29 de abril de 2014

April 29.


   O cartão do cidadão não engana. Mais um aniversário. Em criança, era um dos meus dias preferidos. Não ia ao colégio, almoçava com os pais e, pela tarde, levavam-me até ao Toys "R" Us, onde me enchia de presentes. Inovação. Nunca me ofertaram nada; antes, delegavam essa função em mim próprio. Não me queixava, de todo. Dos familiares, sim, recebia presentes, alguns repetidos (aconteceu), outros que me deixavam desapontado, embora esboçasse sempre um sorriso de gratidão. Sejamos sinceros: aniversário, na infância, significa brinquedos.

   Os anos passam e as prioridades alteram-se. Actualmente, não quero bens materiais. Dispenso. É mais do que suficiente receber os telefonemas dos que me são próximos (e não são muitos). Aquela tia que mora nos Estados Unidos e se lembra de nos ligar às tantas da madrugada; o amigo da mãe que não se esquece desde a minha mais tenra idade; o banco que, num gesto automático e frio, lá envia um email formal e computorizado, desprovido de qualquer sentimento humano.

   É provável que, entre todos, o pai se esqueça. É recorrente. Encontro uma explicação. Talvez não consulte a sua agenda. Com tantos afazeres, um homem ocupado entre reuniões e reuniões, não podemos esperar que se lembre do aniversário de um dos seus filhos, porventura o mais novinho. E depois, a distância repercute-se também nos sentimentos, queiramos ou não.

   Um movimento mais de translação da Terra em torno da sua estrela única e dilecta, por esse motivo. Pouco representa, a par do envelhecimento. De certa idade em diante, a vontade que surge de parar o tempo será em vão. O fenómeno curioso de se comemorar algo que se abomina, tarde ou cedo, suscita-me várias interpretações. Uma delas é o apego que se tem à vida, sendo que o processo natural de desgaste dos corpos levará ao perecimento.

    Muito se fala na juventude, esquecendo-se, porém, de que é a soma das várias etapas que conclui, por fim, o que é a nossa existência.

27 de abril de 2014

Primavera.


    Há um mês que nos prometem temperaturas amenas, sol que vai aquecendo a pele, progressivamente mais e mais alto, brisas suaves. Foi com estupefacção que recebi o dia de hoje, luminoso, propiciando passeios, sumos de frutas, mangas curtas. Assim fiz. Levantei-me cedinho e fui dar uma volta pelas avenidas, ver algumas montras do comércio tradicional, comer um bolo cheio de creme (que também mereço; há pecados inevitáveis), escrever parcas notas no meu caderno, inspirar-me nas pessoas que via numa manhã tímida de domingo, embora viva, nas cidades grandes que raramente adormecem.

   Vou no embalo da maioria e sinto-me melhor nestes dias. Em boa verdade, anseio pelo Verão. Preciso de praia, de mergulhos no mar, de piqueniques no campo, com direito a toalha na grama e cestinho com geleias de mil sabores, pãozinho quente e saladas frescas de tomate-cereja e rúcula.
     O ano tem sido sombrio, amargo, com gosto de eternidade má. Daí à displicência é um pequeno passo.

     Vi um rapaz da minha idade, aparentando pouco mais de vinte anos, a amparar o avô na caminhada. Sei-o avô porque ouvi o modo carinhoso com que o neto o chamava, paciente, olhando para os pés do ancião e, em simultâneo, para o chão e prováveis obstáculos que encontrasse. De repente, lembrei-me do avô, o paterno, que não vejo há bem mais de um ano. Nunca fomos próximos a ponto de haver reciprocidade de mimos. Beijava-o na face, quando o via, sempre com uma distância formal que não permitia mais do que palavras de circunstância. Uma relação, portanto, muito diferente da que tenho com o pai da mãe, que me levava pela mão aos jardins que conhecia, tirando-me fotos, muitas, que guardo e vejo, de tempos em tempos, com ternura e a nostalgia própria de momentos que não posso recordar recorrendo à memória.

    Os ecos dos avós paternos chegam-me por conversas com pessoas que vejo e que sabem deles ou através do pai, quando falamos. Fará oitenta e oito anos no mês que vem. Está com problemas de locomoção. Contrataram uma senhora especialmente vocacionada para tratar dele, uma espécie de enfermeira. Alimenta-se bem e, que conste, não pergunta por mim. Pode ser que o visite num destes dias.

   Na vinda, comprei um gelado. Os anos passam, mas o hábito de ir primeiro à cobertura, e só depois ao recheio, não muda. Como não se altera o querer voar para uma terra longínqua que me receba de braços abertos, se tanto confortantes, iguais aos do rapaz no seu avô.

24 de abril de 2014

Quarenta Anos Depois.


  Há quarenta anos, um grupo de capitães, revoltosos, decide pôr termo a uma das mais longevas ditaduras europeias. Portugal lutava em três frentes na dolorosa Guerra Colonial, entre a Guiné, Angola e Moçambique (elevados à categoria meramente honorífica de Estados na revisão constitucional de 1971), que ceifava milhares de vidas e contribuía para o descrédito do país no palco internacional. Orgulhosamente sós, como Salazar, falecido um ano antes, clarificou. A Santa Sé recebia os dirigentes dos movimentos de libertação, Caetano era vaiado em Londres, em 1973, graças aos relatos que davam conta de massacres no norte de Moçambique. Urgia encontrar uma solução para o país e para a questão colonial.

   Houve um golpe militar nas Caldas da Rainha, a 16 de Março de 1974, revelando-se infrutífero, mas que, todavia, haveria de abrir caminho para o que sucederia um mês depois, na operação Fim-Regime, que seria bem sucedida. Paulo de Carvalho e Zeca Afonso abririam as hostes.

   Lisboa era o objectivo do Movimento das Forças Armadas (MFA), dirigido por Otelo Saraiva de Carvalho. Ocupados os sectores estratégicos como a rádio e a televisão, imperava fazer demitir o Presidente do Conselho, Marcello Caetano. O regime estava moribundo e não esperava uma ofensiva de grande envergadura por parte das Forças Armadas depois do golpe fracassado de Março. A GNR  e a PSP ainda tentaram oferecer resistência, mas Caetano render-se-ia ao General Spínola para que, em suas palavras, o "poder não caísse na rua".

   O povo estava cansado de longos treze anos de Guerra Colonial, inseridos em quarenta e oito de um regime que negava as liberdades e os direitos fundamentais. Gerou-se um clima de euforia. O Presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano, e o Presidente da República, Américo Tomás, seriam detidos, destituídos sumariamente dos seus cargos e conduzidos ao exílio no exterior. Abandonou-se o ideal de partido único; a União Nacional, então rebaptizada de Acção Nacional Popular por Caetano, foi imediatamente extinta, assim como a tristemente célebre PIDE, renomeada desde a reforma marcelista de Direcção Geral de Segurança (DGS), abolindo-se ainda a Assembleia Nacional e o Conselho de Estado. Álvaro Cunhal e Mário Soares, exilados, regressam ante a apoteose das multidões.

   No programa do MFA, posto em prática pela Junta de Salvação Nacional, ainda se procede à extinção da Mocidade e da Legião Portuguesas, libertam-se a amnistiam-se os presos políticos, termina a censura, permitindo-se o regresso dos exilados. A Revolução dos Cravos seria manchada pelos tiros que a PIDE / DGS, que teimava em resistir, haveria de disparar, provocando mortos, poucos, três ou quatro.

  Os tempos de euforia dariam lugar a tumultos e confrontações políticas, sociais e ideológicas que se estenderiam até 1976... Seria um outro capítulo.

   O programa do MFA contemplava os 3Ds: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver. Do primeiro, tratou-se nos tempos seguintes: entre facções que defendiam uma solução de independência total ou federação, ganharam relevo as ideias emancipacionistas. Efectivamente, a independência da Guiné-Bissau era facto consumado. A guerra havia sido perdida naquele território. A solução passava por reconhecê-la e, em relação a Moçambique e a Angola, negociar os termos das independências com os respectivos movimentos de libertação. A descolonização foi tardia, mas célere: não havia outra solução. Os recentes países ficaram privados de quadros importantes da antiga metrópole, sentiram o desmantelamento dos seus aparelhos produtivo, comercial e administrativo. Para Angola e Moçambique, trilhou-se um caminho que propiciaria as longas guerras civis que durariam décadas a fio. Portugal, por sua vez, receberia milhares de retornados.

   Democratizar foi o processo mais turbulento, a que, após o período conturbado de 1974 - 1975, se chegaria com a Constituição de 1976, ainda em vigor. Esta consagrou os direitos fundamentais dos cidadãos, o Estado de direito democrático, unitário, pluripartidário e descentralizado e um modelo de sociedade e economia em transição para o socialismo (que ainda consta no preâmbulo). A democracia plena, contudo, viria apenas em 1982 com a primeira revisão constitucional que afastaria de vez os militares do poder, extinguindo-se o Conselho da Revolução, passando as competências deste para o recém-criado Tribunal Constitucional. Reduziram-se ainda os poderes do Presidente da República, então um militar, General Ramalho Eanes, deixando os governos de precisar da confiança política do Presidente da República para poder governar.

  Desenvolver seria mais difícil e ocuparia as décadas seguintes. Em 1977, Portugal pediu a adesão à CEE, aderindo em 1986. O país encaminhava-se, assim, para o grupo de países desenvolvidos - e muito havia a fazer. Herdou-se do Estado Novo uma nação incapaz de responder aos novos desafios. O atraso tecnológico, a que se somava a parca qualificação dos portugueses, foi um entrave ao desenvolvimento do país. O único dos três Ds que ficou por cumprir na sua plenitude. Vivendo sob um resgate financeiro, a situação actual traz-nos à memória os resgates de 1978 e de 1983, em que o país estava mergulhado em crises cíclicas gravíssimas, com altas taxas de desemprego (nada que tenhamos), inflação que disparava, desvalorização da moeda, bens racionados... Bom, estaremos um tanto melhor, mas hoje estamos inseridos numa Europa comunitária, daí reconhecer algum mérito à UE - embora seja um histórico crítico, o que não me leva a ser extremista. Portugal não sobreviveria sem os parceiros europeus. Naqueles anos, como actualmente, houve cortes salariais na Função Pública, aumento de impostos, fim dos investimentos públicos, cortes nos subsídios de Natal... O país continua a demonstrar fragilidades.

   Podemos imputar responsabilidades apenas a quem governou nos últimos quarenta anos? E o que está atrás? Para a frente é o caminho, com certeza, mas somos o que fomos e o atraso de Portugal é secular, anterior ao Estado Novo, seriamente agravado por este. 

   Muito mais se podia ter feito e os queixumes perdem a base racional que os sustinha. São quarenta anos, não quatro. Quase tanto de democracia como de ditadura. O povo está cansado. Olha para o passado e não vislumbra um futuro auspicioso. Aumenta o descrédito que se traduz em abstenção. Um beco sem saída.

   Admitindo ser um nadinha demagógico aqui, chega de políticos desonestos. Precisamos de encontrar um meio seguro e justo de responsabilizar quem se apresenta perante o eleitorado com um ideal e não o cumpre culposa ou negligentemente. O país não pode esperar mais.

   Em tempos, estávamos no último vagão do comboio. Entretanto - e ninguém viu isso - o comboio já passou. Resta saber se queremos ficar a acenar ou correr atrás do prejuízo.

22 de abril de 2014

Evolução.


     Ontem e hoje, surpreendentemente, pude assistir a duas situações que me fazem crer que o país evolui, ainda que timidamente, com passos cautelosos e sorrateiros.
    Aproveitando o último dia de férias, fui passear pela baixa. Cheia de turistas, como de costume. Famílias que se agrupam junto ao cais para tirar fotos. Os asiáticos, parece-me, são bastante divertidos. Vi uma senhora de saia rosa-choque, camisa floreada e sapatos amarelos, a posar com um bom humor contagiante. Lá fazia mil e um gestos mirabolantes para a objectiva. Acredito que o álbum "Portugal 2014" fique o máximo! Outra turista passeava o cão. Perante a rebentação, o animal refugiava-se atrás da dona com medo da água, latindo em forma de protesto, desencadeando a atenção de quem passava. Um músico tocava viola. À sua frente, um gorro do avesso com algumas moedas. O típico vendedor de água engarrafada, sem-abrigos, para quem há muito a vida deixou de fazer sentido...

   No meio de todos, um casal gay de mãos dadas, possivelmente estrangeiro. Indiferentes, e como deve ser, aos restantes transeuntes, caminhavam sem receio de exibir o que os unia. E não o fizeram de forma a ostentar ou provocar. Exerceram o seu direito de viver o amor e a sexualidade como qualquer casal hetero. Atribuí esse "à vontade" à idade. Eram pessoas na casa dos cinquenta, sessenta, maduras, experientes, que nada temem e que pouco terão a perder. Fui mais feliz para casa.

   Hoje, em direcção à faculdade, vejo dois rapazes da minha idade, ou mais novos, que se dirigiam para o pólo universitário imediatamente em frente, de mãos dadas, conversando e sorrindo. Rodeados de pessoas, percebi que ninguém comentou com o parceiro do lado, gozou, menosprezou, apontou, absolutamente nada. Fiquei surpreso e agradado. É na rua que lidamos com o povo, que extraímos o grau de evolução das mentalidades e, devo dizer, reformulei muito do que pensava. Claro que tenho consciência de que estava numa cidade universitária, na capital, perante pessoas que presumo instruídas. A realidade do país fora das metrópoles é substancialmente diferente. As reacções não seriam iguais no centro de Braga, deduzo, ou numa aldeia no Alentejo ou em Trás-os-Montes.

   Há muito a fazer, mas são episódios como estes que relatei que me dão esperança e me fazem ter algum orgulho de ser português (eu, que digo tão mal do país). Estas quatro pessoas (dois casais) seriam detidas, julgadas e condenadas em vários países; espancadas, abusadas, assassinadas noutros tantos. Portugal, pioneiro que foi na abolição da pena de morte, demonstra a sua pacatez e tolerância. É dos países mais tranquilos e seguros.

    Assim, sim.

19 de abril de 2014

De mim.


  Não gosto destas festividades. Fazem-me estar parado por mais tempo do que o necessário. Quando assim é, ocorrem-me mil e um pensamentos. O (ainda) pouco passado que tenho, pessoas que deixei de ver, situações que vivi, entes que partiram, erros que cometi, intransigências evitáveis... Sou, de facto, o meu pior inimigo. O único, que saiba.

   Disse à mãe que não quero almoçar, amanhã, com o marido dela. Recuso-me. Cheguei a uma idade em que só faço o que me apetecer. O tempo de acenar como se estivesse tudo bem e de simular sorrisos, sem incómodo de maior, passou à história. Não gostou do que disse, talvez do meu tom demasiado peremptório e decidido. 
  Não discutimos. Nunca o fizemos. Trocamos só palavras ásperas, frias, e calamo-nos. Conhecemo-nos suficientemente bem para saber o que o outro quer dizer. Nem pormenorizamos.

   Começo, timidamente, a sentir que tenho de me desligar, afastar-me. Em boa altura. Sair de casa, quem sabe... É mais do que vontade de ter o meu espaço; aqui não sinto constrangimentos. É o querer pegar na caneta e escrever a vida à minha maneira. De vez em quando, sinto-me um autómato, a eterna criança que não cresce. E, definitivamente, não tenho feitio para Peter Pan.

   Como diria Rousseau: " O Homem nasce livre, mas por toda a parte se encontra acorrentado. "

   Boa Páscoa.

16 de abril de 2014

Educação no Estado Novo.


   A classe política portuguesa, salvo raras excepções, começa a ser conhecida também pelas declarações polémicas, ou pérolas, como queiram, que lá vêm animar um pouco o marasmo, o cinzentismo e até algum obscurantismo que se vive no país mais ocidental da Europa. Desta vez, Durão Barroso, ainda Presidente da Comissão Europeia, que lamentou não ter sido possível "conciliar a democratização do ensino com a exigência e a qualidade", aqui em rasgados elogios à educação nos tempos do Estado Novo.

   Por sorte, e de forma a não ser ainda mais infeliz do que foi, Barroso referiu a democratização do ensino que se conseguiu com o 25 de Abril de 1974. Não sei, contudo, se com democratização Durão Barroso se referia à imparcialidade dos currículos escolares (durante o Estado Novo, o ensino era politizado) ou ao acesso generalizado de todo o povo português ao ensino, obrigatório que é, o elementar, à luz da nossa Constituição.

  Acredito que só Barroso e compinchas sintam saudades do ensino da ditadura. O analfabetismo atingia proporções alarmantes no início da década de setenta do século passado. Ir à escola (nem abordo o ensino superior) era privilégio de poucos, da classe média, média alta, e das famílias abastadas. A esmagadora maioria dos portugueses não foi além da antiga quarta classe. Fora das grandes cidades, embora o ensino primário fosse obrigatório desde a I República, as crianças começavam cedo a trabalhar no campo, ajudando os pais no sustento da casa. Eis uma realidade que Barroso não conheceu, que eu não conheci, os pais não conheceram, nem os avós, mas que qualquer um que reflicta em consciência depressa chegará. Para Salazar, "um povo culto é ingovernável". Palavras suas, não adaptadas. Cada uma foi proferida pelo velho abutre, como perspicazmente Sophia de Mello Breyner apelidou.

   Durão Barroso referiu ainda a exigência dos professores de então. Por lapso, ou não, esqueceu-se dos abusos que vários docentes cometiam naqueles tempos. As crianças aprendiam sob o medo. Era prática comum aplicar-se castigos corporais e humilhações. Não havia disponibilidade nem paciência para os pequenos. O respeito, que se revestia de temor, obrigava-os aos aparentes bons resultados. O povo passava fome. Os petizes iam para a escola mal nutridos e vestidos, doentes.
    É claro que o Estado, contrariamente à opinião de Barroso, deve controlar o que se passa em cada sala de aula, fiscalizar a actuação dos professores, prevenir abusos. O ensino no Estado Novo não era de excelência, caríssimo. O regime abominava a educação, escolhendo a linha bem delineada de educar o povo para ler e fazer contas. Mais do que isso seria entrar num terreno perigoso.


   Salazar não era um homem inteligente. Sendo-o, compreenderia o normal desenrolar dos acontecimentos que se viviam no pós-guerra. Negociaria a independência das províncias ultramarinas à semelhança do que toda a Europa fazia. Evitaria a ruinosa Guerra Colonial que arrastou o país para o isolamento internacional. Apostaria na educação, a verdadeira arma que cada um tem para garantir um futuro melhor. Salazar era um homem mesquinho, tacanho, abjecto. Caetano teria visão, que de nada lhe valeria, esmagado entre as facções mais conservadoras do regime, representadas desde logo pelo Presidente da República, o Almirante Américo Tomás, e a ala liberal, que pretendia a democratização do país.

    No mês em que a Revolução de Abril comemora o quadragésimo aniversário, Durão Barroso não poderia ter começado a campanha eleitoral para as Presidenciais de 2016 de pior maneira. Sim, que o inepto Presidente da Comissão Europeia, o pior de que há memória na Europa, verdadeiro fantoche nas mãos de Frau Merkel, vai iniciando a piscadela de olho pouco dissimulada em solo português. Como os portugueses têm memória curta, para o bem e para o mal, é provável que vingue nos seus intentos. Dois e mil e quatro está lá atrás. Em nome de uma pretensa vantagem que representaria para Portugal ter um Presidente da Comissão Europeia de nacionalidade portuguesa, Barroso deixou o cargo de Primeiro-Ministro e rumou a Bruxelas, mergulhando o país numa grave crise política. Pensou em si, nos seus interesses. É um homem sem sentido de Estado, que não honrou o compromisso que firmou com o povo. O mesmo que agora aspira a Presidência da República, ser o mais alto representante da Nação.

     A minha memória não é curta.

14 de abril de 2014

Mini Férias.


  A faculdade deu-nos uma semana de férias da Páscoa, enquanto os miúdos têm duas. Bem sei, bem sei que é outro nível de ensino. A mãe está sempre a lembrar-me. Ainda assim, considero pouco. O ritmo é devastador. Estes dias não chegam para nada, somando-se as avaliações que se aproximam a passos largos (começam e prolongam-se por todo o mês de Maio).

  Aproveito e ponho o sono em dia. Aos dias da semana, saio da cama sempre cedo. Antes das sete, às vezes às seis e meia. Estudo um bocadinho, arrumo a mala, vejo os códigos que tenho de levar. Depois, arranjo-me, tomo o café da manhã e vou para as aulas. Ter metro perto de casa é uma ajuda. À noite, deito-me tarde. Fico a estudar pelo menos até à uma e tal. Não durmo o suficiente, dizem, se bem que durma pouco. Basta-me umas cinco horas. Estas férias servirão para descansar.

  Não dou importância à Páscoa. Sou cristão (não confundir com católico!), acredito na palavra de Jesus, ponho reticências quanto à sua concepção milagrosa, não o confundo com Deus, sequer acredito que seja filho. Foi um homem bom com alguma ligação a uma entidade superior. Um profeta. Aqui, tendo a aproximar-me dos islâmicos. Jesus é um profeta para o Islão.
  Odeio amêndoas. Se tiverem chocolate, pior ainda, e nem como o tradicional folar.

  Marquei um café, nesta sexta que vem, com um amigo, ex-colega de curso. É de Guimarães e por lá está. Conheci-o no início do primeiro ano, assim que entrei na faculdade. Era ele aluno do terceiro. Quando terminou a licenciatura, voltou à terra. Simpatizou comigo (dir-me-ia, mais tarde, que era aliciante falarmos). Fazendo parte dos veteranos que praxavam, acredito que as experiências com caloiros não tenham sido agradáveis. Ocos como são, a maioria, o estímulo a puxar qualquer tema deve ser nulo. Realmente, das vezes em que ficava na faculdade, de tarde, isto ainda no primeiro ano, conversámos sobre tudo. É socialista, convicto, partilhando comigo algumas posições mais de centro-esquerda. Meses depois de regressar às origens, lá me confidenciaria que chegou a estar interessado em mim, mas que, e transcrevo (guardei a sms): "o olhar paternal que incidia sobre ti dominava-me o desejo". O que eu me ri ao receber isto! Com carinho. Claro que notara algo, mas estava - e estou - ali para estudar, o resto é isso mesmo, resto, e nunca lhe dei liberdade nesse sentido. Não o vejo há que tempos. Sinto vergonha alheia. Combinámos ir a Belém. Espero que o tempo ajude.

    Prometi-me que não pegaria nos livros. Vou ter de quebrar. Lá para quinta. Ossos do ofício.

11 de abril de 2014

O Voto.


    Apresentarmo-nos nas urnas, a cada eleição, é um direito constitucionalmente reconhecido. Sendo um direito renunciável a cada acto eleitoral, a participação, ou não, é uma emanação do princípio da liberdade: os cidadãos, as pessoas singulares, podem fazer tudo menos o que é proibido. Já o Estado, só pode fazer o que é permitido. As normas que restringem a actuação dos particulares não podem ser arbitrárias.

  Foi com alguma estupefacção que soube que o Professor Diogo Freitas do Amaral, excelso jurista e jurisconsulto, reconhecido administrativista e historiador do direito português, defende a aplicação do voto obrigatório de forma a eliminar a abstenção e a motivar os jovens na participação mais activa na vida política portuguesa.

   Não é algo inédito. O voto obrigatório está previsto em alguns ordenamentos jurídicos, nomeadamente na Europa, na Bélgica. A Áustria, outro país que o previa, acabou por abolir da sua legislação a obrigatoriedade do voto. Em outros sistemas de inspiração e cunho português, como o Brasil, o voto também é compulsivo. 
   Sou totalmente contra a aplicação de semelhante realidade em Portugal. Seria, a verificar-se, uma restrição inadmissível da liberdade de cada um, cenário típico de regimes autoritários, o que não se coaduna com uma democracia que perfaz quarenta anos neste mesmo mês. O senhor professor, na sua visão, admite aplicar-se o voto obrigatório nas eleições legislativas, pelo menos, deixando em aberto no que diz respeito aos demais actos eleitorais. Terá isto algum fundamento? Não se trataria de uma discriminação aberrante? As eleições legislativas são, seguramente, importantes. Não sei até que ponto serão mais do que outras. O que dizer do poder local, próximo das populações, com repercussões no quotidiano de cada um? E das eleições para o Parlamento Europeu, posta que está parte da nossa soberania em Bruxelas? É incoerente.

   Freitas do Amaral compara, ainda, o voto obrigatório com a vacinação e o seguro automóvel, igualmente obrigatórios. Aqui, a equiparação de realidades tão díspares fala por si. A vacinação destina-se a garantir a vivência sã de cada um, a qualidade e esperança de vida e a prevenção de doenças que poderiam tornar-se endémicas. Tem um interesse social que supera em muito o do voto. Individualmente, é dever de cada um zelar pela sua saúde, pelo seu bem-estar. As pessoas valem mais do que o país, são anteriores à Nação. Garantir a sobrevivência é algo instintivo e primário no ser humano. O voto, não.
   A obrigatoriedade do seguro automóvel tem manifestações na pacificação social, valor eminente, além de implicações a nível da prevenção da sinistralidade rodoviária. O voto, não.

    A escolha dos representantes políticos está sempre assegurada por aqueles que exercem o seu direito. Os que não o fazem, prescindem voluntariamente desse escrutínio, suportando a decisão dos eleitores participantes. É assim que se faz a democracia. A vontade da maioria - que não pode ser absoluta - com respeito pelas minorias vencidas.
  Tornar o voto obrigatório seria um retrocesso, numa época em que o serviço militar é facultativo. E a soberania e a defesa da Pátria são igualmente matérias delicadas e importantes, ainda que estejamos inseridos numa Europa ocidental em paz, no quadro da UE e da NATO.

    Há um detalhe: a compatibilidade desta proposta com a nossa Constituição. Seria importante avaliar até que ponto a Lei Fundamental permitiria esta contracção do princípio da liberdade.

    O que se pretende, a meu ver, é legitimar excessivamente os sucessivos governos. No caso, dir-se-ia que a escolha foi inteiramente dos portugueses, total. Este caminho pode ser perigoso. Tudo estaria justificado pela vontade da maioria, uma maioria diferente da que temos então, uma maioria que ainda assim é contrabalançada pelo peso da abstenção. Vislumbro uma utilidade na abstenção. A indiferença é uma medida que não abre portas a um poder quase absoluto das maiorias. Dirão que se pode chegar lá através do voto nulo ou branco; seguramente, mas tem diferenças visíveis.

   Cada vez mais faz sentido a expressão democracia totalitária, defendida pelo professor Paulo Otero, meu professor-regente no primeiro ano. Numa democracia, alerta-nos no sentido dos abusos e arbitrariedades que as maiorias cometem.

    A democracia do professor Freitas do Amaral, em que os eleitores são coagidos a votar, é uma expressão desse totalitarismo dos novos tempos.

8 de abril de 2014

Os dias.


    A minha faculdade andou em período de eleições para os órgãos associativos. Que me lembre, só votei uma única vez: no primeiro ano, influenciado por uns colegas que foram votar e me desafiaram. Fazendo jus à ausência de qualquer espírito académico da minha parte, seria estranho se passasse quartos de hora intermináveis em filas para exercer um direito, é verdade, que me é totalmente indiferente. Não vejo que repercussões terá na minha vida de estudante, a mais agora, que termino.

   Ainda assim, um rapaz veio meter conversa comigo através do facebook. Não sendo meu "amigo", descobriu-me através de uns comentários que fiz no grupo da faculdade e decidiu fazer campanha eleitoral através da caixa de mensagens. Achei de mau gosto. Alertou-me no sentido das inúmeras vantagens que teria se votasse na sua lista, desfiando-me o programa eleitoral, vá, quase por inteiro. Um verdadeiro caça-votos. Entretanto, disse-me algo como "eu já te vi por lá, eheheh". Pois, claro, é normal. Se estudamos no mesmo local. Foi o que lhe transmiti.

   Na sexta-feira, enquanto descansava calmamente num dos bancos de jardim que há dentro da faculdade (sim, dentro), aproximou-se, cumprimentou-me, estendendo-me a mão, e sentou-se ao meu lado. Lá veio com a conversa do voto. Disse-lhe claramente que não estava interessado e que considerava deselegante enviar-me mensagens tentando conquistar o meu voto, visto que não nos conhecíamos. Pior, perto da mesa de voto, rigorosamente à frente, alunos interpelavam outros para que votassem nas suas listas. Bem, que respeito pelo processo eleitoral! Imaginemos o que seria haver membros de cada partido, perto das mesas a voto, a aliciar os eleitores. Comuniquei-lhe isso e, em jeito de curiosidade, perguntei-lhe se julgava aquele procedimento correcto e justo, acreditando que alguma lista nem estivesse representada por agentes infiltrados. Ficou sem reacção.

  "Pois.Pedi-lhe licença, levantei-me e saí. À noite, adicionou-me. O pedido está lá, pendente. Ao que soube, ganharam. Chato o rapazinho.


   Ontem, da parte da tarde, fui dar um passeio e apanhei o autocarro. Wow, raridade. Não andava de autocarro há... anos? À minha frente, uma miúda; miúda, como quem diz, da minha faixa etária, vinte e tal, ou pouco mais nova. De mochila, aspecto meio irreverente, roupa desbotada. Nada demais. Quase a chegarmos ao destino, entraram dois inspectores. Os indivíduos que andam com umas maquinetas a verificar a validade dos títulos de transporte. Ela estava naqueles assentos de costas. Não os viu. Quando a abordaram, disse que não tinha título. Brasileira. Um deles, coitado, teve pena dela. Deu-lhe a oportunidade de comprar o bilhete e fecharia os olhos. Abriu a carteira velha e mostrou-lhe uns míseros cinquenta cêntimos. Tudo o que tinha. Acrescentou ainda que nada tinha comido em todo o dia. A julgar pela sua magreza, é bem provável. O fiscal disse que nada podia fazer. Que lamentava. Pediu-lhe a identificação e ela, quase a chorar, timidamente e com a voz embargada, referiu que estava ilegal, que não tinha documentos. Pensei que cá para mim: "isto começa com o bilhete; acaba com a moça repatriada". Olhem, abri a mala, saquei da nota e disse ao inspector que lhe pagava a viagem. Eu, que não sou nada destas coisas. Sou totalmente normativista. Não tinha dinheiro para andar de autocarro, ia a pé ou não ia. É uma viagem. Não se trata de uma maçã que pega para comer e depois diz que não pode pagar. Viagens, não se compreende. No entanto, atendendo ao historial, à sua condição de imigrante ilegal, às consequências que uma porcaria de um título de transporte lhe traria, creio que agi bem. Aquele dinheiro não me faz falta nenhuma. Não perdi nada; se tanto, ganhei perante a minha consciência. Fiz o que qualquer pessoa faria.
   Agradeceu-me, incrédula, e foi à sua vida. O homem aceitou, pronto. Assunto resolvido.

   Comprei uns phones novos, um tinteiro para a impressora, e ainda escrevi umas notas num caderninho que me acompanha há anos.

    Encontrei uma paz que teima em fugir.

5 de abril de 2014

Filipe I de Portugal.


   Há muito que me ocorreu a ideia de escrever sobre a dinastia filipina, a mais odiada pelos portugueses. Em boa verdade, o período que mediou entre 1580 e 1640 não foi próspero para o pequeno (considerando a escala europeia...) e depauperado Reino de Portugal. Nestes sessenta anos, os ataques às nossas possessões ultramarinas, que eram muitas, intensificaram-se, estando o reino inadaptado para combater holandeses e ingleses. Por ora, cingir-me-ei a Filipe I.

   Peço desculpa pelo tamanho desta biografia.

   Filipe II de Espanha, que seria o I de seu nome em Portugal, era filho de Carlos I de Espanha, V da Alemanha, e de D. Isabel, já por mim aqui abordada, filha do Venturoso D. Manuel I. Nasceu em Valladolid, a 21 de Maio de 1527. Como filho primogénito, seria jurado sucessor e herdeiro de todos os reinos hispânicos no ano seguinte, em 1528.

  Embora pretenda forcar-me nos aspectos relacionados à sua actuação como rei de Portugal, torna-se indispensável fazer uma referência ao contexto político da época. A parte do enorme império que o pai lhe deixara era composta por uma pluralidade de territórios, de tamanhos diversos e características jurisdicionais distintas. Espanha, que fazia parte dessa miríade de reinos, era ela mesmo complexa, englobando o reino de Castela, Aragão e o condado da Catalunha, Navarra, constando ainda nos títulos do monarca reinos medievais e antigos como Valência, Galiza, Sevilha, Córdova. Era tudo menos um reino homogéneo. Um dos segredos de Carlos I para manter unidas essas realidades consistiu em respeitar os foros, liberdades, isenções e cortes próprias dos territórios. No século XVI, com a afirmação da centralização do poder real, os soberanos foram gradualmente limitando as autonomias históricas. Portugal, ao juntar-se a essa realidade, também viu o seu ordenamento jurídico, a sua língua, cultura, império e demais respeitados. Mais do que Espanha, é correcto falar-se de uma Monarquia Hispânica, que destaca a coesão num espaço político múltiplo, ou Monarquia Católica, que acentua o pendor religioso, sobretudo desde que o Papa Alexandre VI atribuiu a Fernando de Aragão e a Isabel de Castela o título de 'Reis Católicos' (que seria usado a partir de então por todos os soberanos espanhóis).

   A par das várias regências que foi assumindo ao longo do tempo, o pai, Carlos I de Espanha, V do Sacro Império Romano-Germânico, agilizou-se no sentido de que o seu filho fosse jurado seu sucessor; em 1542, sê-lo-ia nas Cortes de Aragão e da Catalunha; em 1548, na Flandres, Alemanha e Itália. A recepção em Génova e Milão foi calorosa; o mesmo não se pode falar da Flandres, onde a sua postura fria causou má impressão, a par de não falar a língua flamenga, tendo igualmente pouco domínio do francês.

   A expectativa de Carlos V de construir uma República Cristiana saiu gorada. O seu irmão, Fernando, que tinha o governo da Casa da Áustria, pretendia a coroa imperial para o seu filho, Maximiano. Tinha o apoio dos alemães que, num assomo de nacionalismo germânico, aspiravam a ter um imperador compatriota. Filipe seria ainda jurado herdeiro no reino de Navarra, em 1551.

   Ao ter de aceitar a paz de Augsburgo, em 1555, a Alemanha e o resto da Europa saíram fracturadas entre dois blocos, o católico e o protestante, fazendo cair por terra o sonho da Respublica Christiana de Carlos V, levando-o a abandonar o trono e a abdicar em Filipe. Filipe II tornava-se, então, rei de Espanha, Nápoles, Sicília e Sardenha, senhorio de Milão, soberania dos Estados hereditários da Casa de Borgonha, integrados pelos Países Baixos e Franco Condado, aos quais se juntava o extenso império ultramarino espanhol, dependente apenas de Castela. Tinha 29 anos. Não era mais Imperador como o seu pai, embora se sentisse como tal.

   Casou com D. Maria, filha de D. João III, rei de Portugal, e de D. Catarina de Áustria, em 1543. Do casamento nasceu o príncipe D. Carlos, em 1545, mas quatro dias depois, devido ao parto difícil, faleceria D. Maria. Este casamento teve, como é evidente, subjacente o interesse de aproximar os dois reinos numa hipotética união ibérica. Com efeito, após a morte de D. João III, Carlos V pretendeu obter da irmã, Catarina de Áustria, agora regente, uma pragmática segundo a qual sucederia ao trono português este príncipe D. Carlos, seu neto, caso D. Sebastião, que por sua vez era filho de D. João, outro filho de D. João III, e D. Joana de Áustria, filha de Carlos V, morresse sem deixar descendentes. Complicado? Irei explicar melhor porque sei da dificuldade que estes enlaces reais suscitam. Vejamos: Carlos V casou a sua filha, D. Joana, com D. João, filho de D. João III, e casou Filipe I, seu filho, com D. Maria, também filha de D. João III. Fizeram troca por troca. Destes enlaces nasceram o nosso D. Sebastião e o tal D. Carlos.

   D. Catarina não acatou essa pretensão pois sabia da sua provável impopularidade em Portugal, mesmo considerando que o pequeno D. Carlos também era seu neto. O assunto desvaneceu-se, até porque o Imperador fecharia os olhos para sempre. D. Carlos morreria com 23 anos, em 1568, muito jovem, e em condições trágicas. Entretanto, D. Sebastião tomaria as rédeas do poder no mesmo ano.
    Filipe casar-se-ia ainda com Maria Tudor, rainha de Inglaterra. Deste matrimónio não nasceriam filhos. Em terceiras e quartas núpcias, casaria com Isabel de Valois e, morta esta, com Ana de Áustria. Teria mais filhos e filhas, incluindo o seu sucessor, Filipe III (II de Portugal).


   A 17 de Agosto de 1578, chegou ao Escorial, onde Filipe II se encontrava, a confirmação da morte de D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir. Mais rapidamente chegou a Madrid do que a Lisboa. Aqui só se soube no dia 24. Segundo o historiador Luis Cabrera de Córdoba, Filipe saiu apressado e pela porta dos jardins. Reuniu o Conselho de Estado e prontamente expôs os seus direitos ao trono português. Ordenou de imediato ao marquês de Santa Cruz que fosse em auxílio da praças marroquinas de Portugal, para que não caíssem em mãos mouras. Enviou, também, um capitão para negociar com o xeque árabe vencedor o resgate de cativos portugueses e espanhóis e um embaixador junto da Santa Sé para advertir que, morto o Cardeal D. Henrique, teria o direito ao trono português.

   Não foi fácil para nenhuma das partes. Variadíssimos pretendentes surgiram na disputa pela coroa portuguesa. Ganharia Filipe II, o mais bem colocado, de longe. O processo desencadeou a procura dos homens letrados e juristas que escalpelizavam, em exercícios de malabarismo jurídico, as posições dos pretendentes para quem trabalhavam. Emanuel Felisberto de Sabóia apresentou um documento; D. Catarina de Bragança, quatro, onde constam os pareceres da sua casa ducal e de onze lentes da Universidade de Coimbra; D. António, dez; Rainúncio de Parma, onze. Filipe II... cinquenta e quatro, posição maioritária em que entra o parecer da Universidade de Salamanca, mas também de reputados juristas espanhóis, franceses e até portugueses. Não houve apenas o "desejo de medrar". Filipe II era filho de princesa portuguesa, D. Isabel, e neto de D. Manuel I. Além disso, era varão e mais velho em dias. O principal problema era o ser-se natural do reino, o que implicava que nele tivesse nascido e vivido.

   É indiscutível que, de todos, Filipe era o mais poderoso. Sabia da situação de endividamento de muitas famílias e da aspiração de muitos em ascender na hierarquia nobiliárquica. Soube avançar com dinheiros e fazer promessas... Por exemplo, acenou com a abolição da Lei Mental, que em Espanha não existia. À luz desta lei, promulgada por D. Duarte, em 1434, todos os bens doados pela Coroa a ela revertiam caso não houvesse sucessão masculina na casa. Assim conquistou muitas famílias para a causa filipina. A riqueza de Filipe II graças aos metais preciosos vindos do Novo Mundo inundavam o nosso mercado, o que suscitou o desejo de nobres, conhecendo dos privilégios superiores da nobreza espanhola. Outro factor: muitos nobres portugueses estavam casados com senhoras espanholas. Há ainda que referir uma característica interessante que demonstra bem a personalidade portuguesa: os nobres portugueses recusavam-se a ter como rei um igual, o duque de Bragança. Como dizia um letrado da época: "não levavam a bem beijar a mão ao duque com os joelhos no chão, sendo bem diferente fazê-lo a Vossa Majestade" (Filipe II).

   Ainda em vida de D. Henrique, em 1580, foram convocadas Cortes, em Almeirim, para apresentar a negociação que este fizera com Filipe II tendo em vista as condições em que Portugal ficaria unido a Castela. E isto é de suma importância: previa-se uma união personalizada entre a Coroa de Portugal e a de Castela, nunca a de Espanha. O rei-cardeal procurou que os Três Estados (as Cortes) aceitassem o reconhecimento do seu sobrinho, Filipe. O braço popular rejeitou. Entretanto, D. Henrique morre e sucede-lhe de imediato um corpo de regentes. Antes de morrer, o rei-cardeal tomou a sábia decisão de entregar os destinos de Portugal às Cortes. O poder estava diluído num conselho de regência. A decisão sobre quem devia suceder pertencia a onze juízes. As Cortes continuaram em funcionamento e o povo, representado por 195 procuradores, opôs-se ao seu encerramento, esvaziando o poder dos regentes. Tanto António Prior do Crato como Filipe II faziam promessas veladas ao reino; todavia, as de Filipe II tinham sempre no horizonte um possível cenário de guerra, palavras de intimidação. As Cortes acabariam por ser dissolvidas, porém, o corpo de regentes encontrava-se dividido entre os que apoiavam um pretendente português e aqueles que defendiam os direitos de Filipe.

   O prenúncio de uma invasão já se fazia sentir. Por Portugal, os regentes tudo faziam para munir o reino de estratégias de defesa. Não se conseguiu a nomeação de um general devido às rivalidades entre dois dos pretendentes, o duque de Bragança e António Prior do Crato. Filipe mantinha-se em Badajoz com forte concentração militar, fazendo pressão por toda a linha raiana. Não era intenção de Filipe invadir o reino vizinho, pelo menos em vida de seu tio, o Cardeal D. Henrique. Falecido este, não pôs de parte a hipótese de tomar pela força aquilo que, em suas palavras, lhe pertencia. Nessa senda, um protesto-ultimato de 13 de Junho de 1580 exortava os regentes à sua aclamação, sob ameaça de invasão militar.


   Tudo se precipita. Filipe II faz uma revisão ao seu exército. Várias localidades como Elvas, Campo Maior, Arronches e Olivença aclamam Filipe como rei de Portugal. Isto no dia 18 de Junho. No dia seguinte, em Santarém, António Prior do Crato é aclamado rei pelos seus pares, encabeçados pelo bispo da Guarda. As cartas expedidas para todas as cidades e vilas do país suscitaram uma onde de exaltação nacional nas camadas populares. D. António partiu para Lisboa onde seria aclamado pela câmara e recebido na Sé. Filipe II responde à aclamação de D. António com a emissão de um édito de repúdio, classificando-o como "acto de rebelião digno de exemplar castigo", anunciando o avanço do seu exército para tomar posse do reino.. Foi neste documento, redigido a 26 de Junho de 1580, que pela primeira vez se intitulou rei de Portugal, usando o selo real da Coroa. Escrito em língua portuguesa - o príncipe era fluente: a sua mãe, D. Isabel, foi uma princesa portuguesa.

   Perante este clima tumultuoso e com a vida a perigar, três dos regentes conseguiram fugir. Estava traçada uma conjuntura em que dois dos pretendentes se intitulavam reis de Portugal, D. António Prior do Crato e Filipe II de Espanha, embora a legitimação dependesse dos governadores cujo poder emanava da escolha das Cortes conjugada com a vontade do falecido D. Henrique. A decisão foi tomada em Castro Marim, a 17 de Julho de 1580: os três regentes emitiram um alvará no qual reconheciam a ilegitimidade de D. António, declarando por rei legítimo Filipe II de Espanha, de agora em diante Filipe I de Portugal.

   Houve uma enorme agitação social e o país pendia para a guerra civil. Tumultos, rebeliões, motins, alvoroços. A guerra civil que estalara prolongar-se-ia até Outubro do mesmo ano. D. António começou desde logo a preparar um exército que respondesse aos avanços do duque de Alba que, desde dia 17, estava em Setúbal. Após longas e penosas batalhas, no norte do país, passando pelos Açores, que não posso esmiuçar por falta de tempo e espaço próprio, a resistência de D. António acabaria por ser derradeiramente vencida em 1583, na ilha Terceira (Açores). Todo o império português jurara obediência a Filipe I.

   O duque de Alba entraria em Lisboa, já depois da célebre Batalha de Alcântara, em Agosto de 1580, onde derrotaria as forças fiéis a D. António. Entre saques, próprios das guerras e pilhagens de então, urgia pacificar a cidade e prepará-la para a justa aclamação de Filipe I. O duque sabia que o monarca não queria uma Lisboa saqueada e humilhada. Estas pilhagens afectaram ainda mais o prestígio do duque, acusado de ser incapaz perante as extorsões, além de cruel e sádico, defeitos que lhe apontavam e o entristeciam. A sua má reputação vinha desde os tempos em que fora governador nos Países Baixos. O general Sancho D'Ávila, que junto ao duque defendia os interesses de Filipe I, esteve incumbido do protocolo que aclamaria solenemente Filipe I. O general instalara-se nos arredores de Lisboa devido à peste que grassava pela cidade. A pacificação da cidade não foi fácil e também se esperava pelo fim da pestilência. O adiamento da vinda do soberano obrigou a que o general passasse a tratar das questões do governo, para as quais não havia sido preparado. Era um militar, não um político.

   Aproveitando o facto da armada espanhola estar em Lisboa, pensou Filipe I em invadir a Inglaterra de modo a fazê-la regressar ao catolicismo. Perante pareceres negativos, a invasão ficou adiada para a Grande Armada de 1588, que se revelaria fatal para Filipe I. A partir de então, Espanha começaria a perder o estatuto que alcançara, que nunca mais recuperaria, destacando-se a Inglaterra no cenário internacional. Portugal, no seio desta união pessoal, via-se envolvido em problemas que não eram os seus e que muito seriam prejudiciais...
   A Santa Sé reconheceria Filipe I e concedeu-lhe um breve para que castigasse os frades revoltosos. Muitos apareceram a boiar, mortos, no Tejo. Filipe I viria, finalmente, em Junho de 1581, a Lisboa,. Alba manteve-se, neste impasse temporal, à frente do governo em Portugal.

   Nas Cortes de Tomar, em 1581, Filipe I seria aclamado rei de Portugal, ficando deste modo legitimada a sua realeza. A esta nova dinastia, a história trataria de designá-la por filipina. Efectivamente, os três monarcas desta nova dinastia teriam idêntico nome próprio. Estava perto de completar 60 anos e há 25 que era rei. Reinaria em Portugal por dezoito anos, concretizando um dos sonhos de vários soberanos portugueses e espanhóis: a unificação política da península sob a égide do mesmo monarca. Pelas Cortes de Tomar procedeu-se à legitimação de D. Diogo, filho de Filipe, então herdeiro (morreria mais tarde). Entretanto viúvo, uma vez que a sua última esposa, Ana, havia morrido de peste, propuseram-lhe casar-se com mulher portuguesa, além do pedido para que D. Diogo fosse educado em Portugal, nos costumes portugueses. O terceiro estado pediu a garantia de que o reino ficaria para sempre separado de Castela. Na sua ausência de Portugal, a nobreza pedia que o reino fosse confiado a portugueses; o clero insistia que fosse entregue a Maria, sua irmã. Questão consensual foi a da retirada das guarnições estrangeiras que estavam espalhadas pelo reino. Outros pedidos se fizeram: o povo quis ter acesso ao império ultramarino espanhol e a abolição de alguns impostos; a nobreza pedia a abolição imediata da Lei Mental a que acima fiz referência, o aumento dos ordenados dos oficiais de justiça de modo a prevenir a corrupção e o afastamento dos letrados e dos cristão-novos de cargos; o clero, claro está, garantias na evangelização nas novas terras do império colonial. A uns pedidos o novo monarca acedeu; a outros, recusou.

   O Estatuto de Tomar foi promulgado, em 1582, e era claro: respeitava-se os foros, privilégios, garantias, usos e costumes de Portugal. A língua continuaria a ser o português. Nenhuma assembleia estrangeira poderia legislar sobre assuntos portugueses, a Cortes sempre se fariam em Portugal sobre questões do reino. Na ausência do rei, a sua representação estaria a cargo de um vice-rei de sangue-real auxiliado por governadores que teriam de ser portugueses. Manter-se-ia a capela real. Não haveria alterações nas ordens militares. Os cargos da justiça, fazenda, exército, armada e Igreja pertenceriam apenas a portugueses. A Igreja não seria tributada como em Castela. No tocante aos impérios ultramarinos, o império português e o império espanhol seriam totalmente distintos. Entre outros. Respeitou-se a identidade portuguesa e levou-se a autonomia de Portugal ao limite. Dois reinos absolutamente separados. Um só monarca. Filipe I isto jurou e cumpriu. Uma das cláusulas não seria cumprida: a presença de guarnições militares castelhanas ficaria até 1640. Os filipes não confiavam na fidelidade dos súbditos portugueses.

   Em Lisboa, após a sua entrada triunfal, Filipe I quis - e conseguiu - reformar o Palácio da Ribeira (que seria totalmente destruído, séculos mais tarde, com o sismo de 1755). A reformulação tinha como objectivo dar mais dignidade ao antigo palácio mandado construir por D. Manuel I. Juan de Herrera, arquitecto do enorme e imponente Escorial, acompanhou Filipe I durante a sua estadia prolongada em Portugal. Além do Palácio da Ribeira, pediu Filipe I o levantamento de todos os paços régios de Portugal. Felipe Terzi, o executor das obras, daria uma nova fachada de três andares ao Palácio da Ribeira, dotando-o ainda de um torreão de quatro andares, imponente, virado para o Tejo. Tudo se perderia. Outro monumento reconstruído de raiz foi o Mosteiro de São Vicente de Fora, fundado por D. Afonso Henriques mas já com restauros de D. João III.

   Simbólico gesto teve a transladação dos restos mortais de D. Sebastião para o Mosteiro dos Jerónimos. Quis-se, com isto, terminar de vez com os mitos sebastiânicos que iam surgindo com maior ou menor intensidade. Muitos D. Sebastiões falsos apareceram. Filipe I pretendeu pôr termo à velhinha dinastia de Avis e mostrar o poderio da sua, Habsburgo.
   No final do ano, morreria o seu herdeiro, D. Diogo, motivo de grande desgosto para o monarca. Reunidas as Cortes no ano seguinte, em Janeiro, os três estados juraram Filipe II de Portugal (III de Espanha) como sucessor de Filipe I. Filipe I demonstrou um enorme respeito pela memória histórica de Portugal. Diz-se que era encantado por Sintra. Deu especial atenção à Torre do Tombo, então no castelo de São Jorge, onde estava guardada a documentação. De forma a captar a simpatia popular, obteve a licença do Papa para a realização de touradas, menos aos domingos e dias santos.

   O seu espírito reformador levou a que fossem revistas as Ordenações Manuelinas, do que resultou um novo código a que se chamaria Ordenações Filipinas, concluídas em 1595 mas que apenas seriam promulgadas em 1603, já morto Filipe I. Ainda na justiça, transferiu a Casa Cível para o Porto, sob a designação de Relação do Porto. Ficava, assim, o reino provido de duas instâncias judiciais supremas. No ensino, deu novos estatutos à Universidade de Coimbra, em 1591, revistos seis anos depois.

  Filipe I deixou Lisboa a 11 de Fevereiro de 1583, iniciando o seu regresso a Madrid, onde entraria triunfalmente. Ainda visitou uma das antigas pretendentes ao trono, D. Catarina de Bragança, lembram-se?, a quem apresentou a suas condolências pela morte do duque. Mal sabia Filipe que um dos netos de D. Catarina, o futuro D. João IV, restauraria a união dinástica portuguesa... Em Portugal, deixou como vice-rei um sobrinho, filho de sua irmã Maria, o cardeal-arquiduque Alberto, que vinha substituir o duque de Alba, válido de confiança de Filipe, falecido em Dezembro de 1582 com a pródiga idade de 72 anos. Alberto seria vice-rei de Portugal por dez anos. Era imperioso dotar Portugal de fortificações e assegurar a hegemonia ibérica nos mares, agora que ingleses e holandeses começavam a disputar territórios e posições.
   Vários títulos de nobreza seriam atribuídos durante o reinado de Filipe I, a maioria tendo por finalidade contrabalançar o prestígio da casa ducal de Bragança.

   Para terminar, não podia deixar de falar da derrota amarga que Filipe I ainda viveria para assistir. A sua Armada Invencível. A história mundial nunca mais seria a mesma. Espanha ficaria para todo o sempre eclipsada diante de Inglaterra, a nova senhora dos Mares. E com Espanha, Portugal, cujo prestígio naufragou com as embarcações portuguesas que se perderam na expedição naval contra o reino de Sua Majestade britânica. Sairia vitoriosa Isabel I, última monarca da dinastia Tudor, a célebre Rainha Virgem que se casara apenas com Inglaterra. Na sua irreverência, Isabel ainda apoiaria D. António Prior do Crato nunca última oportunidade de recuperar o trono de Portugal. Garantiu-se que a sua chegada provocaria um levantamento geral... Na verdade, o cerco a Lisboa mostrou-se infrutífero, em Maio de 1588. A cidade resistiu. O arquiduque, vice-rei, preparara bem a defesa, apregoando-se ainda que os ingleses eram hereges! A peste que se declarou nas hostes inglesas obrigou ao levantamento do cerco em Junho. Perdeu D. António a esperança de ser rei de Portugal. Em 1593, o arquiduque Alberto deixava Portugal para ir governar os Países Baixos. Foi substituído por um corpo de cinco regentes. D. Catarina, indisposta com esta solução, escreveria a Filipe I, visto que desejava ver o filho, D. Teodósio, no lugar de vice-rei. Durante o domínio filipino, nenhum membro da Casa de Bragança esteve à frente do país.

     Filipe I morreu a 13 de Setembro de 1598. Viveu 71 anos. Sucedeu-lhe Filipe II de Portugal (III de Espanha).

3 de abril de 2014

Silent Youth


  Há dias, um amigo passou-me o link de um filme. Mesmo sabendo que eu não tenho muita paciência, cansando-me rapidamente, acreditou que este seria do meu agrado. Acertou. É um filme que aborda a temática gay, mas não foi esse pequeno detalhe que me levou a considerar uma história ternurenta que merece ser vista. Poderia ser um casal hetero. Gostei porque se centra em algo aparentemente corriqueiro, mostrando-nos cenas do processo de conhecimento mútuo.

   Sem querer desvendar muito, o filme versa sobre a vida de dois rapazes, pré-adultos, que se conhecem pelas ruas de Berlim. Um deles está de visita a uma amiga e o outro mora numa residência de estudantes. Envolvem-se sentimentalmente. E o que se pretendeu, isto supondo o objectivo do realizador, foi mostrar o amor. Tratando-se de jovens, sobretudo gays, em que sabemos que a promiscuidade é mais do que muita - e não adianta ignorar a realidade - seria expectável que assistíssemos a cenas hardcore. Nada disso. Até o final não é mau, como é costume ocorrer em filmes deste tipo. Há sempre um que morre, que fica com a namorada, que vai parar à cadeia... Tem um pequeno cliché - a negação. Essa fase passada por muitos.


   Não querendo julgar conhecer os desejos de terceiros, é a história que vários idealizam. Claro que chegamos ao fim e pensamos: "É filme. Isto não acontece assim. Nada é tão linear!" Porque não? Não vi nada de impossível; bom, talvez seja nos dias actuais, seguramente difícil, mas não impossível. Há uma ingenuidade que se perde a cada ano, a cada década. O que sinto, já extravasando um pouco, é que ninguém age com naturalidade. Há premeditação em todos os actos e esferas da vida. Valha-nos estes momentos que ainda nos (me) façam acreditar em algo assim, puro.

   Caso gostem e tenham curiosidade, deixo-vos o link. É de 2012, em alemão, por isso, encontrei uma tradução em português do Brasil (não há em português europeu). Escolham a opção DropVideo (pelo menos deu bem). Aqui, o trailer.



http://www.filmesonlinegratis.net/assistir-silent-youth-legendado-online.html