25 de fevereiro de 2014

Guiné Equatorial.


   Venho falar de África. Não do Uganda, esse paraíso para os homossexuais e que tanto dá que falar por estes dias, mas da Guiné Equatorial. O pequeníssimo país africano, do golfo da Guiné, há anos que vem pedindo a adesão à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). De todas as vezes em que formulou esse pedido, o mesmo foi recusado, sobretudo por Portugal, alegando-se questões de direitos humanos, manifestamente problemáticas na Guiné Equatorial, a par de uma suposta não relação histórica, cultural ou linguística com a lusofonia.

    É pertinente desmistificar um pouco os argumentos invocados. Primeiramente, e analisando os Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, é verdade que no artigo 5º, nº 1, alínea e) a organização enuncia claramente que a Comunidade se rege pelos primados, entre outros, da Democracia, do Estado de Direito, da Boa Governação e dos Direitos Humanos. Estando em falta, e tratando-se de um país que não cumpra com os requisitos, a adesão está, à partida, vedada. Efectivamente, a verdadeira ditadura de Teodoro Obiang é uma das mais longevas do mundo. O senhor tem os destinos da Guiné Equatorial nas suas mãos desde 1979. Será o único? Descendo pelo belo continente berço da humanidade, deparamo-nos com um membro de pleno direito da CPLP desde o seu surgimento, em 1996. Angola. Se ninguém, fundamentadamente, poderá invocar que Angola não tem um passado histórico, cultural ou linguístico com a CPLP, já será de repensar se trouxer à colação a questão dos direitos humanos. José Eduardo dos Santos governa Angola como um verdadeiro déspota desde... 1979, o curioso ano que marca o início do regime equatoriano de Obiang. Um pormenor interessante.
   Para sermos justos, se a Guiné Equatorial não pode aderir à CPLP por não respeitar os princípios acima referidos, Angola não deveria ter sido aceite na organização, ou, sendo-o, a suspensão assemelhar-se-ia lógica. Muitos dirão que em Angola não há pena capital e na Guiné sim. Todavia, a existência de pena de morte não é o único critério para aferirmos do desrespeito pelos direitos fundamentais do ser humano. Um desses indicadores, que verificamos em Angola, é a inexistência de liberdade de expressão ou de oposição. Há pouco tempo, várias manifestações anti-regime foram severamente sufocadas e punidas. Em jeito de curiosidade, o Brasil continua a prever a pena de morte por crimes militares em época de guerra, algo claramente afastado da realidade da população brasileira; importa que consta e a abolição não é total e incondicional. O Brasil é membro da CPLP.
  Na nossa breve excursão pelo continente africano, e de forma a que ninguém entenda tantas referências a Angola como perseguição, podemos falar da situação na Guiné-Bissau, por mero exemplo. No artigo nº 7 dos Estatutos da CPLP, está expresso de que em caso de violação da ordem constitucional num Estado-membro, os demais Estados-membros promoverão visitas de modo a poderem acompanhar de perto a situação e, no nº 2, estabelece-se possíveis sanções a aplicar, que incluem a suspensão total de participação nas actividades da CPLP. Há muito que a ordem constitucional da Guiné-Bissau vem sendo violada e, ao que sei, o país mantém-se como membro de pleno direito no seio da Comunidade, apesar de partilhar de muitos dos problemas de Angola.


   O segundo argumento invocado diz respeito à língua portuguesa. Na Guiné Equatorial não se fala português, todos o sabemos. Além das línguas tribais, a língua castelhana é a mais utilizada e propagada e consta como oficial ao lado da língua francesa, esta última por questões meramente estratégicas relacionadas com o espaço que o país compartilha com muitos países de língua oficial francesa. De novo, os Estatutos da CPLP, desta vez no artigo 6º, nº 1, expressam que qualquer Estado, mediante o uso do português como língua oficial, poderá tornar-se membro. Ora, daqui retiramos algumas conclusões: primeira, para se aderir basta a adopção da língua portuguesa como oficial; segunda, o mesmo independe do português ser ou não falado pela população. Desde que o país em questão oficialize o idioma, o critério linguístico está preenchido. Passando pelo site oficial da Guiné Equatorial, não encontramos nem uma palavra em língua portuguesa, contudo, a Comunicação Social vem referindo, e com razão, parece, que a Guiné Equatorial já terá tornado a língua portuguesa oficial há alguns anos. O argumento não procede.

   Por último, fala-se da relação histórica. Em parte alguma dos Estatutos encontramos alusões a um passado comum com qualquer dos Estados-membros, logo, o Butão, oficializando a língua portuguesa e cumprindo com os princípios da CPLP, poderia pedir a adesão e tê-la como garantida. O mal, se discordarmos, é dos Estatutos. Ainda assim, se houvesse uma menção a um passado histórico, a Guiné tê-lo-ia. O território que hoje faz parte da Guiné Equatorial pertenceu a Portugal desde os finais do século XV, quando os navegadores portugueses, nomeadamente Fernando Pó, reclamaram para a coroa portuguesa várias das ilhas que compõem aquele país africano. Portanto, a partir de 1494, o que hoje é a Guiné Equatorial era parte integrante do império colonial português, mantendo-se até 1777, quando Portugal entregou a Espanha o controlo daquele espaço no célebre Tratado de  Santo Ildefonso, que renegociou as fronteiras brasileiras, confirmando-se a entrega dos territórios no ano seguinte com a assinatura do Tratado d'El Pardo. A Guiné Equatorial, na sua génese, pertenceu a Portugal durante quase trezentos anos. O Brasil esteve na posse de Portugal por trezentos e vinte e dois anos. Terceiro argumento inválido.


   Nos últimos dias, os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos vários países da CPLP recomendaram a adesão da Guiné Equatorial à organização, acordo conseguido graças a um dispositivo que suspende a pena de morte. Não se trata de uma abolição inequívoca e inderrogável, mas de uma suspensão. Vago, vago demais. Não me querendo repetir, relembro apenas que por si só não chega. Há mais a fazer na Guiné Equatorial. E esse bocadinho que falta aplica-se também aos Estados que já aderiram à CPLP. Um verdadeiro Estado de Direito não é apenas aquele que se limita a abolir a pena de morte. Aprovar-se um documento, um pedaço formal de papel, é fácil. Do que adianta estar explícita a abolição nos textos fundamentais se, na volta, se executam opositores políticos?

   A Guiné Equatorial tem lugar na CPLP e concordo com a sua adesão. Juntar-se-á a Angola e à Guiné-Bissau que pertencem ao clube dos países-irmãos de Portugal. E se os oito acreditam que a adesão da Guiné Equatorial é o primeiro passo para a abertura política do país, exige-se, de futuro, uma revisão dos Estatutos ou imparcialidade nos critérios. Um peso, uma medida.

21 comentários:

  1. Eu li alguma coisa sobre a pena de morte no Brasil. Várias pessoas aqui defendem a pena de morte por causa da elevada criminalidade. Nem sabia que tinha em caso de guerra, interessante isso! Eu sou contra.
    Tem Guiné Equatorial, Guiné Bissau, tem outra? rsrsrs

    Abraços Mark!!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, o Brasil prevê a pena capital para crimes militares em tempos de guerra. Curioso. :)

      Sim, há. LOL Há uma terceira Guiné de língua francesa, Guiné Conacri ou, oficialmente, só Guiné. Juntou-se o 'Conacri' para se diferenciar as restantes. Guiné, pelos vistos, é amplo demais.

      um abraço, Ty.

      Eliminar
  2. Ficas para o fim Marzinho :) Quero ler com muita atenção. Volto já. Volta também (LOL).

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. MarKzinho, faltou o 'k'. :DD Ahah

      Ok, até já. LOL (:

      Eliminar
    2. Acabadinho de ler, e foste o do meio MarKzinho (agora sim lol).

      Gostei do texto, mais uma vez muito pertinente. Infelizmente, considero que a CPLP, de modo grosseiro, é formada por países que falam o português e o têm como "oficial", sendo que esses estatutos apenas são para "inglês ver". Sobre o facto de a Guiné Equatorial pertencer ou não, julgo que poderá ser uma oportunidade de disseminar o português naquela área e revelar-se uma questão estratégica em colocar mais uns "falantes" do nosso idioma no Mundo. É claro que não podemos exigir aos outros, aquilo que não exigimos a nós próprios... caso contrário a organização desmoronava-se.

      Eliminar
    3. Eu confesso que há aqui um gostinho egoísta da minha parte: ver uma antiga colónia espanhola a adoptar a língua portuguesa como oficial, a mais um território que nos pertenceu. Vergonhosamente, a minha triste faceta de colonizador, que também a tenho por vezes, vem à superfície.

      A promoção e disseminação da língua portuguesa competia ao tal Instituto Internacional da Língua Portuguesa... Portugal e o Brasil, sobretudo este último, têm grandes responsabilidades nessa matéria. Portugal, coitadinho, pouco pode devido ao seu tamanho e insignificância, aos quais acresce a falta de verbas. Já o pujante Brasil...

      Eliminar
  3. Olha Mark, excelente! Desconhecia na totalidade como funcionava a CPLP, apesar de ter achado ao longo da minha vida uma organização "meio estranha" lá dos confins do universo, de tão pouco que era falada, mas que se reunia para discutir coisas "basofas" e de pouco interesse para os povos que compõem esses países que continuam em parte a sonhar com uma Democracia pura por encontrar desde o tempo dos gregos. Esperava que a língua fosse o veículo dessa democracia, mas pelos vistos e na minha modesta opinião, tenho dificuldade em observar essas intenções por parte dos políticos. Dá ideia que, quando se reúnem (os políticos-reais representantes do povo), é mais umas viagens à pala de quem trabalha honestamente., e não vê resultados palpáveis da solidariedade institucional, com cada um dos países jogando o seu pião com um cordel diferente.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tens toda a razão, João. A CPLP é uma organização meio indefinida. Pretende aglomerar os países com uma língua e um passado comuns, ao jeito do que o Reino Unido fez com a Commonwealth ou a França com a La Francophonie. Só que tanto o Reino Unido como a França tiveram boas ideias e colocaram-nas em prática e com sucesso. A CPLP é um 'nada'. Prevê um Instituto Internacional da Língua Portuguesa de que nunca ninguém ouviu falar. Eu, por acaso, conheço porque me interesso imenso por estas coisas.

      Resume-se a CPLP em parcas palavras: acordo de boas intenções. Não passa disso. E extremamente incoerente. :s

      Eliminar
  4. Adorei,

    creio que ainda não foi aceite, porque não preencheu correctamnete o formulário:

    Há Diamantes?!

    Não!!!

    Nah Pode

    Abraço amigo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. LOOOOOOOOL, adorei, Francisco! Absolutamente. :)

      um abraço.

      Eliminar
    2. :) Francisco, acutilante como sempre.
      ouvi há dias na TSF o ministro M. falar sobre este tema. confesso que do que aqui li, sobressaiu o que eu já sabia: só intenções e nenhuns resultados.
      bjs.

      Eliminar
    3. Ao que parece, a Guiné E. vai aderir à CPLP. A utilidade da organização é que ninguém conhece...

      O Francisco esteve muito bem, aliás, como sempre. :)

      um beijinho.

      Eliminar
  5. Olá! Vi o seu blogue hoje e adorei! Já era tempo de os jovens falarem de temas interessantes e actuais. Foi um deleite este texto. Quero ver se leio o seu blogue todo agora que tenho tempo disponível. Aceite um beijo meu.

    BL

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Beatriz. :)

      Muito obrigado pelas suas palavras, mas certamente encontrará vários blogues, de jovens, que sejam do seu interesse. A blogosfera é um espaço rico e diversificado.

      aceito o beijinho, com certeza, o qual retribuo. :)

      Eliminar
  6. ADOREI este Mark !!! um beijinho

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Su. Há quanto tempo!

      Muito obrigado pela paciência que demonstraste ao ler isto. :)

      um grande beijinho!

      Eliminar
  7. Mark
    embora com todos os argumentos que usas e que não contesto, eu sou absolutamente contra esta adesão. E por uma única razão: todos os outros países que constituem a OLP tê com Portugal laços muito fortes, que vão muito além dos constrangimentos estatutários, o que não sucede com a Guiné Equaterial. Em todos eles se fala a língua portuguesa e não é preciso "metê-la à força" num país que nunca a usará. Em nenhum deles houve pena de morte, nãp sendo necessário acabar com ela apenas para poder aderir. E porque Portugal como nação não precisa da Guiné Equaterial para nada; o ditador que governa o país é que precisa da OPLP para estabelecer algum ténue laço com o mundo que a hostiliza.
    Então porque apadrinha o Estado esta situação? Porque precisa da ajuda monetária que a GE lhe dará para subvencionar o BANIF, como ficou combinado.
    A isto se chama uma prostituição política, com a qual não posso concordar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom, à Guiné não nos ligam os mesmos laços que nos unem a Angola ou Moçambique, claro, mas ainda assim há uma relação histórica e cultural. Numa das ilhas que fazem parte da Guiné E., ainda é falado um idioma fortemente inspirado na língua portuguesa, pormenor que me esqueci de referir no texto: o 'falar de Ano Bom'.

      O facto de Portugal não precisar da Guiné Equatorial não é um bom argumento. A CPLP não pretende aglutinar países tendo como finalidade ajudar Portugal. É claro que há razões económicas e a elas me oponho.
      Se a Guiné Equatorial é uma ditadura, também Angola o é. Já nem falo da Guiné-Bissau que, verdadeiramente, é um Estado fantoche e um paraíso para o tráfico de estupefacientes e seres humanos. Em último caso, penso sempre na adesão da Guiné E. como algo que tem em vista a aproximação entre o povo equatoriano e a lusofonia.

      Nos PALOP houve pena de morte, sim, em todos eles. Felizmente, já está abolida.

      Eliminar
    2. Claro que houve, em Portugal também e em todo o mundo...

      Eliminar
    3. Sim, João, mas disseste que nunca tinha havido pena de morte em nenhum dos PALOP, daí a minha resposta. Houve, sim.

      Eliminar
  8. A CPLP sempre me soo a aquilo que os portugueses gostavam que fosse a "Commonwealth portuguesa". Tem uma carta de princípios bonita e elegante, mas que não serve para coisíssima nenhuma, e nem se soube impor quando foi o recente (mais um) golpe de estado na Guiné Bissau. E, pese embora algumas raízes perdidas na história de um passado comum entre a Guiné Equatorial e Portugal, sou manifestamente contra a prostituição que a nossa classe política se submete para financiar um banco. Mais sentido faria convidar países como a Malásia, a China ou o Quénia...

    ResponderEliminar