31 de outubro de 2013

Castelo de cartas.


   Em casa da avó sem nada para fazer, ontem, ao final da tarde, resolvi folhear uma das inúmeras revistas do social que existem. A avó não tem por hábito ler este tipo de publicações, contudo, foi induzida pela curiosidade mórbida que afecta a generalidade das pessoas. Interessou-lhe, em concreto, a recente polémica que dá conta da separação tumultuosa de Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho. Também eu li os desenvolvimentos...

   Acima de tudo, entristeceu-me. Não concebo o final de anos de vida em comum deste modo tão grotesco e pouco dignificante. Li as mais diversas acusações, de violência doméstica a tentativas de invasão de domicílio; de alcoolismo a operações plásticas que tentam contrariar a passagem do tempo. Um rol de mexericos que aguçam a inveja alheia e a deleitam.

   Bárbara Guimarães e o marido eram aquilo a que se poderia facilmente chamar de casal perfeito, ou perto disso. Ela como apresentadora de topo de uma estação televisiva; ele como político, qualquer coisa perto de filósofo e ex-governante. Sobre eles pairava um manto de glamour e discrição. Houve quem chamasse de conto de fadas, uma história exemplar que tudo tinha para se manter ad aeternum. Mas, como no melhor pano cai a nódoa, o corte abrupto levou a que viessem a público os escândalos e as intrigas. A Comunicação Social, no seu pior, como sempre, aproveita ao máximo cada palavra, cada pedaço de infelicidade para lucrar. E como lucra! O descontrolo emocional de ambos completa, alimentando revistas que nada fazem a mais que não seja subsistir à custa da vida privada de terceiros.

  No meio, os filhos, sobretudo o menino com perto de dez anos. Não posso deixar de atentar nas repercussões óbvias que estes comportamentos têm numa criança que se apercebe de tudo em seu redor, não sendo indiferente ao que se passa. Em experiência própria, que vivi de perto um processo de divórcio, sei que por mais se tente manter um filho à parte, vulgarmente somos os primeiros a perceber que algo está errado. Tinha mais quatro anos. Faz toda a diferença. Catorze, perto de quinze, ou dez, implica na compreensão.

   A separação dos pais foi pouco dolorosa para mim. O amor terminou. Não houve qualquer episódio de violência, como, aliás, nunca houve em quase duas décadas de casamento. Nem verbal. Jamais ouvi uma discussão.
    Jantavam num clima de frieza tal que pareciam dois estranhos. Não tardou a que o pai me sentasse no sofá, ajoelhando-se aos meus pés, pegando-me na mão e explicando-me a sua decisão irreversível de sair de casa. E saiu.
   De mútuo consentimento, o divórcio foi célere. Menor que era, em relação a mim tudo ficou esclarecido, decidindo-se, claro está, pela minha permanência em casa com a mãe. As visitas do pai não teriam hora ou dia marcados. Foram de uma sensatez irrepreensível. Hoje, anos volvidos, admiro-os por evitarem ao máximo que sofresse. Viria a sofrer, sim, mais tarde, com o envolvimento da mãe com outra pessoa, o seu actual esposo.

     Posto isto, é pertinente dizer que acredito em separações quase perfeitas, se relacionamentos não os há. É possível minimizar os efeitos colaterais nos filhos e demais parentes envolvidos, assim haja calma e respeito. Porque o amor pode terminar, até mesmo a amizade, admito, mas nunca o respeito. E o respeito não necessita de se extinguir com o amor, a atracção. O respeito cimenta-se ao longo dos anos e, no caso dos pais, sempre existiu e esteve presente.
    Actualmente não têm contacto algum, nem interesse recíproco. Não se vêem há uns anitos. Mas sei que, acaso estivessem um na presença do outro, cumprimentar-se-iam cordialmente.

     Lastimo que figuras públicas, de responsabilidade acrescida, não se pautem pelos mesmos critérios.

25 de outubro de 2013

Tutoria.


   Nunca demonstrei qualquer interesse pela vida académica. Habituei-me desde cedo a separar as águas. Lá dentro, o meu papel consistia em ser um estudante aplicado, tirar boas notas nas provas e tentar, no meu limite, ter as melhores classificações que podia. Notando em mim capacidades para tal, recordo-me de, no segundo ano, ser convidado para ser vogal de uma lista qualquer que se propunha às eleições dos cargos associativos. Recusei. E fi-lo porque me roubaria muito tempo e distrairia no essencial, o estudo. Quase que se vislumbra uma atitude semelhante em cargos políticos. Dali saem os futuros senhores que mandarão no país. A par, talvez só os de Economia. Provavelmente terei, como já tive, colegas futuros ministros, secretários de Estado, por aí. Não sou politizável. Não almejo o poder. O poder, no meu entender, é algo que corrói, que machuca. Torna-se um vício. E corrompe. Corrompe muito. Quem manda, quer mandar mais e mais. É terrível.

   Nesse sentido, sempre me mantive suficientemente distante de tudo o que envolvesse esses cenários alternativos. Não sou interventivo. Gosto de me manter no meu espaço. Nada tenho a provar e sou ambicioso q.b. De todas, a maior que tenho é a de ser licenciado, atestar os meus conhecimentos de qualquer forma. O currículo, o certificado, será uma mera confirmação. Algo se exige em troca, claro.


    Criaram um novo instituto: a tutoria. Sendo um conceito antigo, soa-me mal. Leva-me ao Estado Novo. Não gosto. Mas gosto, sim, do fundamento: auxiliar alunos que tenham dificuldade com as diversas matérias. Unindo esforços, os melhores alunos a determinadas cadeiras tornam-se tutores de outros, ajudando-os na compreensão dos programas e até na resolução de casos práticos. Pela primeira vez, que me recorde, aplaudo uma iniciativa por lá.
     Falando acerca de tudo isto com a mãe, sugeriu que me tornasse tutor, nomeadamente às disciplinas que considero favoritas e onde obtenho resultados mais satisfatórios. Falou-me do primeiro ano. Por que não ser tutor das cadeiras histórico-jurídicas? Se escrevo sobre isto é porque estou com alguma predisposição em aceitar, contudo, importa referir que não tenho vocação para explicar, embora acredite que possa parecer o contrário. Um dos motivos que me levou a afastar um determinado rumo no ensino superior foi precisamente o de saber que, caso fosse direccionado para o ensino, seria um desastre, além de todas as implicações emocionais e de realização pessoal envolvidas. Não sei estar numa mesa a explicar matérias a outrem. Não levo o menor jeito. A falta de paciência é um dos principais obstáculos. Fá-lo-ia num sentido totalmente altruísta, atenção, mas há uma certa recompensa acessória: ao que sei, este acto, eu diria, nobre, constará nos currículos de todos aqueles que vierem a ser tutores. O espírito é apenas e tão somente o de ajudar colegas.

     Seria, outrossim, um modo interessante de me tornar útil - e tanto falei disso por aqui.
     Teria de me informar e o mesmo jamais poderia colidir com o meu estudo e com as horas do dia que guardo para mim, e merecidas são.

   Para melhor meditar sobre o assunto, vou tirar o dia de amanhã e sair. Talvez faça umas compras de Inverno. Preciso de renovar o roupeiro. 
      Sozinho, porque sou o meu melhor conselheiro.

21 de outubro de 2013

Weekend.


   Não pudemos estar juntos no fim de semana passado. Encontrando-se em mudanças, não conseguiu um momento do dia em que estivesse disponível. Não mora na cidade, mas sim nos arredores, o que implica uma deslocação forçada à capital apenas para me ver. Compreendi os motivos. Tampouco poderia ser de outra forma.

   Nesta sexta-feira, marcámos uma visita à Estufa Fria para a manhã de domingo. Há anos-luz que não ia lá. Da última vez, se a memória não me atraiçoa, era bem criança e fui com os pais. Geralmente, nunca podiam estar comigo em lazer. Era isto, ou aquilo... Daí que guarde com cuidado os momentos de diversão. Diversão, sim, porque um petiz adora estar rodeado de plantas. Eu, certamente, gostei.


   Notei-o esquelético. A alimentação de refeitório começa a fazer das suas. Pese embora estivesse uma temperatura amena, envergava uma camisa vermelha, aos quadrados brancos, e um pull-over cinzento. Nos pés, os seus Merrell desportivos; sobre o corpo, um impermeável igualmente cinza. O casaco não lhe assenta bem. Fá-lo ainda mais magro (do que já é).
    Percorremos todo o perímetro da estufa. Não me recordava dos peixinhos, não tendo bem a percepção do tamanho. Parecera-me mais pequena.


     Trocámos mais impressões sobre a sua estadia na residência universitária. Falou-me do colega de quarto que tem apanhado bebedeiras quase diárias, das disciplinas que frequenta, da irascibilidade de alguns professores... Está entusiasmado com as cadeiras práticas, aquelas que implicam trabalhos nos campos. Falando-me de cada uma, achei interessante. Tem, segundo me disse, Horticultura, Fruticultura, Rega, Inimigos das Plantações (os insectos, pragas...), por aí. Contacta com a Natureza. Têm pouco para ler.

     Continua atencioso, no entanto, progressivamente distante. Evita todo e qualquer contacto, que também não evidencio querer. Demos um abraço fugaz, quase instantâneo, e meramente circunstancial. Algo desprovido de qualquer sentimento além de uma boa amizade. Tendo um amigo, o que quererei mais?


     Na noite anterior, estive no jantar que o João organizou. Não me alongarei nos motivos que o justificaram, algo que o João, quem de direito, fez - e bem - no seu espaço. Foi uma noite agradável, simpática. Demonstrou, uma vez mais, que o convívio que nasce na blogosfera pode, havendo vontade, passar para um real tangível. Revi pessoas que conheci no jantar anual realizado em Maio, conhecendo algumas. Parabéns ao anfitrião pela noite.

       Dormi poucas horas. O domingo começou cedo.

17 de outubro de 2013

Do liberalismo ao autoritarismo.


   Opondo-se ao absolutismo régio, o liberalismo vai surgindo nos finais do século XVIII como uma válida contraposição. Na mesma época da transição para o constitucionalismo, há ainda outra transposição: o republicanismo. Até ao advento da revolução norte-americana e da formação dos Estados Unidos da América (1776), o significado de república era outro. República vinha do latim res publica, algo que é público, de todos. Com o surgimento dos E.U.A, república adquiriu o sentido actual: não há um rei, mas sim um presidente sujeito a renovação periódica e limitada do cargo pela lei.

    Ora, uma das preocupações do estado liberal, porventura a maior, é a limitação do poder. O modo mais eficiente de limitar o poder é dividindo-o (" o poder limita o poder " ). Na visão política norte-americana, procurou limitar-se o poder também através do federalismo. A regra não foi seguida na Europa, sem prejuízo do caso suiço. 
    O liberalismo assenta em três poderes-base, chamemos-lhe assim: poder executivo, poder legislativo e poder judicial. Os poderes estão todos eles sujeitos ao princípio da legalidade. Nenhum poder pode extravasar os limites impostos pela lei. A formulação de um governo limitado pela lei é já bastante antiga, remontando a Jean Bodin (1530 - 1596). Este princípio levou a que em Portugal, nomeadamente, fossem abolidos os forais que não estavam de acordo com a lei. Mouzinho da Silveira (1780 - 1849) terminou com essa prática secular no nosso país.
     O princípio da igualdade é mais uma expressão do liberalismo: todos são iguais perante a lei, base fulcral de toda a sociedade assente na dignidade humana.

    John Locke (1632 - 1704) foi um dos principais teorizadores do liberalismo. Segundo Locke, existem direitos e o Estado tem de os proteger. A função do Estado é a da protecção dos direitos, contudo, sendo mínimo e pouco interventivo. Locke identificou três direitos anteriores ao próprio Estado: o direito à propriedade, à liberdade e à segurança. O constitucionalismo e a codificação das leis asseguram que estes direitos inalienáveis sejam tutelados. Foi apenas um pequeno passo para que o liberalismo caminhasse de mãos dadas com o positivismo, ou seja, a codificação que se registou ao longo de todo o século XIX.

     Ao lado destas formulações, a evolução histórica do liberalismo trouxe outras consequências: separação entre o Estado e a sociedade. Defendendo uma intervenção estatal mínima, os teóricos liberais rejeitaram contundentemente o designado paternalismo político.
     O capitalismo desenvolver-se-ia com o liberalismo, trazendo graves problemas para os trabalhadores, remetidos a condições indignas da condição humana, não diferindo muito dos escravos do Antigo Regime. Surgem movimentos anarquistas e as várias correntes do socialismo como forte oposição ao liberalismo. Na mesma época, Darwin (1809 - 1882) publica a sua obra A Origem das Espécies, propondo uma nova teoria para o desenvolvimento das diferentes espécies. Para este autor, só os melhor adaptados e os mais fortes sobrevivem. Estes conceitos, à partida interessantes e válidos, revelar-se-iam extremamente perigosos. O nazismo, ou nacional-socialismo, aproveitaria os ensinamentos de Darwin e proporia o Darwinismo político: pois bem, há espécies mais fortes do que outras, fundamentando a supremacia alemã sobre as demais.
      O liberalismo só seria definitivamente ultrapassado no final da I Guerra Mundial e a proliferação dos regimes anti-liberais (fascismos e nazismo). O que levou ao surgimento destes regimes? Com o final da Primeira Grande Guerra (1914 - 1918), a Europa encontrava-se arrasada economicamente. A assinatura do Armistício alemão acarretou graves e pesadas sanções àquele país. Hitler (1889 - 1945) surgiria como o Salvador, ao estilo do que acontecia em Portugal, sensivelmente pelos mesmos anos, com Oliveira Salazar (1889 - 1970) e a crise da I República (1910 - 1926). Hitler inspirar-se-ia, no seu anti-semitismo, numa ideia peregrina de inimigo público, alvos a eliminar. O Estado chamaria a si todas as competências e tudo controlaria. Fala-se do Estado total ou totalitário. Nele, não há margem para o individuo, ser autónomo, distinto, pedaço realizável da humanidade. O ser humano é, no Estado totalitário, um mero instrumento para a prossecução dos fins deste. Os meios de comunicação social, que começavam a despoletar, referindo a rádio e a imprensa escrita, por exemplo, eram meios de difusão da propaganda política. Importa referir que o Estado totalitário vai muito além do Estado absoluto: no modelo totalitário, não há individualidade. Como disse Mussolini (1883 - 1945): "Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado".
       Na Alemanha nazi, outro dos conceitos associado a este recrudescimento do Estado é o de espaço vital: a ideia de nação ultrapassa as próprias fronteiras. No caso alemão, a Alemanha eram todos os lugares onde residiam alemães, daí a anexação da Áustria, da Polónia e da Checoslováquia. Houve, também, resquícios de um imperialismo romano perdido.
     
     Em Portugal, não podemos falar de um totalitarismo, nem de um fascismo. Alguns autores, onde me incluo, têm insistido na definição de regime conservador, autoritário e corporativista. A definição é minha; a formulação é, apesar disso, partilhada, apenas. Elementos faltaram ao salazarismo para podermos considerá-lo como um fascismo. Salazar foi autoritário, não totalitário. A pessoa não desapareceu ante o Estado. Reforçou-se o Estado, porém, o indivíduo manteve-se. Autoritário pela existência de partido único, polícia política, repressão e censura.

     O fim dos regimes totalitários verificar-se-ia no pós II Guerra Mundial (1945). A afirmação das democracias seria um processo lento e gradual até aos finais do século XX.

13 de outubro de 2013

Rumo.


    Os últimos dias têm passado lentamente. Passarão à velocidade de todos os outros. Parecer-me-ão maiores pelo uso que lhes dou, mais centrado nos livros e nos apontamentos do que em pura distracção com trivialidades. Não consigo explicar o motivo que me leva a dedicar-me mais. Não sei se será revolta ou ambição. Pressa em acabar, talvez. Mal encaro aquelas paredes sufocantes. Ora acredito que gosto mais, ora apercebo-me de que procurar o mínimo de interesse por ali será em vão.

   A bibliotecária teve de me chamar à atenção. Não dei pela hora. Restava eu, ela, e a noite lá fora. Pelos corredores, alunos novos e menos novos, professores e funcionários. Há vida a horas tardias. A movimentação surpreendeu-me desde o início, embora conhecesse o horário nocturno. Não voltar imediatamente para casa ajuda a que não pense em detalhes que só me atormentariam. Ficar numa secretária, por entre os livros, é um isolamento consciente, seguro, controlável. Pouco cansativo. Mantenho a matéria em dia, o que não me leva a aumentar o ritmo. Chego a antecipar capítulos.


    O P. conseguiu um lugar numa residência universitária. Habitará um espaço com mais oitenta pessoas. Está preocupado com o acesso à internet, que soube lenta, e com a adaptação. Dividirá o quarto com um rapaz. O dia de hoje foi todo ele preenchido com os últimos preparativos para a viagem e acomodação. É, sem dúvida, bem mais aventureiro e ousado. Não conseguiria ter aquela determinação. Esforço-me pelo que quero, afinal, estudo, dedico-me, mas ele faz sacrifícios substancialmente maiores. Não será fácil deixar o conforto do lar, a comida da mãe, o cão que adora. Conhecendo-o como o conheço, já o vejo sentado ou deitado a fazer os trabalhos de casa, empenhado. Não é de festas. Cederá, não sem um grande esforço, a alguma noitada. Disse-me que o ambiente com os colegas é tão bom que já poderia considerá-los como uma grande família...

   Em contrapartida, tenho procurado resguardar-me de contactos com colegas. Relaciono-me com o grupinho de sempre, restrito, fazendo ainda assim um esforço com vista à progressiva desvinculação. Não sou de grandes conversas. Sendo auto-suficiente, prefiro dirigir-me a um professor caso tenha dúvidas acerca de um manual, de um artigo, de uma palavra que perdi do discurso. E descubro a cada dia um prazer enorme em estar só. Tem sido muito gratificante.
    Na biblioteca, há dias, um rapaz, que sei do terceiro ano, reparou com insistência em mim. Ambos esperávamos por vaga nos computadores. Olhando, chegou a anuir com a testa, franzindo-a, tentando comunicar comigo por estarmos à espera de lugar. Falei dele por aqui, num episódio no refeitório pelo ano lectivo passado, creio. O radar dele apitará, certamente, bem como o meu. Levo por aí. Bom, o tal radar apita imensas vezes, tal a quantidade. Somos mesmo muitos e, curiosamente, ao que sei, dos melhores. Faz recordar o papel das mulheres, discriminadas, que, tendo acesso à educação, suplantaram os homens no ensino superior. Há quem canalize o preconceito para se destacar, para vencer. Continua a fazer sentido.

        Terei de reflectir com muito cuidado em relação ao meu futuro, nos aspectos profissional e pessoal.
 
        Descobrir um rumo.

8 de outubro de 2013

Passeio.


   Conforme o combinado, eu e o P. saímos neste último sábado. É o único dia da semana que temos disponível, por enquanto, que a matéria adensar-se-á nos próximos tempos. Na sexta, abordei-o acerca da simpática lista que o Aaron tão gentilmente me facultou. Acabou por refutar a ideia, tomado pelo cansaço mais do que justificado. Pensou, então, que poderíamos passear pelo Parque das Nações, zona que abomino, reconhecendo, contudo, o sucesso do projecto Expo. Devolveu à cidade e ao mundo, por que não dizê-lo, uma parte abandonada e usada como depósito.

    Marcámos para as dezasseis. O P. chegou um pouco antes, como quase sempre. Percorremos o parque à medida em que falávamos sobre a semana de cada um, com destaque para a sua, para o início de aulas e de fase, afinal, é um novo estudante universitário, vulgo caloiro. Senti-o animado, pese embora fatigado, mas, sobretudo, preocupado. A mãe não anda particularmente bem; sendo hipertensa, não consegue controlar a pressão arterial, deixando-o extremamente inquieto. Moram sozinhos e não têm familiares por perto. A sua mãe é do norte do país. Teme, e com razão, que ela precise de algum cuidado durante o período do dia em que está nas aulas. Ofereci de boa vontade a minha ajuda, pedindo-lhe que lhe desse o meu número de telemóvel caso ela necessite de alguma coisa. Não estou por perto, mas seria um socorro mais célere. Não me quis incomodar, enfim. É de ideias fixas e determinado. Aliás, por ele e por mim.

    
    Estivemos juntos umas parcas horas. Vejo que ele faz um esforço no sentido de que mantenhamos um contacto amiúde. Há um empenho de ambos. Foi para estar comigo e pude ver as horas de sono mal dormidas no seu semblante, o tom pálido que não tinha, as forças que faltaram várias vezes. O lado bom de tudo isto é a concretização pessoal. Faz o que gosta, estuda o que lhe agrada, algo que não está ao alcance de todos. Estão a dar o parasita que afecta a cultura do tomate e isso deixa-o super entusiasmado. O curso é muito prático. Aprenderá a cultivar, a pôr adubo, todo um mundo que se desvenda aos seus olhos. Até sugeriu levar-me lá um dia. Aceitei o convite de imediato.

     Estou muito feliz por ele e senti uma vergonha enorme por, sem intenção, é facto, ter desdenhado da sua escolha. Nunca lho disse. Pensava. E essa vergonha adveio do carinho dele para comigo e da alegria que o invade por se sentir bem com o que faz. 

      Mais uma lição que aprendi. Como já li algures, deveríamos ter duas vidas: uma para errar, outra para viver.

       E os sábados são nossos.

3 de outubro de 2013

Primeiras impressões.


  As aulas (re)começaram há duas semanas, relativamente. O horário mudou e, a contrariar as minhas expectativas, está a ser interessante. Não sei se cheguei a referir a minha indiferença, para não apelidar de desdém, em relação à licenciatura que escolhi. Até então, aprendi a tolerar. É preciso chegar ao final para aprender a gostar, o que é substancialmente diferente. Consegui estudar, ter sucesso nas provas e transitar sem sentir qualquer apelo. Não poderia dar anos por perdidos, jogar fora o investimento dos pais no meu futuro e, de certa forma, assumir que errara. Não seria um curso que me faria desistir e voltar atrás.

   Os colegas são, regra geral, os mesmos. Alguns reprovaram. Há repetentes, aqueles que já deveriam estar no mercado de trabalho ou, optando pela continuidade, num mestrado. A exigência não dobrou - não estamos no ano mais difícil. Por incrível que pareça, as traves-mestras do curso estão no terceiro. Os professores são menos condescendentes e dão por adquirido de que dominamos quase tudo. Normalíssimo que assim seja.
   Há demasiadas cadeiras económicas, aliás, transversais aos quatro anos. Neste, especialmente, há mais do que deveria. Tenho excelentes notas às disciplinas económicas, assumindo que não gosto e que não me aplico mais para compensar esse facto. Surpreende-me. Veremos se continuo assim - este ano dará jeito!
   Para dar uso aos 'novos' espaços, passámos aos anfiteatros semi-novos: semi porque são, na verdade, de mil novecentos e noventa e sete; novos porque dois, divididos, originaram outros dois, em obras que se prolongaram pelo ano lectivo anterior.


    O P. partiu. Não de vez. Durante este mês, faz o sacrifício de ir e vir todos os dias. Não está, como já havia dito, muito longe da capital. Ainda assim, o percurso é moroso e cansativo, acrescentando-se as horas de aulas que lhe preenchem o dia inteiro. E, segundo me conta, os professores são ágeis em debitar matéria - muito ao estilo dos meus.
    Está surpreso com as enormes diferenças entre o ensino secundário e o superior. Alertei-o nesse sentido. Quando entrei, estava de tal modo expectante e feliz por deixar o colégio que até o ritmo se traduziu numa enorme alegria. "Boa, já sou adulto!"

    Falamos menos. Estamos na faculdade e chegamos tarde a casa. Ele, devido às aulas durante todo o dia, além da viagem de regresso; eu, que optei por ficar na faculdade a estudar. Dias há em que se prolonga para lá das vinte. Não me custa. Em casa, perco-me em conversas, distraindo-me com isto e aquilo. Na faculdade, estou melhor, concentrado. O caminho é árduo, mas mantenho a confiança. Sinto-me como aqueles atletas que estão prestes a cortar a meta. Cansados, sim, mas tomados por uma súbita força ao avistarem a fita por perto. Ou um turista perdido no deserto, sedento, quase inerte, prestes a desfalecer. Entretanto, vislumbra um oásis e as suas pernas cedem ao comando cerebral: água à vista, canudo à vista, faculdade ao longe (um longe perto, mestrado).

    Está feliz com o que escolheu e até já fez novos amigos. É o processo normal. Está deslumbrado. Vivo com ele o sonho e nada farei para que acorde. A sua vida tem sido pautada por algumas tragédias e sentir-lhe a alegria na voz é um bálsamo que me conforta. Acredito mais com ele e ganho alguma ingenuidade. Talvez por isso ande a viver os últimos dias como se dos primeiros se tratassem.