27 de abril de 2013

Queria ser um adulto diferente.


   Olhando para o blogue, apercebi-me de que diminuí - e em muito - a minha assiduidade por aqui, contrastando em larga medida com os anos de 2010 e 2011, por exemplo. Ontem, quando me deitei, detive-me durante algum tempo sobre isto. Cheguei à conclusão de que me torno cada vez mais e mais adulto. Cessaram as aventuras do secundário, as peripécias dos primeiros anos universitários, logo, resta a monotonia. Não fico nada satisfeito. A vida da maior parte dos adultos é um tédio: trabalho - casa; casa - trabalho. Aos poucos, as saídas de final de semana dão lugar aos programas de tv; a barriga dos homens vai crescendo, andando em casa de chinelos; as mulheres, por sua vez, do cabeleireiro passam para a cozinha, fritando batatas gordurosas para os filhos e levando cervejas para o maridão que assiste ao Benfica. A propósito: sou lisboeta e não aguento mais ouvir gritos futebolísticos histéricos.

   Queria ser um adulto diferente. Não me vejo num escritório todo o dia, lendo papéis e assinando despachos. Muito menos numa sala de audiências, engravatado, com aquelas calças largueironas dos fatos. Chegar a casa e abrir a legislação, procurando soluções para os casos em concreto, dia após dia, ano após ano, década após década. Haverá algo pior? Olho em redor, observo os meus colegas. Céus!, como estão crescidos. Não riem, não brincam, os semblantes estão demasiado sérios. Parecem pessoas de 50 anos em corpos de 20. Por favor, alguém me salve.

    A sociedade impõe-nos esses comportamentos. O que é a sociedade? Por que motivo teremos de fazer o que todos fazem, vivendo as poucas décadas que a nossa natureza permite num profundo descontentamento? Questões que me atormentam por meses e que me levam a tentar encontrar uma qualquer janelinha por onde fugir. Sim, eu coloco em causa as raízes, a estabilidade, tudo o que defendia veementemente. Serei um inconformado. Gosto. Se estivesse no Estado Novo, apelidar-me-iam de revolucionário e seria preso.

    Os tempos mudam. As vontades também. A minha passa por querer fazer algo que me satisfaça. Apenas não sei o quê.

20 de abril de 2013

Preconceito.


    Associamos a tacanhez às pessoas naturalmente desinformadas, aquelas que na maioria das vezes não tiveram acesso à educação, porém, nem sempre é assim. Convenço-me de que o espírito liberal e igualitário faz parte da índole de cada um, apesar de acreditar que pode ser estimulado. Quando o preconceito vem de professores universitários que o expõem em forma de piada infame, a revolta assume contornos diferentes. Poderá o núcleo ser comum, mas a desculpabilização é bem menor. Não posso compactuar com alguém que, valendo-se da sua posição, brinque com os sentimentos e os direitos de terceiros. Todos podemos ter a nossa opinião, sem dúvida. E bom senso. O bom senso, na dose certa, faz toda a diferença.

     Esta breve introdução para relatar um episódio que ocorreu numa aula de quarta-feira. Infelizmente, por ética, não posso revelar o nome do professor, nem a disciplina em causa, porque o mesmo poderia levar facilmente à sua identificação. Oportunamente talvez o faça; não enquanto for seu aluno.
      Aproveitando-se de um exemplo relativo ao casamento (estava desatento, não conseguindo perceber como a conversa chegou a tais parâmetros), o docente em causa referiu, em tom cómico, que o casamento continuará a ser um contrato entre um homem e uma mulher, pese embora, e cito, "existam para aí umas leis esquisitas", aludindo claramente à lei que aprovou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, a Lei 9/2010 de 31 de Maio. Fiquei perplexo e, por momentos, pensei que estaria a ouvir vozes. Depois, tomando consciência de que era real o que ouvira, consegui suster uma reacção de indignação, que sairia em tom de murmúrio ou algo semelhante. Ainda bem que assim o foi. Sabe-se - é público - de que a pessoa em causa pertence a um partido da direita ultra-conservadora, comungando, certamente, da sua ideologia. É um homem austero, não deixando de ser simpático, apesar de identificar uns tiques de autoritarismo em algumas das suas acções.

      Não vivemos em ditadura. Ele pode, mais, deve ter as suas opiniões e ninguém o impede de as exprimir. Nesta situação em concreto, os direitos das pessoas estão sujeitos a opiniões? Será lícito questionar o direito de alguém a contrair matrimónio com outra pessoa, dirigindo-se a esse facto jurídico pejorativamente como "lei esquisita"? Afastando-nos da ordem jurídica, na ordem moral e dos valores, esta opinião numa aula, desconhecendo se está perante algum/a aluno/a homossexual, será aceitável? Questões facilmente respondidas por um qualquer leigo.

     Se já não gostava daquele sujeito, a minha consideração por ele diminuiu em muito. Para o meu júbilo, teremos uma relação aluno-professor por pouco mais de um mês. Difícil será ouvi-lo e olhar para si, mas com esforço e alguma paciência tudo se consegue.

16 de abril de 2013

Sol.


   Os dias de Sol têm um efeito positivo em mim. Aliás, creio que em todos. É impossível ficar indiferente à claridade das tardes, ao calor provocado pelos raios de sol na pele branca dos braços, clamando pelas t-shirts primaveris, leves e frescas.
   Hoje, depois do almoço, fui imediatamente para a faculdade. Não me permiti a ficar dentro de um anfiteatro quente, abafado, cheio de dióxido de carbono sufocante. Fui para os jardins traseiros e sentei-me na relva, à sombra de uma pequena árvore. Não pensei que poderia sujar as calças, nem na aula que acabara de perder. Aquelas horas eram minhas e nada me poderia perturbar. 


   É bom pensar no vazio de um momento, naquele limbo entre a existência e o idílico, entre o paraíso e o mundo profano. Sentirmo-nos livres é isso mesmo. É violar as regras sociais, é ousar errar sem medo, é enfrentar os conceitos estabelecidos e ultrapassá-los. É não ser escravo da vida, mas escravizá-la à nossa vontade. Posso dizer que vivi aqueles instantes. Vivi-os à minha maneira.

   Amanhã terei teste. Não estou preocupado, admitindo que poderei não estar preparado como deveria. Contudo, a paz apoderou-se dos meus pensamentos e de todas as minhas acções, ao contrário de alguns dos meus colegas que vivem em permanente ansiedade. Libertei-me desse jugo, não conseguindo explicar como o fiz. Creio que olhei o céu e fui absorvido pelo seu azul imensurável.

   Nada se equipara à sensação de liberdade.

10 de abril de 2013

Decepção.


    Ontem conheci pessoalmente um rapaz que é amigo de uma amiga em comum. Já falávamos há alguns dias mas ainda não tinha surgido a oportunidade de estarmos cara a cara. Entretanto, sendo amigo de uma amiga, trocámos contacto e fomos falando pela internet e por mensagens. Parecia-me um rapaz excelente, simpático, afável e solícito.

    Combinámos o encontro para depois das aulas, ou melhor, para depois das minhas aulas e antes das suas, uma vez que escolhera o horário nocturno. Assim, esperei-o perto da minha faculdade e, ao vê-lo, cumprimentámo-nos normalmente e fomos caminhando pela cidade universitária. Apercebi-me de que era imaturo e brincalhão, levando essas características como qualidades e não defeitos. Sentámo-nos por ali e ficámos a trocar ideias. Era difícil manter uma conversação séria, depressa sentindo uma espécie de água gelada descendo sobre a minha cabeça. Criei expectativas e até fisicamente posso dizer que me atraía. Passado algum tempo, insinua-se de forma sexual. Constatei que tinha chegado a um ponto sem retorno e que o melhor seria arranjar uma desculpa e sair dali. Como as insinuações não surtiram o menor efeito, propôs-me ter sexo com ele, perguntando-me se "tinha local" e "a que horas". Não, não estava a brincar.

      Senti um arrepio pelo corpo e uma vontade enorme de fugir. Era como se estivesse no meio de uma cena inóspita e irreal. Engoli em seco, pensei em segundos e disse-lhe que estava de boas intenções, nunca pensando em nada sexual. Disse-lhe mais: pedi para que apagasse o meu número e que não voltasse a procurar-me. Não fui ríspido. Falei calmamente, contudo, nunca tinha sido confrontado com uma situação semelhante.

      No caminho para casa, culpei-me a mim próprio. Fiquei triste, decepcionado. Não com o rapaz, comigo. Tenho uma visão demasiadamente romântica da vida e das pessoas. Pensei que poderia convidar-me para sair, para tomar um café, ir àquela exposição na Gulbenkian, sei lá! Quiçá roubar-me um beijo ou nada disso. Sermos amigos bastava. Não. Quis usar-me, levar-me para a cama como se eu fosse um pedaço de carne onde ele pudesse descarregar os seus impulsos.
    
       Não irei confrontar a nossa amiga em comum. Vou deixar as coisas como estão e passar uma borracha no episódio. Se aprendi algo? Aprendi. Aprendi a prevenir-me de futuro. Tenho ainda muito para crescer.

6 de abril de 2013

Noites Polinésias.


     A mãe e o pai sempre tiveram uma vida social dinâmica, antes de se conhecerem e após. Não raras vezes ficava com os avós ou com uma ou outra amiga da mãe que também tinha filhos pequenos, brincando com eles até à hora de dormir. Em algumas dessas situações, quando a saudade apertava, os pais ainda passavam de carro pela madrugada para me irem buscar. Ensonado, recolhiam-me no seu colo. Quando acordava, podia ver a mãe, de mini-saia e saltos pretos, altíssimos, elegantemente vestida. Ao sentir-me desperto, afagava-me o cabelo, afastando a franja dos olhos.




    Quando cresci mais um pouco, aos sábados, depois do jantar, a mãe e o pai levavam-me a dois bares simpáticos onde deixavam entrar crianças, na Avenida Almirante Reis, o Tangaroa Bar e o Bora-Bora. São bares decorados com artigos que nos remetem à Polinésia e ao Hawaii. As paredes tinham máscaras tribais expostas, engraçadas, e a luz criava uma atmosfera intensa. Adorava a fonte, à entrada de um deles, e as bebidas fumegantes, servidas em recipientes exóticos e de nomes curiosos, que sempre me deixavam intrigado. Vendo agora à distância dos anos, era a única criança lá dentro, mas esse detalhe ainda tornava tudo mais interessante. Tratando-se de bares, o ambiente era intimista, propício ao namoro, e muito sossegado. Eu andava para trás e para a frente, subindo e descendo a escadaria e recolhendo as bases dos copos das bebidas. Claro que também tinha direito à minha "bebida fumegante" sem álcool. Era a parte mais divertida.




     Aquelas saídas, totalmente inusitadas em crianças de sete, oito anos, fazem-me ter a noção de que fui das pessoas mais precoces no que toca à vida nocturna, aquela que hoje tanto me é indiferente. Confesso que tenho saudades daquelas noites que se deixaram perder com os anos. Tampouco sei se aqueles bares se mantêm abertos, contudo, creio que sim pelo que pesquisei. Terei de passar por lá num destes dias para reavivar as memórias.