31 de dezembro de 2013

Dois Mil e Catorze.


    O ano que agora finda não deixará boas recordações, nem a título pessoal. Pelo país, e pelo mundo, assistimos a situações que antevêem tempos penosos. Sabemos hoje que Portugal não é o país desenvolvido e de bonança que a todos venderam há décadas. Persiste a fome, a miséria, a nova pobreza que esconde o rosto de amigos e familiares. E se nunca se sentiu a Europa de facto, a avalanche da crise económica derrubou o sonho de pertencer ao clube dos ricos.

    Quanto a mim, não gostei de dois mil e treze. Foi um ano morno, diferente do meu annus horribilis de dois mil e seis, o pior de que há memória, de Janeiro a Dezembro, mas a anos-luz de dois mil e dez, o que tive até ao momento de annus mirabilis. Pegando no ano em que nasci até à actualidade, constato, e não de agora, de que a minha vida tem sido muito pacata e tranquila, salvo alguns sobressaltos pontuais. O que seria para a maioria uma existência chata e monótona, começa, também, a desagradar-me profundamente. O novo ano que está à porta será decisivo em áreas basilares, acreditando, por isso, em algumas mudanças que façam renascer em mim o optimismo e a vontade de que necessito, árdua tarefa em quem é pessimista por natureza.

    Nós cá nos encontraremos pela blogosfera. Mais um ano a juntar ao baú. O ano, olhando para todos os meses, em que menos publiquei. E essa será a tendência a seguir por opção. Escrever por escrever não é o meu lema, como nunca foi, e não me preenche. Sem linhas editorais ou esquemas definidos, escrevo, como se nota, sobre o que vivo e o que penso, o que me rodeia, e os tabus serão os que a minha consciência dita. Muito poucos ou nenhuns, salvando-se o bom senso, sempre.
    Um espaço que irá entrar no seu sexto ano de existência ininterrupta. A vida é sempre um excelente tema, fonte inesgotável de textos de milhentas palavras. Nunca faltará o que contar.

    O que desejo para dois mil e catorze é que não seja pior do que dois mil e treze. Se assim for, não se perde tudo. Prefiro antecipar-me aos cinquenta anos, em que os sonhos se desvanecem, enfrentando a realidade de frente desde já, nos vintes, para não ficar mal-acostumado.

     A todos vós, os votos de um bom ano novo!


lots of love,

Mark

27 de dezembro de 2013

The day after.


   Como previ, passei o Natal mais tranquilo dos últimos anos. Eu, a mãe e o mano. O melhor de que há memória nos tempos recentes, só equiparável àqueles em que ainda tinha uma verdadeira família. Não me recordo do último Natal que passei em casa. Na casa da avó ou de algum tio, a consoada nunca é por cá.

   Diverti-me imenso a compor a mesa da ceia com a mãe, dada a ausência da Ana a meio da tarde. Na sala de jantar, colocámos umas taças com alguns aperitivos e as iguarias que a mãe encomendou numa pastelaria. Quem visse pensaria que estaríamos à espera de várias pessoas. Felizmente, a Ana deixou o jantar pronto. Como sempre, polvo. Poderia, eventualmente, comer bacalhau. Não é um peixe que aprecie. Como à mãe não faz diferença, nem ao meu irmão, estipulou-se que seria a ementa de todos.

     Quando o mano chegou, trouxe dois presentes: o meu e o da mãe. Anos volvidos, gosto sempre de ver o beijo que trocam. É, de longe, o seu filho predilecto, não deixando de cometer alguma injustiça quando o afirmo. A mãe não faz distinção alguma entre nós, contudo, sente-se. É perceptível. É capaz de estar relacionado com o pai dele, que acredito, hoje, que foi o homem que mais terá amado.
   Senti algum desconforto por nada lhe ter comprado. A mãe fê-lo e, de certo modo, foi o presente de ambos. Tudo coloquei aos pés da árvore.
    Dei-lhe um enorme abraço e beijei-o. Sinto-me seguro quando estou perto dele e o carinho da mãe é em dose proporcional ao meu. 

     Após a ceia, conversámos até perdermos a noção do horário. A meia-noite não tardou. Sentei-me no chão a abrir os presentes. Em primeiro lugar, os que comprei a mim mesmo e cujo conteúdo já conhecia. Nenhum espanto. Abri o da mãe que me deixava inquieto pelo tamanho diminuto. Um cartão-oferta da FNAC. Ela já não sabe o que me há-de dar. Vem bem a calhar. Só não sei onde aplicá-lo. O presente do meu irmão foi o mais hilariante da noite: o último álbum da Katy Perry e, se me permitem, LOL. Eu nunca liguei nada a essa senhora, recordando-me só de comentar que achava piada à Roar.
     Por último, abri o embrulho do P. Trata-se de uma caixinha de música pequenina à qual se dá à manivela. A música que se ouve é a Memory do musical Cats, numa alusão à peça do Henrique Feist a que fomos assistir, juntos, no Verão. Não estava à espera. Senti um arrepio pelo corpo que me faria choramingar, mas consegui controlar-me. De imediato, abri o envelope e li o postal. Fui tomado por alguma desilusão - efeito balde d'água fria. Fala de amizade e pouco mais. Esperava uma referência ao presente ou ao que fomos construindo. Escusou-se a delongas e foi sucinto. Despediu-se com um abraço, falou de saúde e de dinheiro, dos votos para dois mil e catorze. De uma frieza e indiferença gritantes.

    A noite prolongou-se pela madrugada. Fomos dormir por volta das duas. Já deitado, cheguei à conclusão de que por mais que queira, por momentos, acreditar que há algum futuro, farei melhor se aceitar a realidade tal qual ela se me apresenta. Somos amigos e as suas palavras, logo na primeira linha, deixam-no bem explícito. Dou o assunto P. por encerrado, pelo menos no que a algo mais diz respeito. É um amigo como tantos outros. Mais um.
    É difícil desapegar, deixar ir. Terei de o fazer, custe mais ou menos. Eis uma excelente resolução para o ano que se aproxima.

     Por enquanto, tenho artigos por estrear e todo um cd para ouvir. :D
     Now I'm floating like a butterfly.

24 de dezembro de 2013

Feliz Natal.


   Por incrível que pareça, ontem ainda tive de ir à faculdade. A assistente não conseguiu corrigir os testes a tempo de os entregar na sexta, marcando uma aula suplementar. O tal teste em que errei na parte final do caso prático. Pois bem, dispensei o exame de Janeiro. :) Sim, é verdade. A nota não é elevada, mas deu para fazer a cadeira. Pretendo fazer melhoria. Pelo menos está arrumada.

   À tardinha, estive com o P. Entreguei-lhe o álbum, devidamente embrulhado. Senti-o frio, distante. Aquele rapaz não é normal. Combinámos no El Corte Inglés e depois, a chover, quis ir até ao Amoreiras. Quem é daqui sabe que ainda é um percurso longo. Fomos, então, ao Amoreiras para ele ir... ao Jumbo comprar uns chocolates para oferecer. Isto é normal? Num dia chuvoso, num centro comercial, faz-me andar a pé para ir a outro... Aproveitei e comprei um pullover.
   Pouco tempo estivemos. Tirou um envelope do bolso interior do casaco e deu-mo. Tem um postal dentro, disse-me, pedindo-me que apenas o lesse à meia-noite. Assim farei. 
    Despedimo-nos a meio caminho da estação do Marquês onde apanhei o metro para casa. 





   A todos, os votos de um feliz Natal! É uma época bonita. Aliás, a véspera, no meu entender, tem um encanto especial.  É preciso paz e sossego. Saúde, a companhia de quem gostamos e pouco mais. Os presentes ajudam.


lots of love,

Mark

21 de dezembro de 2013

Compras.


  Tirei a tarde para as compras de Natal. Guardo sempre para o final porque consigo retirar algum encanto da azáfama dos últimos dias. Quem mora numa grande cidade (se é que Lisboa é uma grande cidade) acaba por se acostumar ao trânsito, ao lufa-lufa, à correria própria de quem tem pouco tempo disponível.
  Este ano, em especial, precisei de me compensar. Sou consumista. Não o digo com orgulho; pelo contrário, tenho refreado bastante o meu ímpeto em comprar e comprar. Há quem diga que serve de consolo. Não diria melhor. Hoje foi mais que um conforto. Foi uma necessidade. Uma necessidade de esquecer os últimos tempos e de recuperar algum ânimo. Para meu infortúnio, no final do dia, com sacos a mais e dinheiro a menos, não me sinto, de todo, melhor. Ando numa espiral de melancolia que teima em perseguir-me para onde quer que vá. E sei de quem a herdei. Da avó paterna. Efectivamente, é uma senhora extremamente circunspecta, atenta, inteligentíssima - reconhecido por todos - mas há uma tristeza, um sentimento de inconformismo que não a abandona. É o oposto da avó materna, de quem herdei bem menos, mal o meu, que é a minha preferida e a avó com quem desde sempre me relaciono. O seu espírito leve, patente na mãe, não me chegou. O filtro do pai o impediu. E se de coração sou todo materno, de genes sou o lado do pai.

   O que comprei? Comprei bastante roupa, um perfume, um livro (O Vermelho e o Negro, de Stendhal) que vai para a prateleira porque a paciência é nula, um secador de cabelo, caríssimo, que o que tinha soltou uma faísca há coisa de uma semana, sendo que prontamente o atirei ao chão, indo de seguida para o lixo. Passei pelas agendas e adquiri uma para o ano que se aproxima - espero dar-lhe uso. Comprei sapatos, clássicos. Quero mudar um pouco o meu estilo. Nunca fui de ténis nem nada que se pareça; quero, contudo, ficar progressivamente sóbrio. E comprei mais umas coisas pequenas que até fica mal mencionar. Acessórios. Para a família mais chegada: escolhi um nécessaire lindo para a mãe e um porta-retratos para a avó, onde pretendo colocar uma fotografia nossa. Para o avô comprei uma caneta. Ele adora canetas. Lembrei-me do pai. Comprei-lhe um perfume que vou enviar pelo correio. Não sei nem quero saber se vem a Lisboa pela consoada. Entretanto, se vier, pode tirar o cavalinho da chuva que não estarei disponível. Para si, nasço e morro, salvo seja, em Dezembro. Para a Ana, confesso, foi o mais difícil. Acho de mau tom comprar roupa para oferecer - é do mais vulgar que se pode fazer. Não lhe conheço hábitos de leitura e, ao longo dos anos, comprei tudo o que poderia e esgotei a imaginação. Sei que ela gosta de fado, por isso, optei por um álbum do Carlos do Carmo. Por último, o P. Adorando ópera, achei que o melhor seria presenteá-lo com um cd também. Assim foi. Pedi ajuda ao empregado e escolhi um da Callas. Talvez seja cliché, mas foi o que me ocorreu.
    Doem-me os braços de carregar tanto saco. Nem pude vir de metro. Meti-me num táxi.

  A mãe acedeu ao meu pedido. Há dias, pedi-lhe para passarmos o Natal em casa, evitando as reuniões familiares e afins. É provável que fiquemos os dois. Não sei se os manos vêm. A Ana tem família e é comum ausentar-se nesta altura. Sinceramente, não me custa. Perdi a paciência para priminhos histéricos e montes de gente à minha volta. O barulho atormenta-me. E, além disso, não tenho mais idade para fazer o que não quero. 
   Estranhei o facto de a mãe anuir. No fundo, prefere ficar sossegada. É, de longe, a pessoa que mais amo, a par da avó. Ficar na sua companhia, sozinhos, é quanto me baste. Isto deve estar relacionado com o Complexo de Édipo, muito provavelmente, mas, querem saber? Não me importo. Até dispenso o polvo cozido (não como bacalhau, ugh!). Graças aos anjinhos todos e mais alguns, o meu padrasto (...) vai passar o Natal com uns parentes. Que vá e não volte. Nunca mais, seja como for.

   Na segunda estarei com o P. Espero que goste do meu presente. Tenho resistido à tentação de abrir o seu, com sucesso. :) O que será aquele embrulho pequenino? Aguento mais uns dias, claro.

   Uma tarde ridícula, muitas musiquinhas de Natal e bolinhas e fitinhas. No dia vinte seis tudo volta ao normal. As Testemunhas de Jeová têm alguma razão, oh se têm. Têm pois...

    Viv'ó Natal.

17 de dezembro de 2013

Fim do semestre.


   Como previa, os últimos dias têm sido atribulados. O novo regulamento de avaliação, já por mim abordado aqui, introduziu alterações que a todos surpreenderam, com a possibilidade que conferiu de que possamos terminar as disciplinas já em Dezembro, contornando os típicos exames finais de Janeiro. Podendo estar repleto de boas intenções, há sempre vozes discordantes. Em rigor, o novo regulamento privilegia o designado método A, ou seja, o método da avaliação contínua, dos alunos que frequentam as aulas e têm um aproveitamento satisfatório. O meu caso. Reduziu a quantidade despropositada, eu diria, de testes, remetendo as últimas avaliações para o final deste mês. Num ápice, e em duas semanas, temos de realizar os ditos testes. Trata-se de avaliações do ensino superior, num último ano de licenciatura, em que o grau de exigência é máximo, procurando-se aglomerar um pouco de tudo o que foi leccionado nos anos anteriores. O que vulgarmente se chama de "apanhado". A par dos trabalhos que temos vindo a realizar, o mais engraçado deste ano são as audiências judiciais. A faculdade dispõe de uma sala de audiências onde nos introduzem ao que será o futuro de muitos, não o meu, seguramente.

  Na quinta-feira tive um teste. Correu razoavelmente bem. Em vernáculo, espalhei-me ao comprido na resolução do último parágrafo do caso prático. É facto assente. Minutos após a entrega, apercebi-me do erro, que posso assegurar grosseiro. Nem quero imaginar as repercussões que terá na nota, mas é mais do que certo de que não evitarei o exame final. A prova era controvertida e o professor não agiu de boa-fé, devo dizer. Foi-nos comunicado de que sairiam dois casos práticos, sem perguntas teóricas; saiu um caso prático e duas perguntas teóricas, uma que incidia sobre matéria que não está no programa da cadeira. Um absurdo que já levou a uma espécie de petição contra.

   Ontem tive mais uma avaliação. Substancialmente melhor do que a outra, não deixou de ser complicada. É difícil ajuizar quanto ao grau de dificuldade, sobejamente presente em ambas. Talvez estivesse melhor preparado. Por curiosidade, teve uma componente algo divertida e que me ajudou a relaxar. Por uma questão de estratégia, visto que o regulamento nos permite, decidi fazer a prova no horário nocturno. Fico com uma tarde livre que será de especial valor neste momento.
    À noite, o ambiente é diferente. Há pessoas de alguma idade e imensos jovens, bem mais do que poderia supor antes de ter começado a frequentar também as aulas da noite, neste ano. Foi o primeiro teste que fiz com eles. Uma balbúrdia e muito copianço. Quando eu, na minha ingenuidade, não poderia imaginar que à noite conseguissem suplantar a ousadia dos alunos de dia, deparo-me com cenas indescritíveis que, não fosse o momento de especial fragilidade física e emocional por que ando a passar, levar-me-iam a críticas acérrimas e contundentes neste mesmo texto. Vi de tudo, de tudo. Desde livros abertos praticamente na cara dos assistentes, a papelinhos a circular, comentários, alunos voltados a fazer perguntas aos que estavam atrás. Vejam, minhas senhoras e meus senhores, os futuros juristas, procuradores, advogados, juízes, ministros, secretários de Estado de amanhã... Não se espantem com o célebre caso do CEJ (para os mais distraídos, o escândalo dos alunos do Centro de Estudos Judiciários - instituto que forma juízes - que foram literalmente apanhados a copiar); a tendência começa mais cedo, na licenciatura, e aprende-se ali.

   Como referi, houve uma componente agradável. Um rapaz, aluno da noite, costuma sentar-se não muito afastado de mim nas aulas plenárias a que assisto. E às vezes olha e olha... Nunca liguei. Atentei na sua simpatia, que já nos cruzámos a saída do banheiro e cedeu-me a passagem, atitude que repetiu numa aula há tempos. Leva-me a crer que teve uma boa educação. Será da minha idade, porque mais novo é impossível, a menos que tenha entrado antes dos dezoito. O cabelo já está fraco. De tez clara, é loiro, baixo, não sendo um sex symbol para muitos. E para mim também não, que sinceramente não reparo em ninguém. Tenho um feitio muito peculiar no que diz respeito a estas questões.
   
   Sentou-se ao meu lado. Bom, com um lugar de intervalo, como todos, imposição mais que compreensível. Cinco ou dez minutos depois, começou. Perguntou-me tudo, tudo. Baixava a cabeça e fazia-me perguntas, sussurrando. Achei um piadão. Relembrou-me imenso o R., o meu colega, estão recordados? E mais colegas que, ao longo do curso, me faziam perguntas durante os testes. Com o R., ficava incomodado. Era dois anos mais novo, psicologicamente mais forte, menos melancólico... Cheguei a chamá-lo à atenção. A este rapaz, olhem, disse tudo. Escrevi, inclusive, os artigos e alguma doutrina num papel e entreguei-lhe, podendo ser apanhado a fazê-lo. Os assistentes eram dois e estavam atentos. Não pensei. A minha consciência levou-me a proceder assim e não me arrependo. Provavelmente é um desleixado que não se aplica, não estuda, diverte-se e pouco se importa com aquilo, mas fiz e estou de bem comigo. O rapaz estava deliciado e feliz. Eu só sorria para o lado oposto. Lá acabámos e, com uns pós mágicos, entregou e saiu. Entreguei de seguida. O assistente tem-me em especial consideração. Participo muito nas aulas dele... O que não participo nas aulas do outro!

   Cá fora, veio agradecer-me. Não o fiz com essa expectativa ou esperando que tivesse qualquer atitude de gratidão. Quando saiu, saiu, nem pensei mais no assunto. Não. Estava à minha espera. Apertei-lhe a mão, sorrimos e ele seguiu o seu caminho.
     Na vinda para casa, pensei: "Tê-lo-ei ajudado porque me cedeu a passagem em algumas situações?" (...) "Terei, mesmo sem percepção disso, simpatizado com ele por manifestar alguma atenção para comigo?". Cheguei à simples conclusão de que não. No liceu, ou há dois anos, poderia fazer o mesmo e jamais o ajudaria. Talvez olhasse com desprezo e revolta.

   Ainda terei mais dois testes. Só quero que a semana passe depressa. Entretanto, o P. perguntou se podemos estar juntos no sábado e ainda tenho de ir comprar os meus presentes e os de alguns familiares, aos quais, por simpatia, a outros por carinho, gosto de oferecer. E um presente para o P.

    Depois desta maratona, a paciência e a vontade estão nos píncaros. Que época!

12 de dezembro de 2013

Carta.


   Lisboa, 12 de Dezembro de 2013,


   A ti,


   Aproxima-se mais um Natal. Como de costume, escrevo umas parcas palavras. Os anos trouxeram consigo uma evolução e, há dias, relendo as cartas que por anos te escrevi, apercebi-me de algum ridículo, de alguma ingenuidade e, sobretudo, de uma boa dose de inocência. Guardo-as a todas, uma por uma. A de 2005 será a mais pessimista. Saberás que os pais estavam em processo de divórcio e, curiosamente, o meu pedido não ia no sentido de uma reconciliação; pelo contrário, e afastando daí todas as minhas preocupações, pedi apenas para que olhasses por eles, independentemente do rumo que seguissem. A de 2004 é absolutamente infantil. O que dirás da de 2002? Hoje são um pequeno tesouro, que não diria deprimente. Orgulho-me de não terem qualquer erro ortográfico. Fico satisfeito.

   Este ano não diferiu em larga medida dos anteriores. Houve uma evolução na continuidade. Às vezes, quando dou por mim a lastimar disto e daquilo, penso se o que me espera será sempre e apenas um seguimento. Uma vida sem grandes sobressaltos, monótona. Não que a queira agitada, até porque somos os empreiteiros de obra própria e só a nós podemos imputar qualquer responsabilidade. Um pó mágico por aqui e ali sempre dá alguma ajuda...

   Os meus pedidos são simples. Não rejeitarei o que for dado de coração e, tarde, mas a tempo, vejo que o que verdadeiramente releva é o que nos dão por carinho, por estima... 'por amor'. Desengana-te. Não perdi o apego aos bens materiais, como verás adiante; sinto, contudo, a sua mesquinhez perante valores maiores. E, progressivamente, é algo de que vou tendo consciência. Aprendo o valor do 'dar' no lugar de 'receber' e do sorriso que se obtém em troca.

   Seria impossível não referir os estudos. Nesse sentido, peço que tudo continue a correr como até agora - já fico bem se assim for. Estou na recta final e o caminho afigura-se difícil de trilhar. Se cheguei aqui, só preciso de mais um empurrão rumo a lado nenhum.

  Não toco no 'amor'. Não acredito no amor carnal. Acredito no filial, parental. Acredito na amizade - pouquíssimo, quase nada. A desinteressada está em vias de extinção. Lamento pela humanidade e não me excluo da culpa.
   Há quem defenda a ideia de que só seremos felizes quando preterirmos tudo o que é mundano pela elevação espiritual. Não irei por aí porque a imperfeição ainda é tal, mas forte é o homem que controla os seus impulsos, que busca prazer no retiro, numa caneca de café, num livro, num passeio, ao mesmo tempo que cuida e conserva os seus entes próximos e queridos. Uma mãe devota, um pai presente e amigo, um irmão diligente.

   O Natal é uma hipocrisia como o são todos os actos humanos. 
  Do que adianta lutarmos contra eles se não os podemos vencer? E, vistas as coisas, as luzes dão um outro brilho e quase que diria que é bom acreditar que seremos bons e altruístas durante umas horas. Se o formos, ainda que sob condição, e nem que tudo se esqueça no virar do vinte cinco para o vinte seis, algo é proveitoso.

   Nesta semana que se aproxima, encher-me-ei de presentes até que as mãos me doam de tanto saco. E virei iludido para casa, com a sensação de que sou... feliz. Coloco os presentes, que sei o que contêm, perto da árvore e abri-los-ei, mentirosamente, pela meia-noite. Somos tão previsíveis. Veja-se o lado bom, que contorno o cinismo da época e compro a mim mesmo, em quantidade superior que o menino Jesus é generoso.

   Não me alongarei mais. O tempo é curto e a carta vai extensa.

   Vai olhando pelos homens... e por mim.

   
   lots of love,

Mark

   

8 de dezembro de 2013

Weekend.


   Colocando o estudo de parte, antevendo-se semanas que serão complicadas, aceitei o convite da Margarida e estive presente, no sábado à noite, no lançamento do livro O Corredor de Fundotradução da obra The Front Runner, elaborada pela INDEX ebooks. O evento teve lugar no Bairro Alto. Antes disso, pude jantar, e confraternizar, com o Francisco, além da Margarida. Jantámos pelo Chiado e pusemos a conversa em dia (pouco havia a actualizar, uma vez que estivemos juntos no sábado anterior, numa ocasião em que pude conhecer o Arrakis e respectivo companheiro - são dois senhores encantadores, acrescente-se).

   Pelo que tive conhecimento, o livro foi o primeiro best-seller da literatura homossexual, aconselhando, por isso, a que o adquiram no site da editora acima mencionada.


   Hoje, de manhã, estive com o P.. Liberou umas parcas horas do seu dia para estar comigo. Ideia sua. Ao longo da semana, combinou-se para a manhã de domingo devido ao meu compromisso com a Margarida. Acaso pudesse ter optado, estaria com ele na sexta à noite de forma a podermos desfrutar da iluminação natalícia da cidade.
    Estipulámos para as dez. Quando estava prestes a chegar à Baixa, liga-me. Adormecera. Ainda estava na cama. Anda cansadíssimo. Levanta-se muito cedo e deita-se tarde porque fica a a estudar. Às sextas, regressa a casa, de noite, para voltar à residência na segunda bem cedo. Ficou constrangido e desfez-se em mil desculpas. Evidentemente, compreendi. Só me custou ficar meia-hora ao frio, nesta Lisboa gelada a quinze dias do Natal. Aproveitei o compasso de tempo e fui ao Rossio comprar um livro para a faculdade. Uma bíblia no tamanho, não no preço, que as Bíblias são baratas e este livro ficou-me num balúrdio. No ano que vem sai uma legislação nova e, pronto, chapéu, desactualizado fica. 
   Olhei para o telemóvel. Nenhuma sms. Observei os pombos e uma gaivota a bebericarem a água no topo da fonte norte. Volta e meia, molhavam a cabeça e as asas. Turistas aproximavam-se e fotografavam os edifícios envolventes, bem como a praça. Um casal pediu-me para que os captasse com a objectiva. Alemães. Uma simpatia. Troquei breves impressões com eles. Estavam a adorar Portugal e o clima... ameno. Irónico mundo o nosso.

   Ouvi o som das mensagens. Estava a chegar. Desci e voltei para a Rua do Ouro. Não me via. Ligou-me no momento em que nos cruzávamos. Bem, não lhe punha a vista em cima há um mês. Emagreceu. Barba de quatro ou cinco dias, cabelo molhado do banho, um casaco preto e um sorriso de orelha a orelha. Estava especialmente simpático. Caminhámos em direcção ao Terreiro do Paço. Uma neblina encobria o Tejo. Frio de cortar a respiração. Instalada no centro da praça, uma abóbada da Comissão Europeia pretende dar a conhecer mais aos lisboetas sobre a sustentabilidade agrícola e económica. Até de forma a evitarmos o frio, entrámos no recinto. Que quentinho lá dentro. Dirigimo-nos a um dos vários ecrãs tácteis dispostos pelo espaço. Para um futuro agrónomo, não poderia ser melhor. Pouco lá estivemos. Saímos e decidimos ir ao Chiado.

   Subimos todas aquelas ruelas características até chegarmos ao miradouro de Santa Catarina. Timidamente, o sol começava a revelar-se por entre as nuvens. Lá, deu-me um presente. O presente de Natal. É um embrulho, um pequenino embrulho vermelho de laço amarelo.

    Emocionei-me. Disse-me que não queria que ficasse triste. Viu tristeza onde eu vi alguma comoção. Quase que lhe disse que, certamente, seria o presente mais especial que teria, neste ano, na árvore de Natal. Achei que soaria a algo brega (benditos brasileiros que têm sempre uma expressão adequada para tudo). Retive para mim. Não quis demonstrar ainda mais fragilidade. Sentiu alguma tosse que persiste. Sabe das minhas mazelas. Achou-me branco. Olhando bem para o seu rosto, também não vi boas cores.

Ainda seremos dois velhinhos doentes. Eu, mais. Dás-me o braço quando lá chegarmos?, brinquei. Sorriu.

   Diria, a julgar a pela sua expressão, que sim. Hoje, e não pelo presente, desvendei algum futuro. Não posso afirmar em que moldes. Do seu carinho, não seria justo duvidar. Numa sociedade volátil, em que importa o sexo desenfreado, o prazer momentâneo, que rapaz de vinte anos dá um presente a outro, passeando com ele, brincando, sorrindo, se nada sente?
    Guardei o embrulho na mala. Colocá-lo-ei aos pés da árvore.

    Perto do meio dia, regressei a casa. Falou-me por alto da possibilidade de passarmos o réveillon juntos. Teme que a mãe não vá para lado algum, o que o levará a fazer-lhe companhia. Falámos da faculdade, das notas - boas, segundo o que me contou. É um dos melhores alunos da turma. Gaba-me as notas, jamais por inveja. Elogia-me. Faço-me de acanhado, mas gosto. Só me desagrada quando refere que sabe menos ou que sou melhor do que ele. Custa-me ouvir e não é verdade, de todo. Dessem-me qualquer coisa agrícola para as mãos e nada saberia fazer com aquilo.
    Gosto dele assim, simples.

   O melhor presente que me podia dar era a sua presença. O seu carinho.
   Habituei-me ao pouco que dá, que é muito se olharmos com atenção.
   Embora sinta saudades dos seus beijos, há maturidade. Estabilidade.
   Vai chegando.

3 de dezembro de 2013

Trato social.


   Independentemente da educação que tivemos, a nossa conduta deve pautar-se por algumas regras mais ou menos óbvias de convivência com os demais. Quando não as adquirimos com a idade, aprendemos com os que nos rodeiam, pela observação, no quotidiano. Prezo a individualidade acima de tudo e não devemos alterar o que somos perante as circunstâncias. Apesar disso, e ressalvando a personalidade de cada um, podemos modelar os comportamentos, adaptando-os às várias situações com as quais nos deparamos.

    Sempre tentei ser correcto. Isso implica ser educado e atencioso, agradecendo, por exemplo, à senhora que faz o favor de perder quinze minutos a tirar as infinitas fotocópias de que preciso ou à empregada do bar quando tenho realmente de almoçar na faculdade. Correcto, a meu entender, abarca a linguagem que se usa. Nesse sentido, seja dentro ou fora da faculdade, em casa ou na rua, com conhecidos ou estranhos, nunca de mim saiu um palavrão, uma asneira, como lhe queiram chamar, até mesmo palavras indelicadas. Não as ouvi em casa, aprendendo-as mais tarde. Falta não me fizeram. Tive o bom senso de nunca as assimilar, expurgando-as do meu vocabulário diário, reduzindo-as a um inevitável e infeliz campo do conhecimento.


    Já no colégio, mas sobretudo na faculdade, ouço asneiras dia após dia. Em alto e bom som, que a discrição é virtude que não paira sobre muitas cabecinhas. Com amigos, perto de professores, de senhoras de idade, pouco importa. Quando o palavrão está preso, prestes a sair, é só abrir a boca e ele flui, solto. Rapazes que acredito meus pares, a julgar pela aparência. De bem só terão o carro do pai e a casa com vista para o Tejo, porque os modos são imensamente vulgares, chegando quase a provocar-me o vómito. Em contrapartida, alunos há oriundos da periferia, dos locais mais recônditos e estranhos deste país, de uma educação irrepreensível.

    Tenho pavor a gente rude. Entro em pânico. Lidar com pessoas assim é um sacrifício. E não me remeto apenas às asneirolas que saem da boca das criaturas. Isso é o menos. Abrange o seu jeito. Aquele ar pesado, grosseiro. As conversas que ecoam pelos corredores, audíveis ao mais surdo que passe, os comportamentos próprios de quem nunca foi repreendido ou ensinado. Seres boçais. 

   Não sou viajado. Muitos dir-me-ão que por lá fora será igual. Continuo a acreditar que haverá países diferentes. Quero crer que o norte da Europa, Escandinávia, não se assemelha a isto. Se os cidadãos são esclarecidos e tolerantes, associo a uma educação limada, um pouco mais, que nunca fui de pedir muito. Bem sei que há pior; o que nos impele, contudo, é a evolução. Temos de olhar para o que é melhor, fazendo de tudo para lá chegar. O que está para trás é passado.

     Assim eu possa sair daqui. E nunca mais cá voltar.