levarmos um trabalho de pesquisa preparado, para expor oralmente, não significa que não tenham liberdade para tocar noutros pontos que considerem relevantes.

    A manhã esteve amena, no entanto, decidi deixar o fato no closet. Escolhi uns jeans escuros, camisinha branca, gravata, blazer fresco e assim fui. Um sapato casual e prontinho. Ser finalista permite-nos um certo à vontade. Já se vê professores de pullover e, meses atrás, vi um assistente de ténis. Fiquei, ficámos boquiabertos. Está para cair "um santo do altar". São os novos tempos que atravessam a faculdade, a renovação de que tanto se fala aqui e ali. 
     Sou fiel a algum cuidado na indumentária. Um professor de ténis, assuma-se, não é um quadro agradável. Há que ter em consideração os cursos. Num de Geografia fará todo o sentido; Letras, por exemplo, em que os visuais são alternativos, ousados, irreverentes. Agora, imagine-se um juiz que vai julgar uma causa, a nossa causa, de ténis. É puro preconceito, eu sei, eu sei, mas exige-se um pouco de rigor. Só falta dar aulas mascando pastilha elástica!

   Gosto do formalismo no trato. Gosto da distância respeitosa que nos distingue dos professores, não necessariamente numa lógica de superior / inferior. Nada disso. Hoje, eles; amanhã, eu, quem sabe. Perde-se valores a cada década. Ao ritmo com que perdi o temor natural, que os alunos sentem, ao encarar dois ou três docentes com ar sisudo. As orais despojaram-se desse estigma. É o hábito. Correu bastante bem. Até é uma ajuda, visto que falo pouco. O ponto fraco que encontro em mim. 

     Estou exausto. Dormi mal, acordei cedo e tenho a mente cheia de palavras que quero jogar fora. Daqui a dias tenho outra, e outra, e outra... 
      Preciso de sol, mar e sumos gelados.

25 de junho de 2014

A Viagem.


   Saber, afinal, do que se trata a morte não é tarefa fácil. Centenas de crenças e religiões explicam-na à luz dos seus dogmas, algumas com intolerância, outras com o sentimento de compreensão paternalista que é movido mais pelo respeito do que pela vontade séria em ouvir as demais verdades. Todavia, quase todas confluem num sentido: o de negar a sua existência. A necessidade que o ser humano tem de se perpetuar leva-o a não admitir, de forma alguma, que o perecimento da matéria seja a derradeira etapa da vida. Todas, absolutamente todas, defendem que há algo, ainda que não o definam, ainda que não o explicitem mediante a utilização de uma linguagem universalmente aceite.

   O pai nasceu em Moçambique no final dos anos quarenta. Educado numa família tradicional da época, cresceu enquanto católico, professando. A juventude apanhá-lo-ia nos anos sessenta e, numa das suas incursões pelo mato, com amigos, por brincadeira, assistiu a um ritual de exorcismo. Quem esteve em África sabe bem como o espiritismo é prática corrente. Perturbou-o, levando-o, mais tarde, a procurar informação que haveria de encontrar na doutrina espírita de Allan Kardec, livros que me passou e que li no início da adolescência. Sumariamente, a doutrina espírita não nega os valores cristãos, acreditando que o espírito sobrevive à morte corpórea, que é uma viagem, e que a reencarnação é o meio que utilizamos para nos aperfeiçoarmos. Importa dizer que é algo sério, que não envolve magias ou feitiços. Os centros espíritas sequer cobram qualquer valor monetário. É uma doutrina cristã.

   Imbuído nos tumultos da sua geração, o pai passou por um período de esquerda, que provocatoriamente dizia-lhe que caviar - esquerda caviar - dando lugar a um senhor de sessentas, actualmente, com um bom percurso profissional, de religião incerta. Será católico, eu diria, mas a crença na imortalidade da alma existe. A morte de um filho, o seu filho mais velho, aos vinte e nove anos, deve ter reforçado tais convicções.

   Pouco guardo em mim desse meio-irmão. Quando nasci, era um homem. Vi-o raras vezes. Tenho presente uma festa em que, carinhosamente, passou a mão pelo meu cabelo. Teria uns cinco anos. Era muito alto, o que vim a confirmar em todas as fotos que tenho e nas quais consta. Bonitão, olhos verdes, cabelo castanho claro, traços finos. A mãe, brasileira, que o pai conheceu quando, saindo de Moçambique, se radicou no Brasil, tinha, e tem, ancestrais holandeses muito comuns no nordeste brasileiro. A ocupação efémera dos holandeses não deixou rastos culturais ou linguísticos; deixou-os na genética.

   A sua morte foi motivo de grande consternação. Sendo pequeno, vejo o pai a chorar, desesperado, depois de receber um telefonema. Algures em dois mil e dez falei deste irmão por aqui. A recuperação, que nunca se dá, nenhum progenitor recupera da morte de um filho, originou uma dor adormecida, inactiva, com uma centelha que arde permanentemente. É certo que o acompanha.

   O mote para escrever sobre este meio-irmão que não amei, que não podia amar, que não conheci, em verdade, foi a trágica morte que se abateu no seio da família de um caro amigo que tem um blogue - o João - e que também ele perdeu um ente querido, o seu irmão, há dias. Vislumbro o sofrimento dos seus pais pelo sofrimento do meu, naquele fatídico dia de Agosto de mil novecentos e noventa e nove. Só o tempo amenizará uma dor tão pujante. 

   Morrer jovem, como disse num texto, há tempos, é injusto, imoral, inominável. Deveria ser proibido.

21 de junho de 2014

Maleficent.


   Há dias, fui ver a Maleficent no cinema. Era um filme imperdível, mesmo considerando a minha indiferença em relação às estreias. Desde que tive conhecimento da nova versão que a Disney pretendeu explorar, fiquei excitado com a ideia de ver a grande vilã como protagonista de uma história que, originalmente, não era sua.

   Marquei com um amigo e decidimos ir ao Alvaláxia, ali no Campo Grande. Preferia as salas UCI do El Corte Inglés, mas não me esforcei por impor a minha vontade. Disse-me que eram boas. Além do mais, o facto de ter cartão da ZON possibilitou que um bilhete fosse totalmente gratuito. A curiosidade era tanta que nem o barulhinho insuportável que fez, ao comer um pacote inteiro de pipocas, me incomodou.


   Vale a pena. O filme tem interesse. Partilho de algumas posições quanto ao argumento. Poderiam ter reflectido melhor. É meio, como direi, básico. A interpretação da Angelina, magistral. Ela, efectivamente, salva o filme. O que de melhor se retira são as importantes lições. Uma delas foi referida em vários dos artigos que li na crítica especializada e pela blogosfera: há sempre um motivo anterior que justifica a maldade, o ódio e o rancor presentes em algumas pessoas. Nada é por acaso. Eu percebi outra, porventura mais importante ou, se tanto, que vem ao encontro do que tenho defendido. O que é o amor?

   A par do filial / paternal, abrangendo a família e laços análogos, não existe. É aquilo em que acredito, sendo susceptível a críticas, claro está. O que chamam de amor não passa de um bem-querer, um medo compreensível da solidão, uma necessidade constante de carinho e atenção. Não haverá sentimento mais egoísta. Daí que acabe. E acaba não porque não seja verdadeiro; acaba porque reside numa lenda empolada pelos homens. Não inferi tudo isto graças a uma personagem de ficção - seria irrealista. Digamos que veio reforçar o que sinto desde há anos a esta data. A Maléfica rogou uma maldição que só seria superada com um beijo de verdadeiro amor, sabendo que jamais a princesa acordaria do sono pela inexistência do antídoto. Aurora acordaria, sim, afinal, os contos de fadas sempre terminam bem. O amor, esse, inesperadamente surgiu na faceta que lhe reconheço. Tão somente.

    Aprender a contornar as nossas limitações é um passo em frente, como um degrau de uma escada que se soma à caminhada. E são opções. Eu fiz a minha, afirmando - não com orgulho - que não houve erros ou decepções que me levaram a pensar assim. Pouco vivi para saber do que isso se trata. Evito essa fase, saltando etapas. Olho em redor, observo vivências, assimilo e sigo em frente. Acredite-se ou não, traz paz, confiança, serenidade.

    É o que se extrai de um clássico, o que o distingue. Quando saímos mais ricos do que entrámos. Eu saí, seguramente.

18 de junho de 2014

Confrontos.


   O quotidiano actual do país, da Europa e do mundo é favorável aos governos. Por lá e por cá, os desafios desportivos preenchem as páginas dos jornais, as telas dos noticiários, as conversas banais de café. Nada melhor para os executivos que roubam à margem da lei e nas costas do seu povo, como tão bem um cartoon brasileiro, que vi por estes dias, patenteou. Demagogias à parte, a participação de Portugal neste campeonato mundial tem afastado as pessoas da realidade política com a qual se defrontam ainda que não dêem conta dela.

    Enquanto o Governo prepara novos cortes e medidas para amenizar os chumbos do Tribunal Constitucional, o maior partido da oposição diverte-se com guerrinhas internas que só o descredibilizam aos olhos da opinião pública. Os Antónios disputam entre si o lugar de líder do partido, de secretário-geral, e os portugueses, os poucos que estão atentos, certamente dirão para si: como é que esta gente pretende governar se sequer se entende. E são questões muito pertinentes. No momento em que o partido tinha obrigatoriamente de mostrar coesão, pelo contrário, desfragmenta-se a cada instante. Ontem, soube-se a última novidade nesta infindável novela cor-de-rosa: Ferro Rodrigues está ao lado de António Costa. Seguro, que perde o apoio dos seus camaradas diariamente. Ele, cujo maior erro foi clamar por uma vitória nas europeias que não se viu.

    O povo mostrou um indubitável cartão amarelo a Passos Coelho e Portas. Ficou por dar a luz verde ao PS. A insegurança mantém-se. E o problema, claro, reside no líder. Seguro deveria assumir a derrota pessoal nas supracitadas eleições. Ganhou o PS, por um voto se ganha e por outro se perde, e só. Não se compreende o resultado fraco diante de um governo desgastado pela impopularidade. Qualquer um com o mínimo de dignidade colocaria o lugar à disposição. Seguro, não. Já está preso a um poder que não tem e o povo sabe julgar isso: afinal, move-se pelo desejo indisfarçável de ser Primeiro-Ministro ou pela vontade de ajudar o país? E sabe, como nós, que só o PS poderá fazê-lo. Mas não este PS, que perde credibilidade a cada dia. Não quero imaginar no que sucederá até às ditas eleições primárias de 28 de Setembro, já contando com o Verão e com o resto do Mundial, em que todos andarão mais distraídos.

    Pergunta-se, e bem, pelos históricos do partido. Onde estão? Vão surgindo alguns, percebendo, como o mais vulgar dos cidadãos, eu, que esta situação é incomportável. Se já temo que a coligação saia vitoriosa nas próximas eleições legislativas, o que poderá passar por um resultado inesperado, a crise socialista ajudará ao mote, estimulando a descrença, favorecendo os votos na esquerda radical que não tem como objectivo governar e sim fazer oposição a quanto obrigas.
     O PS tem, com urgência, de definir as regras da escolha do seu líder. Outras, que não estas.

     Tempo é dinheiro, como se diz. Neste caso, é mais do que isso: é votos.

14 de junho de 2014

Silly Season.


   Aproxima-se a silly season, também pela blogo, não só na imprensa escrita. Melhor dizendo, começou. O calor, as idas à praia, os amores de estação quente, fatos de banho, protectores e biquínis proporcionam temas leves. O campeonato do mundo de futebol masculino ajuda a aliviar o stress causado por um ano particularmente difícil para os portugueses. A selecção inaugura a sua passagem pela copa já na segunda-feira que vem.

   O futebol é desporto que nunca me despertou a curiosidade. Retenho momentos, na infância, em que o pai assistia a determinados jogos e eu brincava, alegremente, na carpete da sala. O quadro de distanciamento alterou-se no campeonato da Europa de dois mil e quatro, em Portugal, no início da adolescência, em que, de certo modo, embora não entoasse cantigas patrióticas e empunhasse cachecóis e bandeirinhas, despertei para o interesse dos desafios entre selecções. Quase como se representassem as novas guerras - aquelas à moda antiga, com armas e tudo o mais, infelizmente, ainda persistem... Em boa verdade, a rivalidade entre nações, que antes despoletava pelo motivo mais irrisório, que logo justificava canhões e invasões, deu lugar aos duelos num relvado, com vinte e dois jogadores mais a equipa de arbitragem. Tem a sua graça ver as bancadas pintadas a uma só cor, o fervor dos adeptos, a crença e a desilusão. Tudo faz parte da vida.

   A partir do famoso Euro 2004, comecei a comprar uma revista oficial dos campeonatos da Europa e do Mundo, com tudo sobre cada selecção, o calendário oficial, os jogadores, os dados estatísticos... e, claro está, a assistir aos jogos que pudesse. Deve ser o único período do ano em que se liga diariamente a televisão por cá. Eu, que a mãe nenhuma importância dá a isto. Ali fico, pela sala de estar, a ver os lances. Noventa minutos inteirinhos. O meu calcanhar de Aquiles deve-se ao facto de não ligar a mínima para as ligas entre clubes, ou seja, não passo cartão aos campeonatos nacionais ou estrangeiros. Tenho uma equipa portuguesa da minha simpatia, mas tampouco acompanho se ganha ou perde. Venho a saber pela internet ou por conversas que ouço aqui e ali. Daí que não seja justo considerar que gosto de futebol. Fora estes torneios, é-me completamente indiferente.

   Por maioria de razão, não assinámos o pacote de canais desportivos. De momento, e visto que estamos nos jogos da fase de grupos, há três por dia, dois transmitidos pela RTP1 e um na SportTV, que vejo pela net. Acompanho-os religiosamente - gosto mesmo disto.

   Ontem, a Holanda deu uma goleada monumental à Espanha. Não gosto de nenhum dos países por motivos históricos. A Espanha, pelo que se sabe e não vale a pena repetir; a Holanda, por ter destruído uma parte significativa do nosso império colonial na Ásia, tentando, não satisfeita, apossar-se do Brasil, de Angola, de São Tomé e Príncipe, enfim, de tudo. Portugal, coitado, um reino inofensivo.
  Fiquei satisfeito com a vitória dos Países Baixos (nome correcto). Ao que sei, não mantêm uma parcela portuguesa de jure no seu território... Espero que fique em primeiro lugar no grupo B; em segundo, bom, eu preferia que fosse a Austrália, mas, diante da derrota frente ao Chile, que seja este. Espanha, nunca. Eliminada. Levar com cinco golos da não menos poderosa Holanda, aquela que é a detentora do título de campeã do mundo, suponho que não seja fácil de digerir...

  Selecções preferidas? Torço por Portugal, bom ou mau é o país onde nasci, pelo Brasil, e por países simpáticos: Inglaterra (não há selecção do Reino Unido), Austrália, Itália, as mais fracas (Camarões, Gana), por aí. É quase apoiar os países que gostamos. Cada um terá as suas simpatias.

    Tenho com que me entreter por um mês.

11 de junho de 2014

Olá!


   Olá a todos! Eu sou a (...), err, não tenho nome. :( Pois é, o desnaturado do meu dono nunca me baptizou. Ele é um chato. Eu gosto dele. Às vezes, diz assim umas coisas esquisitas em voz alta quando está a estudar. Que chatice. :s Gosto de morar aqui! Mudam-me a aguinha todos os dias, dão-me banho debaixo da torneira, ai, sabe tãaaoo bem. Também me dão de comer. Eu como muito. :$ Adoro camarões e, de vez em quando, dão-me almôndegas e carne de panela, yummy! :D


   Vim para cá era muito pequenina. Não sei em que ano nasci, mês ou dia. :| A mãe do meu dono diz que fui um presente para ele, que era pequenito. Em Novembro de 1995. Disse à senhora que me deu, a babá do Mark, que não me queria porque as tartarugas morrem muito e não tinha tempo para mim! Bah, ainda cá estou, vês? :D Dou pouco trabalho. Desde que me mudem a água diariamente, mais do que uma vez no Verão, me alimentem e me deixem caminhar para tomar banhos de sol, não aflijo ninguém. (:


   Desculpem a minha cara nas fotos, mas não gosto destas coisas. Sou envergonhada, ou envergonhado? :s Pois, além de não ter nome, não sei o meu sexo. O meu dono também não sabe. Eu já o ouvi comentar que está desconfiado. Acha que sou fêmea porque leu num site que as fêmeas são maiores. Mas... os machos têm garras bastante compridas e as minhas são. :s Está num impasse. Bom, isso pouco me importa. Sou feliz à mesma. :D

   Há dias, ele mostrou-me umas fotos da tartaruga da Margarida, a Batá. Humm, fiquei louca (louco?). Aquele focinho lindo, aquele rabo que me deixou, ai, nem digo! Se formos duas fêmeas, oh, serei lésbica? Até a queria conhecer. :) O meu dono não se deve importar (aos sábados, ele põe música no quarto, baixo, porque a mãe dele sofre de enxaquecas, e dança assim 'a modos que', pois, também deve dar p'ráquele lado...). Espero que a Margarida seja liberal. :D

    Beijinhos a todos!!

8 de junho de 2014

Before Sunrise.


   Não sou especialmente ligado a cinema. Gosto de um filme por outro. Frequentemente, vejo as estreias meses após a apoteose. Sou incapaz de correr movido pela vontade incontrolável de ver um filme. Na adolescência, as idas ao cinema significavam convívio com colegas. Era um meio de passar o tempo, de socializar entre as aulas, naquela época em que precisamos de alguma dose de afirmação perante os pais e os educadores. 

  Abri uma excepção à Maleficent, a que ainda não assisti, mas irei. Combinei com um amigo, ontem. Ele preferia de tarde. Muito em cima da hora. À noite, bom, teve um jantar e acabou por cair o acordo. Não passará desta semana. O peso do clássico, na minha infância, é um bom motivo. Espero não sair defraudado.

   Há dias, encostei-me no sofá da sala de estar e liguei a tv. Aos anos que não o fazia. A televisão perdeu todo o interesse. Os conteúdos estão acessíveis na internet. Cada vez mais será um meio de comunicação obsoleto, a menos que apostem na interactividade. Os espectadores já não se conformam à oferta dos servidores. Ver o que nos impingem, passo a expressão, não faz sentido na segunda década do século XXI. Sem nada para ver, liguei num dos canais temáticos, TVCine 2, e dei com um filminho - não dava nada por ele - que me prendeu a atenção. De mil novecentos e noventa e cinco, não é recente. O título, Before Sunrise. Aposto que a maioria de vós terá visto. Assim mesmo, aborda a história de um rapaz, norte-americano, e de uma rapariga, francesa, que se encontram a bordo de um comboio com destino a Viena. Entretanto, conhecem-se, comunicam, e vivem uma tarde e noite de paixão, sabendo que no dia seguinte cada um partirá rumo à sua vida, prevendo-se que não voltarão a estar juntos.

   Lendo a sinopse na internet, depois, soube que foi muitíssimo bem recebido pela crítica e consta em algumas listas como um dos filmes mais românticos de sempre. É, de facto, lindíssimo. A atmosfera vienense, o desempenho dos actores, a inocência daquele contacto tórrido e momentâneo enterneceu-me. Uma cena em particular mexeu comigo. Deitaram-se num jardim e decidiram não avançar para uma relação sexual. Ela temeu entregar-se a um rapaz que não voltaria a ver. Sofreria ao imaginar o seu corpo unido ao de outra mulher. Ele aceitou, dizendo-lhe que o sexo não é tudo e que preferia trocar carícias e afagos. Em dois jovens adultos, achei bastante expressivo. "É filme", dirão.

   A realidade é substancialmente diferente. A facilidade com que hoje em dia se tira a roupa é de pasmar. Os sentimentos são relegados. Primeiro o prazer da carne, sujo, depois os afectos. É tão... minimalista da capacidade de abnegação e de amar do ser humano.

   O filme tem duas sequelas. Temo vê-las. As continuações nunca saem bem. Li críticas favoráveis, apesar disso, prefiro não arriscar. Fico com as imagens que gravei no meu disco rígido.

    A ficção ajuda a encarar a verdade.

    Deixo-vos com uma das cenas.



5 de junho de 2014

Desgoverno.


  A teoria da separação de poderes remonta a Locke e a Montesquieu, mais tarde, implantando-se progressivamente nos ordenamentos jurídicos dos Estados democráticos. O poder limita o poder, numa balança de pesos e contrapesos que assegura, dessa forma, o equilíbrio. Claro em todos os tempos houve tentativas de interferência do poder executivo, sobretudo, no poder judicial, e o vice-versa aconteceu nos Estados Unidos da América, mas é fenómeno raro e circunscrito. Em boa verdade, os juízes limitam-se a aplicar a justiça ao caso concreto, considerando as diferenças que separam o sistema romano-germânico da common law. O propósito mantém-se. Fazer justiça, seja punindo o agente, prevenindo a prática do mesmo crime, pacificando os cidadãos, em políticas de prevenção.

   O que temos assistido nos últimos dias, em Portugal, não faz parte dos moldes de um Estado de Direito Democrático. O Governo, a maioria parlamentar, decidiu enfrentar o Tribunal Constitucional, pondo em causa o repúdio deste a algumas medidas do Governo que constavam do Orçamento de Estado de 2014, nomeadamente, não só, os cortes salariais na função pública. Os acórdãos do Tribunal Constitucional têm força obrigatória geral e efeitos retroactivos, a menos que seja exceptuado, como foi, ou seja, a declaração não abrangerá os valores já retidos, vigorando a partir de agora. O equilíbrio das contas públicas é o motivo que pesou na decisão do TC.

   Não acatando de bom grado o que o poder judicial proferiu, a maioria pediu um pedido de aclaração do acórdão, todavia, não terá qualquer impacto prático, vinculativo que é o acórdão do Tribunal Constitucional. A figura do pedido de aclaração deixou de constar do novo Código de Processo Civil, o que também inviabiliza esta manobra, que perde assim as bases legais que a sustentavam. Trata-se de uma afronta. Passos Coelho desconhece o que é o equilíbrio de poderes e o respeito que se lhe impõe às decisões de um órgão de soberania, de que o TC faz parte. Este governo não gosta da Constituição. Certamente queria uma mais liberal, economicamente falando. As pessoas passaram a números. Tudo tendo em vista a satisfação do FMI e da União Europeia, nem que para isso se atropele de um modo absolutamente reprovável e indigno os direitos dos cidadãos. O Tribunal Constitucional não governa nem se imiscui nas competências dos poderes legislativo e executivo; o TC aprecia a constitucionalidade das normas, o conforme ou desconforme à luz da nossa Lei Fundamental. É a maioria parlamentar que atenta sistematicamente a Constituição, pretendendo governar ao arrepio da Lei. Não se entende este pedido de aclaração. O Tribunal Constitucional foi explícito e objectivo na fundamentação que deu.

   Agravando o que de si é já incompreensível, Passos Coelho veio a público com ataques velados aos juízes, exigindo um escrutínio mais apurado na escolha dos magistrados. Há uma lei que regula a escolha dos juízes, e esse escrutínio a que alude o Primeiro-Ministro existe e é controlado pela Assembleia da República. Dez magistrados são eleitos pelo parlamento, por dois terços dos deputados, e três são cooptados pelos restantes magistrados, perfazendo o número de treze juízes que compõem o TC. Eleitos pela AR na lógica de contrapoder. Há sistemas em que os juízes são simplesmente cooptados pelos seus pares, mas isso poderia legitimar arbitrariedades dos magistrados. Assim, o parlamento elege quem fiscalizará as leis emanadas por si, com independência total. O poder judicial não depende do poder legislativo.

   Havendo uma lei, como disse anteriormente, que regula todo este processo, compete ao parlamento modificá-la. O que me quer parecer, e no seguimento do que afirmou o PCP, é que Pedro Passos Coelho pretende chamar para si as competências do judicial, ou, se tanto, que os magistrados decidam de acordo com a sua vontade política, mesmo que isso implique uma incompatibilidade com a CRP.

   No meio disto, onde está o árbitro? Como se explica este silêncio ensurdecedor do senhor Presidente da República, que não dá uso ao seu poder moderador, à sua magistratura de influência, podendo, no seio dessa prerrogativa presidencial, enviar uma mensagem à Assembleia da República ou até alertando o Primeiro-Ministro, nas reuniões semanais, do perigo que representa este impasse? Vou mais longe: estando em causa o regular funcionamento das instituições democráticas, e isso já se começa a vislumbrar, com um governo que intimida o poder judicial, está aberta a porta de uma demissão do Governo, inclusive a dissolução da Assembleia da República. Há atitudes que não são permitidas numa democracia madura como a portuguesa.

   É tempo de mudança. A maioria perde o controlo e a razão, atacando tudo e todos em regime de total impunidade. A sua queda nas próximas eleições, se não antes, será o culminar de uma erosão de anos. Que se deixe o povo falar.

2 de junho de 2014

Feira do Livro.


   Acertei com um amigo e fomos à Feira do Livro neste último sábado. O que saiu comigo no dia da final da champions league. Sugestão sua. A dita feira é certame que não acompanho. Odeio sentir-me como sardinha em lata ou simplesmente andar no meio de multidões. Fui ainda sensível ao seu argumento de que poderia encontrar alguns livros que me interessassem. Bom, por que não?

   Não poderia supor que estivessem tantas pessoas presentes. Mau dia, fim de semana. De facto, a oferta é estimulante e mais que muita. Encontra-se de tudo. Comprei alguns livros, embora não tenha notado diferenças significativas nos preços, sobretudo nos novos. Os descontos nos jurídicos e nos históricos, o que mais me suscitava o interesse, eram irrisórios. Não saí de mãos vazias. Comprei uma biografia de D. João II, de Mário Domingues. É autor que aborda as personagens históricas de um ponto de vista objectivo, sem descurar aqueles floreados que tão bem ficam em qualquer livro do género. Recaiu ainda o meu interesse num pequeno livro do senhor professor Paulo Otero acerca da democracia totalitária. Há tempos que o procurava. A maior loucura, no entanto, ficou-se por um livro sobre os descobrimentos e a expansão portuguesa, numa edição da Universidade Lusíada, de quase seiscentas páginas. Caro, mesmo numa lógica de feira.

   De seguida, a minha atenção foi ao encontro dos romances que vi quase à borla. Trazer um clássico por dois euros, diga-se, é irrecusável. Trata-se do romance de D. H. Lawrence, Filhos e Amantes. Gostei do prefácio e da polémica que causou. Ainda revolvi à procura de outro que me agradasse, mas comprar por comprar não faz sentido. E tenho imensos livros na fila de espera.
    Ele adquiriu os diários de Al Berto.


   Andámos por ali (aquilo não tem nada de mais para ver). Entrámos em algumas barraquinhas. Assistimos a um furto em plena praça pública. Alguém, certamente não muito esperto, resolveu subtrair um livro, colocando-o na mala, esquecendo-se de que instalaram aqueles alarmes laterais que encontramos à saída das lojas. O crime não compensa e é bastante vexatório (risos). Comemos um gelado e sentámo-nos num banquinho de jardim, à sombra. Estava uma tarde bastante agradável. Clima ameno. Já nos conhecemos há uns anos. Fomos colegas de colégio. Entretanto, aproximámo-nos há semanas. É parecido comigo. É sossegado, meio introvertido.

    Terminámos a tarde sentados na relva, falando do futuro e discutindo as aquisições.