18 de maio de 2014

O futuro.


   A direita regozija-se pelo final do programa de assistência do triunvirato, vulgo troika, que tanto atormentou os portugueses nos últimos anos. Só um irrealista acreditará que entraremos numa era de bonança. Efectivamente, os sacrifícios continuarão, mais ou menos ostensivos, incluídos num discurso oficial de cautela. Em boa verdade, Portugal viveu acima das suas possibilidades durante décadas. Os fundos comunitários com a adesão à então CEE promoveram o quadro ilusório de pertença ao clube dos ricos. A década de noventa do século passado evidenciou o desenvolvimento do país, mas também o despesismo. Portugal é dependente de quase tudo. Os poucos sectores estratégicos que tem, como a pesca, a agricultura e as não tão recentes energias renováveis, são pouco rentabilizados. Acrescenta-se ainda o turismo como fonte de receita. O país é bem visto pelos estrangeiros. Elogia-se a calma e pacatez do povo, a hospitalidade.

   Imputar responsabilidades pela situação actual do país a único partido ou quadrante político seria, mais do que injusto, ilegítimo. Tanto o Partido Social Democrata quanto o Partido Socialista têm fortes responsabilidades, procurando eximir-se em vão delas. O Centro Democrático Social, idem. Portugal não tem uma direita oficialmente conservadora. Assumidamente. Tem um partido nacionalista na extrema-direita, com pouca representatividade a nível nacional, felizmente, e partidos liberais semi-conservadores, onde se incluem o PSD e o CDS-PP. Tem ainda um PS que pende para a direita (ninguém se esquece do socialismo que Mário Soares botou na gaveta) e para a esquerda em algumas áreas estruturantes. Completa-se o quadro com uma miríade de partidos de extrema-esquerda.

   As próximas eleições para o Parlamento Europeu, as europeias, são importantíssimas. Longe vão os tempos em que as decisões se tomavam internamente. Posta que está uma parcela significativa da nossa soberania em Bruxelas, participar neste acto eleitoral assume um relevo próximo ao que verificamos na legislativas. Como é evidente, e já o expressei por aqui, defendo que cada um só deve votar querendo. Sou irascivelmente contra o voto obrigatório, até o voto por dever. O direito à indiferença é válido e um pressuposto do princípio da liberdade. Quanto a mim, lá estarei à boca das urnas para votar, de hoje a uma semana. O voto é secreto, não sou pago para fazer campanha política. Votem em consciência. 
   Tenho me manifestado favoravelmente em relação ao voto útil, em situações específicas. É uma estratégia como qualquer outra quando se pretende atingir determinado resultado prático. No meu caso, não é assim tão táctico quanto isso. Abarca a minha cor política.

   Por tempos, fui um acérrimo opositor da União Europeia, embora nunca tenha perdido a razão. Há quem defenda a saída de Portugal das instituições europeias. Um cenário utópico e, diria, tenebroso. A sobrevivência de Portugal seria uma ilusão. A saída do euro é já discutível. O euro fará todo o sentido em economias fortes e pujantes como a alemã. Em países com parco poder de compra e pouco competitivos, é um chapéu de três quilos. Aí, aproximo-me das forças políticas que defendem uma reestruturação do papel de Portugal no seio da UE. A solidariedade europeia, tão presente no espírito da organização, há muito se perdeu. A igualdade entre os Estados é letra morta. Soube que a Suiça se prepara para votar um limite de salário mínimo que ronda os três mil e quinhentos euros mensais - bom, parece que irão rejeitar, mas é um factor que evidencia o dinamismo da economia suíça. A Suiça não pertence à UE. De igual modo, poderia aludir à Noruega, que rejeitou por diversas vezes a adesão à União Europeia, ou o caso da Dinamarca, que se mantém fora da zona euro, seguida de perto pela vizinha Suécia, ainda que façam parte da organização.

   Entretanto, parece que há por aí uma final desportiva a disputar, e o Mundial de Futebol, evento decisivo para os índices de felicidade do povo. Vislumbro as bandeirinhas, os cachecóis em vermelho e verde, a euforia que nunca dá em nada. Haja ânimo.

26 comentários:

  1. Oportuno texto que dava "pano para mangas"...
    Mas vamos ao essencial: primeiro que tudo devemos votar, pois se o não fizermos estamos a demitir-nos de ser cidadãos de pleno direito e pior, não teremos força para criticar quem nos governa.
    Em quem? Pois será difícil, claro que sim, e a estratégia do voto útil pode ser uma solução, não a ideal, mas a menos má.
    Quanto ao futuro, sim, sou adepto de uma reestruturação da nossa participação europeia, sendo utópica a saída da UE, mas com alguma margem de pensamento, a saída do euro.

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    1. Eu tenho votado desde que a idade eleitoral me permite, embora defenda o direito de quem se está, passo a expressão, "nas tintas". Não podem é depois vir com queixumes. Liberdade implica responsabilidade.

      Eu detesto a União Europeia. Já odiei mais. Pondero a saída do euro, com alguma margem, como dizes, de reflexão.

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  2. é triste ver que nestas alturas as pessoas se importem mais com um jogo de futebol, do que com o futuro do país.

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    1. É o triste país que temos. Um país de rudes e incivilizados.

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  3. "Um país de rudes e incivilizados" também não fazes por menos xD eu voto na esquerda desde sempre e não mudo, tou farto da direita e dos prejuízos que deu ao país, este passo e este portas são um nojo. :x e Portugal também é um país mau porque a classe política não aposta o que devia na formação dos profissionais, as pessoas estudam uma vida e acabam na caixa do pingo doce, que futuro este país dá aos jovens? nenhum, vale mais ir lá para fora, pelo menos pagam o valor do nosso trabalho.

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    1. Corrige-me se disse alguma mentira. :)

      Aham, emigrar é uma triste solução, e drástica. Bom, convenhamos, falo quanto a mim, mesmo que Portugal desse oportunidades de trabalho condizentes com a formação de cada um, o nível sociocultural do povo é tão baixo que é, desde logo, um factor que desmotiva.

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  4. Infelizmente esta brincadeira da Troika vai atormentar-nos a vida toda. Pelas minhas contas, teremos cerca de 40 anos pela frente com eles à espreita, aguardando um qualquer deslize. Escusado será dizer que vamos "gramar" com eles para o resto da vida. É triste.

    Estivemos 40 anos a festejar uma liberdade que sempre foi ilusória. Temos vindo a perder aos poucos alguns direitos humanos e creio que assim continuará a ser...

    O que mais me custa é ver que quem nos desgoverna, seja Esquerda, Direito, CEntro, não aprendem com os erros. Não precisamos de promessas. Precisamos de pessoas que realmente trabalhem. Que apesar das dificuldades não castiguem mais as pessoas, principalmente quem já é castigado à tempo demais. Precisamos de um governo que seja como os suecos, que deixe de compensar estupidamente os políticos, se preocupe em servir a quem neles vota, ao invés de apenas olharem para o seu próprio interesse.

    Porque é possível mudar e todos saírem a ganhar. Eu vou trabalhar nas eleições da semana que vem, embora esteja muito reticente sobre a minha votação..

    Quanto ao futebol, não podia ser-me mais indiferente. Acho mesmo muito triste as pessoas comportarem-se como se comportam, à custa de 90 minutos. O dinheiro que gastam em bilhetes, em viagens, enfim... Haja paciência.

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    1. Sim, este resgate foi o terceiro em poucas décadas. A dita saída "limpa" é um golpe de ilusão. As medidas de austeridade perdurarão.

      Eu irei votar, claro está, e sei em quem. Usarei o voto útil. Ainda que não fosse útil, recairia no mesmo partido.

      O futebol é o ópio do povo, pegando nas palavras de Marx em relação à religião.

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  5. Sou a favor da Europa e do Euro. Sozinhos, ficaríamos muito mais pobres, até porque não temos por "aqui" nada capaz de nos ajudar a sobreviver. Pelo menos para já.

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    1. Não sei, não. Ficaríamos, é provável, caso saíssemos da UE, porque não somos uma economia sólida e competitiva. Há países que não pertencem à UE e apresentam uma economia robusta e saudável. Refiro-os no artigo. A permanência no euro tem de ser realmente repensada. O mesmo se aplica à Grécia. O euro só aproveita aos países de maior dimensão e mais ricos. Portugal não pertence a essa liga.

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    2. Sim Mark, mas não aderiram... e acho, muito sinceramente, que agora que já "lá" estamos, fica mais difícil voltar atrás....

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    3. Mais difícil fica, lá isso é verdade.

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  6. Não sei se irei votar no dia 25, logo decido. Sei que por um voto se ganha, e por um se perde.

    Lamento, mas se sairmos do Euro, e voltarmos ao Escudo. este irá desvalorizar até não poder mais. Basta recordar o Brasil, que tinha 3 desvalorizações ao dia.

    Enquanto tivermos um Governo que Gasta e Abusa nos gastos. Não é o pobre reformado que ganha 600 euros que é o causador da dívida...

    Se sairmos o Euro, o melhor é vender este país...

    "Somos aquele povo que não se governa e não se deixa governar" e depois para completar temos o Governo que colocou este país a saque :(

    Nem sei o que diga ou que pense

    Abraço amigo

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    1. Sou contra essa "política do terror" de alguns economistas no que diz respeito à saída do euro. Pois, se calhar as consequências não seriam benéficas no imediato. A desvalorização seria certa, bem como a inflação, mas a longo prazo acredito que beneficiássemos mais do que permanecendo neste esquema diabólico. Aliás, eu refiro que a saída do euro é "discutível". Não afirmei peremptoriamente que deveríamos sair. Acho é que se deve ponderar a curto, médio e longo prazo.

      Portugal nunca devia ter aderido à zona euro. É o preço da ambição, o preço que o reformado e o trabalhador de quinhentos euros mensais pagam.

      um abraço, Francisco.

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  7. Ao ler os teus argumentos para a saída do euro, parece-me ouvir a voz do João Ferreira... Lol

    E concordo que toda a gente deve votar. Quem não vota não tem o direito de se queixar...

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    1. Tu ouves / vês / sentes o João Ferreira em todo o lado, estás vidrado no homem, ahah.

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    2. Tenho a dizer que não me importava nada de o ver em todo lado. Tipo, ser acessor dele, que trabalhar com uma brasa daquelas é um prazer... Lolololol
      Falando mais a sério, não é por ser uma cara linda que eu não ouço o que ele diz. E já o ouvi, tanto a ele como à Inês Zuber, utilizar vários argumentos que aqui utilizas no que ao euro diz respeito...

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    3. É sinal de que são pessoas sensatas e inteligentes, ahahah. :)

      Essa bandeira da CDU devo dizer que também partilho.

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  8. É toda uma questão de educação de um povo.
    (o euro é um questão irrelevante diante desta)

    São precisos professores novos ;)

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    1. Tens razão. Este povo tem de ser reeducado... ou educado...

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  9. Qualquer que seja o caminho é agora bem mais difícil, dados os desvarios cometidos. Foram tomadas, durante muitos anos, decisões que nos comprometem por muitos anos.
    Ficar, sair, são interrogações que se colocam.
    Mas vai ser duro, já é.

    Abraços, Mark.

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    1. É verdade. O futuro das gerações seguintes, e mesmo destas, está comprometido...

      um abraço. :)

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  10. como sempre, irei votar. saída da Europa, não, reestruturação, sim.
    estou inclinada para o JF, como o Horatius, eu li os vários programas, do PS até gosto da Elisa Ferreira e da Ana Gomes, do PSD nem morta, só de pensar que saíram das autarquias e encontram poleiro no PE enoja-me.
    bjs.

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    1. Exacto. A reestruturação é essencial neste momento.

      O JF é uma figura simpática. :)

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  11. Sempre tive a visão de que os portugueses são um povo bem pacato e hospitaleiro mesmo. Fico vendo nos blogs e nos noticiários e nos comentários de portugueses na TV que o pessoal daí anda muito insatisfeito com muita coisa.... Honestamente? Acho que o mesmo clima está por toda parte do mundo , até mesmo nos países mais ricos, tenho essa impressão e acredito que seja mesmo assim.
    Pra ser honesto eu não entendo muito de política pois curti muito... sei que todos nós estamos diretamente envolvidos em tudo isso , mas sou do tipo mais romântico e sonhador, não curto perder meus poucos anos de vida em temas políticos. Imagino que se um dia eu e vc nos casássemos eu ia aprender a amar política.... mas hoje, apesar de ler bastante seus posts aqui no blog, não entendo muito quando vc fala de política mas se é importante pra vc...
    Mesmo sendo um pouco alheio à política , eu acredito que votar seja mesmo muito importante. Este ano tenho a lista dos políticos em quais votar e em quais não votar, e farei uma pesquisa antes das eleições aqui no Brasil.
    Bruxelas... eu amo esse lugar, não sei porque! Acho que é porque foi onde a Celine Dion, de quem sou fã, fez um show histórico uma vez... ( lol )
    Caracas! Eu confesso que não sabia que nem todos os países europeus aderiram ao Euro! Estou chocado na balada agora com essa sua informação, e putz! A Suíça vai pagar um salário mínimo de 3.000? Vc tem certeza que não acha melhor nós dois irmos morar lá Mark? Poderemos criar nossos filhos adotados por lá o que achas? Huahauhuahuha ( Brinquei )
    Afff, a copa do mundo já está bem aí e acho que será uma tragédia para o Brasil, espero que o Brasil perca e que Portugal ganhe, já pensou? O povo brasileiro está P da vida com esta copa... Eu particularmente estou é com medo deste evento... É esperar pra ver no que vai dar!

    Ti mando uns beijos bem demorados daqui do Brasil ( meus, é claro! ) bjs e mais bjs!

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    1. Os portugueses são um povo de brandos costumes, como se diz por cá. Até mesmo para o período de grave crise económico-social que vivemos, demonstram uma pacificidade invejável. Somos muito inertes. Por isso é que quando um político português, Mário Soares, disse que a violência estava prestes a começar, eu duvidei. Jamais poderia conceber ver pessoas a destruir montras de lojas, arremessar petardos, etc, etc, o que se verificou na Grécia, no Brasil e em mais países.

      Eu gosto de política. É um assunto que me interessa. Não conseguiria ser político. :) Não tenho "manha", não sei se por aí utilizam esta palavra. Astúcia, ser-se ardiloso, calculista, tudo o que eles são.

      No Brasil, o voto é obrigatório. :)

      Bruxelas é a capital da Bélgica, e a cidade-sede, capital, da União Europeia. Ah, a Céline Dion. :) Eu sou fã da Mariah Carey, devoto!

      Sim, vários países da UE não aderiram ao euro. Mas não confundas Europa com União Europeia. Há países da Europa (continente) que nem pertencem à União Europeia (organização internacional). Dentro da UE, alguns não aderiram à moeda única - o euro - mantendo as suas moedas oficiais.

      A Suiça submeteu a voto popular essa possibilidade - lá a democracia é quase directa. Não vingou, mas demonstra bem a robustez da economia suiça.

      Eu sei. Tenho acompanhado o desenrolar dos acontecimentos aí, sobretudo pela internet. Os brasileiros, e com razão, querem educação, saúde, tudo, padrão FIFA. Algo de semelhante teve lugar aqui, em 2004: o governo apostou em diversos estádios de futebol para se receber a "Copa da Europa" e, dez anos depois, alguns desses mesmos estádios estão vazios e sem nenhuma utilidade prática. Brasil e Portugal, tão iguais.

      Obrigado.

      um beijinho. :)

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